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PROJETO NURC-RJ

DIÁLOGOS ENTRE INFORMANTE E DOCUMENTADOR (DID):

Tema: "Ensino e igreja"
Inquérito 0076
Locutor 0089 - Sexo masculino, 69 anos de idade, pais não-cariocas, médico professor de biologia. Zona residencial: Sul.
Data do registro: 13 de julho de 1972
Duração: 48 minutos


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LOC. - A minha vida escolar, né? O ensino na faculdade de Medicina era feito com provas escritas e orais, né? Quer dizer, os exames eram sempre feitos com provas escritas e provas orais. E a nota era dada como resultado destas provas. Havia uma prova final, no fim do ano, esta prova é que dava a aprovação ou não. O ensino era feito teoricamente, em algumas cadeiras havia ensino prático, né?
DOC. -  Isso em medicina (sup.)
LOC. -  (sup.) Em outras, não. Em medicina. Havia o ensino prático (sup.)
DOC. -  (sup.) E antes? (sup.)
LOC. -  (sup.) Antes, o ensino secundário no meu tempo era preparatórios, quer dizer, o indivíduo estudava uma matéria qualquer e fazia exame no fim do ano no Pedro II.
DOC. -  Só no Pedro II? (sup.)
LOC. -  (sup.) Podia fa... Só no Pedro II, era o único lugar que havia.
DOC. -  Como é que eram esses exames? (sup.)
LOC. -  (sup.) Era um exame normal, escrito e oral.
DOC. -  E, e como era? (sup.)
LOC. -  (sup.) O indivíduo podia fazer ... Havia mais ou menos do... doze matérias, né, o indivíduo podia fazer todas as matérias de uma vez ou fazer parceladamente, né? Em geral o indivíduo fazia quatro matérias por ano, né? Em três anos tinha terminado o curso secundário, né?
DOC. -  E antes do secundário?
LOC. -  Como?
DOC. -  Antes do secundário (sup.)
LOC. -  (sup.) Ah, o curso primário o sujeito em geral fazia em casa ou pessoas que faziam em escolas, eh, públicas, né? Mas outros faziam em casa ou faziam em colégios particulares, né?
DOC. -  E em que idade mais ou menos se entrava pra o secundário?
LOC. -  Bom, não havia ... O secundário era feito em matérias, em disciplinas separadas. De modo que não havia idade. Uns eram muito precoces, né, outros não. Dependia do indivíduo, né? (sup.)
DOC. -  (sup.) E (sup.)
LOC. -  (sup.) Eu tive um colega por exemplo que formou-se em medicina com vinte anos, né? Quer dizer, entrou na faculdade de medicina com quatorze anos, né?
DOC. -  Bastava ter os preparatórios prontos e entrava automaticamente (sup.)
LOC. -  (sup.) Bastava ter. Que era o curso secundário. Era a mesma coisa. Não. Tinha que fazer a, o exame vestibular.
DOC. -  Já existia.
LOC. -  Já existia o exame vestibular (sup.)
DOC. -  (sup.) Como é que era? (sup.)
LOC. -  (sup.) O exame vestibular é o exame de ma... das matérias da faculdade, né? No caso, história natural, física e química, né? O indivíduo fazia essas ma... matérias e era ou não aprovado, né?
DOC. -  Não havia assim um limite de idade como existe hoje por exemplo. Há um limite de idade pra (sup./inint.)
LOC. -  (sup.) Não, não. Bom, de limite, havia um limite mínimo. O indivíduo quando era, ah, en... entrava muito moço, precisava justificar com um pedido, né? Quando passava de uma certa idade, não tinha nenhum limite, né?
DOC. -  E o que que o senhor nota assim de mais diferente em relação ao que é hoje o en... o nosso ensino (sup.)
LOC. -  (sup.) Bom, o diferente é o seguinte, é que, tendo aumentado a população, o número de indivíduos que concorre é muito grande. De tal modo que há um número de alunos superior ao número de vagas da faculdade. Ao contrário, no meu tempo havia uma número de alunos inferior àquilo que a faculdade podia ter, né? O número de indivíduos que estudavam no curso superior era relativamente limitado, né? E sendo limitado, logicamente, sobravam vagas, né? (sup.)
DOC. -  (sup.) E do pon... (sup.)
LOC. -  (sup.) Em vez de faltarem vagas. Hoje, hoje é o contrário.
DOC. -  Sei. E, e isso, o, o senhor acha que isso influiu no ensino em si?
LOC. -  Bom, eu acho que influiu, porque inclusive o exame, havia exame oral, quer dizer, o professor tinha ocasião de verificar o que cada aluno sabia. Normalmente a prova escrita do indivíduo já est... havia a correção da prova escrita. Se ele fosse aprovado em escrita, entrava em oral, né? E o, o examinador estava com a prova escrita. E conhe... passava a conhecer o aluno pessoalmente, né? Quer dizer o contacto do professor com o aluno era muito mais íntimo do que é hoje, né? Enquanto hoje o indivíduo, as provas são, a correção de provas faz-se até com computadores, naquele tempo o estudo era individual, de modo que o professor entrava em contacto com o aluno, né? E em vez de ter um ponto, ele perguntava sobre toda a matéria, não havia ponto pra oral. (sup.)
DOC. -  (sup.) Não havia ponto (sup.)
LOC. -  (sup.) O professor perguntava qualquer questão, né? Alguns perguntavam os principais, eh, pontos do programa e perguntava qualquer coisa de cada um, né?
DOC. -  Agora (sup.)
LOC. -  (sup.) Ele tinha uma noção, ele podia analisar melhor o aluno, não é? Quer dizer, tinha um contacto com o aluno.
DOC. -  E qual eram os critérios de aprovação? Ou reprovação? (sup.)
LOC. -  (sup.) Critério era o nível de conhecimentos que o indivíduo tinha.
DOC. -  Mas havia notas ou (sup.)
LOC. -  (sup.) Havia nota. Nota. Agora, na faculdade de Medicina, inicialmente não se dava grau. Era aprovado, ah, aprovado era simplesmente, né, plenamente e distinção. Havia três notas: distinção, plenamente e aprovado, que era simplesmente. E a delicadeza naquele tempo era de tal forma que quando o indivíduo era reprovado, dizia-se: o senhor foi adiado. Não se dizia reprovado, né?
DOC. -  Onde funcionava a escola de Medicina? (sup.)
LOC. -  (sup.) Sabia-se (inint.) hum? Na Praia Vermelha. E parte (sup.)
DOC. -  (sup.) E o se... (sup.)
LOC. -  (sup.) Como?
DOC. -  O senhor se lembra ... Podia descrever, eh, as salas de aula (sup./inint.)
LOC. -  (sup.) Bom, as salas são as mesmas que existem hoje. A mesma coisa (sup.)
DOC. -  (sup.) E o material, havia diferenças de material usado pelos alunos e (sup./inint.)
LOC. -  (sup.) Não, o material era o mesmo também. De laboratório e tudo, né? E as clínicas eram feitas na Santa Casa, como sempre foram, né?
DOC. -  E no secundário? Como era, o senhor lembra como era, como eram as instalações da escola em que o senhor fez o secundário?
LOC. -  Ah, era um colégio como outra instalação qualquer: salas normalmente como existem hoje e laboratórios, os colégios que tinham ou os cursos que tinham, né?
DOC. -  Só havia salas e esses laboratórios?
LOC. -  E laboratórios. É. A mesma coisa que hoje.
DOC. -  Mas só isso?
LOC. -  Só isso. Que que há hoje mais? Nada.
DOC. -  Não havia, assim, áreas de outras atividades e ...
LOC. -  Mas é lógico que não. Quem deveria fazer preparatório, qual eram as outras atividades que ele ia querer fazer?
DOC. -  De recreação, por exemplo.
LOC. -  Mas não havia recreação, ninguém se preocupava com isso. O indivíduo ia apenas as horas pra estudar a matéria e mais nada.
DOC. -  Então, haveria, hoje, diferença. O senhor acha que não há?
LOC. -  Não, a diferença é nesse sentido, não na instalação, a diferença é que o indivíduo ia apenas estudar as disciplinas que ele ia fa... ia fazer exame.
DOC. -  E hoje?
LOC. -  Hoje, não, hoje nós temos, num determinado ano, temos por exemplo onze matérias pra estudar. Naquele tempo o indivíduo só estudava as quatro matérias que ia fazer exame ou uma, se quisesse. Tanto podia fazer exame num ano, quer dizer, fazendo as doze matérias, depois limitou-se isto, mas podia fazer as doze matérias de uma vez ou podia fazer em doze anos, né, uma matéria por ano.
DOC. -  E como, como era o relacionamento dos alunos ne... no, no curso secundário que o senhor teve com os professores?
LOC. -  Ah, perfeito. Não havia nenhum problema não.
DOC. -  Mas assim o tratamento que era entre alunos e professores.
LOC. -  Tratamento como hoje mesmo nós temos professor com aluno, né? Sendo que alguns professores a gente criava amizade. Por exemplo, Fernando da Silveira, eu me tornei muito amigo dele, né, porque ele era professor de história natural e ele verificou que eu conhecia bem história natural e me convidou pra freqüentar a casa dele, né? Então nós freqüentávamos, eu e numerosos alunos dele, freqüentávamos a casa, onde discutíamos todos os assuntos, né? Inclusive o conhecimento de Bergson eu fiz através dele, né? Ele me mostrou as obras de Bergson e eu passei a ler Bergson e a discutir com ele, né? Quer dizer, a relação dos professores com aluno eram muito mais íntimas do que hoje. Neste sentido que alguns professores recrutavam entre os alunos os seus amigos.
DOC. -  E, e, e em sentido assim de hierarquia no, no corpo docente?
LOC. -  Bom, nós éramos educados, de modo que o problema da hierarquia não existia (sup.)
DOC. -  (sup.) Não, mas eu falo dentro da (sup.)
LOC. -  (sup.) Nós, nós considerávamos o professor como um indivíduo que merecia todo o nosso respeito. E como tal (sup.)
DOC. -  (sup.) E dentro da carreira universitária? Havia assim (sup.)
LOC. -  (sup.) Não havia carreira universitária. Que carreira universitária? O professor era professor. Um indivíduo qualquer se fazia professor e acabou.
DOC. -  Como que ele se fazia professor? (sup.)
LOC. -  (sup.) Depois de um certo tempo ... A maneira era ele ensinar.
DOC. -  Ele chegava lá ...
LOC. -  O colégio convidava, o indivíduo ensinava no colégio, convidado.
DOC. -  E ele era professor simplesmente (sup.)
LOC. -  (sup.) Era professor (sup.)
DOC. -  (sup.) Ou ele tinha outros títulos (sup./inint.)
LOC. -  (sup.) Não. Não precisava ter títulos. Tinha o título geral de formado, né? Era os que faziam história natural, física e química, em geral eram médicos. Os que faziam história, em geral eram advogados. Era geralmente um indivíduo que tinha um curso superior qualquer. Outros não tinham, né? E faziam o ensino, né?
DOC. -  E quando que surge, por exemplo, a instituição de, eh, assistente, docente, catedrático (sup.)
LOC. -  (sup.) Bom, isso só relativamente recentemente, né? No meu tempo não havia (sup.)
DOC. -  (sup.) Isso é recente? O senhor não, não teria uma idéia de como que começou a surgir isso? (sup.)
LOC. -  (sup.) Da data, não. Da data, não. Quando (sup.)
DOC. -  (sup.) Mas o processo de, de, que gerou (sup.)
LOC. -  (sup.) Quando se criaram faculdades, etc. aí começou a ser criado isso, né? Quer dizer, nas faculdades já existiam assistentes, viu? Nos colégios não. No ensino secundário não existia nenhum assistente, né? Mas nas faculdades já existiam assistentes, viu? Era o professor catedrático e o assistente.
DOC. -  E pra chegar a catedrático? (sup.)
LOC. -  (sup.) Ele substituía o professor. Em geral por concurso, viu?
DOC. -  E o senhor ... Isso que eu ia perguntar. Porque o senhor disse que é professor, não é, da faculdade de Medicina?
LOC. -  Sou.
DOC. -  E o senhor é (ruído) catedrático. Então o senhor, eh, teve que cumprir certas etapas? (sup./inint.)
LOC. -  (sup.) Não, não teve etapa nenhuma. (sup.)
DOC. -  Não (sup.)
LOC. -  (sup.) Etapa nenhuma.
DOC. -  Como é que foi o concurso do senhor pra chegar à cátedra?
LOC. -  Não precisei fazer concurso. Eu fui indicado pra isso, eu era professor do Pedro II e fui indicado como professor da faculdade, né? (sup.)
DOC. -  (sup.) Mas (sup.)
LOC. -  (sup.) Eu fui fundador da faculdade, né?
DOC. -  Sei.
LOC. -  Quer dizer, o indivíduo tinha um certo número de títulos como eu tinha, foi convidado pra ser fundador da faculdade, né?
DOC. -  E, e posteriormente, quando houve necessidade de preencher novas vagas, foi por intermédio de concurso (sup.)
LOC. -  (sup.) Aí, sim. Aí surgiu o concurso. Eu fui examinador de vários concursos, né?
DOC. -  Eu gostaria que o senhor contasse como é que são, como é que eram esses concursos.
LOC. -  Eram exatamente como são hoje. O indivíduo tinha as mesmas provas que tem hoje.
DOC. -  Quais?
LOC. -  Tinha prova de tese, tinha prova escrita, entendeu? Tinha prova prática, nas disciplinas em que havia provas práticas, né?
DOC. -  Hum, hum.
LOC. -  E a defesa de tese era longa, né, porque cada examinador examinava o candidato, né? E o candidato responde. Exatamente como hoje, né? Aliás, hoje, ultimamente, não se tem feito concurso nenhum, né?
DOC. -  E no ensino pré-secundário, do tempo do senhor, para o ensino pré-secundário de hoje, que (sup./inint.)
LOC. -  (sup.) Bom, o ensino primário sempre existia, existia escola Normal, né?
DOC. -  Escola Normal. Mas eu, eu gostaria que o senhor tentasse ver assim se o senhor encontra diferenças entre o que era feito antigamente e o que é feito hoje no pré-pri... no pré-secundário, antes do, do, do secundário.
LOC. -  Não, o de hoje é a mesma coisa, né? Os professores também fazem escola Normal, os professores, né, primários, e depois são convidados pelo governo pra ocupar um lugar qualquer ou então entram em colégios particulares, né? Pra ensinar nestes colégios, né?
DOC. -  E as crianças, hoje, elas vão pra escola na mesma idade que iam?
LOC. -  Bom, isso varia muito, né? O que era antigamente e o que é hoje, né? Depende de condições sociais especiais que permitem a ida da criança mais cedo ou mais tarde, né? Evidentemente, hoje, o indivíduo de condições econômicas não muito elevadas consegue estudar. O ensino primário se estendeu mais, não é? Naquele tempo não. Em geral estudava o indivíduo que tinha condições econômicas, né?
DOC. -  E por exemplo a escola primária aceita criança a partir de seis anos, mas há outros tipos de (sup.)
LOC. -  (sup.) Naquele tempo não havia limite de idade. A criança entrava quando queria, quando os pais queriam, né? Os colégios aceitavam qualquer criança, né?
DOC. -  Em qualquer idade?
LOC. -  Qualquer idade.
DOC. -  Mesmo numa idade muito diminuta não, né?
LOC. -  Hum? Mesmo numa idade diminuta.
DOC. -  (inint.) naquele tempo os pais não botavam (inint.) com sete anos, né (sup./inint.)
LOC. -  (sup.) Em geral não. Em geral as crianças estudavam em casa, né? Aprendiam inicialmente com os próprios pais, né?
DOC. -  Com os próprios pais, em casa?
LOC. -  É. Em casa.
DOC. -  E hoje? (sup.)
LOC. -  (sup.) Ou então com professor, porque as pessoas tinham condições econômicas pra isso.
DOC. -  E hoje, eh, se te... se tem, se dá um nome e se oferecem atividades diferentes pra crianças de três, quatro anos.
LOC. -  Bom, teoricamente, oferecem, né?
DOC. -  Como?
LOC. -  Agora, a realidade é que nós não sabemos se isto é ou não. Hoje nós temos processos psicológicos pra saber o que se deve dar a uma criança, né? Evidentemente naquele tempo a psicologia nem se falava dela, né? Hoje fala-se excessivamente e exageradamente da psicologia. Nós tivemos dois extremos: um momento em que não se falava em psicologia, isso não existia, e hoje, que nós exageramos a psicologia.
DOC. -  No seu tempo de, de estudante da faculdade de Medicina havia muitas, muitas moças também?
LOC. -  Não. Quando eu estudei só havia uma moça. Na faculdade toda, desde o primeiro ao sexto ano, só tinha uma moça.
DOC. -  Como é que o senhor explica esse fato de haver só uma (sup./inint.)
LOC. -  (sup.) Muito simplesmente que nesta época a mulher em geral não, não tinha atividades iguais ao homem. E nenhuma mulher teria probabilidade de fazer medicina (sup.)
DOC. -  (sup.) Normalmente (sup.)
LOC. -  (sup.) Porque o indivíduo não procuraria nunca uma mulher pra se tratar, e sim um homem, né?
DOC. -  E normalmente o, o que faziam as moças na, ne... nesse tempo?
LOC. -  Casavam-se.
DOC. -  (riso) E não havia nenhuma preparação assim no, no plano educacional em geral? É? Exato.
LOC. -  Não. Elas estudavam, faziam o seu curso secundário, algumas, né? Outras liam, interessavam-se por coisas de leituras, né? Mas interessavam-se principalmente pela atividade caseira, né? (sup.)
DOC. -  (sup.) E as escolas? (sup.)
LOC. -  (sup.) Pensando num futuro casamento, justamente isto, né?
DOC. -  E as escolas ofereciam isso?
LOC. -  Não. Os pais, os pais é que davam esses conhecimentos, né?
DOC. -  Os pais.
LOC. -  É lógico. Era a mãe que ela via trabalhando e que sabia como era e que ia, tornava-se sua auxiliar no fim de algum tempo, né?
DOC. -  Mas, de qualquer forma, sempre houve assim (sup.)
LOC. -  (sup.) E no nível econômico o indivíduo tinha empregadas, né? De modo que a função da mulher limitava-se a receber na sua casa, a tratar dos seu filhos, né? Quer dizer, tinha uma atividade toda caseira, né?
DOC. -  Mas, de qualquer forma, na evolução assim do processo educacional nosso, mesmo hoje, quando a mulher já tem acesso a várias outras carreiras, há carreiras para as quais as mulheres tendem a ir mais do que outras. O senhor podia dar assim uma idéia de como é que é isso?
LOC. -  Bom, é difícil, porque isso hoje se diversificou de tal maneira, que é difícil a gente focalizar, dizer que a mulher tem esta ou aquela tendência, né? Há mulheres com tendências pra tudo, né? Hoje as faculdades por exemplo de psicologia têm maior número de alunas que de alunos.
DOC. -  Isso já acontece em medicina também? (sup.)
LOC. -  (sup.) Certas disciplinas ... Em medicina não. Em medicina sempre é maior o número de alunos que de alunas, né?
DOC. -  E essa situação da faculdade de Medicina do senhor estudante, de haver só uma, uma mulher, isso era comum na, em outras áreas, em outras faculdades?
LOC. -  Bom, eu não sei nas outras faculdades, mas tenho a impressão que sim, né? Que na faculdade de Direito era a mesma coisa. Se tinha algum... talvez nem tivesse nenhuma mulher estudando, né? As mulheres dedicavam-se, quando era o ensino, era o ensino primário, quer dizer, faziam a escola Normal, né?
DOC. -  O senhor tem alguma, o senhor tem alguma, eh, religião, que o senhor é praticante, ou não?
LOC. -  Não, eu não sou religioso.
DOC. -  Nunca o senhor teve assim nenhuma orientação religiosa? (sup.)
LOC. -  (sup.) Bom, dos meus pais tive orientação católica, né? Meus pais eram católicos, né? De modo que minha orientação foi essa, viu?
DOC. -  Quer dizer que durante a infância (sup.)
LOC. -  (sup.) Mas a partir de uma certa idade eu deixei de ser religioso, né?
DOC. -  Mas qual foi a orientação que o senhor recebeu?
LOC. -  Orientação de um indi... um, uma pessoa católica, né?
DOC. -  Sim, mas como era? (sup.)
LOC. -  (sup.) Inclusive se fazia (sup.)
DOC. -  (sup.) Em detalhes. Não é muito agradável mas (sup.)
LOC. -  (sup.) Aprendia, o indivíduo aprendia religião, inclusive eu aprendi o catecismo com um padre, né? Quer dizer, nesse tempo, pra fazer a minha primeira comunhão, quando eu fiz a primeira comunhão, fiz justamente tendo feito um aprendizado com um padre, né? Nesse tempo tínhamos catecismo. Até deu-se um fato curioso: eu tinha uma memória tão boa que decorei as perguntas e as respostas do catecismo. Eu mesmo fazia a pergunta e dava a resposta, né? Sabia o catecismo inteiro, do princípio ao fim, fazendo a interrogação e respondendo à minha própria interrogação.
DOC. -  O senhor se lembra da sua primeira comunhão?
LOC. -  Lembro. Foi feita em Copacabana.
DOC. -  E assim, digamos, a, a sua reação, eh, psicológica a esse fato?
LOC. -  Não tinha reação nenhuma. Como criança eu aceitava aquilo como uma realidade, como uma verdade, né?
DOC. -  Hum, hum. O senhor costumava ir à missa?
LOC. -  Não. Freqüentei muito pouco, eu só fiz primeira comunhão, nunca mais me confessei nem me comunguei na vida, né?
DOC. -  Missa o senhor não ia, né?
LOC. -  Não.
DOC. -  Ah, mas o senhor sabe como é uma missa, o que que ela significa.
LOC. -  Minha senhora, eu tenho lá em cima tudo que há de religião, inclusive todas as encíclicas do papa, até hoje (sup.)
DOC. -  (sup.) Pois é. Então o senhor vai poder falar sobre isso pra gente, né? (sup.)
LOC. -  (sup.) Sobre a religião, posso. Por que não?
DOC. -  Assim, em termos do que ... Como é que se desenrola uma missa, o que que ela simboliza e como é que o senhor vê a, a atitude geral das pessoas em relação à religião no Brasil?
LOC. -  Muito simples, né? Há pessoas que têm fé. Acreditam que as afirmações da igreja representam a realidade. E então procuram obedecer essa orientação. Quer dizer, os que são realmente religiosos freqüentam, pelo menos aos domingos, a missa, né, acompanham a missa com toda a fé, sabem perfeitamente a significação daquelas palavras que o padre está anunciando, que antigamente eram em latim. Inclusive nós temos missais aí com o latim e o, e o francês, não é? Livros bilingües, pra poder acompanhar essa questão. Há pouco mesmo, eu estava mostrando um missal aqui. E o indivíduo acompanhava toda a (inint.) da missa, né? Quer dizer, tinha um certo nível de conhecimentos.
DOC. -  Sim, agora, o senhor saberia dizer o que que essa missa representa, simboliza, as fases dela?
LOC. -  Bom, o que a missa simboliza é aquilo que a igreja é. Quer dizer, o que é a religião. Ela simboliza aquilo que quando se constituiu a religião em igreja, compreendeu, achou indispensável que os indivíduos que tinham fé, que estavam ligados a esta igreja, deviam saber. É justamente isso que significa a missa, né? A exaltação de Deus, a idéia de Deus que é exaltada, né? O conceito de pecado que deve ser afastado, né? O indivíduo não deve pecar, compreendeu?
DOC. -  E há todo um cerimonial nessa simbolização (sup.)
LOC. -  (sup.) Bom, é lógico. Todo cerimo... há uma série de símbolos (sup.)
DOC. -  (sup.) O senhor descreveria isso? (sup.)
LOC. -  (sup.) Assim é difícil, né?
DOC. -  É difícil?
LOC. -  É. Precisaria reler, acompanhar na, na coisa pra dizer a significação de cada parte, né?
DOC. -  Nem, assim, em geral, o senhor teria idéia?
LOC. -  Bom, não. Só em, só em detalhe mesmo, né? Em geral, não.
DOC. -  Existe, parece que existe uma, uma espécie de calendário, não é, dentro da religião católica (inint./sup.)
LOC. -  (sup.) Existe (sup.)
DOC. -  (sup.) O senhor está a par disso, eh (sup./inint.)
LOC. -  (sup.) Estive a par disso, mas ultimamente, não, não tenho tratado mais disso, não me recordo, né?
DOC. -  O senhor falou que tem as encíclicas dos, dos papas (sup.)
LOC. -  (sup.) Dos papas. Tenho aí.
DOC. -  O senhor nota uma, uma certa evolução dentro do pensamento, eh, da, do Vaticano, por exemplo? Alguma modificação (sup.)
LOC. -  (sup.) Bom, inicialmente, até uma certa época a igreja foi essencialmente conservadora, né? E a sua sobrevivência é justamente uma consequência da sua capacidade de ser conservadora. Mas ultimamente, recentemente, os próprios padres afastaram-se da igreja, né? E começam a ter idéias que estão em contradição com as afirmações da igreja, né? Hoje há padres que a, a própria igreja não os aceita mais, né, afasta-os, né?
DOC. -  Por quê?
LOC. -  Justamente por isso. Porque eles estão em contradição com os dogmas de fé da igreja. Há uma série de dogmas de fé. Dogmas de fé nós temos que aceitar sem discutir. E eles hoje estão querendo discutir isto, né?
DOC. -  Mas eles estão propondo alguma coisa (sup.)
LOC. -  (sup.) Ah, estão propondo alguma coisa diferente, completamente, da igreja, quer dizer, no dia que eles alcançarem isto, deixa de ser a igreja católica pra ser uma outra igreja.
DOC. -  O que que eles estão propondo?
LOC. -  Um rótulo. Estão propondo uma liberdade muito maior para o homem, né? Uma liberdade que a igreja não dá, né?
DOC. -  Mas liberdade de que natureza? (sup.)
LOC. -  (sup.) A igreja, ao contrário, a igreja tem uma série de proibições. O essencial da igreja católica e das religiões, de um modo geral, é justamente a proibição de certas atitudes. E eles estão se insurgindo contra esta proibição.
DOC. -  Do, do ponto de vista assim de (sup.)
LOC. -  (sup.) Inclusive por exemplo os padres querem se casar, né? O matrimônio sacerdotal hoje é um problema aceito por numerosas igrejas. Em certos países já permitem o casamento dos padres, né? O papa lic... dando licença, eles casam, mas eles, normalmente, o papa não dá licença ao casamento dos padres, né? Quer dizer, o padre está se modificando inteiramente, ele está se tornando um homem idêntico aos outros homens.
DOC. -  E o senhor (sup.)
LOC. -  (sup.) Quando o sacerdote pr... ah, anterior era um indivíduo completamente diferente. Justamente o respeito que eles inspiravam aos outros indivíduos não padres era justamente pela sua atitude. A castidade, o comportamento do padre, tudo isto influía naquele tempo. Quer dizer, o padre representava um símbolo, representava qualquer coisa de caráter excepcional pra o católico, né? Era um homem cheio de virtudes, que positivamente não tinha defeitos, né? Eu me lembro que a primeira vez que eu vi padres fumando, eu fiquei achando aquilo detestável, né? Porque achava que se o padre não se limita, não, não realiza um certo ideal, evidentemente ele não merece esse nome de sacerdote, né? Evi... hoje é o contrário, não é? Eu tenho alunos meus que são padres, né? E andam o dia inteiro de cachimbo na boca, né?
DOC. -  E não se ve... não se vestem com, com a (sup.)
LOC. -  (sup.) E com uma agravante, com uma agravante que nós sabemos que o fumo é nocivo e que uma das funções deles, a própria igreja e o próprio papa se manifestou há tempo contra o fumo, era justamente dar o exemplo e combater um vício nocivo, né? Ao contrário, eles aceitam isto. Quer dizer, a tendência do sacerdote atual é se igualar a todos os homens, é ser um homem como outro homem.
DOC. -  Isso se manifesta por exemplo na maneira de vestir, não é?
LOC. -  Bom, na maneira de vestir hoje, primeiro, não tem mais coroa, né? E vestem-se como outro ... Se eu lhe mostrar o aluno meu que é padre, vocês não conhecerão absolutamente que ele é padre, né? Que ele não tem nenhum símbolo de sacerdote.
DOC. -  E antes?
LOC. -  Antes tinha a batina. Quer dizer, o padre era o indivíduo que nós conhecíamos imediatamente pela maneira com que ele estava trajado, né?
DOC. -  Agora existe em (sup.)
LOC. -  (sup.) E havia o respeito especial dos católicos para esses padres, né?
DOC. -  Em relação assim aos trajes nos cerimoniais da igreja toda uma simbologia ligada também aos trajes. O senhor tem alguma idéia disso? (sup.)
LOC. -  (sup.) Sim, é lógico. Aos trajes, à igreja. Sabia tudo isso e sei, mas é preciso ler o que está escrito pra poder, não vou guardar isto de memória nem conservar isto. Inclusive é simbologia, né? A igreja tem três portas na frente e é a santíssima trindade, né? Tem doze colunas são os doze apóstolos, né? As cores dos quadros religiosos representam um símbolo, também, cada um. A posição que as figuras que se encontram no quadro religioso estão, todas eles têm. O escritor francês Huysmans escreveu livros inteiramente sobre isso. Houve um tempo que isso me interessou, eu li, dediquei, mas não vou guardar isso nem interessava absolutamente guardar.
DOC. -  Agora há um outro aspecto (sup.)
LOC. -  (sup.) Quando eu quiser saber eu vou ao livro e leio, né?
DOC. -  Eh, um outro aspecto assim que eu gostaria de saber, eh, a mudança, em termos assim populares, por exemplo, que o Brasil vem sofrendo em relação ao problema religioso. Quer dizer, durante muito tempo houve um predomínio absoluto do catolicismo (sup.)
LOC. -  (sup.) Bom, hoje o que nós observamos (sup.)
DOC. -  (sup.) Católico apostólico romano (sup.)
LOC. -  (sup.) Aliás, sempre existiu uma mistura de religião com macumba, né? Isso foi um problema que se observou sempre aqui, né? E hoje o que nós verificamos é (sup.)
DOC. -  (sup.) Eh, a, as origens disso, como é que isso se manifesta (sup.)
LOC. -  (sup.) Bom, é muito simples. As origens são porque os africanos foram transportados pra o Brasil e trouxeram a sua religião ao Brasil. E como os filhos eram criados pelas, em geral pelas empregadas e pelos empregados, que estavam em contacto direto com as crianças, essas noções se difundiram, né, extraordinariamente. E evidentemente certas pessoas passaram a aceitar aquilo: uma mistura de religião católica com as religiões de origem africana, né? Houve uma influência muito grande, principalmente em certos estados como a Bahia, né, em que isso se desenvolveu extraordinariamente. E como os indivíduos conheciam da religião apenas noções vagas, que é o que acontece até hoje, né, a maioria dos indivíduos não tem uma noção exata da religião, a não ser um grupo determinado, eles aceitam essa mistura de conceitos que não são religiosos, ou melhor são de outras religiões que eles associam à religião católica, né?
DOC. -  E na prática como é que isso se manifesta?
LOC. -  Na prática se manifesta acompanhando por exemplo o espiritismo, né? Indo a sessões espíritas, que a igreja não aceita, né? E que eles vão. Ou indo à macumba. Hoje nós encontramos na macumba, dizem, encontramos na macumba indivíduos de todas as classes sociais, né?
DOC. -  E qual é o cerimonial, o senhor tem idéia, assim, de como se desenrola um cerimonial desses de macumba?
LOC. -  Bom, se desenrola, justamente, eles falam dos determinados santos que eles tenham, né? Ou melhor, de pessoas que correspondem a santos ...
DOC. -  O senhor sabe quais são? Tem idéia assim de algum?
LOC. -  Oxóssi, essa gente toda, tudo isso. Assim, não. Só procurando. Tem no livro também, todas as noções, né? Mas todos esses personagens eles têm um, uma simbologia especial e têm um ritual especial. Esses rituais eles repetem geralmente com danças, né? Mesmo com estados psíquicos especiais que se criam em conseqüência disso, né? Freqüentemente há, eh, acessos verdadeiramente coletivos, né? Coletivamente nós encontramos o comportamento desses indivíduos, né?
DOC. -  Como é que normalmente assim, comumente se chamam essas, essas fases de ...
LOC. -  Não sei assim como chamam as fases, né?
DOC. -  De, por exemplo, eles têm uma fase de, uma crise mais aguda, outra fase mais preparatória pra ...
LOC. -  Bom, isso depende do indivíduo, né, do estado emotivo desses indivíduos, né? De modo que varia muito, né, o comportamento, né? Há verdadeiras crises até de epilepsia, né? O indivíduos que são epiléticos e que o estímulo provocado provoca uma crise de epilepsia, né?
DOC. -  Pois é. Quando esse estímulo (sup.)
LOC. -  (sup.) E até de violência, né? (sup.)
DOC. -  (sup.) Em, em termos assim da crença popular geral, esse estímulo seria provocado por quê?
LOC. -  Esse estímulo é provocado, justamente, pela, as imagens que são criadas pelos indivíduos que orientam o rito (sup.)
DOC. -  (sup.) E normalmente, por exemplo, a pessoa pode estar tendo uma crise epilética.
LOC. -  Pode.
DOC. -  Mas eles dizem que eles ...
LOC. -  Dizem que a crise é própria, produzida pelo determinado personagem que eles utilizam, não é? E que provocou aquele estado, né? Que desceu, que se incorporou a ele, né?
DOC. -  E assim como, por exemplo (sup.)
LOC. -  (sup.) Inclusive pode se incorporar a um qualquer dos, dos, dos representantes da religião africana e o indivíduo está possuído desse personagem, né?
DOC. -  É. Quando o indiví... eu queria, se o senhor se lembrasse, o nome que se dá, quando o indivíduo é possuído desse ...
LOC. -  Bom, no momento eu não me lembro o nome especial que eles dão.
DOC. -  Outra coisa, eh, assim como, por exemplo, na igreja católica existe o sacerdote, também nessas cerimônias assim popula... (sup.)
LOC. -  (sup.) Sim, eles têm diferentes representantes (sup.)
DOC. -  (sup.) Esses representantes (sup.)
LOC. -  (sup.) Diferentes representantes de cada um da, das figuras e da religião, não é? Eles têm figuras religiosas, corresponderiam aos nossos santos. Até há uma correspondência entre o personagem e os santos da igreja católica, né? E é justamente isso que fazem, eles tomam as características do seu próprio santo, né?
DOC. -  Agora outra coisa também ligada, quais são, assim, as festas religiosas mais popularmente conhecidas e comemoradas entre nós?
LOC. -  Bom, assim eu não, não posso dizer. Só procurando mesmo, né (inint.)
DOC. -  Por exemplo, em junho.
LOC. -  Em junho.
DOC. -  As chamadas festas juninas têm alguma coisa a ver com religião? (sup.)
LOC. -  (sup.) É. Festas juni... Se tem a ver com a religião? Evidentemente, foi uma maneira que a religião, eh, teve de associar o povo, de conseguir que o povo se dedicasse, pensasse em determinado santo, né, são Pedro, santo Antônio, tudo isso são festas religiosas cuja finalidade é fazer com que o povo pense no santo, né? Geralmente o indivíduo, o indivíduo de certo nível cultural só pensa no santo nestas ocasiões: ou quando ele vai pedir ao santo que o auxilie, não é, ele então evoca o santo, ou quando ele praticou um pecado, muitas vezes pede perdão ao santo, e para que não se esquecesse, a coletividade, criaram-se então festas religiosas. Essas festas religiosas fazem com que o indivíduo se lembre de determinado santo, né?
DOC. -  E assim em termos por exemplo da igreja católica, eh, muitas destas festas são comemoradas com desfiles.
LOC. -  Sim, desfiles religiosos. Justamente por isso. Porque o povo (sup.)
DOC. -  (sup.) Como é que chamam? Tem um nome específico.
LOC. -  Tem. É. Agora estou querendo lembrar e não me lembro. É uma coisa que eu sei e não me lembro.
DOC. -  Sei. Agora qual é assim a festa máxima pros católicos?
LOC. -  A elevação do senhor, né?
DOC. -  Elevação do senhor.
LOC. -  É. Quando o senhor volta, vai para o céu, né? Depois de morto, né?
DOC. -  E o nascimento de Jesus?
LOC. -  O nascimento também é uma festa importante, né? Porque marca a vinda, entre os homens, de Deus, né?
DOC. -  O que que se faz em torno de (sup.)
LOC. -  (sup.) Porque na igreja católica são três pessoas em uma, não é? O pi, o filho e o espírito santo, né? De modo que o Filho veio aqui, né? Veio pra redimir os pecados do homem, né? A idéia de Cristo é uma das idéias mais difundidas por isso: porque enquanto que Deus pai não entrou em contacto direto com o homem, Deus filho entrou, inclusive, passou a ser um homem, né? Era Deus num homem. E este homem manteve contacto com outros homens, né? (sup.)
DOC. -  (sup.) E a morte (sup.)
LOC. -  (sup.) Tanto que a tendência moderna hoje é representar a figura de Cristo, inclusive, esses me... esses meninos, os rapazes de hoje, todos eles deixam crescer a barba, o cabelo, etc. etc. como a imagem simbólica de Cristo, né?
DOC. -  E a mo... a morte de Jesus, todos os anos, não é verdade, existe um determinado período em que ...
LOC. -  Existe um período em que nós devemos nos dedicar justamente a isso, a pensar na idéia de Deus, a pensar que ele sofreu para redimir os pecados do homem, né? E que ele voltou novamente ao céu, né?
DOC. -  Essa fase tem um nome. O senhor vê diferença (sup.)
LOC. -  (sup.) É semana, semana santa, né?
DOC. -  Sim. O senhor vê diferença, por exemplo, de alguns anos atrás pra agora, atualmente, a semana santa, como ela é encarada pelas pessoas?
LOC. -  Bom, evidentemente há muitos anos atrás, quando eu era pequeno, o respeito à religião era muito maior do que hoje, né? Praticamente todos os indivíduos eram religiosos, né? (sup.)
DOC. -  (sup.) E assim em relação ao comportamento das pessoas? (sup.)
LOC. -  (sup.) O número de indivíduos que não eram religiosos, só nas classes de grande cultura é que se encontrava. O povo era totalmente religioso, né? Evidentemente, nem discutia o problema, nem sabia bem o que era a religião, mas dizia-se religioso e aceitava tudo isto, né? Inclusive os di... os, os, os feriados religiosos, dias santos, eram respeitados, né? Quer dizer, havia numerosos dias santos que não existem mais hoje, né?
DOC. -  O comportamento das pessoas durante a semana santa, nessa época?
LOC. -  Bom, era muito mais respeitoso do que hoje, né? Quer dizer, quando havia privação de certos alimentos, não é? O indivíduo se privava dos alimentos, era coletivo, né? Quando não se devia comer carne, não se comia carne, era só peixe, né? Quer dizer, havia um respeito muito maior a essas coisas, né? (sup.)
DOC. -  (sup.) E esse ... Sim. O fato de não poder comer carne, por exemplo, na sexta-feira santa, era só na sexta-feira santa ou ...
LOC. -  Não, era na ... Não. A privação se fazia também às sextas-feiras de um modo geral. Em geral, os religiosos todas as sextas-feiras comiam peixe, né? Excluía-se a carne da alimentação, né? Posteriormente é que deixou-se de fazer isso. E havia mesmo o período em que o indivíduo limitava a sua alimentação, né? Haviam pessoas que jejuavam totalmente na semana santa jejuavam, alguns jejuavam um dia inteiro, né? Privavam-se de qualquer alimento, né?
DOC. -  O senhor, o senhor falou em, em jejum. O senhor, por acaso, eh, tem um contacto ou conhecimento, eh, da religião judaica, por exemplo?
LOC. -  Bem, tenho muito contacto com judeus, porque eu sou muito favorável aos judeus, né? De um modo geral, eu sou filossemita, né? Não compreendo absolutamente, nem pro judeu nem pro, absolutamente indivíduo de espécie alguma, né? Erradamente falam em raça judia, coisa que não existe, né? Existe etnia judia, como existe etnia brasileira, etnia francesa, etc. Mas não existe raça. As raças são em número limitados e não são absolutamente essas que inclusive nos livros de indivíduos de valor o conceito de raça está inteiramente errado. O que nós observamos é que a maioria das pessoas desconhecem completamente o que é raça e falam numa raça judaica, coisa que nunca existiu. Existe uma religião judaica, mas não existe uma raça judaica. Existe um povo judaico, uma população judaica, mas não raça judaica, né?
DOC. -  A religião deles (sup.)
LOC. -  (sup.) E evidentemente eu tenho grande respeito a eles como tenho respeito a qualquer indivíduo, né? Pra mim todos os indivíduos são absolutamente iguais. Não tenho absolutamente conceito de cor, nem conceito de religião, nem conceito de coisa alguma. Respeito absolutamente a religião. Quando eu dou as minhas aulas e falo de assuntos que são desfavoráveis à religião, eu sempre chamo a atenção, dizendo que os indivíduos religiosos podem conservar os seus conceitos religiosos. Que há sempre uma margem para uma explicação religiosa.
DOC. -  O senhor está a par da religião judaica? O senhor conhece os ritos, o (sup.)
LOC. -  (sup.) De um modo geral conheço.
DOC. -  Será que o senhor podia contar pra nós alguma (inint./sup.)
LOC. -  (sup.) Bom, isso é muito difícil contar assim só, pra contar e dar como, sob a forma de aula, só estudando, né?
DOC. -  Não, mas não é sob forma de aula, é, é o que o senhor sabe sobre o assunto, como informação pra nós, como informação pra nós também, o senhor entende? (sup.)
LOC. -  (sup.) Eu sei, pessoalmente. Eu sei. Pessoalmente eu se... sei (sup.)
DOC. -  (sup.) Quer dizer, o que que é mais diferente entre as crenças, eh, judaicas em relação às católicas. Se o senhor quiser também comparar, por exemplo, com protestantes e (sup.)
LOC. -  (sup.) Bom, o diferente é que eles ... A única diferença essencial é que eles, eh, é que eles não aceitam a idéia de, de, de Jesus Cristo, né, como Deus, né? Eles aceitam apenas o Pai, né?
DOC. -  E, mas há um cerimonial (inint.) toda uma liturgia (sup.)
LOC. -  (sup.) Há cerimoniais próprios da religião. A igreja ... Há uma liturgia própria deles, como aliás todas as religiões, né, têm uma liturgia diferente da liturgia católica, né?
DOC. -  Em relação a isso por exemplo, o protestantismo o que que significou assim em termos ...
LOC. -  O quê?
DOC. -  O, todo o movimento protestante em relação ao catolicismo em termos de (sup.)
LOC. -  (sup.) O movimento protestante foi jus... (sup.)
DOC. -  (sup.) No Brasil qual é a representatividade que isso tem?
LOC. -  O movimento protestante foi isso, foi um afastamento de certas afirmações da religião católica, né? A religião católica tinha certas afirmações que um grupo de indivíduos achavam que não era absolutamente a realidade. Então, afastaram-se disso, né? E criou-se a religião protestante, porque é um protesto, né? Calvino e outros protestaram contra isso, né? Lutero. Isso nós precisávamos fazer todo um histórico disso, o que é absolutamente (sup.)
DOC. -  (sup.) O senhor poderia, assim ... Não, mas ape... ah, olha, umas idéias assim. Quais são os pontos de constestação básicos?
LOC. -  Os pontos de contestação é justamente a idéia de Deus, né? Que a idéia de Deus deles é diferente, né? Quer dizer, a idéia de Cristo como Cristo é afastada, né? A idéia de confissão particular feita ao padre, essa coisa toda, eles afastam, né, entendeu? O conceito de pecado também se diversifica, né, entendeu? Pra o católico o pecado é exagerado, digamos assim, não é? Enquanto que eles procuram limitar esses conceitos de pecado, né? (sup.)
DOC. -  (sup.) Agora, eu (sup.)
LOC. -  (sup.) Mas foi um fenômeno meramente histórico, foram condições históricas que criaram isso, essa reação, né?
DOC. -  Agora, no Brasil (sup.)
LOC. -  (sup.) É uma reação meramente histórica de um grupo de indivíduos que acharam que facilitavam por isso, etc. etc. (sup.)
DOC. -  (sup.) Em termos, assim, históricos, há nações (sup.)
LOC. -  (sup.) Por exemplo, eles admitem o divórcio, essas religiões. A católica não admite o divórcio, né?
DOC. -  E admitem o casamento entre os seus (sup.)
LOC. -  (sup.) Admitem o casamento, o casamento, eh, Deus fez o casamento, ligou, só Deus poderia desligar, né, entendeu?
DOC. -  Agora, há uma série (sup.)
LOC. -  (sup.) Só em certos casos especiais é que o casamento não é realizado, quer dizer, os atos nes... que caracterizam o casamento. Quer dizer, então, que a igreja pode separar o indivíduo, dispensar o indivíduo, quer dizer, suspender o casamento não, fazer o divórcio, quer dizer, considerar que não houve casamento, né?
DOC. -  Agora, do ponto de vista histórico, houve assim todo um condicionamento de que certas correntes vieram a ter maior preponderância econômica, política, social (inint.) então houve, assim (sup.)
LOC. -  (sup.) Sim, é lógico. Tudo isso depois, depois, depois tudo isso foi aproveitado, quer dizer, a tendência é que os grupos econômicos aproveitem isso, né? E os grupos econômicos sustentam determinados grupos políticos, né? E esses grupos políticos, então, vão optar por esta ou por aquela religião que lhes favorece. A Inglaterra, por exemplo, passou da religião católica pra religião protestante, porque a religião protestante, na ocasião, favorecia aos interesses políticos que eles tinham, né? Em última análise, são os interesses econômicos, né, que sustentavam a política.
DOC. -  Agora, no Brasil, a que que a gente podia assim atribuir historicamente o predomínio do catolicismo e como é que se, que é vista (sup.)
LOC. -  (sup.) Muito simplesmente. É que os portugueses que vieram colonizar o Brasil eram todos eles católicos, né?
DOC. -  O senhor acha que é, que existe uma (sup.)
LOC. -  (sup.) Inclusive, inclusive houve um fenômeno curioso: que judeus vieram para o Brasil, fugindo da inquisição, não é? Mas esses judeus aqui, mesmo esses simulavam a religião católica, que precisam se manter e sobreviver, né, a sobrevivência dependia disso. Muitos se converteram até ao catolicismo ou afirmaram que se tinham convertido ao catolicismo, nós não podemos saber, né? A afirmação que um indivíduo se converteu a uma religião nós não temos absolutamente nenhum meio de saber da sinceridade ou não desse indivíduo, né?
DOC. -  E a aceitação assim de um modo geral de outras religiões, no Brasil?
LOC. -  Bom, a aceitação de outras religiões era muito limitada, não é? Posteriormente, foram se difundindo certas religiões, quer dizer, a idéia da religião, o budismo, por exemplo. Essa idéia, alguns indivíduos se tornaram acidentalmente budistas, ou indivíduos de grupos religiosos diferentes vieram ao Brasil e conseguiram reunir em torno de si um grupo limitado de pessoas, né, que aceitaram a religião que eles traziam, né?
DOC. -  Eu vou voltar, assim (sup.)
LOC. -  (sup.) Porque há uma fantasia intelectual de todos os indivíduos, todos nós temos uma tendência a fantasiar, né, entendeu? E muitos exclusivamente por esnobismo, né? Quer dizer, querem ser diferentes dos outros, então para ser diferentes aceitam uma religião que não é comum. Evidentemente um sujeito budista, um brasileiro budista é excepcional, né?
DOC. -  Agora, eu gostaria de voltar a jun... a juntar os dois temas, eh, que que o senhor acha da influência da religião, do catolicismo especificamente, em toda a e... a evolução da educação no Brasil?
LOC. -  Bom, o catolicismo influiu, influiu no comportamento social do brasileiro, né? O comportamento social do brasileiro era justamente acompanhando aquilo que a igreja afirmava como certo e como errado aquilo ... O respeito, por exemplo, aos mais velhos era uma afirmação que foi tirada da religião, né? Quer dizer, todo esse conceito de comportamento, de moral do brasileiro é a moral religiosa, né?
DOC. -  E em relação assim aos colégios? (sup.)
LOC. -  (sup.) Todo o nosso conceito foi esse (sup.)
DOC. -  (sup.) Quer dizer, durante muito tempo (sup.)
LOC. -  (sup.) Mas os colégios durante muito tempo ensinavam a religião católica, quer dizer, haviam professores de religião, né?
DOC. -  Não só ensinavam mas (sup.)
LOC. -  (sup.) Alguns padres. Ensinavam e praticavam (sup.)
DOC. -  (sup.) Geralmente colégios religiosos mesmo, né? Mantidos por (sup.)
LOC. -  (sup.) Não, mesmo não sendo colégio religioso, qualquer colégio. Não era colégio religioso não. Todos os colégios ensinavam a religião e aceitavam a religião. Nesse tempo não havia (sup.)
DOC. -  (sup.) E hoje é diferente (sup.)
LOC. -  (sup.) Hoje é diferente. Hoje há colégios que são inteiramente laicos, não têm religião de espécie alguma, né?
DOC. -  Eu, eu gostaria de fazer mais uma pergunta que é a seguinte: dentro da, dessa evolução assim de idéias, nós começamos a ter, dentro do processo educacional brasileiro, um movimento do estudante para a afirmação de suas idéias.
LOC. -  É lógico. Quando começaram a se difundir as idéias científicas, quer dizer, quando o progresso da técnica e da ciência atingiu um certo ponto, houve uma ruptura do conceito religioso, quer dizer, por que é que nós sentimos hoje que há maior número de indivíduos que não são religiosos? Porque a difusão da ciência aumentou rapidamente. Há alguns anos atrás, a ciência estava limitada aos técnicos e aos profissionais. Hoje a ciência tem se difundido. No próprio ensino, a ciência se difundiu. Porque, por exemplo, o ensino da história natural limitava-se ao conceito científico. Hoje alguns professores introduzem conceitos filosóficos e discutem o aspecto religioso que a ciência aceita ou não aceita, e que naquele tempo não. Naquele tempo só os indivíduos que conheciam bem a ciência é que encontravam uma contradição entre a ciência e a religião, né? (sup.)
DOC. -  (sup.) Mas ficava tudo no plano (sup.)
LOC. -  (sup.) Por exemplo o conceito de teoria da evolução, admitindo que os homens não foram criados por Deus, que são produtos de uma evolução, que a vida se originou por um processo bioquímico. Todos esses conceitos surgiram posteriormente. Hoje, evidentemente, estão se difundindo esses conceitos (sup.)
DOC. -  (sup.) O senhor acha que isso tem influído no sentido de (sup.)
LOC. -  (sup.) No próprio jornal, é lógico. Nos próprios jornais (sup.)
DOC. -  (sup.) De diminuir a religiosidade, de um modo geral?
LOC. -  Evidentemente que diminui. O que acontece é isso, é que o indivíduo vê a contradição absoluta entre as afirmações religiosas e aquilo que a ciência concebeu, né? A ciência chegou a um certo número de conclusões que absolutamente não s... estão de acordo com o conceito religioso. Embora em parapsicologia o indivíduo procure associar uma coisa a outra, né, e nós possamos afirmar que a ciência tem um valor também relativo, né? Porque o raciocínio científico é um raciocínio lógico. Nós partimos de uma observação. Observamos. A observação nos leva a criar uma hipótese, e depois nós verificamos experimentalmente essa hipótese. Se eu afirmo que uma proteína pode ser sintetizada, eu afirmo por observações e posteriormente por experiência, quer dizer, eu realizo a síntese da proteína. Então crio uma teoria dizendo que a vida surgiu no dia que as proteínas puderam ser sintetizadas e que fundamentalmente o organismo vivo é constituído de proteínas.
DOC. -  Mas ao mesmo tempo há um apelo, no mundo de hoje, muito grande para o mágico.
LOC. -   Bom, há. O conceito sobrenatural pra alguns é uma necessidade, mas são aqueles que não têm realmente uma cultura científica, têm uma pseudo-cultura científica, né? O que acontece é isso, é que numerosos indivíduos decoram e absolutamente não raciocinam. Decoram apenas os conceitos que são, decoram porque é dado. Como define a vida? O professor define de certa maneira. Eu, por exemplo, defino a vida da seguinte maneira: mecanismos físico químicos dotados de auto-regulação e autoperpetuação em processo de equilíbrio com o meio. Quer dizer, é uma definição que elimina totalmente o sobrenatural. Nós vamos ter o quê? Mecanismos físico-químicos, são justamente as transformações, apresentando mecanismo de auto-regulação, que permite o equilíbrio, né? E depois de autoperpetuação, porque permite a transmissão disso. E tudo isso está em equilíbrio com o meio ambiente, né? É o problema ecológico, a ecologia hoje está tomando um desenvolvimento formidável. O conceito de poluição é um conceito exclusivamente ecológico. E um conceito que invadiu tudo. Nós temos desde a poluição por meios, eh, físicos e químicos até a poluição orgânica do, do ser vivo, né?