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PROJETO NURC-RJ

RECONTATO:
Inquérito 140 (feminino / 74 anos)
Tema: Cidade e comércio
LOCAL/DATA: Rio de Janeiro, 03 de julho de 1992
TIPO DE INQUÉRITO: Diálogo entre informante e documentador
DOCUMENTADOR: M A


Clique aqui e ouça a narração do texto 


DOC. - É, tem, a senhora já tava aí falando né lá de Mato Grosso, qual era a cidade que a senhora tava falando?
LOC. - Eu estive em, Ladário, é Ladário.
DOC. - Onde, é que fica?
LOC. - Fica, fica mesmo, à margem do rio Paraguai. Da minha casa, eu via o rio Paraguai e o Pantanal, que naquela época não tinha absolutamente esse encanto que existe hoje pelo Pantanal, basta dizer que eu morando lá, eu fiquei um ano e, um ano e três meses, mais ou menos, que ele sofreu um acidente, e nós tivemos que vir embora, antes de ele completar, o período que ele devia ficar lá na, na Base, Naval, mas, nunca ninguém, disse que aquilo era uma coisa linda maravilhosa, ia olhar, a coisa bonita que eu vi do Pantanal, é quando havia, a enchente do Pantanal, parece então um grande mar, a água vai subindo vai subindo vai subindo, tudo aquilo desapareceu né, e fica só, água, só água, e os animais que estavam do lado de lá, atravessam, e vêm pra cá, pra um lugar mais, mais alto e em terra firme, porque senão eles morrem. Agora havia, gente lá da Base, que ia ao Pantanal pra caçar. Eles caçavam, que tinha veado naquela época, enfim aqueles animais de caça. Agora passeando por lá, esses pássaros, tucanos, garças, bandos de maritacas, de papagaios, tudo isso eu vi, andando lá pra, a caminho de da Bolívia né, quando a gente ia lá, a Porto Suarez, lá na Bolívia. Então nós assistíamos a isso. Vi coisas muito bonitas, era bonito, a, a terra em si era bonita, uma terra exuberante. Quando nós chegamos o Mauro era pequeno, ele vinha acostumado com aquele regime assim de comer bastante legumes, frutas, tudo isso, simplesmente que lá não havia nada disso né, não havia e eles diziam que não plantavam porque a água vinha levava tudo a enchente, não valia a pena plantar. Então se esperava uma barca que vinha de São Paulo, chamada Fernando Vieira, e a gente ficava de olho, de, dentro de casa, de olho. Olha, lá vem a Fernando Vieira! Era assim que nós comíamos legumes, aí Arnaldo disse: Não, isso não tá certo não, vocês não vêm, não tem legumes pra essa criança, vou, pedir umas sementes. Aí nós, escrevemos pra cá pro Rio, pra pedir, semente, e a mãe dele mandou, uma porção de sementes. Fez canteirinhos e plantou . Mônica deu tudo, deu tudo, eu tinha uma latata, de, de bertalha, que eu fornecia bertalha pra todo mundo, pras casas todas da vila.
DOC. - Bertalha dá à toa, não?
LOC. - Couve, à vontade, couve-flor, pimentas, eu não me lembro mais o que que nós plantamos, mas enfim, dava à vontade porque a terra era uma terra virgem, era uma terra que não estava esgotada.
DOC. - As pessoas ...lá
LOC. - E não aproveitavam, absolutamente nada, isso é que eu achava. A gente ficava muito sem, sem conforto até não é, deviam programar uma coisa melhor pros oficiais e tudo, não sei, bom hoje em dia eu ouvi dizer que tá muito diferente, muito modificado, que a Base foi, toda remodelada, botaram, outra coisa bicho, mosquito, mosca, uma coisa horrorosa, uma coisa horrível eu tinha medo.
DOC. - Tinha medo?
LOC. - Sempre tive medo, de bicho, então tinha em quantidade, umas baratas enormes, né, formigas enormes, e aos montes, em vez de sair uma formiguinha passando assim, não e eram assim quatrocentas formigas pra dentro de casa. Eu tinha, em dia, eu, Mauro calçava bota que nessa época ele tinha o pé chato. Ele detestava usar bota! Ficou depois com mania de sapato. E então, eu tava calçando o sapatinho dele. Não porque mamãe, tem uma coisa aí dentro, não quero calçar não quero calçar! Eu digo: Não tem coisa nenhuma! Deixa de ser mentiroso! Tem mamãe! Quer ver como não tem! Quando eu bati assim saiu uma aranha-caranguejeira, de dentro do da bota dele, veja você. Bom eu fiquei, apavorada, né.
DOC. - E aí nunca mais você calçou um sapato sem bater né?
LOC. - Sem bater, exatamente, e aí, ia ficava olhando pra todo lado porque era muito bicho, muita coisa, assim. Um dia, um tal de bicho lá em Mato Grosso chamado burrico, que todo mundo que passou por Mato Grosso foi carimbado pelo burrico, porque ele, passava, se você batesse na mão, ele, destilava um líquido, que queimava, fazia uma queimadura, e eu vivia perguntando a todo mundo: Como é o burrico, onde tá o burrico, quero vê o burrico, pra não bater na hora, em que ele, oh, num dia eu tava sentada, senti uma qualquer coisa, na perna, é instintivo você pensa né, quando eu fiz isso com a perna, era o burrico.
DOC. - Descobriu.
LOC. - Ele me queimou, assim bem, fervia, mas tinha pessoas que ele queimou no pescoço, no braço, no rosto. Ele parecia assim um, vaga-lume, um vaga-lume pequenino, mas deixava uma marca.
DOC. - Bem, é, eu ia perguntar pra senhora, pra senhora descrever como era a cidade em termos de, é, como eram as ruas, como eram as casas...
LOC. - Mato Grosso ou aqui?
DOC. - Lá.
LOC. - Ah lá de Mato Grosso, bom, era uma cidade, pequena, sem conforto de espécie nenhuma, o que eu posso contar a você pra você fazer uma idéia, quando nós chegamos nós fomos de avião, pra Corumbá, que Corumbá, era a cidade mais importante perto de Ladário. Ladário era como se fosse, um bairro de Corumbá. Então nós fomos pra Corumbá, e, quando saltamos, Arnaldo tomou um táxi, e disse pro homem "Nos leve pro melhor hotel! Eu vi que o homem deu um sorriso, assim um sorriso meio irônico. Não sabia o que que era. Fomos andando e tal, e parou, uma coisa horrível, que era o único hotel existente na cidade, que era uma coisa, pavorosa, impossível de alguém ficar lá, basta dizer que no quarto que nos cederam, havia fresta que do lado de fora, se via o que que estava se fazendo lá dentro. Mauro era menino, Mauro tinha, três anos quando nós fomos pra Mato Grosso, e ele, precisou ir ao banheiro, quando ele viu, o que que era o banheiro, ele ficou apavorado e disse: Não quero ficar neste castelo, minha mãe, quero voltar pra casa! Porque no começo ele estava animado, ia pra Mato Grosso né. Uma viagem assim ele achava que ia ser uma maravilha. Ficou apavorado. Não queria absolutamente ficar ali. Então, diante daquilo, não havia outra coisa, era o único hotel que havia na cidade, e não se podia chamar aquilo de hotel uma coisa horrorosa, Arnaldo resolveu, ir a Ladário ver se havia alguma casa vaga, e foi assim que ele, nós ficamos eu Mauro e a babá, esperando, os três sentados, apavorados com tudo aquilo, sujo, tudo horroroso, e, chamavam Corumbá, cidade branca por que era muito pó. Eu nem me lembro se as ruas eram. Não, asfalto, eu tenho certeza que não tinha, mas havia muito pó, mesmo, então, aquele calor, aquilo tudo, aquele abafamento aquele pó, era a cidade branca de pó. Sei que Arnaldo foi, e voltou, no mesmo dia, nós fomos, disse que só arranjou com um colega, porque a vida de ofi... de gente de marinha, de oficial de exército,
[ ? ] ele arranjou dois colchões, pra nós, pra nós dormirmos, num dormiu a babá, e no outro colchão dormimos nós três, eu, ele, e Mauro. Veja você que, vida difícil. Mas assim mesmo, bom, já ficamos satisfeitos porque dormimos numa casa que era a nossa e, não era naquele hotel horroroso que aquilo até metia medo, sem conforto nenhum. Aí fomos, mas o, os móveis eram, eram poucos, eram móveis de madeira não havia um estofado, não havia nada, tudo muito, simples. Eu diria que eles fizeram aquilo assim, como se fossem casas de operário. Eram, uma casa que tinha, parece que tinha três quartos, uma sala, uma cozinha, e quarto de empregada fora com banheiro, mas diante disso tudo que eu tô contando a você eu não tive coragem nem de deixar a babá ficar do lado de fora, tinha medo que acontecesse alguma coisa a ela. Trouxe ela pra dormir, dentro de casa, e é, e tinha uma varandinha na frente. Bom, nós aí fizemos jardim, que Arnaldo gosta dessas coisas eu gosto também. Então meu jardim ficou tão bonito ... Plantei flores, tinha flores de todas as cores ali na frente, da, da casa, e fizemos horta atrás. Aí criamos galinhas, criamos patos, criam... enfim, procurava eu também senti muito porque eu sempre trabalhei. Já trabalhava naquela época, e, quando fui pra lá, não, tinha nada pra fazer né. Tinha que me ocupar com uma coisa qualquer. Resolvi então, dedicar, cozinhar ensinar minha empregada a cozinhar, que ela não sabia ler, apesar de ter se tornado uma, ótima cozinheira, tinha uma memória, formidável, eu ensinava, e ela fazia as coisas melhor do que eu sabia fazer. Doces, ela sabia fazer, salgados, coisas de forno, um peru, feito por ela, você precisava ver, maravilhoso, nunca vi igual, e tudo era assim, chegava no Natal, sempre a parte do peru ficava com a Maria, porque ela, cozinhava maravilhosamente bem. Um paladar! Ter mão, que se usa muito esse termo, não? E ter uma mão boa pra cozinhar então era, sempre gostoso o que ela fazia.
DOC. - E a senhora falou que, é, [ ? ] que os legumes, por exemplo, vinham numa barca, de São Paulo, e os outros alimentos, onde é que vocês compravam, como era o comércio ...
LOC. - Ao que eu, que eu me lembre, lá em Ladário havia , um armazém, mas armazém de interior, desse que tem tudo pendurado, tudo misturado, né, tem roupa, tem, fumo, tem, alimento, tem, tem, ferramenta, tem tudo ali, era assim o tal de, de armazém que havia, havia uma pessoa só, era o homem rico da terra, não me lembro agora o nome dele, que tinha este armazém. Aí a gente fazia, engraçado você me fazer essa pergunta, porque outro dia mesmo eu perguntei ao Arnaldo: Arnaldo, onde é que nós fazíamos as nossas compras? Aí ele disse: Eu acho que tinha esse armazém, porque não tinha mais nada, hoje em dia a coisa tá diferente, em todo lugar que você vai tem um supermercado, tudo é fácil, lá, nada era, feijão preto era coisa que não havia, e nós gostávamos porque o carioca sempre gosta.
DOC. - [ ? ]
LOC. - Minha sogra mandava, mandava, assim, periodicamente, uns pacotes de feijão preto pra nós. Quando eu fazia feijão preto, havia disputa lá, entre as pessoas pra mim mandar um bocadinho. Então, eu por exemplo detesto, miolo, mas achava que Mauro devia comer, que era uma coisa, boa pra criança comer. Então tinha uma amiga minha, que trocava: tá bom, então quando você fizer feijão, você manda um potinho de feijão pra mim e eu mando miolo pra Mauro. Trocávamos, porque, não havia, foi difícil mesmo, e eu ainda tive Maria, mas quem não tinha [ lá as moças ] ? outra coisa não tinha empregados também. Arranjavam assim umas bugras, umas, bolivianas que aparecem por lá, pra servir de empregada, horrorosas, sempre foi uma coisa horrível aquilo. Eu eu uma vez que Maria adoeceu eu botei uma empregada, [ ] . Eram péssimas empregadas, horríveis, e a maioria, não tinha mesmo né. Então sempre foi, hábito, da classe média nossa, ter empregados. Eu cheguei a ter três empregados. Era o comum lá em casa, ter três vai pra lá, só tinha uma, essa adoeceu eu botei uma outra. Mas foi um fracasso total. Ela botava coisa pra cozinhar, eu dizia: Faz hoje uma batatinha pra fazer um purê. Ela botava a batata e sentava na frente do fogão com aquele calor todo,
[ menina ] pra que você está sentada aí? Tô esperando a batatinha cozinhar. Mas não é assim não. A gente bota e vai fazer outra coisa qualquer. Isso não passava pela cabeça dela né. Muito ruim. Foi uma vida difícil. Eu sei que aconteceu esse acidente com Arnaldo, e, não havia também, como se tratar, não havia jeito daquilo, ele ficou, ele tem uma mão aleijada, inutilizada, ficou sem, porque cortou nervo, tendão, veia, cortou tudo, por causa dos mosquitos e tudo isso. Nós "flitávamos" assim, botávamos aquele "flit" , antes de anoitecer, e ele foi botar, mas com uma mão só quis pegar a janela que era de, de guilhotina, pra agüentar. Enterrou a mão pela janela, cortou tudo. Aí teve que ser operado, o médico me disse que não sabia nem se ele perderia a mão ou não, porque, começaram a fazer em Ladário, não conseguiram terminar, a operação porque foi ficando complicada, tiveram que levá-lo para Corumbá, que lá havia mais recurso.
DOC. - Corumbá já era
LOC. - Era uma cidade, mas assim como eu disse a você, melhor em termos, era uma coisa muito pequena mesmo, não havia, eu, eu, por exemplo, meus vestidos, quando eu precisava, eu, escrevia pra mamãe pra ela mandar daqui, porque lá não havia lugar onde eu pudesse comprar uma roupa. Eu me lembro dos sapatos, que eu comprei pra Mauro quando eu cheguei , eram dois, do mesmo pé, dois pés direitos, ou dois pés esquerdos, [ trecho confuso ] [ ? mesmo.
DOC. - Sem sombra de dúvidas.
LOC. - É, uma vez, uma ocasião, eu até, era normal assim, as senhoras dos oficiais, ir assim pra lá, pra frente da casa esperar os maridos que tavam lá nos navios, naviozinhos, né, assim lá no porto, e eles vinham subindo, e eu olho de cá, vejo Arnaldo puxando uma coisa que me pareceu um cachorro, um cachorro, [ ?] achei meio esquisito, de onde é que Arnaldo achou aquele cachorro, pra encurtar a história era um jacaré, um jacarezinho, que tinha trazido pra Mauro brincar, imagine você, um jacarezinho pequeno, e, que foi amarrado no, velocípede, e que Mauro andava no velocípede arrastando aquele jacaré atrás, eu, apavorada, o jacaré, mais apavorada ainda, e eu fiz isso voltar, com o brinquedo, volta com isso, porque não é possível, medo que ele botava a mão, na boca do jacaré, porque os dentinhos são danados né, [ 3a. interrupção tá sendo gravado, hein, tá sendo gravado, tá falando mal do do jacaré, não pode falar Arnaldo que se não atrapalha a gravação].
DOC. - É, então vamos voltar pra civilização.
LOC. - É, vamos voltar.
DOC. - E o Rio de Janeiro, né, a senhora falou aí que ficou morando aqui em Copacabana, há uns vinte e poucos anos ...
LOC. - É, vinte e poucos anos, que dizer, eu quando, voltei de lá de Mato Grosso, fui pra Tijuca, não. Eu já morava na Tijuca, voltei pra Tijuca. Isso, foi na época da guerra né, mais ou menos. A cidade tava muito modificada, já estava tudo completamente diferente. Nós sentimos assim que houve um inchaço, na cidade.
DOC. - Quais foram as diferenças que a senhora sentiu nessa época?
LOC. - Primeiro lugar as filas, havia fila pra tudo não havia açúcar era uma dificuldade grande pra determinados, alimentos que não podiam ser comprados, dificuldade pra, também de moradia, de casa. Eu achei, tudo muito diferente. Condução. A condução começou a ficar difícil, porque até então a gente andava no bonde, cada um sentadinho no banco, sem ter ninguém na frente. Depois começaram as pessoas a sentarem entre os bancos, ficarem na frente, dificultando a. Você não podia mais ler num bonde. Os ônibus cheios também, gente em pé, quase, mas foi uma coisa de regente. É interessante isso, Rio de Janeiro parece que, recebeu muita gente de fora, eu não sei explicar como foi. Ou o pessoal abandonou o campo veio pra cidade esperando encontrar aqui uma vida mais fácil. Eu não sei dizer direito o que que aconteceu, mas,as coisas foram ficando bem diferente. Mas em todo caso, era muito melhor do que atualmente. A vida hoje em dia é muito difícil, não havia essa, esse medo, eu acho que esse medo hoje em dia é inerente a todo mundo mormente às pessoas de mais idade porque a gente se sente muito insegura com tudo que tá acontecendo.
DOC. - [ ? ]
LOC. - Ah, mas é lógico que é isso Mônica, eu vivi uma vida tranqüila, calma, não havia problema de espécie alguma. Você colocava as suas jóias pra ir trabalhar, pra ir passear, pra ir à rua, normalmente, sem problema nenhum, nem se pensava em roubo em ser atacada. Hoje em dia você não pode botar, nem a aliança. Eu uso a minha, mas eu, muita gente me diz, não usa você tire porque, eles tiram a aliança do dedo, bota uma fantasia, uma coisa assim, é, exatamente, então quer dizer, eu já vivi uma época muito boa em que não havia, absolutamente, esse problema, tudo mais tranqüilo, um dos passeios que nós gostávamos de fazer, era irmos pro Alto da Boa Vista na época do verão, que era uma delícia, uma temperatura deliciosa. Iam as famílias assim, levavam uma colcha, uma qualquer coisa pra botar na grama todo mundo sentava, ficava até tarde, até, o calor melhorar. Você chega lá, ninguém que faça isso que vai ser assaltado no, mal estendeu a toalha ou não entendeu, já tem gente assaltando né, é no bonde, é no ônibus, eu tenho pavor de andar de ônibus, eu tenho, verdadeira psicose. Não posso entrar em ônibus que fico amedrontada, que eu acho o seguinte, você na rua, você, tem maneiras de se defender, ou você grita ou você corre ou você dá o que você quiser mas enfim, mas no ônibus você não tem. Começa tiroteio há uma coisa dessa, em geral, morre o que não tem nada com isso. Então eu não ando de ônibus, de jeito nenhum.
DOC. - Perigoso mesmo né.
LOC. - É.
DOC. - A senhora falou que tinha morado na Tijuca depois veio pra Copacabana, a senhora poderia é, comparar os dois bairros ...
LOC. - Bom na época, é, em que eu vim pra cá, pra Copacabana, havia uma diferença muito grande entre Tijuca e Copacabana, Tijuca era um bairro, muito mais conservador, basta dizer que naquela época, vinte e tantos anos atrás, as mulheres quase não andavam de calça comprida na rua. Eu mesmo não andava. Andava em casa e tal. Na rua não andava porque chamava a atenção, era um bairro diferente, compreendeu, em matéria de comércio, Copacabana deixava longe, a Tijuca. E eu já vinha há muito tempo, como mamãe morava já aqui e minha irmã também, minhas compras todas eu fazia aqui, as melhores casas, as melhores casas de roupa, de moda e tudo, eu fazia tudo aqui em Copacabana, até que pra mim foi bom ter mudado, porque eu já vinha, fazendo assim. Agora, depois que eu saí de lá, a Tijuca se modificou completamente, né, muitos prédios foram construídos, o comércio, ficou muito diferente, hoje em dia as coisas que tem aqui também tem na Tijuca, ruas foram abertas, mesmo a rua que eu morava, que era, ficava, era paralela à Conde de Bonfim, mas não tinha saída, tinha um [ ? ], lá no fundo, e a minha casa ficava exatamente nesse [ ? ], e, abriram, dando passagem pra, ficava ali perto do Tijuca Tênis Clube, é. Eu sei que eu achava muito diferente, eu gostava mais de Copacabana.
DOC. - Em termos de construções, por exemplo, que dizer, o aspecto físico da ...
LOC. - Bem, lá havia muito mais casa, aqui já havia muito mais apartamentos. Eu quando procurei aqui, me mudar pra cá, que eu não queria ficar longe de meus netos foi quando nasceu, meu primeiro neto, eu queria, acompanhar o, o crescimento do mesmo e tudo isso, e de longe, na Tijuca eu ia ficar longe. Eu queria uma casa. Já tive uma dificuldade, enorme, pra encontrar casa, aqui em Copacabana. Não encontrei. As poucas que havia, já tava muito acima daquilo que eu queria pagar. Enquanto que na Tijuca era facílimo. Você encontrava casa à vontade. A rua em que eu morava, praticamente, era todinha de casas residenciais, não tinha apartamento, tinha um apartamento, ao lado da minha casa, mas um apartamento pequeno, parece que eram dois andares, três não sei, e defronte também, e o resto da rua inteirinha, era de casas, vai ver que nós vendemos a casa lá, pra vir pra esse apartamento aqui, que eu queria um apartamento assim, grande porque vinha de casa, e queria também numa rua, calma, que não tivesse comércio, que tivesse perto de tudo. Eu gosto que o comércio esteja perto, mas não gosto do comércio na rua em que eu moro, ah não, isso não, aqui, aqui nessa rua, tem apenas, uma casa de, nesse trecho, né que lá pra baixo ainda tem, que é ali defronte, (que) é uma mercearia, que é ótima, porque qualquer, falta, qualquer, precisão é pertinho, a gente vai ali e compra, não tem que ir ao supermercado, essa coisa, já fica mais longe, são ca ríssimos, porque tudo aqui, eles vendem, é, tudo é muito caro.
DOC. - E, vem cá, a senhora falou do comércio né, que em, Copacabana, tem um comércio muito grande. O comércio de Copacabana é um comércio específico ou ele é variado, é...
LOC. - Ele é variado, mas já não é o que era não. Havia uma decadência muito grande aqui em Copacabana, inclusive, aquelas casas que eu disse a você, de comércio de roupa, femininas, bom, que havia, foi decaindo. Primeiro começaram a fazer em, Ipanema, e as casas de Ipanema, depois, adiante, Barra, Leblon, depois Barra. Eu sei que, o comércio de Copacabana hoje em dia não é um bom comércio. Se você quiser uma coisa mais fina, ou, andar na moda, direitinho tudo, você tem que ir pra outro lugar pra procurar. Não gosto mais do comércio daqui não.
DOC. - Que tipo de lojas que tem aqui?
LOC. - Ah, tem de tudo né, os supermercados, tem bastante, isso tem e, não tão grandes quanto aqueles da Barra, não, não tão sortidos, dá pro gasto, moda também tem. Arnaldo se queixava muito, a questão de, de material pra carro, por exemplo, que ele disse, (que) ele acha que, o comércio aqui deixa muito a desejar, e outra coisa que nós notamos, é que há, pouca quantidade, você não encontra uma variedade muito grande das coisas. Você quer comprar uma coisa, por exemplo, se tem a cor não tem o número, se tem o número, enfim, eu acho que hoje em dia, o comércio tá muito, pobre, aliás você passa pelas lojas, cê não vê quase ninguém comprando, né.
DOC. - [ ?]
LOC. - É, não há dinheiro, exatamente, então. Eu li agora mesmo no jornal, tava lendo o, jornal antes de você chegar, que aquelas casas MAX, pertence à Mesbla, pra, pessoas de pouco poder aquisitivo, fecharam as trinta e oito lojas que havia aqui no Rio de Janeiro, porque, eles, tão, vendo que vão ter um prejuízo muito grande, já o ano passado foi um ano ruim, um ano eles tão vendendo a metade do do que venderam ano passado. Pra não agravar mais ainda a crise, fecharam as lojas todas, MAX, e vão botar o pessoal todo na rua, isso é que é triste, a pessoa perder o seu emprego. Fico muito preocupada com isso, essas dificuldades de emprego, uma coisa horrorosa, mas enfim, tem iss... cinema, cinemas também, havia cinemas, melhores do que há atualmente. Hoje em dia, eles fazem, casas pequenas de cinema, o Roxy, que era aquela casa boa, eu achava, ótimo, confortável, foi transformado em três cinemas né, três cineminhas, tudo pequenininho. Bom também, porque não havia mesmo.
DOC. - Não enche mais.
LOC. - Não enchem mais, eu só vou ao cinema hoje em dia de dia, porque Arnaldo não vai mais. Então eu vou, às sessões de dia. Às vezes eu ia no cinema, contava onze pessoas, vinte pessoas, num cinema. Eu não sabia como é que eles tavam se agüentando. Não se agüentaram. Então todo mundo transformou em, em
DOC. - Os que continuaram, né.
LOC. - Os que continuaram, porque muitos fecharam. Aquele de Copacabana se transformou em hotel, enfim, a coisa foi, modificando muito, a vida vai modificando as coisas, os hábitos e tudo isso. Eu não sei se eu sou saudosista mas eu, eu preferia o meu mundo antigo.
DOC. - E, bem, a senhora falou aí do cinema né, a senhora poderia descrever, assim, em termos de diversões, o que que tem, em Copacabana, por exemplo ...
LOC. - É o que, tem casas de shows, não é, cinema, eu nem sei dizer direito a você, casas de chá, se isso é diversão, mas é, porque o pessoal, Confeitaria Colombo tem, a,a a Colombo que por acaso, ontem, eu fui lá com uma amiga minha, pra ir tomar um chá na Colombo. Que decadência. Coisa horrível! Eu nunca tinha ido, que eles agora fazem esse chá das cinco, como muitos outros hotéis, e casas de chá fazem né, aquela mesa grande, com salgados, com doces, você se serve ali à vontade, tem um preço estabelecido, preço x, você come ali à vontade, e nós não tínhamos ainda ido à Colombo, aí ela: Vamos lá pra experimentar, pra ver, e tudo mais. Achei tudo horrível, os salgados horrorosos, os doces menos ruins, mas, as pessoas que tão freqüentando, não são as pessoas que freqüentavam antigamente, gente mal vestida, enfim, nós achamos tudo horrível. Como eu tinha sido convidada, eu estava calada. De repente ela me perguntou: [ Léa ]: Você não tá achando, tudo isso horrível! Eu digo: Já que você falou, realmente eu estou. Aí nós duas demos por encerrado, o tal de chá, viemos embora. Aí prometemos de irmos a outro lugar, que existe aqui um, uma casa de chá muito boa, nesse hotel, nesse hotel! Palace aqui que era o antigo Cassino Atlântico, ali a casa de chá é muito boa, "chá de Simpatia", tem o ch ... "Bolo Inglês" , também é, fica também no, no shopping, daqui do, Posto 6. Também é bom, tem umas casas de chás, boas, enfim é cinema, teatro, teatro também tem, é, hoje em dia já não, raríssimas vezes eu vou ao teatro, primeiro lugar, como Arnaldo não pode dirigir, porque ele não enxerga. Depois que ele perdeu a visão, não dirigiu mais, minha vida mudou completamente, foi uma mudança radical, cento e oitenta graus. Passei a não, poder sair, não saio de noite, e hoje em dia você sem carro fica muito difícil pra poder sair. Então é preciso que alguém, venha aqui, e me apanhe, e me traga, de volta porque ele não vai, e eu vou pouco a teatro se bem que eu gostasse muito de teatro. Eu gosto de teatro, de shows. Antigamente íamos, Revista, íamos a, ao Municipal, exposições, eu gosto de ver também. Eu faço assim, me convidam, eu vou, qualquer coisa que convide, seja pra distrair pra passear. No sábado nós fomos ver aquela exposição, das Belas Artes, gostei intensamente, ...muito tempo que eu não ia ao Museu. Fiquei admirada de ver como, tá bem cuidado, limpo, organizado, ah, vale a pena. Era uma exposição sobre, D. Pedro II, e uma exposição do século, de quadros do século XIX.
DOC. - [ ?]
LOC. - É, bastante grande, é, ah dá, mas agora, eu, eu, por exemplo, então falta de companhia, e de condução. Sozinha eu não gosto, absolutamente, de ir, não, não acho graça. Podia ir, perfeitamente, teatro, cinemas, tudo isso, mas eu acho tão triste quando não tem uma pessoa do lado pra conversar, pra comentar, pra dizer qualquer coisa, não sei nem se é timidez, que eu sinto, eu sei que eu não gosto, eu não vou, não vou a cinema, a lugar nenhum, se não tiver uma companhia.
DOC. - [ ? ]
LOC. - É, muito mais agradável, e essa amiga minha coitada, ela perdeu o marido ela sente também.