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PROJETO NURC-RJ

RECONTATO:
Inquérito 133 (feminino / 50 anos)
Tema: Cidade e comércio
LOCAL/DATA: Rio de Janeiro, 30 de junho de 1992
TIPO DE INQUÉRITO: Diálogo entre informante e documentador
DOCUMENTADOR: M A


DOC. - Vamos começar [ ? ] é, a maior parte você morou aqui em Botafogo né, você podia descrever por exemplo como era Botafogo, antigamente, como é hoje em dia em termos de, urbanização ...
LOC. - Posso. Eu vim morar em Botafogo, com, dez anos de idade. Antes morava na Lagoa. E, morei aqui, dos dez aos dezoito até me casar, na rua das Palmeiras, e estudando no Colégio Jacobina que também era em Botafogo então, e com família em Botafogo minha avó, minha tia e tal, tinha toda uma vida aqui, transcorria muito no próprio bairro né. E era um bairro, muito mais tranqüilo, ainda bastante residencial nessa ocasião, um bairro residencial de casas, e, com, seu pequeno comércio mais na rua Voluntários da Pátria, um comércio meio tradicional. Era o mesmo comércio que digamos atendeu, à família no tempo que minha mãe tinha, também era menina etc. e tal, e.
DOC. - Que tinha nesse comércio, que tipo de loja?
LOC. - Esse tipo de loja as que eu recorde assim muito nitidamente. Por exemplo, havia uma tradicional loja de comestíveis que era a Casa Imperial na esquina da rua Real Grandeza, com a rua Voluntários, e em frente havia a padaria Bragança. Inclusive era de portugueses que tinham feito a Imperial e a Bragança. Tudo tinha, até acho que na decoração mesmo motivos, lusas por ali, e essa Casa Imperial. Não sei de quando data, até hoje existe lá uma padaria mas mudou muito o aspecto. Mas quando eu era menina e mesmo mais tarde ainda em Botafogo ela ainda mantinha as mesmas, características muito bonita, com aquelas, estantes imensas de prateleiras de comestíveis de vinhos, o velho relógio ah, aquelas vitrines das coisas de, acho que de doces e salgadinhos etc. e tal, a famosa característica da família ter a conta na Imperial mandar buscar, ah. Então, eu como menina adorava porque então se ia, os amigos iam lá em casa estudar, ou qualquer coisa assim. Então pode ligar pra Imperial pra pedir, coca-cola, pão, presente ou não sei o quê, ou casadinho sei lá pra fazer o lanche né, já vinha aquilo entregue em casa, ainda num feitio, realmente, que eu acho que desapareceu, do mapa, mas perdurou por muito tempo eu acho que eu peguei nessa na infância , nessa, fase, de, juventude assim, um esquema que não devia de ser muito diferente do esquema, que, era da, o da minha mãe, e como morava na casa que foi de meu bisavô, na rua das Palmeiras, as o, dizer: rua das Palmeira trinta e oito na hora de telefonar pro Imperial, aquilo tinha um, tinha um eco, ancestral, naqueles velhos senhores gerentes ou enfim, os que tomavam nota, que eram conhecidos né. Havia essa, esse, um estilo realmente, que eu sei que a Casa Imperial ainda durou, na década de setenta quando foi feita a minha primeira gravação. Então eu tinha uma filha pequena, Laura, e o nosso programa de domingo, quando ela, coitada, tava muito aborrecida, da vida em casa, era: Vamos ao Imperial tomar um sorvete! Eu ainda punha aquela, o sorvete na conta de meu pai, porque eu vivia muito apertada, não tinha dinheiro, e tava, separada, com as duas meninas pequenas, e todo orçamento assim super apertado, então quando era pra fazer né, de tomar um sorvete, ou então de comprar alguma coisa pra fazer o lanche de domingo, isso, sempre, era, uma compra feita na, na conta, da rua das Palmeiras, aliás que estava desaparecendo que foi ocasião em que a casa foi vendida, e foi abaixo, meus pais se mudaram, pra onde estamos hoje aqui, rua D. Mariana, mas sempre Botafogo. Outra coisa, característica de Botafogo que eu me lembro que também sei, que era da, os mesmos fornecedores das gerações anteriores era a Galeria Moderna, que era uma papelaria. Creio que ainda existe com esse nome, aqui na rua Voluntários, entre Sorocaba e D. Mariana, que era uma papelaria, vendia alguns livros como antigamente, também as papelarias tinham esse, acho que esse aspecto mais nítido, como menina naturalmente eu tava interessada na papelaria e na confeitaria, não, o resto ... agora, não havia, que eu me recorde assim, ah tinha sapataria, sapataria Pinto, na rua Voluntários, havia uma loja também de, tipo armarinho, e artigos dessa natureza, ali próximo, Casa Augusto, tudo ficava na rua Voluntários e o trecho que eu conhecia ficava entre a Real Grandeza, digamos, e a rua D. Mariana. O resto do comércio, havia loja de, móveis, havia as farmácias, tradicionais, mais de uma, e, mas eu acho que Botafogo não era ainda um bairro de serviço como ele se tornou, e, sobretudo quando ele entrou numa decadência que eu acho que foi do fim da década de 1950 quando Botafogo se virou, se transformou numa, imensa oficina de lanternagem, tudo virou oficina de, consertar carro, realmente foi uma coisa lamentável. Os colégios tradicionalíssimos que eram o Santo Ignácio e Jacobina, da rua São Clemente. Além disso havia o Colégio Nossa Senhora de Lourdes mais pra perto do Largo dos Leões. Havia ainda, um colégio chamado Colégio Resende na rua Bambina que a gente esnobava porque era um colégio assim mais, simples.
DOC. - [ ?]
LOC. - Sim mas, poucos e os dois colégios, realmente, dos mais tradicionais, de meninos, o Santo Ignácio e, de meninas, o Jacobina com aquela separação que nem os horários podiam coincidir, pra menina do Jacobina jamais encontrar menino do Santo Ignácio. Nisso havia uma perfeita, conjunção de interesses do padre reitor do Santo Ignácio com a a [ ? ]. Jacob, agora, era um, bairro, quer dizer, a rua São Clemente era uma rua de, ainda de grandes, predominantemente de boas moradias, no trecho da, da rua Bambina em direção ao Largo dos Leões, com as embaixadas que haviam então, a Embaixada Inglesa, a Embaixada, Portuguesa foi mais tarde até um pouco, e, que atualmente é o Consulado Português né, e havia a, e a Embaixada Americana, onde é hoje a, prefeitura, a Embaixada Inglesa se converteu num colégio suíço, se não me engano, que ainda está lá ou a propriedade ali né, a casa, eu nunca fui lá dentro, havia outras grandes casas quer dizer, a rua São Clemente era a mais residencial, salvo no início da Praia de Botafogo até o Colégio Jacobina na rua Bambina, eram pequenos sobrados que alguns ainda existem hoje, e um comércio, que eu não ia muito pr'aquele trecho assim, mas haveria, possivelmente, uma tinturaria, uma padaria, uma farmácia, uma coisa desse tipo né. Outra coisa típica do comércio, é a farmácia Rui Barbosa, que deve ter atendido o próprio Rui ali, mas que, perto da rua Eduardo Guinle, né, a farmácia Rui Barbosa também é uma coisa, antiquíssima né. Então acho que eu vi em Botafogo, ao vir morar em Botafogo, quase que o mesmo comércio que foi da geração anterior porque aquilo, tinha aquele padrão assim, muito personalizado, tradicional, freguês, aquela coisa assim né. Isso, até, eu me casar. Ainda morei em Botafogo um ano, antes de vir pra, um ano e meio mais ou menos até ir pro exterior, até Barcelona. Acho que nesse final que isso foi ... eu me casei em 1960, esse final da década de 50 trouxe pra Botafogo, a primeira, modificação imobiliária com a construção de alguns edifícios. Haveria alguns tradicionais, mas, começaram a surgir, nem sempre boas construções, eram uns prediozinhos assim mais, mais simples que ainda tão alguns por aí, e, acho que daí que o bairro foi, caindo, nitidamente numa, multiplicação de oficinas, de conserto de carro, lugares de, por exemplo, também, oficinas ou, como se chamam, esses tipos de, locais de, consertos de fogão, conserto de geladeira, que agora eu fiquei.
DOC. - [ ? ]
LOC. - Oficinas seria também né, nesse sentido, prestação de serviços assim dessa natureza né.
DOC. - E as casas que estilo eram, essas casas?
LOC. - Eu acho que Botafogo foi marcado, por um estilo, burguês-próspero, do começo do século, que eram as casas mais em estilo francês, que existe por exemplo ainda, a, casa dos Paula Machado em frente ao Colégio Santo Ignácio, que é bem característica, esse palacete aqui entre a rua Guilhermina Guinle - pega um quarteirão inteiro - entre a Guilhermina Guinle e a D. Mariana, é uma grande casa, que ela dá ... vai até, tem os seus limites nas duas ruas, casas, talvez um, gênero mais brasileiro, algumas casas mais antigas, século XIX. Eu morei numa casa do século XIX, e aí sim, porque uma outra característica de Botafogo eram algumas cabeças-de-porco, como chamamos, algumas, os cortiços quase né, e em geral, instalados em casa que tinham tido uma origem mais, nobre, que depois foram caindo, na sua qualidade, e, se tornaram, foram se subdividindo e se transformando em pensão ou mesmo abaixo um pouco do que seria um conceito de, de casa de pensão né. A casa onde eu morei que é essa casa que seria de meados do século passado, ela, quando foi comprada, em mil novecentos e poucos pelo meu bisavô, Rodrigo Otávio, ela era uma casa que sofreu teve que fazer uma série de reformas e coisas assim, porque, embora tenha tido uma construção nobre, quando ele comprou, aquilo era uma cabeça-de-porco, quer dizer, tinha caído, então era aquela sublocação de quartinhos, de subdivisão dentro da casa. Então eu sei dessa história de que ele teve que fazer uma obra na casa e tudo.
DOC. - Descreva a sua casa.
LOC. - Ah, com o maior prazer. A casa virou um filme quando ela teve que ir abaixo. Ah é, é um documentário que acabou tendo lá sua boa carreira. Essa casa era uma casa do, possivelmente, de meados do século XIX, e que eu suponho então da época dos arruamentos do bairro de Botafogo, isto é, da abertura dessas transversais que não foi, eu acho que, muito, não sei se foi muito simultânea. Todas essa ruas que a gente vai vendo hoje: 19 de fevereiro, Guilhermina Guinle, D. Mariana, Sorocaba, Palmeira, Matriz, Real Grandeza. O caminho, Real Grandeza, era um caminho importante antigo, o caminho de São Clemente que levava, que era da chácara, isso no começo do século XIX e tal, pra chegar, na Lagoa, pra chegar na Gávea, que era um fim de mundo, que o Rio de Janeiro não chegava lá. O outro caminho era a Voluntários da Pátria, o nome das ruas veio inclusive de moradores, a D. Bambina era uma filha do Marquês de Olinda, se não me engano. Então a gente entende a nomenclatura sim porque eram, grandes propriedades, eram grandes chácaras o que havia aí né, que, foram depois abertas. Eu atualmente moro na rua Barão de Lucena esquina de Barão de Lucena com a São Clemente, no edifício mais antigo de Botafogo, que tem lá a sua nobreza porque é de 1937. Ele é todo "art-deco", ele é muito interessante o edifício Barão de Lucena, e consegui, sempre nessa paixão das coisas entregar, não só fotografias de quando ele foi construído - e ele ainda conserva os seus traços decorativos e tudo mais - como, das casas, que havia naquele local, do Barão de Lucena. Então não havia a rua Barão de Lucena. Aquilo era uma grande propriedade da rua São Clemente e que ia de fundos até possivelmente o morro, onde agora tem uma edificação enorme ali no final, um conjunto de edifícios modernos etc. Então foi aberta essa rua, num dado momento né, e é uma rua ainda hoje, na maioria de casas, e a casa da rua das Palmeiras que você me pediu pra falar, era uma casa, então, possivelmente, de, eu não sei a data precisa, tinha até muita vontade de saber, mas acredito, era um grande sobrado, sem porão habitável, que é uma característica dela, com, um terceiro andar muito grande, sob forma de chalé, que foi conservado na parte dos fundos da casa, porque a parte da frente teve uma reforma nos anos 20 já, pelo meu, bisavô, em que eu chamo estilo neo-antigo fez uma coisa pouco [ ? ] colonial assim um frontão, e uma varanda embaixo, na frente da casa, que alterou, essas duas coisas alteraram naturalmente aquela fachada que seria de um grande chalé, um chalé muito alto, muito amplo, com um terreno, também, muito grande, com árvores frutíferas, mangueiras, sapotis, etc, tinha a famosa tamarino, que as suas folhas sujavam a roupa e a lavadeira ficava chorando, desesperada, porque ela punha a roupa pra coarar coisa que ninguém mais sabe o que seja e, então, havia, coisas notáveis e tal, como, o sapoti ficava nos fundos do terreno, e todo dia de manhã, aparecia um sapoti com uma bicada de morcego na frente do terreno, o morcego ia lá tirava um, e trazia e deixava na frente, assuntos misteriosos. Essa casa então comprada em mil novecentos e poucos, três quatro por aí, teve que ser reformada pra se tornar uma boa moradia como ela, realmente se tornou, e foi meu bisavô que morou lá muitos anos, morreu lá naquela casa, em 1944. E continuou a casa na família, e meus pais foram morar nessa casa, quando eu tinha dez anos, foi em 51, e então lá ficamos, por um período. E a casa ficou até 1972 quando foi vendida, foi abaixo, hoje em dia tem um prédio lá, e na hora da venda, a tristeza era tanta o desespero era tanto que eu consegui fazer com, dois amigos, um curta-metragem, um documentário, sem dinheiro, no grito, o qual eu batizei de "Fundo do galinheiro dos Finzzi Contini", porque tinha, algo tão emocionante ali, e, o filme acabou dando certo, ganhou um prêmio e, foi exibido, chama-se "Rua das Palmeiras, 38 ". E foi passado em, cinema nos circuitos como, porque ganhou o certificado de qualidade da, do então Instituto Nacional de Cinema que era o dava, enfim, ganhou prêmio na Bulgária etc. e tal. Essa casa era uma casa que emocionou. Esse filme emocionou muita gente quando ficou pronto, e, foi projetado na Líder, então quem dirigiu o filme, o Jorge [ sobrenome ] convidou várias pessoas, o filme era curto. Então, duas ou três noites nós fizemos diversas vezes a, a projeção do filme porque ele durava dez minutos, quer dizer, as pessoas chegavam viam e tal. E houve reações muito comoventes de pessoas que não tinham conhecido a casa, porque, que a gente se debulhasse, já se sabendo que a casa tava no chão era, compreensível, mas, pessoas que, não tinham freqüentado a casa, que nem, sequer tinham notado a existência especialmente dessa casa, sentiram naquilo exatamente a casa perdida, da sua infância, quer dizer, alguém que chegava e se abraçava e: A casa do meu avô! A casa do meu padrinho! Sempre acho que todo mundo carrega uma casa né, não é a toa que o Gutierrez fez o "Menino palacete", que é uma coisa muito linda. Então é esse o Botafogo, era essa a casa, e, foi, este Botafogo quer dizer, onde eu vivi realmente, durante oito, dez anos, até ir morar na Espanha, em 62, que eu fui pra Espanha. Na verdade doze anos. E, depois, voltei a morar em Botafogo, de 1970, eu diria até hoje, salvo as duas saídas, para morar, um período de dois anos em Ipanema, na década de 70, e um período de, dois anos, cerca de dois anos, em Laranjeiras. A mudança foi muito grande, em termos de comércio. Com o tempo o bairro foi ganhando um comércio um pouco melhor, que eu considero fora do meu ecúmeno porque tudo que tá além, da casa da minha avó, na esquina da rua Conde de Irajá, nunca tenho tempo de ir, isto é, Cobal, umas galerias que têm por lá, eu não, chego lá, não consigo. O cotidiano, o cotidiano somada a uma certa, comodismo, me levam até lá. Continua esse comerciozinho meio mixuruca, que nós temos aí, na rua Voluntários, com muito, um comércio maior, porém , sem uma expressão, acho que, mais marcante.
DOC. - [ ? ]
LOC. - Não, é, é um bairro onde você não tem, quer dizer, eu não sou, eu sou a pior pessoa pra tá dando qualquer depoimento sobre comércio, porque eu já te disse que, ignoro o comércio, não. Se eu tiver mesmo de comprar alguma coisa, eu ainda tento comprar num camelô da cidade, pra não ter que entrar numa loja, tal a ojeriza. Prefiro comprar na rua, não combino com o tema. Realmente não combino. Acho que a última vez que eu fui ao shopping, tem três anos, às pressas no Rio Sul, porque eu acho que eu precisei comprar um negócio. Então não vou nem pra compra, nem mesmo, pra, passear, pra ver, pra curtir. Falta tempo, falta dinheiro, falta espírito. Acho que os três somados. Em compensação, eu tenho uma atração profunda, por qualquer comércio da cidade que esteja fora do Rio de Janeiro, qualquer cidadezinha do interior, eu acho a coisa mais linda, ver o comércio, o bazar onde você encontra de tudo. Eu gosto é disso. Entre um shopping e o Saara, eu sou do Saara cem por cento. Eu acho um barato, uma maravilha. Eu gosto disso, da cidade, agora, me amarro é se se eu tiver que entrar numa C&A que um dia eu acabo entrando. Na Mesbla você pode me amarrar que eu não entrarei. Acho detestável, abominável. Acho que juntou duas coisas: falta de grana e uma falta de apetite, também, pra coisa, e de tempo, não, não, realmente três coisas que não me deixam, completamente, fora desse, dessa [ ? ], e o próprio bairro de Botafogo pra mim, eu tô com uma rotina já há muito tempo, que, me deixa, muito, afastada do comércio do bairro, exceto aquilo que esteja exatamente à porta da minha casa que é um mercadinho, uma padaria, uma farmácia, porque, não, não. Então sair, certo, só em última instância mesmo que eu vou comprar aquilo que é fundamentalmente necessário pra ...
DOC. - É. Você falou aí, de Nova Trento.
LOC. - Falei.
DOC. - É, descreve como é que eram, você vai adorar descrever, não vai?
LOC. - É que vai ficar tão grande. Nova Trento é do tamanho da rua São Clemente de Botafogo. Ela é desse tamanho. Ela não tem paralela. Nova Trento é um município pequeno, de Santa Catarina, que deve ter de onze, doze mil habitantes atualmente, e, o núcleo da sede de Nova Trento talvez, esteja em torno de cinco mil habitantes. Foi , fará até agora cem anos o município, e eu estarei lá certamente em agosto, e é produto de colonização italiana, do norte da Itália, do Trentino, gente que na realidade quando veio era classificada como, os tiroleiros ou austríacos, porque essa região não estava incorporada, a Itália inclusive estava em fase de unificação, e foi a coisa que mais tardiamente se uniu à Itália só depois da Primeira Guerra Mundial é que essa região, que, na época chamada Tirola, Italiana, etc. que, natural e historicamente é o Trentino, que hoje é província autônoma de Trento, quer dizer, Veneto e Lombardia já estavam, foram incorporadas no fim do século passado à Itália, quer dizer, toda aquela campanha de unificação italiana, e o Trentino ficou de fora, mas naturalmente, italianos né, e, fizeram, parte justamente, da grande, estouro da imigração italiana, a partir de 1835 e, são, parte de um grupo que foi, para, Santa Catarina, condições terríveis, precaríssimas, uma saga realmente toda a cena da imigração trentina, conduzidos inicialmente pra onde é hoje Brusque, que, na verdade, também chamava Brusche no século passado, que era uma colônia, criada em 1860, de população predominantemente alemã, e, quinze anos depois estouram lá, levas de italiano sem infra-estrutura nenhuma pra receber aquela gente, foi uma coisa trágica, realmente, o início da colonização. E, a maior parte desses italianos imigrantes, dessa fase, a partir de setenta, de oitocentos e setenta e cinco, veio um pouco, pro sul de Brusque, vinte e nove quilômetros ao sul de Brusque, na confluência do rio Tijuca com, ou melhor, do rio do Braço, com Ribeirão do Alferes, [ ], ali criaram um pequeno núcleo, e as linhas coloniais que iam pro interior seguindo em geral, os riachos. E Nova Trento tem uma, [ ? ] histórica que eu acho apaixonante, porque ela foi, já de interesse dos, jesuítas italianos, que discretissimamente voltavam ao Brasil, já que tinham sido, digamos, sonoramente expulsos, por Pombal precisamente cem anos, antes. Então a volta da Companhia de Jesus que é o tema que tá me atraindo, também, loucamente nisso é uma coisa que se dá quase que subrepticiamente através de Santa Catarina. E diante daquele núcleo de, imigrantes, profundamente católicos, e num abandono violento do governo brasileiro, numa rejeição total da sua origem, isto é, tendo vindo pra cá, não teria nenhuma expectativa de volta por não ter se dado bem, e esse lado, quer dizer, todos os imigrantes geraram famílias, muito católicas, muito medievais no meu entender, agricultores, pessoal, quer dizer, é o camponês, típico que vem. Então os jesuítas criaram residências jesuíticas em, Nova Trento, e tiveram uma, presença decisiva, na constituição de Nova Trento, na mentalidade, no comportamento, na própria cultura, neotrentina, foi muito marcada, e, foi. Ele cresceu esse núcleo, de uma maneira, estrondosa, fascinante, que levou a Nova Trento, pra história da banda de Nova Trento, que foi criada em 1889, com quatorze anos da chegada daquela gente, num lugar que era floresta, que não tinha um lote demarcado, que não tinha nada, não tinha comunicação, isto é, uma vida de uma dificuldade profunda, quatro anos depois chegam as famílias, e quatorze anos depois, eles juntam o dinheiro, setecentos e quarenta e cinco mil réis pra comprar uma banda, sem, apoio, do governo, sem apoio, da lei, Rouanet, sem apoio algum, e tem lá a lista das contribuições, e essa banda foi criada por um padre jesuíta, o padre Sabatini e a banda tem esse nome. Tomou o nome dele. Antes era a banda, a filarmônica, La Societá Filarmonica de Nova Trento. Foi o que foi criado na ocasião, e até hoje tá vivo. Então foi o que me levou lá pra pesquisa do centenário da banda, para o centenário da banda dois anos antes de ela fazer cem anos, e disso foi crescendo um interesse enorme sobre esse, todo esse fenômeno da imigração, essa saga, essa coisa toda, e, ligada à questão também da volta dos jesuítas que eu acho um fenômeno que não é muito trabalhado, e que é, e Nova Trento é um dos pontos onde a gente consegue entender, como é que isso foi crescendo, até a Companhia de Jesus ser detentora da PUC, de tanta coisa grande né, ali foi muito decisivo. Então eu passei a ir muito a Nova Trento e fui criando laços, também muito grandes lá, de amizade, de. Pra mim tem um significado efetivo absoluto Nova Trento.
DOC. - Como é que é, é, tipo de construção que tem lá na cidade?
LOC. - Lá é muito curioso, Nova Trento não conserva praticamente, mais do que umas cinco ou seis casas, com a feição das casas, melhores, de quando a colônia começou a prosperar porque ela prosperou cedo depois ela estagnou, isto é, já sendo município mas digamos no fim do século passado, começo desse século, uma construção típica italiana que eram as casas com um porão muito alto depois dois andares altos e às vezes um sótão ou um andar e um sótão, casas de frente de rua, grandes. Essas casas que são atraentíssimas, não estão conservadas não tiveram, não houve nenhum cuidado em termos do significado disso. Uma é depósito de madeireira, outra eu vi ir abaixo praticamente, outra tá em ruínas, etc. e tal, salvo a do justamente da banda, e de outras coisas que, ele conservou, ele conseguiu conservar muito bem a casa, embora tenha embaixo, o Bazar, e, o escritório dele. A mulher dele cuida de uma loja que chamam o Bazar, isto é, que vende, de tudo, isto é, roupas, sapatos e brinquedos, e, bijouteria e alguns artigos de papelaria etc e tal, e, ao lado ele tem o escritório. Isso é o térreo. Essa casa foi tudo, ela foi brilhar, ela foi cinema, ela foi, morada da Madre Paulina, com suas noviças sem ter o que comer. Ela tem de tudo na sua história: da santidade ao pecado máximo, tudo aconteceu naquela casa que agora está em muito boas mãos e muito bem tratada. E a família mora no andar superior, com pé direito altíssimo. Ali a gente sente, o tipo de moradia.
DOC. - [ ? ]
LOC. - Pé direito é a altura de um determinado andar da casa, a altura da parede. Quando eu era criança eu sempre ficava muito aflita quando ouvia isso e não tinha coragem de perguntar onde tava o pé esquerdo. Depois soube que nunca houve, pé esquerdo, pé direito é só pé direito, não tem pé esquerdo, é, manco, agora, Nova Trento tinha essas casas, e, na década de 50, isso foi o que eu fui, o que eu tô recuperando da história de Nova Trento, entrevistando os velhinhos, e aquela coisa toda. Então, como é uma terra de, como chamavam no tempo da imigração, todos, os documentos que restam de alguns, que ainda guardaram, não queimaram né, em casa do avô, do nonno não sei o quê, todo mundo era artista. Agora artista leia-se pedreiro, marceneiro, carpinteiro era chamado artista né, que aliás a gente chama o próprio português também muitas vezes em texto do século XIX, XVIII tinha um [ ? ] chamado artista aquele que exerce esse tipo de profissão né, então, como a tradição de Nova Trento é de, de gente da construção, assim que se sentiram em condições econômicas um pouco melhores, etc e tal, o que que fizeram? Destruíram a casa do pai, do avô, pra construir uma casinha mais nova, mais moderna, tudo é limpo, pintado, bem construído. Nova Trento sempre parece que acabou de ser construída na véspera de tão bem tratada mas, foi-se embora, de maneira assim, bastante violenta, toda uma uma forma de edificação extremamente.
DOC. - E essas novas edificações ...
LOC. - São casas sem nenhuma, expressão arquitetônica. São casas de bons mestres-de-obras, que são os neotrentinos, eles são famosos, tanto é que há uma permanente saída de, a população neotrentina ela é meio flutuante porque os homens saem muito pra trabalhar em outros municípios, na construção civil. Eles são muito bons na construção civil. E então são casas, que, seriam muito comparáveis a casas, digamos, de, da pequena classe média. A cidade é limpíssima. Ela consta de uma rua que ... Eu gosto muito de igreja. E ela domina uma cidade que não tem edifícios. Ela é alta com duas belas torres. Desce até Florianópolis, vai pro Sul, vai chegar até a cidade de Laguna. Minha mãe em 94 e poucos foi ao RS com o meu pai, foram até o sul do RS e andaram, foram provavelmente até Laguna de carro e dali eles tomaram a praia. Agora as planas como a gente vê no Uruguai tô chegando a Patagônia.