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PROJETO NURC-RJ

RECONTATO:
Inquérito 002 (feminino / 65 anos)
Tema: Alimentação
LOCAL/DATA: Rio de Janeiro, 02 de julho de 1992
TIPO DE INQUÉRITO: Diálogo entre informante e documentador
DOCUMENTADOR: M A


DOC. - Vou começar então, perguntando, é, já que o tema é alimentação né, quais são as, as refeições, normais de um, do dia da senhora por exemplo?
LOC. - Bom, primeiro café, café da manhã, não é, geralmente com frutas, café com leite ou chá, torrada, queijo, geléia, mel, e, depois, o almoço, sempre um, legume, uma carne, ou galinha, ou peixe, arroz, feijão, e, depois o jantar né que às vezes é em forma de lanche, porque as coisas tão mudadas, na primeira entrevista a gente punha a mesa, pro jantar, agora ainda ponho a mesa mas é mais um lanche, uma salada fria,uma maionese ou, uma sopa, dependendo da, estação, sanduíche de presunto e queijo, um doce.
DOC. - E entre a refeições, tem, alguma ... a senhora costuma comer alguma coisa entre as refeições?
LOC. - Não, só um café, ou, às vezes um suco uma coisa, mas, não, não precisa né, já tem bastante, não tem lanche assim como, antigamente tinha, punha a mesa pra tomar lanche quando eu era criança, punha-se a mesa pra tomar lanche.
DOC. - Que horas isso?
LOC. - Quatro horas, quatro horas punha a mesa.
DOC. - E o que tinha nesse lanche?
LOC. - Era café com leite ou chá, pão com manteiga, também uma geléia, era como se fosse um novo café da manhã entende, mas todo mundo convidava pra tomar lanche, quando ia uma visita você melhorava, um pouco, fazia um bolo ou, ou um biscoitinho fino, uma coisa assim, e tinham boas empregadas né.
DOC. - E, bem ...
LOC. - Agora, tá mais simplificado essa parte de empregada, a gente já compra muita coisa pronta né, a facilidade existe, abre a carteira [ ? existe ]
DOC. - Felizmente né
LOC. - Ah é, claro
DOC. - E, e como é que a senhora, é definiria assim uma, uma alimentação ideal, uma refeição ideal, equilibrada.
LOC. - Equilibrada?
DOC. - É
LOC. - Eu acho que, devido ao nosso clima, uma refeição, mais frugal assim sem ser muito quente né, com pouca caloria. No verão por exemplo né, saladas frias, e no inverno então uma sopa mas agora não se tem mais inverno. Você vê que hoje, já estamos no inverno e tá um calor,
DOC. - Ninguém acredita que a gente [ ?]
LOC. - Não se acredita mas acompanhando as estações do ano, e as , frutas do ano, os legumes, a, o que, as feiras oferecem né, no ano, na época.
DOC. - E durante as refeições a senhora costuma beber alguma coisa?
LOC. - Água, ou, às vezes um vinho no domingo, um aperitivo antes do almoço. Eu gosto de tomar, uísque também a gente gosta de tomar antes do jantar, mas não é todo dia, às vezes.
DOC. - E pra crianças, têm é [ ? ]
LOC. - As crianças que já estão muito grandes né, não tem mais criança.
DOC. - Oh, mas quando tinha, tinha alguma coisa de especial?
LOC. - Tinha, mais fruta, né. Procurava fazer bastante variedade de fruta né, e, farinha láctea, sempre, controlada pelo pediatra né, porque é conforme a idade,
DOC. - [ ? ]
LOC. - o pedi ,,, quando eles eram pequenos. Agora não já tão todos criados, né. A minha filha por exemplo casada, é vegetariana, não deixa o menino comer nada de açúcar, nem um biscoitinho de Maizena, ela dá um salto quando a gente oferece, e eu não posso interferir, porque, a avó, o papel da avó é ficar quieta, como diz a minha amiga: abre a bolsa e cala a boca né, e não pode dar palpite na educação, e ele não come açúcar. Mas comerá certamente porque já tá na creche os outros oferecem, mas eles não gostam de açúcar, têm horror, não sei se você é vegetariana, é?
DOC. - Não, não.
LOC. - Mas você conhece os vegetarianos não é?
DOC. - É, conheço alguns. Eu ia até perguntar isso. E como é ...
LOC. - Não comem carne
DOC. - E ...
LOC. - Só, galinha agora é que eles estão comendo peixe, branco, né,
DOC. - E como é que é normalmente, descreve assim, tipo de refeições ...
LOC. - Agora é, eles fazem umas comidas muito o gostosas, aquelas farinhas, que compram nas casas de vegetarianos, e fazem também legumes porque a minha filha também é formada, ela tem instrução, o rapaz é economista, eles têm noção, o meninozinho tem dois anos, então é muito balanceada, sabe, com proteínas e tudo,
DOC. - E como é que eles fazem pra, por exemplo, substituir a proteína, normalmente a proteína vem da carne né
LOC. - Pois é, vem da carne mas, ovo eles, agora tão comendo, sabe, e, pois é, Eu sempre digo: faz muita falta mas carne, ela fala que é um assassino, quem come carne, que horror aquele sangue vermelho, tem verdadeiro pavor. Quando ela vai lá em casa, já sabe que sempre tem que fazer um frango ou um peixe, um prato de sustento né, porque, carne não come. Não sei, você deve conhecer muita gente que é vegetariana, né? Eles ficam até maníacos. Dão saltos quando você vai oferecer uma coisa. Eu já fui dar um biscoitinho pro menino, ela, pegou no ar. Não pode! Tem uma mariola que é uma coisa horrorosa.
DOC. - É feita de quê?
LOC. - Eles põem uma, coisa, mais ou menos equivalente ao açúcar que não é açúcar entende, um produto lá químico qualquer, mas é amarga, não é aquele gosto, e bolo também, é separado. No aniversário, quando ele fez um ano, teve um bolo, sem açúcar e outro com, pro outros que comem açúcar, com açúcar.
DOC. - Engraçado
LOC. - O menino deve ser louco pra comer açúcar. O dia que ele pegar um saco de bala né, mas não sou eu que vou dar né. Não pode.
DOC. - De repente ele até estranha né
LOC. - Não sei não, sabe, não sei, porque na creche, ela agora vai ser difícil controlar, é como ela diz, eu não vou poder controlar, mas, enquanto eu puder eu controlo, porque mais tarde, fatalmente né, no colégio então.
DOC. - [ ? ]
LOC. - Ele já tá grandinho, já tá na creche. Ele vê os outros comerem biscoito. O primeiro dia caiu no pranto porque, o lanche dele era uma maçã , e os outros meninos tavam comendo biscoito. Agora ela já tá acompanhando um biscoitinho especial, porque, tem tudo no vegetariano, não sei se você conhece essas lojas.
DOC. - Eu conheço algumas mas ...
LOC. - Tem tudo mais ou menos equivalente, tem umas coisas até.
DOC. - [ ? ]
LOC. - Ah, refrigerante é um veneno, mortal. Não pode tomar, coca-cola, isso tudo. Ele vai endoidar quando ele conseguir tomar né
DOC. - É seu único neto?
LOC. - Por enquanto é.
DOC. - Seria engraçado é, comparar.
LOC. - Comparar, pois é, mas o rapaz também, o, marido dela também é vegetariano, e eles são instruídos, não é, porque são formados.
DOC. - É uma opção né
LOC. - É uma opção, as amigas também são.
DOC. - Não digo nem que seja errado
LOC. - Não, não, a gente também não pode julgar, pode ser que no futuro, isso que seja o certo, e a gente que seja errada né.
DOC. - Eu acho que isso é uma questão que a pessoa tem que saber equilibrar.
LOC. - Claro, claro.
DOC. - Bem, é, agora, eu vou pedir à senhora, pra me dar uma receita, qual é o prato predileto da senhora?
LOC. - Meu prato predileto?
DOC. - É
LOC. - Eu gosto muito de bolo de chocolate, que aliás, também não me faz muito bem, que eu sou muito alérgica.
DOC. - Alérgica, ao chocolate?
LOC. - Eu sou alérgica de um modo geral né, e dizem que os alérgicos não devem comer chocolate, não devem comer, tomar leite, nada de leite, tem uma série de coisas. Tem um amigo de Cristina, já me deu uma lista, uma lista, o Heitor não sei se você conhece, marido da Bárbara, uma que morreu há pouco tempo, pois é, a batata é um veneno, essas coisas.
DOC. - [ ? ]
LOC. - Mas eu como um pouquinho de tudo, pois é, camarão também, eu adoro. Você quer a receita do bolo de chocolate?
DOC. - Eu quero a receita do bolo de chocolate, como é que é isso?
LOC. - Ah, é a base de todo bolo né, é ovo, farinha, leite, chocolate em pó, em barra ralado, e pronto, o fermento.
DOC. - E [ ? ] , o que que mistura primeiro, como é que vai, eu quero passo a passo.
LOC. - E, agora, você me pegou, porque eu, hoje em dia eu como quase tudo pronto, sabe?
DOC. - Ah é, a senhora não tem feito então?
LOC. - Não tenho feito mais não, não gosto também de fazer não.
DOC. - [ ? ]
LOC. - Eu achei muita graça esse tema de cozinha pra mim, porque eu não gosto de cozinhar, eu achei muita graça, porque escolheram uma coisa bem estapafúrdia pra mim, desde a primeira vez. Agora sempre tive uma empregada antiga maravilhosa, eu não tenho mais empregada, tenho faxineira, como todo o mundo né, mas fixa não tenho mais. Aquele negócio de fazer aqueles docinhos, aquelas coisas, que quando eu era criança tinha aquelas empregadas que mandavam a gente ir pra sala, porque ficava feio uma moça na cozinha: Sai da cozinha! Um absurdo completo né, mas em, há quantos anos isso, há cinqüenta anos atrás, então, mudou muito. No colégio Sion aprendi só a a servir chá, e arrumar jarra.
DOC. - Aprendia isso na escola?
LOC. - E como se comportar em sociedade, colégio de freira, as freiras todas francesas, falavam que não sabiam como a gente entrava num elevador com um homem, sem abaixar os olhos, as freiras, a gente morria de rir, sabe, quando a gente já punha malícia porque, a gente não tinha malícia mas, despertava. Se eu via um homem no elevador, abaixava os olhos. A gente tinha o que, doze, treze anos.
DOC. - Imagina essas freiras hoje em dia.
LOC. - Mas as freiras hoje, tudo mudou meu bem, isso há cinqüenta anos atrás, né, mas eu acho muito engraçado, quando eu me lembo o modo que eu fui educada. Até hoje, às vezes, as minhas filhas dizem: Não se usa mais isso, mamãe! Dar parabéns, nas datas, telefonar. Minha filha acha esquisito que eu lembro , eu tenho muita memória por enquanto, graças a Deus, bater na madeira, mas em felicitar, nas datas, elas ficam admiradas, aniversários de casamentos, aniversários, aniversários natalícios né, eu sempre lembro, falo. Agora é a maneira que eu fui educada, mas eu também procuro me adaptar, e com essa minha filha então de vinte anos eu tenho muita pena, porque ela é muito deslocada, eu procuro ficar muito atualizada porque, uma vez ela saiu com um rapaz eu fui perguntar, quem era, qual era o sobrenome, ela falou pra mim: Não acredito, mamãe! Compreende? Nós tamos mais pra avós, dela, do que pra pais, mas procuro, aceitar não é, a modernidade. Que que eu vou fazer?
DOC. - [ ? ]
LOC. - Eu estranho, mas eu fico quieta, eu aceito, é porque a vida dela não me pertence, né? Já fiz também curso de terapia, de psicologia, essas coisas, [aí ] pra, pra poder aguentar a minha barra da minha família, mas é assim mesmo, a vida dela não me pertence,. A gente só, dá um empurrãozinho. Eu digo:Olha se eu fosse você, eu fazia assim! Só isso, o máximo que eu falo, porque o que que eu vou fazer?
DOC. - É, e não adianta [ ? ]
LOC. - Não adianta, e fica uma, coitada, ela também é deslocada com os pais mais velhos, né. Agora eu não tive coragem de fazer aborto. Então, é isso, não sou contra também não, não tô criticando, mas eu, eu disse: Meu Deus, tanta gente pobre aí pega criança pra criar, não é, o que você vê, não é, tão bonito essa gente pobre quando abre a casa, às vezes sem ter condições, eu digo: Eu vou tirar uma criança? E minha mãe já tinha tido Cristina, com a mesma idade que, eu tive a Cristiana, mamãe teve Cristina. Então, todo mundo: Que vitalidade! E eu pensando que não fosse mais nada né, que fosse menopausa e tudo, mas era .
DOC. - [ ? ]
LOC. - E ela é uma moça muito bonita, muito bonita e muito forte, muito alegre, muito moderna, e assim se vai andando né. O mesmo marido também, isso também já não se usa mais não é?
DOC. - É, hoje em dia tá meio fora de moda ...
LOC. - Meio fora de moda.
DOC. - Embora, não seja mal não, e, bem voltando um pouquinho, é, à alimentação, a senhora falou que, não gosta muito de cozinha, e que tinha empregada, e hoje em dia não tem mais, então como é que a senhora faz é, a senhora compra as coisas prontas ...
LOC. - Eu compro muita coisa pronta, e quando eu me disponho a fazer eu pego um livro, eu tenho um livro americano muito bom, "Alegria de Cozinhar" também, é, esse é brasileiro, mas é "Cooking With Ease" , muito bom, receitas fáceis sabe, e, lá na América também eu cozinhava porque, mas lá você encontrava tudo pronto; ou semi-pronto, já naquele tempo, você punha as coisas no forno, aquilo ia aparecendo a comida, uma coisa estranhíssima que é lá sabe, vem no alumínio, vem toda empacotada, aí você, compra, aparece o molho, aparece tudo, uma delícia, preparado né?
DOC. - [ ? ]
LOC. - Muito mais adiantado do que a gente, já naquele tempo.
DOC. - Isso há quanto tempo?
LOC. - Há muito tempo, a Clarinha não era nascida. Ela tem trinta e um anos. Já tinha congelados lá, porque era muito mais barato você comprar, do que ir ao restaurante, como agora também é, muito mais barato. E aqui no Brasil os congelados são muito caros.
DOC. - Realmente.
LOC. - Em relação, quer dizer, a pessoa ainda tem que fazer em casa, né, mas eu compro, eu compro muito frango pronto. Tenho lá um, lugar onde eu moro que fazem muito bem feito,. Já tem massa que você compra pronta, muito boa, é, e você pode rechear à vontade, ou eles servem o recheio também, e, a, ali no shopping center da Gávea, eu moro mais ou menos perto, tem, loja ótima, vendem nhoque pronto, vendem tudo. O negócio é abrir a carteira né? Quando eu tô muito cansada, eu compro.
DOC. - [ ? ]
LOC. - É, agora, um, filet mignon você comprando, compra uma batatinha frita pronta, são umas delícias, né, esses "potato chips" , arroz, e feijão. Quando eu tô apertada, faço esse arrozinho de saco, Uncle Ben's, quando não estou, faço arroz mesmo num instante, um talharim, compro o molho pronto; porque fazer a mão já, já, a vida não comporta mais, sem empregada.
DOC. - [ ? ] é uma correria né.
LOC. - Com empregada é que é bom. Essa minha empregada antiga ela morreu, mas aí depois, elas tão muito caras e meu ... Não querem nada né, e nem sabem fazer também, não deduzem.
DOC. - Não sabem e não querem aprender.
LOC. - Não querem aprender, não deduzem, não têm instrução, não têm noção de proporção, porque ou fazem demais ou de menos. Você pode reparar que a proporção é ligada à cultura, porque nenhuma empregada sabe proporcionar, a quantidade. Se você reparar, elas sempre fazem demais, elas acham que não vai chegar, eu não sei se você tem contato.
DOC. - Não, sei lá, porque também não é do bolso dela que tá saindo. [ ? ]
LOC. - também mas elas não têm muita noção, elas fazem demais. É porque não sabem calcular, compreendeu, é um cálculo, você diz, aí a uma pessoa, três bolinhos, ou quatro bolinhos, você mais ou menos vê a quantidade, mas empregada alguma, eu estou casada há muito tempo, eu já vi ter noção de proporção. Nunca vi. Fazem sempre demais. E se a gente for falar, acham que a gente é miserável, não é verdade.
DOC. - É isso mesmo.
LOC. - Então a gente tem que calar a boca, comer no dia seguinte.
DOC. - E, vegetais, assim, a senhora costuma, fazer muitas saladas, que tipo de legume, quais são os crus, quais são os cozidos...
LOC. - Ah costumo sim, costumo, gosto muito de legumes, crus e cozidos. Olha, cru, rala né, por exemplo, cenoura, você rala crua, é, beterraba, pepino, é uma delícia, alface, tomate, né, pode às vezes pôr uma latinha de "petit pois", que fica muito gostoso e uma de palmito em lata, pra enriquecer, ovo cozido. É um prato, pra de noite, eu faço muito uma salada grande às vezes uma sopa. Agora no calor não né, salada sim mas a sopa não, mas é uma delícia, uma sopinha bem feita né, e agora já tem também caldo Knorr, quer dizer pois é, tem muita coisa pronta que ajuda. Caldo Knorr é, um grande...
DOC. - Uma mão na roda.
Mão na roda, de galinha e de carne né, conforme o prato, e no lanche sempre, procuro fazer também, ou um doce ou, uma fruta, gosto muito de frutas, na sobremesa, tangerina, fruta da época né, maçã, pêra, tangerina, mamão, banana. Faz aquela vitamina, às vezes a Cristiana chega do colégio, tá com fome assim, ela faz no liquidificador, engraçado, as, boas cozinheiras, saltam uma geração. Minhas duas filhas cozinham muito bem, e gostam. A Clarinha ela cozinha que é uma maravilha, essa que é vegetariana. Ela põe aquela, assim, aquela farinha, aquelas coisas e faz uma papa mas são umas delícias. Eu adoro comer lá. Ela faz uns peixes maravilhosos, sabe, com tudo natural. Ela me explica, como é, mas eu nunca, acabo nunca fazendo, eu tô, sou boa pra tomar a receita, eu fico com preguiça. A gente quando, tá casada há muito tempo sem empregada fica com preguiça de lavar as coisas, sabe, cansa.
DOC. - Dá muito trabalho, né, você passa o dia inteiro [ ? ]
LOC. - É muito chato, tem gente que adora né, tem gente que tem prazer.
DOC. - Uma vez ou outra, ainda vá lá, você entra na cozinha [ ? ]
LOC. - É, mas tem pessoas que gostam né,tem aquela alegria, alegria de cozinhar mesmo né.
DOC. - Eu até gosto né mas assim um dia [ ? ]
LOC. - É um dia, quando você tá disposta, agora por obrigação, eu acho que aí, é difícil, às vezes uma pessoa, você que já chega cansada, a mulher geralmente também já trabalha, fora, chega cansada. O homem também já ajuda muito.
DOC. - Na cozinha?
LOC. - Ajud... meu marido me ajuda muito na cozinha. Ele, ele tem muito mais jeito do que eu.
DOC. - Ah é, e qual é a especialidade dele?
LOC. - É, especialidade dele? Ele faz bolo de chocolate, muito melhor que eu. Nesse livro americano, com batedeira elétrica... batedeira né. Ele tem jeito. A família dele toda, tem jeito pra cozinhar, as mulheres e os homens. Ele cozinha, ele não se incomoda não, graças a Deus.
DOC. - Bem né, às vezes quebra um galho, é, o que que eu ia falar, ah, questão de temperos, a senhora, gosta de temperar bem, quais são os temperos ...
LOC. - Não, não gosto de muito tempero não. Acho que, o bastante, também uma comida sem gosto né, é como uma mulher, muito bonita que não tem charme né. A comida tem que ter o tempero bem dosado né, uma, cebola ralada, um, pouquinho de alho né, é, o, tempero que for mas, não demais.
DOC. - E condimentos, a senhora costuma usar, condimentos...
LOC. - Molho inglês né às vezes, estes que você tá dizendo, fora alho e cebola né.
DOC. - É, fora esses tradicionais que entram em quase tudo né.
LOC. - É, agora tem muito produto, tem esse Grill não é, tem esses produtos, que, vendem no supermercado eu compro.
DOC. - Esse Grill, o que que tem dentro, a senhora sabe dizer o que que tem ...
LOC. - É feito um pó, assim, mas dá um gostinho bom.
DOC. - A senhora sabe dizer ...
LOC. - Coentro também você, já ouviu falar?
DOC. - Já.
LOC. - Dá um gostinho bom na comida, sabendo pôr né? A cebola e o alho acho que já, já dão um gostinho bom. Já tem esses do Maggie, já tem, umas coisas boas, já no supermercado, mas são, é, são, muito caros, o negócio é esse, é a tal história, você compra às vezes um vidro ou outro, mas se você, puder, né, porque, são caros, as coisas aqui no Brasil são muito caras, a comida.
DOC. - E o brasileiro ganha pouco né.
LOC. - Ganha pouco, é isso mesmo, precisa ganhar mais, e, com a inflação, você vê, quem faz as compras por mês, tá ganhando, porque já na última semana do mês os preços já triplicam.
DOC. - Isso é verdade.
LOC. - Você é solteira não é? Você, você não toma conta da casa né?
DOC. - Não.
LOC. - Você mora com sua mãe?
DOC. - Moro com meus pais.
LOC. - Então, então você não, você mais ou menos observa, mas você não, você gosta de cozinhar?
DOC. - Gosto.
LOC. - Às vezes né, às vezes né?
DOC. - É, eu gosto de vez em quando, entrar lá e fazer alguma coisa ...
LOC. - É, é como a minha filha, quando ela tá de veia, essa, essa que mora comigo ainda, a Cristiana. Ela de vez em quando vai fazer, e faz bem feito. Agora, o,
DOC. - E o que que ela gosta de fazer?
LOC. - Ela?
DOC. - É.
LOC. - Ela gosta de fazer, uma macarronada, gosta de fazer um bolo mesmo ela sabe. Tem gosto. Aprende com as amigas. Muitas moram sozinhas já né, já tem uma ou outra que já casou. Elas aprendem, lá entre elas. Levam né, fazem pique-nique, vão passar o fim de semana, acampam. Elas se viram né? Compram as coisas e fazem, bife. Compram já cortadinho. Agora não tem, agora você tem é que dobrar o dinheiro na carteira porque, tem muita coisa já que facilita na cozinha, do que quando eu me casei é uma diferença louca, e quando eu era criança, você nem imagina. Eu até já dei uma entrevista pra Alice, de produtos que havia e que não existem mais, e coisas que existem agora e não existiam antigamente compreende, que a Escola Alemã fez, muito interessante. Ela me entrevistou, fez assim: Titia, não, não tinha co... Por exemplo, pra criança, não tinha coca-cola, no meu tempo. Era só guaraná, compreende? O guaraná Antártica, é muito antigo, cerveja da Brahma também é bem antiga. E não tinha esses enlatados essas coisas como agora tinha, uma coisa ou outra enlatada, quase tudo entrangeiro, produtos ...
DOC. - E quando é que começou a aparecer isso?
LOC. - Isso já começou, olha, dos anos 50, 60, em diante. A incrementar né, a incrementar não é? Coca-cola também já tinha, já tinha quando eu me casei, quando eu me casei. Coisas que não tinham?
DOC. - É, que a senhora falou.
LOC. - Enlatado não tinha né, esses docinhos por exemplo, você já viu um que faz brigadeiro, chama-se "Fiesta" .
DOC. - Ah, tá!
LOC. - Você, você compra, e faz o brigadeiro, é, é, de um modo geral os enlatados eram muito poucos. Tinha biscoitos, é, da, na Colombo mas, é enlatados, mas vinham geralmente de outro país. A indústria brasileira, cresceu muito, nos anos 40 e 50. A nossa indústria era muito pobre, pra tudo. Eu andava só com sapato importado, quando era meninota assim, os tênis estrangeiros, duravam muito mais, sapato.
DOC. - E aqui...
LOC. - Aqui não tinha, tinha mas ordinários entende, não tinha "alpargatas" ainda, mas agora o calçado brasileiro é muito bom, [ ? ]? o Brasil cresceu muito nesses cinqüenta anos, muitíssimo, mudou muito, mudou muita coisa, mesmo empregada você vê, quando minha mãe saía a empregada ficava esperando na cozinha pra saber se ela ainda queria alguma coisa, sem dormir, se ela ainda queria um chá.
DOC. - [ ? ]
LOC. - [ Mas ] ? Mas na parte humana não né, é desumano né, é desumano, eu acho, sinceramente, eu, sou do PT hoje em dia, partido dos trabalhadores porque acho que eles são muito sacrificados né. Não pode. A gente, não são mais escravos né, antigamente empregada era escrava, e elas mesmo não deixavam ... eu tô dizendo que elas não deixavam a gente entrar na cozinha. Mandava (m) a gente ir pra sala, mentalidade de, cinqüenta anos atrás, cinqüenta e cinco digamos. Eu tenho sessenta e cinco né. Quando eu fiz quinze anos, teve uma festa maravilhosa. Ainda, usam, festejar quinze anos, mas não assim, com aquelas coisinhas feita à mão, [ ? ], e tinha sorveteira que batia em casa. Era uma delícia! Tinha uma hélice assim, você nunca viu né. Fazia sorvete em casa. O homem da manteiga levava, "Miramar", não sei se ainda existe manteiga Miramar, quando eu me casei ainda tinha, eles traziam, numa folha de banana, pra ficar bem fresquinho de Petrópolis, vinha na porta, era tudo na porta. O açougueiro telefonava. Bom, isso é quando eu era criança né, tinha o quê, uns, uns doze anos assim: É do açougue? Aí minha avó: Traz dois quilos pra assar, um quilo pra bife, um bom peso, não sabe? No telefone, pedia tudo pelo telefone. Armazém vinha o empregado na porta de bicicleta. A gente passava trote, que maldade! Encomendava uma porção de coisa e falava que era pro vizinho, ia olhar, caía na gargalhada. Aquelas coisas de criança, que a gente toca a campainha do vizinho, né, todo mundo já fez isso, faz até hoje. A gente fazia essa maldade, mas isso tudo tá acabando, nem tem mais caixeiro que vem na porta, [ ? ] supermercado, mas tinha tinha armazém, sabe, leiteria. Quando eu era criança, tinha umas vacas encurraladas na rua da Matriz. Eu morava na rua das Palmeiras em Botafogo. Sabe onde é a rua das Palmeiras?
DOC. - [ ? ]
É transversal à Voluntários, onde tem os Correios hoje, e tem a rua da Matriz que é em frente àquela igreja São João Batista.
DOC. - Ah tá!
LOC. - Por ali né. A gente ia com a empregada com a garrafa de leite, comprar na vacaria. Coitada daquelas vacas. Ficavam assim, presas né, e era um leite, uma delícia, imagina. Não devia de ter higiene nenhuma mas ninguém tinha doença, não tinha essas, doenças pavorosas que existem hoje. Não existia nada dissso. Nunca via falar não. Comprava o leite na vacaria.
DOC. - E levava a garrafinha ...
LOC. - Levava, tudo tinha, tinha que devolver. Ah quando eu me casi ainda não tinha, esse leite de papelão, não. Era, era o litro de leite de vidro, que a gente punha na porta e o leiteiro trocava. Empurrva um carrinho de mão, vinha. Quando eu era criança, vinha o peixeiro, que eram uns italianos, uns homens lindos, corados, com essa calça que usam agora sabe, cinza de listinha preta. Eles vinham com aquele, bambu nas costas e uns cestos, vendendo fruta, uns cestos lindos, tudo estrangeiro, pra vender frutas na porta. Eles equilibravam aquele, pau nas costas com os dois cestos, vendiam frutas na porta, peixe na porta. Tinha também o amolador de facas, que era um tipo, humano muito interessante, e tinha o tripeiro que isso, me disseram que ainda existe até hoje lá na Tijuca, ou no subúrbio.
DOC. - Quando eu era pequena eu ainda via lá lá na Ilha do Governador, hoje em dia eu não vejo mais não ...
LOC. - Não vê mais, amolador faca, e o periquitinho verde, que tirava a sorte, que era uma gracinha.
DOC. - O que que é isso
LOC. - Era um italiano, era, tudo era italiano e francês. Ele tocava o realejo sempre era a Marselhesa, esse realejos antigos. E tinha o periquitozinho verde. E a gente pagava né, e o periquito ... tinha o, as sortes, todas coloridas era, azulzinho, amarelinho, verdes, conforme a sua idade. Por exemplo nós éramos meninas, não éramos casadas , ele, ele, ele abria a gavetinha pra mocinhas, aí o periquitinho tirava com o bico um papelzinho e dava a gente, mas a gente adorava juntar aquela moedinha pro periquitinho verde. Mas era muito poético sabe, e passava o Gato Frio também que era uma bicicleta com sorvete, sorvete " Sorvete Nevalo ". O homem levava no na cabeça, os sorvetes até o cesto.
DOC. - Na cabeça, coitado.
LOC. - Na cabeça. Tinha o rolo de pano, e eles punham aquela, aquela coisa de pau, com o sorvete, aí...