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PROJETO NURC-RJ

RECONTATO:
Inquérito 233 (masculino / 59 anos)
Tema: Cidade e Comércio
LOCAL/DATA: Rio de Janeiro, 28 de maio de 1992
TIPO DE INQUÉRITO: Diálogo entre informante e documentador
DOCUMENTADOR: Mônica Auler


DOC. - Bem. Então, eh, vou fazer uma perguntinha assim pra, pra começar. O senhor podia descrever, eh, o lugar onde o senhor mora? O senhor sempre morou lá em Botafogo onde o senhor mora?
LOC. - É. É. Eu moro em Botafogo numa vila. Moro nesse lugar há muito tempo, talvez tenha sido entrevistado nesse lugar onde eu morei, eu não sei, eu já morava nesse lugar quando fui entrevistado por vocês, e já estava lá há algum tempo, eu não sei há quanto tempo eu moro á, mas há uns trinta anos por aí numa casa de vila em que morava a minha esposa quando solteira depois ela (sup. )
DOC. - (sup.) O senhor solteiro já morava lá também (sup.)
LOC. - (sup. ) Eu morava perto ali em Botafogo, ouviu? Naquela época em Botafogo era um, coisa muito diferente do que é hoje.
Jogava-se futebol na rua Visconde Silva (sup.)
DOC. - (sup. ) Ah, que isso! (sup. )
LOC. - (sup. ) Atravessado na rua. Um gol de um lado da rua e o outro do outro lado da rua. E a garotada jogava bola ali. Quando passava um carro, quando passava um carro alguém gritava: Pára a bola! Aí, parava-se a bola, o carro passava e o futebol depois começava novamente.
DOC. - Hoje é difícil não passar um carro ali (sup. )
LOC. - (sup. ) Hoje não dá nem pra atravessar, não é? Então, eu morava ali na pra... ali na rua Visconde Silva mesmo, Botafogo. E tinha aquele negócio de antigamente, tinha turminha de rua (inint. ) Foi lá que eu conheci minha mulher, e ela morava nessa casa que eu moro até hoje. e depois nos casamos, passamos uns tempos desterrados, exilados num apartamento em Copacabana e afinal voltamos pra lá. E estamos lá esse tempo enorme, a nossa vida mudou muito. Eu ... Quando eu casei, eu era muito pobre. Hoje eu tenho uma certa folga financeira, mas por opção consciente, tranqüila , emocional, afetiva e tudo, nós continuamos naquela vila. A casa foi toda reformada mas continuamos ali e somos fiéis ali, não pensamos em mudar. Eu tenho impressão de quando eu sair dali, vou dar, vão dar alguns passos pra mim e me enterram no cemitério que é ali pertinho (risos) é que é bem pertinho, é bem pertinho (sup. )
DOC. - é pertinho mesmo (sup. )
LOC. - E é uma casa muito gostosa porque é ali em Botafogo, e entre outras coisas tem um abacateiro que todo ano nos fornece dezenas de abacates. Nós dividimos com os vizinhos porque tem vizinhança coisa que não existe mais no Rio de Janeiro, né (sup. )
DOC. - (sup./ inint. )
LOC. - (sup. ) Tem vizinhança, mas vizinhanças antigas. Todas as pessoas ali moram há muito tempo se eu ... Provavelmente a maioria mora há mais tempo do que eu. Então são essas pessoas que que, eh, interessante, o filho, era pequenininho quando nós chegamos. Hoje o filho do dono da casa, que alguns já morreram e tal, mas o filho já tem, já tem seus filhos, é outra geração que brincam com os meus netos., entendeu? Então, é assim, é uma, uma vila, hoje infelizmente tem uma grade porque hoje precisa ter grade, né, pro portão, pra não entrar assaltante, etc. Mas tem se ali uma tranquilidade, uma vida assim muito diferente. Também naqueles dias onde, ih, tá faltando ovo, vai pro vizinho, dizia: Fulana quer me emprestar um ovo? E esse (sup. )
DOC. - (sup. ) Nossa ainda existe isso (sup. )
LOC. - (sup. ) É assim. Ainda existe isso lá, viu? Então é assim que eu moro.
DOC. - Ih, o senhor que vive lá há tanto tempo, como o senhor vê... O senhor falou um pouco da sua infância, jogando futebol na Visconde Silva... e seus filhos, por exemplo, que já vivenciaram uma outra época do bairro, né, qual é, quais são as diferenças que o senhor viu?
LOC Bom. É (sup. )
DOC. - (sup . / inint. ) Seus filhos (sup. )
LOC É. Eles não têm o, o ... É, eu acho que eles não têm o menor apego ao bairro. Aliás, as redondezas eu tenho um apego saudosista, eu realmente, talvez se jogasse uma bomba atômica e aquilo tudo fosse destruído, ali a redondeza, e ficasse a vila, eu talvez tivesse um pouco de saudade daquela época antiga, mas do que é hoje não, não, viu? Porque hoje o bairro ali, a redondeza deteriorou muito, caiu muito de padrão, tá muito até perigosa. Então nós temos a vida de um quisto, viu, e, e nós saimos geralmente de automóvel . Eu fiz até algumas tentativas de caminhar porque eu gosto de caminhar pela manhã pela redondeza, mas é absolutamente impossível, impossível não, é desagradável, não é? (sup. )
DOC. - sup. ) É (sup. )
LOC. - (sup. ) Extremamente desagradável. Então os filhos, eles vivem nessa circunstância, eles têm um apego enorme à vila, eh, já houve uma época que nós tivemos a tentação de mudar pra um apartamento em outro local e... Mas aliás esse apartamento ficava também em Botafogo, isso é uma circunstância que tem que ser levada em conta, mas eles foram muito contra, viu, foram muito contra, e, e, mas não por causa do bairro não, por causa dali, da vila, do fato da vila existir, das pessoas que estão ali em volta, a amizade que une. Pra você ter uma idéia, na copa do mundo, até nessa última, nessa última não tanto, mas uma houve uma copa do mundo aí que o Brasil foi bem e nem sei o que lá, e pôs-se a televisão na, na porta de uma das casas embaixo de uma árvore, que tava um pouco mais escura, e ali todo mundo da vila assistiu (inint. ), um trouxe comida, um trouxe ... parece coisa de subúrbio, eu levei umas garrafas de uísque e ficamos ali e coisa e tal (sup. )
DOC. - (sup. ) Me lembra aquelas, histórias de quando surgiu a televisão, que um vizinho só que tinha (sup. )
LOC. - (sup. ) É. Ali todo mundo tinha televisão mas pra congregar, sei lá, as pessoas queriam ficar junto em vez de ir pro clube, foram para ali pra vila, porque a vila representa uma com ... uma pequena comunidade, uma pequena comunidade que os filhos gostam.
DOC. - E, e como era o ... (inint.) Eu vejo Botafogo hoje em dia o paraíso das clínicas médicas, barezinhos e aquela coisa. Como era antigamente? Era estritamente residencial?
LOC. - Era estritamente residencial. As cas ... eram casarões basicamente casarões antigos, eu morava num casarão, eu era pobre mas morava num casarão. Meu pai apesar de ser pobre tinha doze filhos, criava doze filhos, mas comprou o casarão porque antigamente as coisas eram muito diferentes, os padrões eram diferentes. ele comprou esse casarão, né, esse casarão, todo o madeirame desse casarão era de pinho-de-riga. Sabe o que é pinho-de-riga?
DOC. - Não
LOC. - É uma, uma, uma madeira extremamente preciosa, uma madeira acho que até importada, acho que não se produz no Brasil. Esse casarão tá lá ainda, mas meu pai vendeu, vendeu naquela época, comprou dois apartamentos, coitado fez um péssimo negócio. Mas Botafogo era constituído de casarões, casarões, algumas até se chamavam de chácaras porque tinham quintais grandes, entendeu, com árvores frutíferas. Na minha casa tinha uma mangueira e tinha galinheiro, tinha galinheiro na minha casa, tinha um jardim. E em casas ali ao lado, tinha muitas, muita, muitos quintais com muitas frutas, frutas que talvez você hoje, não encontre ou talvez nem ouça falar. Sabe o que que é cajá-manga? (sup. )
DOC. - (sup. ) Já ouvi falar (sup. )
LOC. - (sup. ) Já ouviu falar, né? (sup. )
DOC. - (sup. ) Mas ver mesmo eu nunca vi não (sup. )
LOC. - (sup. ) Cajá-manga, sapoti, carambola. Esse tipo de coisa existia naquela época, é.
DOC. - Eu também morei, moro ainda em casa, morei numa outra casa que tinha um quintal grande, tinha milhões de frutas, tive essa sorte ainda.
LOC. - É. Pois Botafogo era todo assim, várias ruas (sup. )
DOC. - (sup. ) E comércio, tinha algum comércio? (sup. )
LOC. - (sup. ) Tinha comércio, algumas lojas, é, é um comércio pequeno, não é, um comércio de, de, de pequenino comerciante, que ele mesmo ficava na loja, e havia muito mais. A sociedade era muito mais democrática do que hoje, né? Então também havia uma certa confraternização entre eles comerciantes, não é isso, e (sup. )
DOC. - (sup. ) Entre comerciantes? (sup. )
LOC. - (sup. ) Não, com as pessoas, moradores, inclusive a elite que ia à missa na matriz lá e também tinha um comécio, não era lá grande coisa, algumas casas mais importantes, mas todo comércio assim de pequenas lojas em que o dono com a família cuidava, basicamente era isso. Ah, espera aí, tinha uma das meninas que andava na nossa turma que, aliás era uma menina linda, uma beleza, era filha do dono do armazém, viu, e no armazém ficava lá, o pai dela e a mãe dela de vez em quando ia ajudá-lo (sup. )
DOC. - (sup. ) O armazém é uma espécie, quer dizer, acho que já é extinto, né? (sup. )
LOC. - (sup.) Eu também ...É, já está extinto. É tinha armazém, chamava venda também. E em Botafogo existia uma casa que era uma casa muito chique, era a casa chique de Botafogo. Chamava-se confeitaria Imperial. Isso foi uma, era uma casa que procurava imitar a Colombo. Colombo era o supra-sumo do chique do Rio de Janeiro, é uma pena que hoje... ainda é chique (sup. )
DOC. - (sup. ) É (sup. )
LOC. - (sup. ) Mas está maltratado. É se tivesse sido preservada a Colombo, etc, seria uma coisa admirada, a gente vê em outras cidades, por exemplo, em Buenos Aires, você tem confeitarias como a Colombo que são extremamente agradáveis, não é? Mas tinha a casa Imperial lá que era a confeitaria chique. então se você fala em comércio em Botafogo, a Imperial vem logo a, a, a lembrança, né? E a Imperial era uma casa que imitava a Colombo tinha aquelas ´ delicatessen ` e tal, geralmente artigos de qualidade. No fundo tinha uma espécie de uma pequena uisqueria, um barzinho onde se reuniam os garotos mais, mais, mais bem fornidos de dinheiro (risos) Se reuniam ali, e ali também fazia-se ponto pra ver as meninas saírem da missa (risos) que era perto da, da Imperial que a mis ... tinha a missa das onze e meia que era muito elegante ( sup. )
DOC. - (sup. ) Tinha isso também, a missa era diferente? (sup. )
LOC. - É, é. A missa ... Garoto que era bom mesmo ia à missa de onze e meia, e não entrava naquele negócio da reza do padre, ficava de fora pra olhar as garotas. era ali que se via as garotas, e depois dava uma passada na Imperial que as famílias iam fazer as compras do ajantarado do domingo. Ajantarado era um almoço mais tarde que se fazia no domingo, não é? E assim enfim estava o comércio de Botafogo, era ter muita (sup. )
DOC. - Essa Imperial era aonde? (sup. )
LOC. - (sup. ) Era na esquina da rua Real Grandeza com a Voluntários da Pátria. Hoje é uma padaria horrorosa que tem lá. Eu acho que chama Imperial ainda (pausa)
DOC. - É interessante até a gente passar lá e ver ainda (sup. )
LOC. - (sup. ) Ah, vale a pena. Então se você visse antes, né? (sup. )
DOC. - (sup. / inint.) Hoje em dia é tão, tão desagradável, né?
LOC. - É. Bom, se você quer a coisa mais chocante do mundo, é você pegar um livro que foi editado há pouco tempo daquele fotógrafo, me fugiu esqueci o nome dele, foi o melhor fotógrafo que o Rio de Janeiro teve no começo do século. Fotografou muita coisa do Rio de Janeiro. Era um francês, não é (sup. )
DOC. - (sup. ) Eh, Marc Ferrez (sup. )
LOC. - (sup. ) Marc Ferrez. Ele tem um livro sobre a avenida Rio Branco. Quando a avenida Rio Branco foi inaugurada, foi uma, um sucesso extraordinário, que era linda, aliás, né, copiada da, da, da, dos prédios copiados do estilo ' belle époque ` francês aquela coisa, né? Foi um sucesso. ele tinha um livro fotografando edifício por edifício da avenida Rio Branco, e alguns, alguns flagrantes assim da avenida, não é, de longe, tirando a paisagem da avenida (pigarro) E você olha para aqullo e, e passa depressa na avenida Rio Branco, dá vontade de chorar (risos) não é que eu seja saudodista, não, mas era muito melhor mesmo, não tenha a menor dúvida (sup. )
DOC. - (sup. ) É outro padrão, né? (sup. )
LOC. - (sup. ) Outro padrão, outra classe, outra tranqüilidade, outra maneira de viver, eh (sup. )
DOC. - (sup. / inint.) Quer dizer, não é tanto uma diferença mas a pessoa sente uma decadência (inint. ) dez anos (sup. )
LOC. - (sup. ) Tremenda, tremenda. Mas essa decadência só é, é, é muito mais no Rio de Janeiro do que em outras cidades do Brasil, né? (sup. )
DOC. - (sup. ) O senhor vê isso (sup. )
LOC. - (sup. ) A mais isso aí é triste, vê se, se você comparar São Paulo com trinta anos atrás com São Paulo de hoje, e compara o Rio de Janeiro de trinta anos atrás com o Rio de Janeiro de hoje é uma coisa assustadora. Você pega por exemplo Florianópolis, o que era e o que é hoje, viu, comparando, comparando com o Rio de Janeiro decaiu fragorosamente (sup. )
DOC. - E essas outras cidades o senhor acha (sup. )
LOC. - (sup. ) Melhoraram (sup. )
DOC. - (sup. ) Melhoraram? (sup. )
LOC. - (sup. ) Melhoraram. Florianópolis, por exemplo, melhorou muito, Belo Horizonte também melhorou muito e o Rio de Janeiro piorou muito.
DOC. - Por que o senhor acha isso aí. É questão de governo ou outras questões?
LOC. - Bom. Primeiro teve a fusão, né, primeiro aliás, primeiro teve Brasília. A maior catástrofe pro Rio de Janeiro chama-se Brasília, não é isso? Porque antes de Brasília, o Rio de Janeiro era um polo de atração, ah, não somente (sup. )
DOC. - (sup. ) Um centro de atração (sup. )
LOC. - (sup. ) Para interesses econômicos mas também de cabeças pensantes. Você, via, você vê um pouco de história, de literatura, etc, você vai ver que todo mundo, o sujeito nasceu no Maranhão, tinha um pouco de cabeça, era melhor do que os outros , vinha pro Rio. Minas, nascia em Minas, sei que lá, começava aparecer mais, vinha pro Rio, do nordeste todo, não é isso? É.
DOC. - (sup. / inint. )
LOC. - (sup. ) Não era mais, não era co..., não era a capital, era o Rio onde tinha os empregos, os empregos públicos, os funcionários, tinha as escolas, sei lá. O Rio era o pólo de atração e essa gente vinha toda trabalhar aqui. Assim como vieram esses que ... nós ouvimos falar mais porque se destacaram mais, e outros que não se destacaram tanto mas que eram eficientes, que eram eficientes e tal, aqui na administração do Rio, estavam produzindo no Rio e tc., e isso acabou com Brasília, quer dizer, e nem acabou em benefício de Brasília. Não quer dizer que a coisa se disseminou, não é? (sup. )
DOC. - (sup. ) A gente deixou de (inint. / sup. )
LOC. - (sup. ) É, é. Isso tomou (inint. ) Em segundo lugar o que que foi? Em segundo lugar foi a fusão, eu ... Você é do estado do Rio ou não? Nasceu no estado do Rio? (sup. )
DOC. - (sup. ) Não, nasci aqui mesmo (sup. )
LOC. - (sup. ) Bom. Então não se ofenda com isso, não se ofende com isso, né? Porque com, porque o Rio, porque a cidade do Rio de Janeiro era extremamente diversa do estado do Rio de Janeiro, viu, o Rio de Janeiro tinha, um padrão cultural e de hábitos e etc muito melhor do que o estado do Rio de Janeiro. Niterói era até motivo de piada e etc e tal, e com a fusão, houve essa aglutinação e, e tem um ditado da economia que diz que a moeda fraca sempre domina a moeda forte, né? Eu acho que as pessoas (inint. ) Então aconteceu isso, o padrão baixou, quer dizer, em vez de, do, do, da cidade do Rio de Janeiro elevar o padrão do estado do Rio de Janeiro, eu acho que o estado do Rio baixou o padrão da cidade do Rio de Janeiro. E a coisa ficou muito (inint. ) Então em administração da cidade e do estado se vê isso com, com uma nitidez enorme viu. Aquilo tudo, aquele negócio contaminou, as pessoas deixaram de, de, de se empenhar mais, deixaram de ter mais criatividade, mesmo, aqueles que estavam antes, que eram da cidade do Rio de Janeiro, e depois de misturavam, aquela coisa do estado do Rio. Então caiu muito. Bom, eu não, não vou dizer as sete pragas do Egito com relação (risos) ao Rio de Janeiro, mas já disse duas. Vou dizer mais duas, aliás que valem por quatro porque teve duas vezes Chagas Freitas e teve duas vezes Brizola, mas esse (risos) Então você vê aí todo elemento de causas dessa decadência que é brutal (sup. )
DOC. - (sup. ) E agora com esse negócio da Rio noventa e dois, essas obras todas. Como é que o senhor vê isso? O senhor acha que isso é ... Até que ponto isso vai ser produtivo pra cidade (inint. / sup. )
LOC. - (sup. / inint. ) nenhum. As ruas calçadas, né? O chafariz da Candelária ali está funcionando. Não estão deixando os mendigos tomar banho ali, não é (risos) Hein (sup. )
DOC. - (sup. ) Reparei nisso (sup. )
LOC. - (sup. ) É Eu sei que a praça Paris foi cercada. Pelo menos essa vantagem, mas de profundo (inint. / sup. )
DOC. - (sup. ) Será que isso dura depois? (sup. )
LOC. - (sup. ) Não dura. Não dura porque não tem, não tem base econômica, quer dizer, é preciso que o Rio de Janeiro tenha uma vida econômica saudável, viu? Ele não tem, não tem, quer dizer, o que está acontecendo é que, eh, São Paulo, Minas Gerais, pra dizer só dois estados que são vizinhos, eles expandem muito mais rapidamente que o Rio de Janeiro. A quantidade de técnicos financeiros bons e etc que se mudaram para São Paulo, porque, porque São Paulo tem mais movimento, eles têm que estar lá, né? O Rio não. A quantidade de indústrias que muitas vezes têm seus projetos , pensam no Rio de Janeiro e, e acabam indo para São Paulo ou Belo Horizonte, eh, também é muito grande, viu? Isso tá acontecendo, escritório, isso aqui é um escritório de advocacia comercial nós vemos isso acontecer. E vai para, eh, uma indústria dessa vai para São Paulo e para Belo Horizonte muitas vezes porque, eh, geralmente porque lá tem mais mercado, tem mais facilidade de mão-de-obra, tem mais serviços públicos, infra-estrutura, etc, esse negócio que a gente fala, mas também tem mais governo (pausa) mais governo. Agora mesmo eu soube de uma que estava pensando vir para o Rio de Janeiro e foi praticamente cantada pelo governo de Minas Gerais e foi para Minas que ofereceu mais vantagens. O governo do Rio de Janeiro tem horror de trabalho (risos) tem ojeriza, vê o sujeito trabalhando, fica com raiva. Vamos colocar um imposto nesse sujeito, uma coisa qualquer para não trabalhar mais porque está incomodando. Então, o Rio está realmente decaindo muito, decaindo muito. Você vê em tudo. Até viagem. Antigamente todos os aviões internacionais paravam no Rio de Janeiro. Paulista tinha que descer no Rio de Janeiro, pegar um aviãozinho para ir para São Paulo. Hoje, não sei se é a maioria, mas grande parte já pára em São Paulo e não pára no Rio, viu? (sup. )
DOC. - (sup. ) E não pára no Rio? (sup. )
LOC. - (sup. ) É. Alguns não param no Rio, outros param em São Paulo e Rio (sup. )
DOC. - (sup. / init. )
LOC. - (sup. ) E isso está crescendo, cada vez tem vôo de São Paulo não no Rio. São Paulo está sendo a porta de entrada do Brasil (pigarro)
DOC. - Bem. E você, você não (init. ) infra-estrutura, né, eles que estão armando por causa dessa Rio noventa e dois. Será que isso não vai ressuscitar um pouco o Rio? (sup. )
LOC. - (sup. ) Que infra-estrutura?
DOC. - Ah, sinalizar as ruas, por exemplo, eh, botar pontos de informação turística ... Será que isso não, não pode revitalizar o país, talvez, o país, o Rio, o turismo mesmo, né? Porque é muito bonito eles dizerem que o Bra... que o Rio de Janeiro é uma cidade turística, não sei quê, mas, sabe, não tem infra-estrutura nenhuma (inint. / sup. )
LOC. - (sup. ) Nenhuma (inint. / sup. )
DOC. - (sup. ) O cara chega aqui e fica totalmente perdido, como é que vou para o hotel, como é que vou ... Nuca houve isso.
LOC. - É. Bom. Melhora, melhora. O Rio está melhor do que no tempo do Saturnino Braga. Tá melhor, não tá? Antigamente as luzes ficavam apagadas, né, as ruas (ficavam) todas esburacadas. Agora as ruas ... Eles passam um negócio lá que arr... arranha a rua assim e depois fica só uma tinturazinha de asfalto e daqui a dois anos está tudo quebrado, mas que melhora, melhora. Mas isso aí não tem o efeito radical, quer dizer, não tem sequer o efeito que se possa considerar como substancial. O que que prejudica o turismo no Rio de Janeiro?
DOC. - Insegurança?
LOC. - (inint. ) Mas sem dúvida, sem dúvida. Você vai a qualquer lugar do mundo o Rio de Janeiro é uma cidade violenta, todo mundo diz..... Nós ficamos nos enganando, dizendo: Ah, também Nova York tem também violência. Toda cidade tem violência mas igual ao do Rio de Janeiro é inédito. E o Rio ficou conhecido por isso por causa dos mais vexaminosos.
Inclusive porque é um termo bem carioca, né, vexaminoso, não é?
DOC. - (init. )
LOC. - (inint. / risos ) o turista que vem para cá e é roubado, não sei que lá (inint. / sup. )
DOC. - (sup. ) É, mas conheço várias histórias de gente que foi assaltada em Paris (sup. )
LOC. - (sup. ) Bom. Lá também ocorre assalto, mas lá não é como aqui no Rio. Não é esse negócio de você andar na rua e ... Eu tenho medo de andar na rua de paletó e gravata aí, aqui nessa rua depois das oito horas, que é a avenida Rio Branco, né (sup. )
DOC. - (up. ) Nem de dia (sup. )
LOC. - (sup. ) Essa multidão de pessoas aí, coitados do que (inint. / sup. )
DOC. - (sup. / inint. ) na rua dormindo, criança, né (sup. )
LOC. - (sup. ) Então isso não ... O Rio é uma beleza, realmente é uma cidade linda. Mas o Rio terá uma posição de polo turístico de, de, de uma cidade que fature realmente importâncias importantes, importâncias substanciais de turismo, eu acho que tem que primeiro resolver os problemas da violência, aí depois também tem que aparelhar a cidade, (init. ) públicos, sinalização, hotéis que sejam (inint. ) sabe? Mas isso tem que começar resolvendo esse problema da violência (sup. )
DOC. - (sup. / inint. ) problema social (sup. )
LOC. - (sup. ) Isso. E realmente aí o problema da violência não dá pra consertar na base (sup. )
DOC. - (sup. / inint. ) Não existe um problema isolado (sup. )
LOC. - (sup. ) Não adianta (sup. )
DOC. - (sup. ) Tudo está (inint. ) numa única fonte que é social, eh ... Bem, como é que o senhor idealiza uma cidade? Qual seria sua cidade ideal?
LOC. - Minha cidade ideal?
DOC. - É. Seria assim o Rio de Janeiro (sup. )
LOC. - (sup. ) São muitas. Ahn (sup. )
DOC. - (sup. ) Seria assim o Rio de Janeiro antigo, não sei, de repente talvez comparando com outra cidade que o senhor conhece (sup. )
LOC. - (sup. ) É, é. Não, é seria... Eu não sei, eu nun... nunca ... esta aí eu tenho muita saudade do Rio de Janeiro do meu tempo. Mas eu não sei por quê, quando eu penso assim " onde é que eu gostaria de morar? Eu não sei se é porquê, eu tenho certeza que não posso reverter ao passado ou se é porque eu não tenho mesmo vontade ... Mas o fato é que é que eu não penso no Rio de Janeiro antigo, não. Não sei por quê, eh, mas eu (inint. ) Tem cidades que são realmente muito interessantes, Paris é uma cidade gostosa. Florença é uma cidade deliciosa (sup. )
DOC. - (sup. ) O que que é gostoso? Por que lá é bom?
LOC. - O que que é bom em Paris? Olha, isso é uma coisa tão difícil de definir eu não sei por quê. Todo mundo gosta de Paris, né? Todo mundo vai a Paris, gosta porque Paris ... Eu acho que é porque tem, Paris é um repositório de lembranças, não de lembranças pessoais, lembranças de, de, de, é realmente isso e que chama (inint. ) cultura. São coisas que várias gerações acumularam ali e que você chega ali e encontra tudo a sua disposição, você vive e começa a desfrutar aquilo. Eu lembro a primeira vez que eu fui a Paris, eu me comovia tanto em chegar entrar numa rua e puxa! essa rua tem a editora de livros não sei que, viu, ou nessa rua foi mencionada (inint. ) até a rua, viu, isso é tudo lembrança de, de (inint. ) É cultura, isso é cultura, essa estratificação de valores. Isso existe em Paris. Aliás, falando novamente mal do Rio de Janeiro, foi criminosamente destruído por (inint. ) Mesmo aquela minha rua era tão gostosa, tinha casarões lindos, todos foram abaixo e tem edifícios horrorosos aí de dois quartos (sup. )
DOC. - (sup. / inint. )
LOC. - (sup. ) É uma pena isso, é, é uma pena isso. Você vai por aí, tem umas fachadas de casa antiquíssimas. Aqui tem casa antiga que vira pardieiro, né? Não vira pardieiro?
DOC. - é
LOC. - é uma pena, né?
DOC. - (inint. ) Na europa é tudo tão pertinho (sup. )
DOC. - (sup. / inint. )
LOC. - É. Tem cidades muito boas. Strasburgo é uma cidade tão gostosa. Isso só pra falar em cidades maiores. Agora, em matéria de cidade pequena se você algum dia for por lá por perto, não deixa de ir (inint. ) se chama San Gimignano.
DOC. - (sup. ) Fica perto de onde? (sup. )
LOC. - (sup. ) Fica perto de Florença, é, é uma hora, uma hora e meia de Florença. É uma cidade linda. É uma cidade antiga, cidade medieval (inint.) muro aquele negócio ... Mas é linda, né, (inint. ) muitas flores e ninguém faz nada. Todo mundo fica ali, vive ali de turismo (risos)
DOC. - (inint. / sup. )
LOC. - (sup. ) É de turismo, ninguém faz nada (sup. )
DOC. - (sup. / inint. )
LOC. - (sup. ) É, se você ... É. Bom. Tem também uma coisa que eu preciso botar na cabeça do jeito do Rio de Janeiro, não dá pra cidade viver de turismo. Seria ótimo se pudesse, mas não dá porque o Rio de Janeiro está no hemisfério sul. É muito caro vir para o Rio de Janeiro. As passagens aéreas são caras. O Rio de Janeiro está no hemisfério sul que é o hemisfério menos povoado da terra. Quem vai para a Europa tem ali uma porção ... Os Estados Unidos, uma pessoa que está nos Estados Unidos e quer gastar dinheiro vai para Europa, viu? Mesmo estando no Japão que é tão longe, etc, mas também está no hemisfério norte. É muito mais fácil ir para a Europa do que vir para o Rio de Janeiro, isolado aqui. Depois vem para o Rio de Janeiro, vai ver o que mais, não é/ Supondo que o Rio de Janeiro fosse uma grande cidade turística, ele vem (inint. ) no Rio de Janeiro muito bem. Agora o que vamos fazer? Foz do Iguaçu. Tem que pegar o avião, duas horas e alguma coisa, não é? Vou ver a amazônia. Tem que pegar um avião, quatro horas e tal, não é? E então não, não, não tem isso (sup. )
DOC. - (sup. / inint. ) Na europa é tudo tão pertinho (sup. )
LOC. - (sup. ) É. E também para a pessoa se deslocar de Nova York pra qualquer cidade da Europa, é muito mais barato do que se deslocar para o Rio de Janeiro. A passagem de avião é muito mais barata. Então é muito difícil realmente o Rio de Janeiro se transformar num centro turístico importante. Pode ajudar um pouco, o Rio de Janeiro pode ter nas (inint. ) movimento turístico, ele tem um parque turístico lindo, que realmente é uma beleza. Mas o Rio tem que ter... Eu acho que o que (ela) poderia ser ainda, se não deixar passar muito tempo, porque depois deteriora e não pode mais recuperar, um centro de serviços, viu (sup. )
DOC. - (sup. ) Qual seria o tipo de serviço? (sup. )
LOC. - (sup. ) Informática, de assessoria, de serviços financeiros, etc. Mas ele está perdendo cada vez mais a oportunidade. Ele já foi o centro financeiro do Brasil, tá deixando de ser para São Paulo. É uma pena isso. Ele poderia continuar sendo, o Rio de Janeiro poderia continuar sendo o centro financeiro do Brasil. Se ele, eh, aí poderia, isso até poderia ajudar o turismo porque vêm pessoas e tal gera negócios financeiros e eles (sup. )
DOC. - (sup. / inint. ) uma coisa puxa a outra
LOC. - (sup. ) É vai puxando a outra. Então o Rio de Janeiro está se descaracterizando e é uma pena.
DOC. - Em termos de, eh, de infra-estrutura, né, o que o senhor considera, não é o ideal, mas o mínimo para satisfazer o mínimo, né, de uma pessoa. O senhor fala, por exemplo, o senhor falou de Paris porque é um centro cultural e isso é muito importante e tal, mas em termo de infra-estrutura, o que que o senhor acha, por exemplo, não digo especificamente de Paris, mas outra cidade que o senhor conhece, o senhor acha que são satisfatórias e que no Rio não é?
LOC. - Bom. A primeira coisa que me vem à cabeça, em qualquer dessas cidades, um homem comum, ele tem um conforto compatível com a dignidade de uma pessoa humana, entendeu? Ele tem o metrô em Paris, às vezes o metrô está muito cheio e tal, mas é um negócio que leva a um determinado lugar que você queira com razoável conforto, com razoável segurança. Funciona. Anda nas ruas e estão relativamente limpas, né? (sup. )
DOC. - (sup. ) Está sempre funcionando (sup. )
LOC. - (sup. ) Certo (risos) Não há corte de energia elétrica. Não tem ... tem polícia quando você precisa e esse tipo de coisa que talvez aqui não tenha assim, não é?
DOC. - (inint. )
LOC. - É. Você se sente rodeado de pessoas nas quais você pode basicamente confiar. Às vezes você entra num determinado ponto em que dá um pouco de medo e tal, mas existe isso. E outras cidades também, às vezes não existe. Amsterdã, é uma cidade linda. Você vai na praça principal de Amsterdã eu pelo menos fico com medo. Só tem cara drogado ali. É um negócio brabo, não é?
DOC. - Eu nunca fui (inint. )
LOC. - Nunca foi. É. É uma coisa meio braba mas também você vai para outros cantos e não tem nada assim, se dá muito bem.
DOC. - E quanto ao comércio, eh, comparando com o comércio, por exemplo, do Rio e de outras cidades. O Rio está mal ou está bem?
LOC. - Se o comércio está bem? Não, eu acho que o comércio do Rio anda muito bom, né? Uma das coisas que, que que, que talvez, pelo menos para o meu olho, assim, eu não sou grande comprador de coisas não, detesto ir a shopping center não sei que lá, mas parece que o Rio está, tem aí ... tudo que se procura ainda e se encontra eu acho que nós não chegamos ainda ao ponto de ter que ir a São Paulo para comprar uma roupa melhor, esse tipo de coisa, não é? (sup. )
DOC. - (sup. ) Felizmente (sup. )
LOC. - (sup. ) Eh, eu acho que o comércio do Rio, por exemplo, continua a ser bem melhor que o de Belo Horizonte, né? Eu acho que é bem mais aparelhado, ou mesmo de Porto Alegre e outras cidades do Sul e eu acho que o comércio tem feito aqui do Rio uma proeza... Olha, eu não sou advogado de comerciante e não estou ... o que nós temos aqui são empresas maiores como clientes, mas o comércio do Rio de Janeiro incrivelmente tem se mantido num nível bastante bom. Porque muitas grandes lojas comerciais, marcas, etc, são daqui do Rio, né? Não é isso? São originárias daqui. (sup. )
DOC. - (sup. ) Se for (init. ) no interior tem lá (sup. )
LOC. - É. Então o comércio no Rio tem sido muito bom. O da cidade (inint. ) o centro da cidade decaiu muito em relação ao que era antigamente, mas isso porque o centro da cidade todo decaiu, você não tem mais clientela no centro da cidade. Então se deslocou para Ipanema, etc. e agora está esse movimento de se deslocar para os shopping center por causa do problema de segurança, camelô e etc (sup. )
DOC. - (sup. ) Os camelôs tomam (inint. / sup. )
LOC. - (sup. ) É.
DOC. - Tá bom (sup. )
LOC. - (sup. ) Chegamos a nossa meia hora.