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PROJETO NURC-RJ

RECONTATO:
Inquérito 011 (feminino / 46 anos)
Tema: Casa
LOCAL/DATA: Rio de Janeiro, 09 de junho de 1992
TIPO DE INQUÉRITO: Diálogo entre informante e documentador
DOCUMENTADOR: M A


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DOC. - É, tá, bem, como eu te falei né o tema é sobre casas. Vamos então começar falando sobre, é, sobre a sua casa, onde você mora hoje, onde você nasceu, [ ? ] outras casas que você já morou...
LOC. - É, olha, eu, eu não me lembro mais o que foi que eu falei da outra vez, eu me lembro que, com a Zarita eu conversei sobre casa mas eu acho que eu falei muito, por exemplo da casa que eu morava quando ela era pequena, da casa da minha avó, e, eu tenho que confessar uma coisa, quer dizer, pra mim, é dif... é, eu tenho que me policiar um pouco pra falar de casa porque eu sou professora de história da arquitetura, né, então, eu, eu, eu, mas eu gosto de casa, sabe, é uma coisa assim que eu tenho paixão, que se eu ... inclusive se eu pudesse eu moraria em casa, sabe, eu acho que a pessoa que mora em apartamento, ela, eu moro em apartamento, né, mas ela é podada, assim, grandemente, existencialmente mesmo, sabe, então eu moro num apartamento, que é, eu agora inclusive tô me mudando, mas o apartamento que eu moro é o apartamento mais óbvio, mais medíocre, entendeu, mais, mais assim aquele exemplo do, do fracasso da arquitetura moderna, um prédio de dezenove andares, até nem tem muitos apartamentos por andar não, são só quatro, mas sabe aqueles prédios que você olha a fachada, já sabe exatamente como é o apartamento, você sabe como é a sala, você sabe como são os quartos os banheiros né, aquela salinha pequenininha, três, tudo pequenininho, três quartinhos, dois banheirinhos, uma cozinhazinha, entendeu, quer dizer, na área onde se faria talvez um apartamento de dois quartos, os caras forçam a barra né, e fazem um de três, quer dizer, eu por exemplo moro nesse apartamento eu moro, só com uma filha, então até dá, né, porque eu tenho um quarto, ela tem o outro, tem um pequeno quartinho que a gente faz de escritório, e tem uma sala muito pequena, se você quer dar uma festinha por exemplo não precisa ser festa não, um exemplo, comemoração de aniversário você botou, quatro pessoas acabou o sofá, né, então eu acho isso tudo muito medíocre né, e, e, quer dizer, por exemplo, eu tenho quarenta e seis anos, então, e eu vivi um outro Rio de Janeiro, né, e vivi uma, uma, uma vida por exemplo de morar em casa, com quintal, as pessoas brincando com, sabe, nas ruas, né, quer dizer,
DOC. - Como era essa casa ...
LOC. - A casa que eu morei quando eu era menina, era uma casa assim bem comprida sabe, aquelas com, bem comprida, mesmo né, que até a gente brincava, quando a, sopa sai, quente da cozinha quando chega na sala de jantar já tá fria né, porque, é, são aqueles lotes compridos, então eles fazem a casa assim: na frente tem m pequeno jardinzinho, aí tem uma entrada lateral, com uma varandinha, até isso que na época saiu discussão sabe, [ ? ] quer dizer, aqui a gente fala varanda né, porque é alpendre é uma coisa mais rural, e aí, a varandinha, depois vem um corredor comprido, aí vem, quarto, quarto, quarto, com aquelas, portas, sabe, aquelas portas duplas que são tão bonitas né, com pé direito grande, aí depois vinha a outra sala, que é uma sala de jantar, e aí é que vinha o que a gente chama, esse já é uma coisa técnica, por isso que eu tô dizendo que eu tenho que me policiar, a parte úmida da casa, é, vem o banheiro, vem a cozinha né, tudo, tudo separado, é uma casa assim que me impressiona muito porque você vê, hoje as pessoas tão com mania de banheiro né, você vai nos apartamentos, é, três quartos às vezes tem dois três banheiros, as pessoas acham que tem que ter suíte, entendeu, e, eu acho isso uma coisa meio estranha, porque você vê, as casas antigas eram famílias grandes , né, e só tinha um banheiro, e nunca, ninguém ia, parar pra pensar nisso né, é uma coisa, e as casas eram muito generosas de espaço, dava pra você fazer, festas, né, dava pra você, reunir em grandes almoços, né, quintal, com, pequeno jardim, eu me lembro que depois, quando terminava tudo, né, chegava na cozinha ainda tinha, feito uma areazinha pra lavar roupa ainda tinha o quarto de empregada com banheiro de empregada, e atrás ainda tinha galinheiro, quer dizer, é casa mesmo né, e isso não tem tanto tempo né, então, eu por exemplo, agora, vendi acabei de vender o meu apartamento, com um medo danado de tar fazendo besteira, mas enfim, e compr... pra comprar um outro apartamento mais antigo, mais justamente pra poder ter, quarto maior, sabe, ter uma cozinha também maior, uma sala maior, eu acho que negócio de espaço, eu acho que é só, porque eu seja professora de história da arquitetura não, mas eu acho espaço um negócio vital, sabe, eu tenho até uma amiga que tem uma teoria a respeito da, da, como é que se diz, preservação do casamento, por causa do espaço, às vezes você olha, as famílias antigas, era muito comum você dizer assim, meu tio fulano não fala com a tia fulana é sempre comum em literatura né, casais ou mesmo pessoas da família vivendo na mesma casa, e, não se falavam, porque na casa antiga era possível você evitar, eu hoje não agüento olhar fulano, né, então eu não olho fulano eu vou pra uma outra sala, eu vou, eu não almoço na sala, almoço na copa, você tem alternativa né, e o apartamentos hoje você não tem alternativa né, eu, eu sinto demais, sabe, quer dizer, o espaço da cidade, não é mais o mesmo, é um espaço, violento né, então você já não pode bater perna na rua, como você batia e o Rio de Janeiro é uma cidade adorável pra você bater perna né. Os bairros são bonitos, né, o centro da cidade é bonito, e, as pracinhas né, você sabe que eu moro na Tijuca perto da onde eu moro, tem uma pracinha que é famosa porque ela tem cavalinhos, no, final de semana, pracinha Xavier de Brito, não sei se você conhece.
DOC. -
LOC. - Ela é, adorável, adorável, cheia de árvores, é, com bancos aqueles bancos de madeira mesmo sabe, com chafariz no meio, sabe um chafariz até assim meio metido, sabe assim, com ares, de um monumento mas uma coisa, e, aqueles brinquedinhos de criança, então é uma praça, que ela ainda não decaiu, entendeu, porque tem muito aposentado. Você vai lá tem muito velhinho velhinhos, é, muita criança brincando, e agora tem muita gente andando, em volta da praça, fazendo exercício né, mas, ela não tem ainda um ar assim, quer dizer, você não fica com medo de ir, mas tem praça do Rio de Janeiro que você, por exemplo o passeio Público, né, eu às vezes quando vou ali perto, eu tenho medo, e é lindo, o Passeio Público é lindo, aliás o Campo de Santana, é lindo, é lindo, porque eu já fui, né, é Projeto do [nome da pessoa], do século XIX, sabe, é um projeto romântico, aquela coisa de paisagismo, mas quem tem coragem de entrar, né, você morre de medo né, apesar da, você tá ali, nas imediações, você pode tar com calor, pode querer sentar no banco, mas você tem medo de enfrentar né uma praça, dessas numa cidade como tá né.
DOC. - E agora eles tão tentando cercar a praça né?
LOC. - Pois é, então é uma faca de dois gumes né, porque você diz assim: O ideal, é que nada precisasse de ser cercado né, que as praças funcionassem como um ponto de encontro porque elas foram criadas pra isso, né, de todo mundo é um espaço democrático, né, todo mundo tem direito à praça. Agora de repente com um, uma situação urbana como a gente tá, né, em que a praça é, tomada por mendigos e tudo, quer dizer, é uma situação muito complicada né, quer dizer, eu também acho que tem que resolver, a solução não é, cercar a praça, é, resolver o problema social, né.
DOC. - Mas aí tem outras, outros domínios.
LOC. - Esse, outros domínios, mas eu sinto assim sabe um, empobrecimento, tão grande, da, sobretudo dessa parte, do espaço sabe, do espaço urbano, e, da arquitetura, sobretudo da casa. Outra coisa que eu tenho reparado, um pouco também por eu trabalhar nisso né, que eu trabalho muito com a arquitetura do século XIX. Aquelas casas antigas, elas viram tudo né, ela vira um consultório, ela vira clínica, ela vira escola, vira creche, vira boutique, vira, que mais o que você quiser, é.
DOC. - Centro cultural.
LOC. - Centro cultural, vira centro espírita, as casas eram polivalentes, então elas servem pra moradia, mas elas servem pra n coisas. Você vê que, os prédios modernos, que são chamados de funcionais, né, aquilo às vezes nem pra aquilo eles servem direito, e quando você tenta adaptar pra outra coisa, eles são tão pouco flexíveis, né, você vê esse prédio aqui que nós tamos, aqui né, é o prédio da Reitoria, foi feita pra Faculdade de Arquitetura. Ganhou Prêmio! Este prédio ganhou prêmio, você acredita? É do Jorge Moreira, ganhou prêmio, premiado, por uma bienal, não sei se é por bienal, é por um prêmio de arquitetura. Isto é uma bomba. Como escola, quer dizer, ele não é, ele foi feito pra escola, e é uma péssima escola. Porque a Escola, de Belas, cê acha que eu tô falando coisa que interessa? Eu acho que eu tô falando das coisas da escola mas,
DOC. - [ ? ]
LOC. - Nós, quer dizer, nós que eu digo é a Escola de Belas Artes, nós viemos daquele prédio que você deve conhecer, do lado do Museu Nacional de Belas Artes, onde funcionou, o FUNART. Aquele prédio todo era a escola, que a escola era junto com o museu, pois separou o Museu e a Escola. Você sabe que aquele prédio, é um barato. Você tem assim aquelas grandes galerias, que dão, no meu pátio interno. Aquele pátio interno, era um barato, porque aquilo você ficava um monte de gente conversando, porque escola, as pessoas têm que se encontrar, têm que, não é só o que rola na sala de aula né, é também o que rola, nos corredores, né, nos pontos de encontro, tinha uma espécie de uma lanchonetezinha meia mixuruca, sabe, mas aquilo era um ponto que vinha gente de fora, marcava-se encontro ali, quer dizer a pessoa entrava e ia encontrar, então a Escola ficava no centro da cidade, perto de museu, perto de livraria, entendeu, com vários botecos ali, o pessoal ia muito pra aquele árabe ali que tem na rua do México. Eu não sei se é Vizir, que tinha um chope legal, uma, uma, uma, o chope de lá é muito bom, não sei se ainda é.
DOC. - Eu conheço um árabe ...
LOC. - Cê não conhece um árabe por ali,
DOC. - [ ? ]
LOC. - É capaz de ser, talvez eu teja enganada.
DOC. - Quase lá perto da Santa Luzia.
LOC. - Quase perto, pois é, e, então, quer dizer, aquilo ali era um ponto de encontro porque, você imagina, casa não é só pro artista né mas qualquer pessoa, precisa se relacionar, com os outros, trocar, não é como a gente diz hoje, trocar figurinhas né, e viemos aqui pra essa escola, você vê, a Faculdade de Letras, a Faculdade de Letras, a gente não tem contato nenhum, [ fecha lá porque, é] olha, cê vê a gente, na Faculdade de Letras, a gente não tem contato com, nenhum. Não sei essa arquitetura, esse espaço urbano moderno, é assim, por exemplo, eu sei que a Faculdade de Letras tem uma boa biblioteca mas, eu não tenho, saúde, não sei que que é, pra atravessar isso tudo e ir lá, né. Você deve ter visto, esse descampado, não leva você, é, você não tem, porque, não é, mesmo aqui você vê, só esses corredores, quer dizer, o nosso único ponto de encontro aqui é no bar. O bar vive assim a lanchonete ali, bem mixuruca viu, mas é a nossa oportunidade de ponto de encontro, né. Agora que o pessoal tá tentando fazer um ateliê grande lá embaixo justamente pra isso, pro pessoal, trabalhar junto, porque é muito importante você vê o trabalho do outro, os outros vêem o seu trabalho, né, isso pra um artista né, o cara que vai ser pintor, que vai ser gravador, não pode trabalhar isolado, isso numa Escola de Arte, não é, não é uma, acho que mesmo pra outras áreas, você não acha.
DOC. - É tem que ter uma ... um ambiente ... uma integração, isso aqui parece um prédio comercial.
LOC. - É prédio comercial, quer dizer, isso aqui,
DOC. - [ ? ]
LOC. - podia, é, na verdade, quer dizer, eles fazem o projeto se você for ler a memória do projeto é, funcional, é a circulação, é isso, é aquilo, é a claridade, na verdade isso não é uma boa escola, porque o principal de uma escola, que é, congregar as pessoas, facilitar. Aqui quando você tem que falar com uma pessoa, você diz assim: Ai Meu Deus! Vou ter que procurar pela escola! Porque são esses corredores, não é, essas salas, todas iguais. Até eu acho muito engraçado porque, nós aqui, o pessoal botou nos corredores, essas estátuas né, que foram da antiga Academia Imperial de Belas Artes. É tão engraçado, que dizia assim: A aula é perto da Vênus! Eles marcam muito, a sala, pela estátua perto. A FAU que funciona no terceiro, no quarto e no quinto, é toda clean sabe? Ela é toda, não tem nada, são radicais, não é, e você entra lá, é um negócio assim tão, eu acho que aqui é mais alegre, sabe, o pessoal deu a, já deu uma, botaram aqueles pedestais, não sei se você reparou aqui na entrada, pintaram de vermelhão, azulão, botaram umas cores porque, é, tudo de gesso né, então pra contrastar, botaram uns pedestais bem, alegres eu, eu gosto muito da Escola sabe, mas eu sinto isso, quer dizer, eu fico com medo de, até pra aluno né como professora, de passar muito uma coisa nostálgica pro aluno, mas eu, talvez, seja dos itens da vida moderna que eu acho que eu senti que foi mais roubado, é a questão do espaço sabe, a casa, né, a casa, a, a rua, a praça, sabe, é, veja por exemplo, esse pessoal que mora na Barra. Bom, se bem que a Barra da Tijuca capaz de vir uma outra sociedade que a gente não sabe né. Mas, porque a Barra é toda aquela vida de condomínio, né, é o condomínio fechado ele, é uma coisa, quer dizer, você se relaciona com as pessoas, que podem morar ali, né, que têm o seu tipo de status é uma coisa, mais seleta, mais fechada, né, tem quem controle a entrada quem controle, a saída quer dizer, não é a mesma coisa como era o [ ? ]. Quando eu me lembro, por exemplo que a rua que eu morava, quando eu era menina, é uma rua que dá acesso ao morro da Formiga. Hoje as pessoas tremem né? Nós convivíamos, numa boa com os meninos da favela, entendeu, eles desciam. As meninas talvez menos, mas os meninos eu tenho três irmãos homens, eu sou a única mulher. Eles, brincavam na rua, de bola, com os meninos que pintassem na rua e pintava, sabe, desde o filho de coronel, desde o filho de sei lá de quem, de médico, o menino do morro também, e nunca, quer dizer, é uma coisa, incrível, né, como, a cidade moderna cada vez segrega mais, cada vez, ela, é menos democrática.
DOC. - [ ?]
LOC. - Não é? Verdadeiros guetos, né, verdadeiros guetos. Então isso eu acho, eu acho muito, muito empobrecedor, sabe? Já pensei várias vezes de sair, de morar em Petrópolis, mas aí eu também acho loucura.
DOC. - [ ?]
LOC. - É, porque eu acho que aí a pessoa tem que enfrentar a avenida Brasil todo dia não é mole né? Você já pensou? Pegar a avenida Brasil todo dia? Mas eu pensei várias vezes. Eu pensei várias vezes em morar em santa Teresa, comprar uma casa, uma casa pequenininha, nada muito grande nem muito, porque também, é, tem uma escala, que é, a escala que vamos dizer assim, do aconchego, né, que não é nem grande demais [ tá, depois eu vou lá] desculpe. Então, por exemplo, é, é o que eu tava falando né, da escala do aconchego né, quer dizer eu acho que tem um, casa grande demais, a não ser que seja uma família imensa, é otim... é pra família imensa é ótimo agora você, [ ? ] você se sente esmagado, né. Agora, tem uma proporção, né, que eu acho muito simpática, de, sei lá, uma casinha de dois, três andares, com telhado pontudo. Sabe aquele telhadinho assim, né, com janela, tô vendo a casa, né, assim, uma varanda, que a varanda é uma coisa assim muito civilizada né, a varanda é uma coisa assim, não essas varandas que essas pessoas tão fazendo hoje, né. Essas varandas que, que. Na verdade, a varanda como é feita no Brasil hoje, ela é uma espécie de um mirante. Você sabe que, eu tô tendo essa experiência? Nessa rua que eu moro atualmente, eles construíram uma série de prédios novos, com essas varandinhas que tão na moda. Eu fico olhando do meu apartamento eu acho as varandas tão vazias, que você imagina assim: Ah, se eu tivesse uma varanda, eu punha rede, planta, né. Eu não sei se é porque eles fazem as varandas assim, sabe como é que é, é varanda tipo sacada mesmo. A varanda é solta; não tem parede do lado. Aquilo venta, chove. Eu não sei, eu, eu, eu fico achando que ela não é usada, sabe, como, como poderia. Deve ter algum problema na integração da varanda, com os apartamentos. Elas acabam funcionando como janelas, como simples janelas só que maiores, né. Enquanto que uma varanda mesmo, né, como era nas casas assim mais antigas, ou mesmo. A minha mãe mora num apartamento antigo. Então a varanda dela, é a varanda assim. A parede continua, só na frente é que tem aquela sacada.
DOC. - E normalmente são maiores também né.
LOC. - São muito maiores, então por exemplo, ela tem planta, porque você sabe que tem, que tem, não é qualquer. Tem planta que gosta de vento, tem planta que gosta de sol que não gosta. Quer dizer, numa varanda assim sombreada, e com parede lateral, você pode ter planta bonita. Agora numa sacada dessas assim, solta, pegando vento, pegando sol que você não pode controlar, não é qualquer planta que vai. A samambaia por exemplo não vai. A minha mãe tem plantas lindas, e não tem trabalho quase nenhum, porque ela põe, mais pra frente a que gosta de sol, mais pra trás a. O pessoal antigo entende muito dessas coisas né? E, é um lugar, pode ter uma poltrona, pra ali ler o jornal, quer dizer, é uma coisa mais aconchegante né?
DOC. - É um lugar agradável de ficar.
LOC. - Um lugar agradável de ficar, não é, então não sei, eu, eu, eu acho que houve um empobrecimento enorme, mesmo em apartamentos de gente rica. Eu tenho um irmão, quer dizer, não é que meu irmão seja rico, mas ele tem um padrão de vida muito mais alto que o meu. Ele mora na Barra da Tijuca, num condomínio bom, nada assim, oh, de luxo, nada, mas é coisa que não é qualquer um que tem. Aí eu vejo assim, aqueles quartos pequenos, quer dizer, dificilmente, por exemplo, você pode botar, além da cama, se você quiser botar uma cadeira de balanço, quiser botar uma, uma poltrona, não dá. Quer dizer, é, é, armários, cama, mesa de cabeceira, e olhe lá porque de vez em quando nem mesa de cabeceira dá. Você tem que fazer aqueles, aquele, a, né, aquele movelzinho, uma bancadinha atrás da, da, cama, pra poder, né? É uma coisa engraçada, quer dizer, as pessoas têm mania de armário, cada vez mais, quer dizer pra guardar, bagulhos que a gente. Quanto mais armários você tiver mais bagulhos você coleciona. Muito, muito banheiro, que à vezes você não sabe pra que tanto banheiro famílias pequenas, ah, porque a pessoa, [ mas meu Deus do céu, ah porque tudo tem que tomar banho duas pessoas que quer tomar banho uma toma banho]? depois toma a outra, por que que, cada um tem que ter o seu banheiro? não é? É uma coisa muito esquisita, eu acho tão esquisito, né não? Eu acho isso tudo muito esquisito.
DOC. - [ ?]
LOC. - É, não? As pessoas, não, pois é, depois chegou a um, isso é o que muito cultural, quer dizer, chega a um ponto que você também entra nessa, né? Você começa a achar: Ah, não, mas um banheiro só, e um banheiro, um apartamento com um banheiro só ele já vale menos, a pessoa logo quer transformar aquele banheiro em dois, né, pra poder, é, valorizar. Ficam dois banheiros, pequenininhos, mas a pessoa acha que é vantagem, né, eu não sei, agora, também é difícil, né, você ir contra , vamos dizer assim, a maré né. Você, há uma tendência muito grande a esse tipo de apartamento. Eu agora, por exemplo, acabei de comprar um, apartamento que não tem playground, não tem, salão de festa, sabe, é um apartamento [ ] prédio bom, é com aquele tipo de prédio sobre pilotis sabe, bem, mas um apartamento maior. Então, por exemplo, eu tô planejando fazer assim. No meu quarto, vai dar pra botar uma escriva, a minha escrivaninha, entendeu? Eu quero, botar dentro do quarto, entendeu, a minha filha também. Eu acho que vai dar pra botar cadeira de balanço onde eu gosto de ler, tudo dentro do meu quarto, entendeu? Que aí eu quero, o terceiro, quer dizer, um quarto vai ser meu, o outro quarto vai ser da minha filha, e aí eu agora quero, onde eu fazia antigamente escritório que era o terceiro quarto, eu agora quero fazer uma outra salinha, porque ela a minha filha tá crescendo, ela tá com onze anos. Então já tá pensando nisso, por exemplo, às vezes eu tô, com amigos em casa a gente tá querendo ouvir, sei lá, ouvir chorinho. Aí ela não gosta desse tipo de música, entendeu? É, não gosta, ela, e ela também tem direito né, de ter um. Então eu pensei assim, sabe, fazer uma salinha. Outra coisa também que dá muita briga é negócio de televisão, entendeu? Porque eu por exemplo não gosto de televisão. Eu, assisto de vez em quando, assisto jornal. Assim mesmo às vezes nem jornal, porque é tanta desgraça, que aí eu vou dormir, às vezes eu nem consigo dormir, mas às vezes, quando não dá tempo de ler jornal, porque agora eu botei minha assinatura só sábado e domingo, sabe, Jornal do Brasil? não tem tempo né, não consigo ler o jornal todo dia, então [ onde é que eu vou colocar ] ? essa pilha de jornal pra quê? Então eu compro o jornal de sexta, que eu adoro o jornal de sexta, né, que vem aquela revista Programa, né. Aí, sábado e domingo.
DOC. - [ ?]
LOC. - Né, e, sábado e domingo, vem o caderno Idéias, é um jornal mais completo e tudo, né. Então durante a semana às vezes eu penso: Pô, vou dar uma olhada, vou ver pelo menos o que tá acontecendo né? Mas, as novelas, às vezes, eu vejo, mas não, não é com, tanta freqüência, mas ela gosta, ela gosta... tem umas novelas que ela fica fissurada, entendeu? E às vezes outras coisas. Aí, eu só tenho uma televisão, não vou mais botar televisão na sala, sabe, porque ela tá lá, plantada vendo televisão vendo lá. Aí chega, é, é antena externa né. Então, a televisão não pega bem com aquela antenazinha interna. Aí eu falei não, agora esse outro apartamento, eu vou fazer, a sala. O outro quarto, eu vou fazer uma espécie assim de sala de televisão, ou sabe, pra ficar como se fosse umas duas salas. Se eu tiver grana - que vai ser difícil, depois de eu comprar esse apartamento - eu sou capaz até de, juntar as duas salas, com uma porta de correr, entendeu? Quer dizer, o dia que eu quiser chamar mais gente, eu abro, que eu acho que fica muito simpático, e aí fica tudo uma coisa só, mas os dia que não [ ? ] fecha, ficam duas salas, cada uma faz o que quer, né, então você vê, um apartamento mais antigo, dá pra você né, não é?
DOC. - [ ?]
LOC. - E olha que ele não é nenhuma maravilha não, porque tem préd... tem apartamentos maravilhosos né. Eu tenho um olho danado num, nuns prédios mas eu não tenho dinheiro quer dizer, em Laranjeiras, não sei se você conhece, na rua General Glicério, tem uns prédios antigos, que são assim, alucinantes. Sabe aqueles prédios que têm uma varanda, que corre ao longo dos quartos, todos do lado de fora, aquela coisa sabe, adorável, adorável, simplesmente adorável, mais aí tem que ter muito dinheiro, sabe, e eu não tenho né. Infelizmente eu não tenho.
DOC. - E vem cá, é, você tocou num negócio, como é que é você falou que o seu apartamento não tem salão de festa, não tem playground, assim, e no apartamento que você tá morando, ele tem, o que que compõe a área comum?...
LOC. - É, tinha, quer dizer, tô falando tinha, porque eu já tô saindo dele, tinha, mas assim, tudo muito, vamos dizer assim, mixuruca né, vamos dizer assim, uma, uma, gíria bem antiga né, mixuruca, mas por exemplo, é porque tinha assim, tinha um playground, que na verdade as crianças quase não ficavam nele. As crianças preferiam ficar lá embaixo, onde na verdade era estacionamento de carro, porque o playground ficava no primeiro andar, e é um lugar assim, quer dizer, ele é aberto lateralmente mas é, né, coberto, então é cla... isso era uma luta diária, com o porteiro e com o síndico. Bola, vocês têm que jogar lá em cima, mas eles não querem subir. Claro, porque as crianças querem ficar no lugar mais movimentado aonde tem, as pessoas tão entrando tão saindo, eles vêem, né, então eles querem forçar a barra, pra ficar brincando lá embaixo, onde tem entrada e saída de, de, de ga... Eu moro num prédio muito simples né, não só entrada e saída de carro como também as plantas, umas plantas, que era outra fonte de brigas, quer dizer. A minha filha quando era pequena, ela sempre desceu sempre brincou lá, o salão de festa não é, eu também [ ? ] dava as festinhas dela lá, entendeu. Então aproveitou isso, né, agora, ela já tá entrando em outra fase, não faz mais festinha de aniversário. Eu acho que vai ter agora festa tipo de adolescente, né.