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PROJETO NURC-RJ

DIÁLOGOS ENTRE INFORMANTE E DOCUMENTADOR (DID):

Tema: "Meteorologia"
Inquérito 0049
Locutor 0058 - Sexo masculino, 32 anos de idade, pais cariocas. Profissão: Belas-Artes. Zona residencial: Sul
Data do registro: 22 de abril de 1972
Duração: 50 minutos


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DOC. -  Você já viajou muito, não é?
LOC. -  Perfeito. Já viajei bastante.
DOC. -  Você poderia dizer rapidamente os lugares que você conheceu?
LOC. -  Bom, eu primeiramente viajei pelo Brasil.
DOC. -  Hum.
LOC. -  Eu, meu emprego inicial foi comissário de vôo.
DOC. -  Hum.
LOC. -  E peguei logo a linha doméstica pra, pra trabalhar, pra ter conhecimento. Então viajei todos os estados do Brasil, principais capitais e posteriormente eu larguei a aviação e fui viver na, nos Estados Unidos.
DOC. -  Hum.
LOC. -  Eu fiquei morando em ... Estive primeiro em Chi... Nova York, depois estive em Chicago, depois eu fui pra Los Angeles e definitivamente em São Francisco até regressar ao Brasil.
DOC. -  Quanto tempo você ficou nos Estados Unidos?
LOC. -  Ah, um ano e oito meses aproximadamente.
DOC. -  O que significa que você pegou, eh, épocas do ano diferentes, não é?
LOC. -  Perfeito.
DOC. -  Você podia (sup.)
LOC. -  (sup.) Perfeito (sup.)
DOC. -  (sup.) Fazer uma comparação entre essas épocas do ano que você pegou nos Estados Unidos e (sup./inint.)
LOC. -  (sup.) Bom, logo que eu saí daqui era nossa, vamos dizer, nosso outono (sup.)
DOC. -  Hum (sup.)
LOC. -  (sup.) E eu já, já cheguei na América na primavera (sup.)
DOC. -  (sup.) Hum (sup.)
LOC. -  (sup.) Bastante frio (sup.)
DOC. -  (sup.) Hum (sup.)
LOC. -  (sup.) E não se assemelha praticamente a nada que nós conhecemos aqui no Brasil (sup.)

DOC. -  (sup.) Hum (sup.)
LOC. -  (sup.) Ah, particularmente quem mora no Rio de Janeiro pra cima (sup.)
DOC. -  (sup.) Hum (sup.)
LOC. -  (sup.) Que já pra São Paulo já começa ter mais, eh, as estações do ano já são mais reconhecidas, forte, aliás são mais marcadas. Mas no Rio de Janeiro pra cima, não, não existe isso, é verão ou período de chuvas e, e inverno que também praticamente não existe. Fora isso eu ... Ah, pude presenciar muito de perto o que seja a mudança das estações que é particularmente pra, pra minha profissão tem que analisar cores e época, porque é tudo forma do, vamos dizer assim, do ar, entende? A espessura da camada de, vamos dizer, de, no fri... no frio nós já temos uma coloração diferente, no outono já é outra, entende? Isso influi tudo pelo ar. E pra mim foi uma surpresa muito grande, presenciar praticamente mais cores inicialmente como eu gostaria de ver. Tinha uma idéia e não sabia como. Então esse foi o primeiro passo pra ... Dentro do, daquilo que eu gostava de fazer, não trabalhando em aviação, que é pintar. Depois disso, eu tive conhecimento com o povo local, outra mentalidade, tecnicamente mais evoluído, recursos, eh, ul... eh, de última palavra em tudo aquilo, qualquer ramo, eh, vamos dizer assim, um, uma sociedade mais entrosada, mais cheia de recursos, mais, eh, próxima daquilo que o homem precisa, vamos dizer assim, eh (sup.)
DOC. -  Você disse que (sup.)
LOC. -  E a ... Eu estou fazendo essa comparação porque eu estou me lembrando da época passada, eh (sup.)
DOC. -  (sup.) Hum (sup.)
LOC. -  (sup.) Eu viajei pelo Brasil e a carência daquilo que o homem precisa dentro da sociedade, eh, atual é muito grande e a, e a diferença de um povo pro outro, eh, me fez notar bastante, entende? E foi uma surpresa muito grande e não sei se foi, talvez até de bestificação, né, não sabia que existia tanto, tudo aquilo, os recursos fabulosos. Então foi o, a, a minha, essa, esse primeiro impacto me fez ficar na América mais tempo pra poder conhecer o povo melhor, entende? De uma certa maneira eu sou muito ligado ao homem, muito ligado às coisas e dentro da minha pintura eu procuro fazer isso, retratar isso, eh, problema social e o surrealismo, que eu, eu pro... procuro fazer. Então o homem me diz mais a per... mais de perto, encaro a pintura pra mim, um, um, uns, um meio de eu poder filosofar, entende, dentro da minha filosofia eu posso aplicar dentro da minha pintura, talvez, né, porque eu não saiba escrever ou não tenha a capacidade de escrever tecnicamente bem, eh, mas posso me expressar melhor dentro da pintura. Então foi por isso que, talvez esse, essa ânsia de viajar, de conhecer povos, pessoas, me fez, eh, viajar bastante.
DOC. -  Mas você tinha dito, logo no começo, eh, pela sua profissão e pela sua preocupação de, como pintor, né, esse, esse problema cromático era importante, não sei quê. Será que você podia descrever essas estações que você viu tão marcadas nos Estados Unidos?
LOC. -  Bom, ah, vou começar pelo inverno. O inverno é uma coisa assim muito especial que nós traduzimos mais pelo claro e o escuro (sup.)
DOC. -  (sup.) Hum (sup.)
LOC. -  (sup.) A ausência de cor se faz notar assim assustadoramente. Então tudo tem o traço marcado do branco e do preto, que é a sombra. É coisa que nós não temos aqui. Ah, uma das estações mais belas que as cores são mais pujantes, mais quentes, mais radiantes, embora seja o prenúncio do frio, é o outono. Então que as cores são mais apuradas, de uma certa maneira, também em certos locais, não todos locais. O verão é um, um, um êxtase de cores. É inebriante, é muita luz, praticamente as cores pulam todas elas. E a primavera é a suavidade, é uma pintura já duma pessoa mais ... E se existe paraíso, é uma pintura mais parasi... (riso) parasidíaca (sic), vamos dizer assim. Mas é uma pintura de, muito volátil, muito espessa, muito, ah, é lindo também. Mas é preciso que tenha bastante calma, bastante concentração, bastante segurança de si pra fazer uma, uma pintura volátil como essa, é um esfumado, chega a ser. Mas, então a estação que mais marca mesmo é o inverno e é o outono, porque traduz o, tudo pelo claro e escuro e, e as cores são mais quentes, mais belas no outono também.
DOC. -  Você ainda não tinha tido uma experiência de, de um inverno bem marcado, rigoroso, como esse lá nos Estados Unidos (sup.)
LOC. -  (sup.) Uhn, não (sup.)
DOC. -  (sup.) No Brasil. Qual, qual foi sua reação, qual é (sup.)
LOC. -  (sup.) Bom, a primeira reação foi esperar um frio grandioso, né? (sup.)
DOC. -  (sup.) O que você fez, como é, como é que você se comportava (sup.)
LOC. -  (sup.) Bom, eh, o inverno chegou gradativamente porque, como eu disse, no início, eu cheguei na, na América no início da ... Eu saí daqui, não, eu saí do Brasil no início do nosso outono, cheguei no início do, da primavera. Então eu passei um tempo certo, que seria a primavera, verão, outono e inverno. Então eu fui esperando a chegada do inverno realmente. Já cheguei com um pouco de frio, foi esquentando e depois foi esfriando. Então a, o impacto do inverno realmente não foi muito grande (sup.)
DOC. -  (sup.) Hum (sup.)
LOC. -  (sup.) Apenas a mutação das, das, das folhas, da natureza, das cores é que foram se alterando gradativamente. Também e, e quanto a sentir o frio assim (sup.)
DOC. -  (sup.) Hum (sup.)
LOC. -  (sup.) Mas eu fui me adaptando, realmente. E o verão, não, o verão na ... Eu estava na Califórnia e o verão da Califórnia é muito marcante, é muito seco, muito quente (sup.)
DOC. -  (sup.) Hum (sup.)
LOC. -  (sup.) Estive próximo ao vale, vale de São, São Joaquim, que eles chamam San Joaquim vale e, e lá é bem quente realmente, chega a trinta e oito graus no verão. E além de, do mais é, é uma terra que fica cercada por montanha, bem afastada do mar, então é dum clima bastante seco (sup.)
DOC. -  (sup.) Hum (sup.)
LOC. -  (sup.) E isso torna o calor mais quente, quer dizer, o verão mais quente, né, trinta e oito graus não é brincadeira. E, e o inverno não, o inverno chegou suave e foi aumentando, aumentando. E eu ... A primeira nevada minha foi presenciada na, na montanha, né? (sup./inint.)
DOC. -  (sup.) Como é, você podia descrever?
LOC. -  Era uma sexta-feira, nós alugamos uma cabana de antemão na, na montanha e subimos (sup.)
DOC. -  (sup.) Hum (sup.)
LOC. -  (sup.) À medida que nós íamos subindo a montanha a neve foi se, foi aparecendo. Eu fiquei ... Na cidade de São Francisco onde eu estava não, praticamente não neva, apenas frio, geada, não tem mais nada. Então fomos subindo e, e a neve foi aparecendo, né? Então aquela surpresa: paramos o carro e fomos pegar na neve, pela primeira vez, aquela farra, brincamos, fizemos bola e tal. Depois passamos, chegamos, ficamos na cabana a, a noite de sexta feira, sábado e domingo. E praticamos aquele esporte todo que eles fazem lá em cima, centro de recreação onde tinha esqui, tinha enfim uma série de, de, de jogos e, e esportes pra aquela colônia, né, aquela série de cabanas, pra fazer, ter que fazer alguma coisa durante o dia. Aproveitando, realmente, no sábado, fez um, um dia de sol muito bonito e, e nós fomos esquiar. Pela primeira vez foi ... Tudo foi a primeira vez, o primeiro tombo, o primeiro esqui, o primeiro, o primeiro riso na neve, tudo foi a primeira coisa, a primeira vez. E, e logo após eu fiquei observando realmente as cores, que era o que mais, mais me impressionou. O branco, a luz forte marcada pela reflexão, quer dizer, a reflexão da luz na neve e, e a ausência de cor, de se notar, quer dizer, não é totalmente uma ausência de cor, mas as cores eram mais esmaecidas, era mais puxada ao branco, e onde era sombra é preto. Então isso, essa análise de cor começou a se processar dentro de mim juntamente ... Aliás no outono já estava se processando, mas na neve foi muito mais diferente, porque eu tinha uma concepção através de cinema, de filmes, de, de fotografias, que seria a neve. Mas ao natural assim não, porque cada ser tem a sua sensibilidade, tem a sua sensação de cor, de luz, e pra mim é de outra maneira, diferente. Se eu talvez fosse interpretar ou se tivesse que fazer um quadro a paisagem de uma, de inverno, ou neve, eu faria da, ah, teria a minha interpretação, a minha sensibilidade visual, de ter, de ver isso, entende? E essa talvez tenha sido assim a minha primeira experiência na neve.
DOC. -  Hum. Você esteve na África também, né?
LOC. -  É eu estive em Johannesburg, estive em Luanda.
DOC. -  Você podia contar pra gente de lá, nesse, nesse sentido também? (sup.)
LOC. -  (sup.) Olha, é um país mais tropical, se assemelha muito ao Brasil, às coisas que nós conhecemos e acho que tem muito a ver a clorofila (riso) dentro da paisagem, dentro do ar, dentro de tudo, porque, em maté... eu estou falando, eu estou falando em, me referindo sempre à cor, entende? Então toda paisagem pra mim tem a sensibilidade da cor, mais nada. Então a, a paisagem de Johannesburg, a paisagem de, de Luanda é praticamente, ah, muitas das paisagens, se assemelham a muitas, às paisagens aqui do Brasil. Quando eu falo paisagem também eu fo... eu fujo um pouco do centro, do aglomerado, pra me restringir mais à área, vamos dizer, bucólica, entende? E lá é que eu posso sentir mais a natureza, que é realmente isso que eu ando buscando, é mais a natureza, o contato do homem e a natureza, mais nada. Então não acho que não existe muita diferença a não ser o linguajar e costumes, pelo ... A civiliza... a, a, a sociedade de Johannesburg que foi, ela veio do, do holandês, do alemão, depois colonizada pelo inglês, então a parte de cultura mesmo eles trazem fortemente marcada pela, pelo, o alemão com traços de holandês, o ale... o holandês-alemão, e quanto costumes de sociedade, leis, eles trazem lá do colonialismo inglês. Então, isso é, difere completamente, estilo de habitação, arquitetura, tudo, diferem da nossa. E Luanda chega mais próximo a nós, chegaria mais próximo a nós, se tivesse sido fundada pela, na mesma época que Lisboa porque nós trazemos muitos laços de arquitetura do, do português, do povo português. Mas Luanda é uma ci... é uma, uma cidade em evolução ainda, então ela traz arquitetura portuguesa já na fase contemporânea, entende? Então, ela diversifica um pouco da nossa. É isso.
DOC. -  E, das suas andanças pela Europa?
LOC. -  Bom, Europa é uma curtição (riso), é ótimo, eu gosto muito (sup.)
DOC. -  (sup.) Curtição significa o quê?
LOC. -  Bom, empregando o termo atual, curtição é tudo aquilo que agrada, tudo aquilo que nos traz prazer íntimo, pessoais, sem ter que se dar satisfação a ninguém. Então, nós restringimos a frase ter que explicar alguma coisa como curtição. Mas Europa, eu gosto, gosto principalmente da Itália, gosto de Paris (inint.) não tanto, mas o que mais me impressionou mesmo foi a Itália que eu gosto e inclusive fiz, procurei conhecer o máximo que eu poderia da Itália nesse, desde o período da, da PANAIR, que eu trabalhei lá em sessenta e dois, sessenta e três pra cá, depois na VARIG também. E me, me impressiona muito tam... a arquitetura, o modo de, o modo de vida do, do europeu, de uma maneira geral, particularmente ao italiano, particularmente também ao povo francês e, e ultimamente, quer dizer, no, no, ultimamente que eu falo, a, a última viagem que eu fiz, que eu pude ficar um pouco ma... me alongar mais na minha estadia lá, foi Londres, em que eu pude ter um pouco mais de contato com as pessoas locais sem precisar estar em contato com brasileiros e foi, senti o que seja, assim, a estrutura social da, do inglês, que eu gostei muito, por sinal.
DOC. -  Você esteve ne... nessas cidades, eh, ou nesses países, Itália, Inglaterra, França, você esteve na, numa mesma época ou em épocas do ano diferentes? (sup.)
LOC. -  (sup.) Não, épocas diversificadas. Eu estive (sup.)
DOC. -  (sup.) Você podia, podia contar e comparar (sup.)
LOC. -  (sup.) Olha (sup.)
DOC. -  (sup.) Essas épocas diferentes com os respectivos países?
LOC. -  Verão na Itália é um abandono local pruma, uma imigração de turistas. Então, verão na Itália significa o povo, quer dizer, eh, eh, as pessoas locais se retiram da cidade e vão pras cidades de, de veraneio. Então deixa a cidade pruma, pruma, pruma população flutuante, na sua maioria de turistas americanos e franceses (fala de circunstante superposta) e ela fica praticamente deserta, entende? (sup.)
DOC. -  (sup.) Hum (sup.)
LOC. -  (sup.) Falta o calor da, das pessoas que vivem no local, entende? E então na Itália, eu não gosto da época do verão, eu acho muito vazia (fala de circunstante superposta) e a Itália pra mim é a época do outono ou a época do inverno, em que as pessoas ... E a primavera, pouca (sup./inint.)
DOC. -  (sup.) Sim, outono, inverno, primavera na Itália são semelhantes ao período que você, esse mesmo período que você passou nos Estados Unidos?
LOC. -  (tosse) Hum?
DOC. -  Se há semelhança entre outono e primavera e inverno italianos com a, a época, a mesma época que você passou nos Estados Unidos.
LOC. -  É de acordo ... Eh, não, não. Se ... Elas se diversificam bastante porque, de acordo com a região, a posição do país (sup.)
DOC. -  (sup.) Sim (sup.)
LOC. -  (sup.) Latitude, longitude, a atmosfera também modifica (sup.)
DOC. -  (sup.) Sim (sup.)
LOC. -  (sup.) Então modificando, alterando a atmosfera modifica também as cores, sendo que em Paris talvez seja, talvez tenha sido o berço do, da pintura, de uma certa maneira, do, dos anos de mil e novecentos pra cá, porque, eh, foi uma época do neoclassicismo e essa época, ah, os pintores negavam as formas pra se traduzir apenas em cores, em pinceladas. Então Paris foi escolhido o berço talvez da reprodução das cores, por ser eternamente uma cidade de um colorido fantástico, talvez da sua posição dentro da geografia e da sua atmosfera, então as cores em Paris, na, na França, na su... de uma certa maneira, elas são mais exuberantes, são mais vivas, elas são, elas são praticamente mais humanas, chego até a dizer assim, porque ela toca uma sensi... toca na, na nossa sensibilidade de uma maneira muito marcante, muito profunda. Então o artista na época, ah, procurava pro... eh, reproduzir as suas sensações através das cores. E Paris é o lugar indicado, ah, e as cidades satélites, e as cidades, vamos dizer assim, bucólicas de, da França, eram pontos de atração realmente do artista. Então isso se convertia, ah, visto nosso Van Gogh, tão, apesar dele ser um, uma personagem esquizofrênica, mas ele era (inint.) de um poder de captar as cores de uma maneira muito violenta e realmente era aquilo que ele sentia e era realmente era aquilo que ele colocava em suas telas. Então, pra mim, cores, o outono de Paris é maravilhoso, na França toda, de uma certa maneira, a cor. Bonito mesmo, realmente. E a Itália, por seu passado, pela sua história, pelos grandes mestres da pintura, então nos traz mais perto porque nós queremos ver realmente aquilo que eles fizeram. E a pessoa ligada naquilo que eu faço, que é aquilo que eu quero fazer, de uma certa maneira eu estou conseguindo que é, é, é o trabalho da têmpera, é o trabalho do afresco, é o trabalho renascen... do renascimento mesmo, renascentista, então a Itália é um berço de, assim, de grande avalia pra mim, pra poder estudar, pesquisar, aquelas formas todas.
DOC. -  Você já viu chover nesses lugares todos, não viu?
LOC. -  Sim, bastante.
DOC. -  Então, me diz, como é que é?
LOC. -  A chuva depende de seu estado emocional. A chuva, ela é agradável ou ruim, dependendo de seu estado de espírito. Se você está no estado de espírito pra ver chuva, estado de espírito assim meio, vamos dizer, na fossa, então a chuva é muito bom, ajuda a fossa bastante. Mas quando você precisa fazer alguma coisa, ir à rua, é muito chato, é inconveniente se molhar na chuva. Depende de seu estado de espírito. Está respondido?
DOC. -  Hum.
LOC. -  (riso)
DOC. -  Existe, existe um ... Você tem alguma lembrança ou alguma recordação mais ligada com esse problema de um dia de chuva, por exemplo?
LOC. -  Tenho. Normalmente quando chove eu estou na fossa, estou sempre triste.
DOC. -  E aí, qual é a sua reação?
LOC. -  Ficar olhando a chuva, botar um disco de Wagner, porque quando a chuva é muito violenta, é muito (sup.)
DOC. -  (sup.) Hum (sup.)
LOC. -  (sup.) Cheia de, de relâmpagos, trovoadas e tal (sup.)
DOC. -  (sup.) Hum (sup.)
LOC. -  (sup.) Aí nós, ah, ajudamos a natureza com um disco de Wagner, entende? Aí torna-se uma atmosfera mais condizente, entende? E ... Mas quando a gente está mais ou menos no estado que ... Nem, nem de angústia nem ... Choveu, choveu. É bom pro, pra ficar em casa descansando, sabe? É também uma boa desculpa. Você diz: olha, choveu, eu não pude ir. Entende?
DOC. -  E aqui no Brasil que época do ano você prefere?
LOC. -  Prefiro as épocas quando me sinto feliz, sabe? Realmente pra mim não tem época nem lugar, eu procuro sempre estar feliz (sup.)
DOC. -  (sup.) Sim (sup.)
LOC. -  (sup.) Então eu fico buscando o lugar, a época, pra mim não importa.
DOC. -  Sim (sup.)
LOC. -  (sup.) Mas eu sofro muito no verão porque eu sou amante do bom vinho, sabe? (sup.)
DOC. -  (sup.) Hum (sup.\inint.)
LOC. -  (sup.) Então eu gosto do inverno porque no inverno está sempre tempo pra tomar um bom vinho. Então inverno pra mim talvez, de uma certa maneira, seja agradável. O verão é muito quente.
DOC. -  Você não gosta d... (inint.)
LOC. -  Não, eu gosto de praia mas tenho problema de pele (sup.)
DOC. -  (sup.) Hum (sup.)
LOC. -  (sup.) Então não posso ir à praia.
DOC. -  Hum (sup.)
LOC. -  (sup.) Eu procuro, eu vou, eu vou à praia uma vez, vez por outra. E inverno, não, inverno eu me sinto bem, eu me sinto mais eu.
DOC. -  Por acaso você tem ... Bom, você é um cara muito preocupado com a natureza, não é?
LOC. -  Sou, com o homem, de uma certa maneira. Aliás, principalmente com o homem.
DOC. -  Por acaso você tem, eh, você se liga em algumas, algumas coisas relativas, por exemplo, eh, fim de dia ou, por exemplo, uma determinada noite, uma noite, uma noite clara, com estrelas no céu, não sei quê. Essas coisas, essas coisas, você se liga nelas?
LOC. -  Olha, acho que todo homem deveria ligar nessas coisas, entende? Porque quando você perde um tempo de observar a lua, observar as estrelas, a natureza, você de uma certa maneira, você está se observando, é que todo homem precisa se observar, entende? Então você fica em paz com você mesmo e tem tempo pra poder observar isso tudo.
DOC. -  Hum (sup.)
LOC. -  (sup.) E o que falta ao homem é a necessidade de, aliás é tempo de ficar com ele mesmo, observando as estrelas e pensando um pouco nele mesmo.
DOC. -  Você (riso), você conhece estrelas pelos nomes? (riso)
LOC. -  Não, porque estrela ... Então eu aprecio. Quando a gente gosta de uma coisa, uma coisa é bonita, a gente não procura saber o nome, só aprecia, entende? O no... o nome não é importante, o importante é que exista.
DOC. -  Mas você sabe o nome de algumas?
LOC. -  Não. Ouvi falar de uma tal de Ursa Polar, um troço, uma coisa assim. (risos) Pelo nome não me agradou muito não, sabe? Não gosto muito de urso, não.
DOC. -  Qual é a parte do dia que você mais gosta ou depende também de seu estado de espírito, não existe?
LOC. -  O entardecer é bonito.
DOC. -  Hum (sup.)
LOC. -  (sup.) É tempo pra meditação, é tempo pra avaliar as coisas que você fez durante o dia. E a manhã é sempre uma esperança, né, daquilo que você poderá fazer. Então a minha vida é definida do amanhecer ao entardecer talvez.
DOC. -  E em relação ao seu trabalho, por exemplo? Quando é que você costuma produzir mais ou não tem, não existe nenhuma ligação nesse sentido (sup.)
LOC. -  (sup.) Não. O negócio é o seguinte: Quando eu preciso produzir, eu não produzo, porque a necessidade, a necessidade acho que atrapalha um pouco, sabe? Então a gente produz quando não está precisando mesmo. Então é bom, é bom nunca precisar (sup.)
DOC. -  (sup.) Hum.
LOC. -  Isso é, é, acho que é o princípio de tudo. As pessoas deviam fazer aquilo que não precisam fazer, entende? Aí dava mais certo. Pode perguntar senão não falo (sup.)
DOC. -  (sup.) Mas quando você tem que trabalhar mesmo, por exemplo, por acaso ... Porque há pessoas que gostam mais de trabalhar durante a noite, né, preferem dormir de dia. Há outras que produzem mais pela parte da tarde (sup.)
LOC. -  (sup.) Não (sup.)
DOC. -  (sup.) Ou há outras que não, que à tarde tem que dormir de qualquer maneira porque eles só produzem durante a manhã (sup.)
LOC. -  (sup.) Olha, como eu disse anterior... (sup.)
DOC. -  (sup.) Você tem esse tipo de problema?
LOC. -  Não. Como eu disse anteriormente, o amanhecer é o ... Junto com o amanhecer nasce as espe... as esperanças. Então a gente passa o dia todo na esperança. A noite é mais propício ao trabalho porque nós, ao entardecer nós vamos fazer a avaliação daquilo tudo, que nós te... tínhamos ou teríamos a capacidade de ter realizado, porque nós estávamos na esperança, eu estava na esperança e queria fazer. Então à noite vamos avaliar aquilo tudo e colocar aquilo num ... Se é escritor, vai escrever, se é pintor, vai pintar, se é músico, vai fazer uma, sua música. Então ele colheu os dados durante o dia, à noite ele vai produzir, realmente a noite é mais propícia ao trabalho, entende? Não ... E é mais calmo, mais quieto, a cidade dorme, você trabalha. E você está numa, numa profissão de informa... de informação, de comunicação, então você tem que preparar o seu assunto pro pessoal que está dormindo no dia seguinte ter assunto, ter assim veículos de informação. Então, por isso que a noite é dada mais ao trabalho, porque você está sempre, você está ligado nas coisas, está ligado no que está acontecendo na sociedade, no homem, então você está sempre um passo à frente, porque você está com o problema da observação. O escritor, o, o, o, o músico, enfim, ele tem a capacidade maior de observação e, e ele não se perde no que está acontecendo. Então ele soma todos os detalhes daquilo que está acontecendo e informa, dentro do seu veículo de, de informação, do seu artesanato, vamos dizer assim, quer dizer.
DOC. -  Você tem uma vida mais ou menos regular em termos de horários ou não? (sup.)
LOC. -  (sup.) Não, eu não uso relógio, nem gosto de relógio.
DOC. -  Como é que você, como, como é normalmente assim um dia padrão seu?
LOC. -  Um dia padrão é quando eu acordo.
DOC. -  Hum (sup.)
LOC. -  (sup.) Não sei as horas, dependendo do ... Se eu tenho que acordar cedo, então eu fico praticamente predisposto a acordar cedo, esperando a primeira luz da manhã entrar pela janela pra poder acordar. Então eu sei que é bem cedo, né? E quando eu vou dormir muito tarde que não tem a preocupação de acordar muito cedo, então isso naturalmente vem e a hora se for meio-dia, eh, meio-dia é o dia pra mim, não tem problema de horário, entende? A não ser quando marco, por exemplo, nós temos, tínhamos uma, uma, esse encontro aqui.
DOC. -  Sim.
LOC. -  Então eu fiquei perguntando toda a hora a hora. Escuta: quando for cinco horas me avisa, cinco e meia me avisa. Pra eu poder, pra sair. Fora isso, fora isso, não tem problema de horário não.
DOC. -  Como é que você costuma se divertir? Ou o que é que você considera como divertimento?
LOC. -  Ah, uma pergunta interessante, não é? (riso) A diversão pra mim é quando eu consigo realizar as coisas que pra mim se apresentam como problema à primeira mão, depois que eu penso achar a, a solução, que normalmente nós nunca achamos a solução, então é um divertimento, pra mim, entende? Eh ... (sup.)
DOC. -  (sup.) Hum, hum. Quer dizer, você não tem aquele conceito que em geral as pessoas têm de divertimento é ir a uma boate, ir à praia (sup.)
LOC. -  (sup.) Não, não. Isso eu acho ... Não ... (sup.)
DOC. -  (sup./inint.) Fim de semana. Que é que você acha disso? (sup.)
LOC. -  (sup.) Eu acho isso obrigação, entende?
DOC. -  (sup.) Hum (sup.)
LOC. -  (sup.) Eu ter que ir numa boate, ter que ir uma praia, porque combinei, entende, isso pra mim é obrigação, não é divertimento, faz parte da, vamos dizer, do laço de sociedade, social. Mar... temos nossos amigos, marcamos alguma coisa pra fazer, prum, normalmente é prum, para um divertimento. Eu acho que as pessoas podem se divertir sozinhas, sem precisar de apoiar ninguém, entende? Um ou outro (inint.) vamos à boate, vamos ao cinema e tal, acho que não. Eu acho que divertimento é quando você consegue se realizar naquilo que está, que está pensando ou, ou seu problema crucial. Se, uma vez resolvido ou pensado resolver, então você se diverte com aquilo, entende? Eu, ah, pra mim é assim, eu encaro assim e tenho me dado bem assim, eu acho, não sei.
DOC. -  Ô, M., mudando de um pólo a outro, como é que você faz pra se proteger da chuva, do sol, do frio?
LOC. -  Bom, quando eu estou com frio eu procuro um, um agasalho, uma manta, um cobertor, um, uma japona, entende? A chuva, o guarda chuva, que eu detesto, não uso nunca, então prefiro apanhar chuva. Ou então uma capa que está mais à mão, né, (ruído) uma capa. Também ga... galocha eu nunca uso porque galocha é um negócio assim abominável, né, horrível. Mas, que é mais? Luvas, no frio é muito bom, realmente. Incomoda pra burro também. Você tem, tem que utilizar o tato, tem que estar toda hora tirando a luva pra poder, pra utilizar. Então eu acho que frio é pra ficar dentro de casa, chuva também, entende? Pra não usar nada. É isso.
DOC. -  Você disse que tem problema. Você não gosta de praia, não, né? Há alguma coisa relacionada com praia? (sup.)
LOC. -  (sup.) Não, eu, eu tenho, eu tenho pouca ... Como é que chama? Esse problema da pigmentação (sup.)
DOC. -  (sup.) Hum (sup.)
LOC. -  (sup.) Pra mim ela assim reage muito pouco.
DOC. -  Mas você nada, né?
LOC. -  Hum? Nado?
DOC. -  Nada (sup.)
LOC. -  (sup.) Nado. Aliás atualmente acho que não dou nem (sup.)
DOC. -  (sup.) Como é que você prefere o mar?
LOC. -  Quando eu estou nele, né?
DOC. -  Não, não tem assim ...
LOC. -  Não. Quando ele está calmo realmente pra nadar, porque aí eu não estou competindo, eu estou me divertindo, estou fazendo um relaxamento. Então eu prefiro o mar quando ele está sereno, está calmo, é a época, é quando eu prefiro. Normalmente é o, pelo amanhecer se ele se apresenta nessa forma ou então ao entardecer, ele está nessa forma.
DOC. -  Mas se você tem esse problema relacionado com o sol (sup.)
LOC. -  (sup.) Hum, hum (sup.)
DOC. -  (sup.) Significa que você não, não fica exposto ao sol, né (sup.)
LOC. -  (sup.) Não. Eu não (sup.)
DOC. -  (sup.) Como a maioria das pessoas fazem (sup.)
LOC. -  (sup.) Não. Quando eu vou à praia eu não ligo também (sup.)
DOC. -  (sup.) Se bronzeando e tal (sup.)
LOC. -  (sup.) Não, quando eu vou à praia não ligo. Gostaria de me bronzear realmente (sup.)
DOC. -  (sup.) Hum (sup.)
LOC. -  (sup.) A cor é bonita e tudo. Mas é que normalmente eu pego queimadura de primeiro grau e, e dá uma ... Chama, eh, sal e pimenta, como é o nome desse negócio? É sarda, né? É. Então eu não posso ir à praia por causa disso, entende? E sou propenso também à, à formação de quelóides quando ... Isso aí já é um nome técnico. Quando existe um problema de cicatrização, entende, na queimadura ela produz uma cicatrização e ela pode se transformar numa, numa cicatri... cicatrização desregulada ou, entende, de quelóides, formação de quelóides. É um nome técnico que eu aprendi com o médico e (inint.) não esqueço mais. É isso. Então eu procuro evitar um pouco a praia.
DOC. -  Mas, ô M., em Nova York venta muito, é verdade isso?
LOC. -  É. É por causa das construções que canalizam o ar, de uma certa maneira, o vento.
DOC. -  Hum (sup.)
LOC. -  (sup.) Então você tem uma ilha de alguns quilômetros quadrados e toda ela tomada por, vamos dizer assim, cordilheiras de edifícios, entende? Altos. Então isso canaliza bastante o vento e fo... dá formação nas, principalmente na esquinas, de grandes correntes de vento. E no inverno não é de brincadeira atravessar uma rua numa esquina.
DOC. -  Vou desligar um pouquinho (inint.)
LOC. -  Pois não! (interrupção)
DOC. -  (inint.) F., pergunte aí alguma coisa.
DOC. -  Então, M., fala aí de céu, de sol, de chuva, fala aí!
LOC. -  Ah, o céu, que que eu posso dizer do céu? O céu é uma coisa muito bonita. Eh ...
DOC. -  Por exemplo qual, qual é o tipo de noite assim que você prefere? Existe uma noite especial? (sup.)
LOC. -  (sup.) Bom (sup.)
DOC. -  (sup.) Algum momento, algum dia em que você acha que a noite está bonita mesmo? (sup.)
LOC. -  (sup.) Quando a noite está clara, quando a noite está clara, está bem iluminada, que você possa enxergar (sup.)
DOC. -  (sup.) O que que é noite clara, M.? (sup.)
LOC. -  Hum?
DOC. -  O que que é noite clara?
LOC. -  Noite clara é normalmente quando você, quando está sendo iluminada pela lua, você está recebendo reflexo de iluminação da lu... da lua, então é uma noite clara, você vê a lua, vê as estrelas, vê tudo.
DOC. -  A lua se modifica também, né?
LOC. -  O quê?
DOC. -  A lua.
LOC. -  Se modifica?
DOC. -  Hum, hum (sup.)
LOC. -  (sup.) Pois é, então quando a lua está, quando é lua cheia, é lua cheia? É lua cheia. Lua cheia é lua então numa noite clara, bastante, tem bastante iluminação. Então essa é uma noite agradável que você ... No momento em que você possa enxergar as coisas, torna-se agradável, porque o homem tem medo do escuro, do, daquilo que ele não vê, não conhece, então as coisas escuras e as coisas sem luz é meio assombroso. Então você está sempre na expectativa de deparar com um fantasma, com um assaltante, com um negócio desse assim. Então a noite clara é uma noite de lua, de lua, lua cheia, uma noite agradável. Que você possa ver as estrelas, é uma noite agradável, realmente, né?
DOC. -  E por tudo o que você já disse aqui eu tenho impressão que você não é o tipo de pessoa que se preocupa em saber o tempo que vai fazer amanhã, não é?
LOC. -  Não, porque aí eu ficaria muito preso ao amanhã e não viveria hoje, entende? Então eu quero viver hoje, amanhã não me interessa (sup.)
DOC. -  (sup.) O serviço de meteorologia não existe pra você (sup.)
LOC. -  (sup.) Não existe não, porque chove quando deverá chover. Vai fazer sol quando deverá fazer sol.
DOC. -  Eu nunca vi nevada, né? (sup.)
LOC. -  (sup.) Sim (sup.)
DOC. -  (sup.) Mas tem várias modalidades de nevada, nevada assim, nevada assado, como é que é isso aí (sup./inint.)
LOC. -  (sup.) É como a chuva, existe uma chuva que você não gosta, existe uma chuva que dá medo. E a nevada é a mesma coisa. Existe uma neve que é agradável, você gosta, que vai, de manhã a sua porta vai ficar cheia de neve, você vai brincar, e tem uma neve que no dia seguinte você vai ter que trabalhar com, com, e mas com ... Ô, meu Deus do céu! Com pá, de pedreiro, pra tirar a neve do caminho, abrir a porta, abrir a janela, e depois descobrir o carro, aquele negócio todo. Então é muito chato que dá muita mão-de-obra, viu? Tudo aquilo que dá trabalho é horrível!
DOC. -  Você falou que tem, tem um tipo de chuva que dá medo. Que chuva é essa que dá medo? Como é que ela é?
LOC. -  Uma chuva que ... Alguns anos atrás nós fomos, nós tivemos aqui no Rio e foi margem a grandes fatalidades (sup.)
DOC. -  (sup.) Hum (sup.)
LOC. -  (sup.) Então essa é uma chuva que dá medo realmente, porque se você não está bem, dentro de uma arquitetura condizente (sup.)
DOC. -  (sup.) Hum (sup.)
LOC. -  (sup.) Pra te abrigar das intempéries, então, dá medo, certo?
DOC. -  Hum.
LOC. -  Aí ... Agora se está em cima de um morro dentro dum barracão, qualquer chuva dá medo, realmente. Então a chuva é a chuva pesada, a chuva que pode trazer catástrofe e tal, a chuva que dá, que pode dar medo. Que é chato, é horrível você saber notícias no dia seguinte de, de notícias desagradáveis.
DOC. -  Eh, e que que você me fala daquele tempo de Londres? Como é que é aquele negócio lá?
LOC. -  Olha, eu estive em Londres por volta do fim do verão, se não me engano. Foi em janeiro do ano passado. Janeiro? É. Fez um ano agora. E, tempo quente, não tão quente como aqui no Rio, temperatura ... Acho que o dia mais quente que nós tivemos lá foi numa manhã que deu vinte e dois graus, por aí assim, vinte e três graus, super calor, então eu gostei muito. Manhãs claras e embora que cho... que tivesse chovido um pouco, mas pro inglês é um dia de verão, realmente. De uma certa maneira quente, claro, muita luz (sup.)
DOC. -  (sup.) Você não esteve na, na época do inverno em Londres não, né? Alguma vez você esteve?
LOC. -  Eu estive numa ... Trabalhando, uma vez e ... Mas não saímos nem do aeroporto, porque já estava se prevendo (sup.)
DOC. -  Hum (sup.)
LOC. -  (sup.) Um, assim, período de, de grande cerração, de grande nevoeiro. Então nós regressamos e fomos pernoitar em Paris. Que nós tínhamos um vôo que ficava uma semana em, em Londres. Estava previsto que, que o serviço de meteorologia previa que iria ter uma ... Ô, meu Deus do céu, como é o nome? Falei agora. Um nevoeiro muito espesso e talvez atrapalhasse o tráfego aéreo durante uns três, quatro dias, então nós, baseados nisso nós regressamos a Paris, ficamos em Paris. Então só pude ver aquela pequena atmosfera de dentro do aeroporto que não foi suficiente porque então realmente já era quase noite. Então era aquela bruma, aquela cinza com, misturado com as luzes do aeroporto, então eu não pude ver realmente grande coisa.
DOC. -  Você gosta desse bairro que você mora?
LOC. -  Gosto.
DOC. -  Por quê?
LOC. -  Sossegado, não existe (inint.) eu vou dizer por que que eu gosto: porque o bairro é pequeno, não tem grandes construções, grandes edifícios, grandes aglo... aglomerados. E é muito importante as pessoas se conhecerem. Então, lugar onde, que não exista muitos, muitos aglomerados, as pessoas se conhecem, se cumprimentam, ou tem um bêbado na rua que é importante, tem o, o homem da carrocinha ali do cachorro-quente que é importante, nos cumprimentam, falam, então isso é importante, morar num bairro pequeno. Porque as pessoas se sente mais, mais humanos, existe mais calor humano. Em grandes aglomerados não, existe, eh, a batalha do dia-a-dia e as pessoas se degladiando e só, só se cumprimentando por época de natal e ano-bom, feliz ano, ano-bom, feliz natal e o resto do ano se esquecem. Então bairro pequeno é bom por causa disso que nós nos cumprimentamos todos os dias. Se conhece realmente.
DOC. -  Existe mais ou menos uma lenda a respeito de, de seu bairro, né? Em torno do, do clima, por exemplo. Que esse, esse bairro é menos quente que outros (sup.)
LOC. -  (sup.) É. Nós estamos mais próximo (sup.)
DOC. -  (sup.) Isso é verdade?
LOC. -  (sup.) É, porque nós estamos, nós estamos próximo à montanha e, com alguns metros acima do nível do mar, e existe essa floresta toda em volta e que não sei por que que o homem vive destruindo as árvores que, eh, a fonte da vida deles está nas árvores, que produz oxigênio, a sombra, o, o fresco, né? Então, a minha intenção é chegar mais perto da natureza. Então aqui eu estou mais próximo à natureza, por isso que eu estou aqui em cima.
DOC. -  E você acha que realmente aqui é mais agradável o clima que outras, outros pontos do Rio de Janeiro, enfim, em outras regiões da cidade?
LOC. -  É justamente por isso que eu falei. Porque quanto o homem procurar viver mais próximo à natureza sem destruí-la, então ele consegue viver mais um pouco, ele consegue ... Eh, viver, eu digo no sentido de ter um pouco mais de saúde durante a existência dele. E ele tendo saúde, ele pode sempre produzir alguma coisa pro seu semelhante, entende? Ao passo que o homem que vive no asfalto, ele está privado da clorofila, do oxigênio, que ele destruiu tudo, e ele é um homem mais doentio então ele não tem muita força de vontade pra fazer as coisas.
DOC. -  Disso daí eu estou entendendo que você considera a saúde do, a saúde do homem, física e mental? (sup.)
LOC. -  (sup.) Lógico (sup.)
DOC. -  (sup.) Ao mesmo tempo (sup.)
LOC. -  (sup.) Lógico. Porque se ele está, se está com uma dor de cabeça ele não produz nada, ele está com dor de cabeça. (interrupção)
DOC. -  Ô, M., você já, você já viajou muito pelo Brasil?
LOC. -  Viajei sim. Viajei.
DOC. -  Por onde que você viajou?
LOC. -  Ah, particularmente no nordeste do Brasil. Viajei e conheço aquela área quase toda, eh, Recife, Natal, Fortaleza, Belém, Manaus, essas são áreas mais, vamos dizer, próximas a minha memória porque eu estive mais tempo lá. Eu morei praticamente, juntando todos os vôos que eu fiz, talvez um mês ou dois meses em cada cidade.
DOC. -  Bom, você podia descrever o clima dessas cidades, por exemplo, Manaus, Belém, as cidades do nordeste que você conhece?
LOC. -  Olha (sup.)
DOC. -  (sup.) Antes e depois da chuva! Que história é essa?
LOC. -  Olha, nordeste é uma parada. É quente, tão quente que durante o dia você não faz nada, entende? Então você só pode sair mesmo à noite ou então quando chove, possa chover um pouco, que refresca. E com referência a calor, Belém. Belém é um clima que é quente desde o dia que nasceu, eu acho. Então nunca mais parou de fazer calor, faz calor sempre. Então só tem uma horinha que é no, durante a madrugada pra você sentir um pouco assim menos calor, entende? E ...
DOC. -  E Manaus?
LOC. -  Manaus é úmido. Quente e úmido. Um clima ... Duma certa maneira é gostoso. Aliás é bem `sexy', né, um negócio quente e úmido. E gosto muito de Manaus. É sério. Eu acho que todas as pessoas que se, contraíssem matrimônio deveriam passar a lua-de-mel em Manaus porque deve ser muito agradável. E ... Sério (riso), não estou brincando, não.
DOC. -  Como é que você descreveria uma cidade como Manaus, por exemplo?
LOC. -  Manaus é uma ...
DOC. -  Como é Manaus? (sup.)
LOC. -  (sup.) Manaus é uma pequena civilização cravada na selva (sup.)
DOC. -  (sup.) Hum (sup.)
LOC. -  (sup.) Atualmente não sei, porque fazem alguns anos, seis anos, talvez menos, cinco anos, talvez, que eu não tenha ido a essa cidade. Mas do que eu me lembro de Manaus, Manaus era uma pequena civilização, presa nas selvas sem, com um único recurso de comunicação através do rio que demorava bastante de se fazer essa comunicação. E avião, que era um meio de transporte muito caro e continua sendo muito caro. Então Manaus, ela não é auto suficiente. Eh, Ma... é uma cidade que depende dos outros centros, em tudo, desde a agricultura até o utensílio comprado pra dentro de casa. Ela não produz, não sei se está produzindo agora mas não produzia nada, a não ser, ah, frutas. É uma alimentação local, tropical, praticamente, eh, baseado na alimentação indígena e aliás é uma alimentação até bem folclórica. Mas fora disso, fora esse problema de comunicação, de ... Manaus é bem agradável porque foge a tudo aquilo que o homem possa imaginar, entende? Eh, em matéria de sociedade é o rico e o pobre, não, não tem meio termo, não tem vida de, vamos dizer assim, o homem da classe média. Ou ele é pobre ou ele é rico. Realmente às vezes até o rico não consegue nem comprar coisa nenhuma pra co... parte, vamos dizer, se referindo à alimentação. Mas, e o pobre talvez viva melhor porque ele se adaptou à alimentação local, entende? Então ele se acostuma, acostuma o organismo e come aquilo que a terra produz ali mesmo, sem cultivo sem coisa nenhuma. Então Manaus eu acho assim bem surrealista aliás, praticamente. Ela não existe, existe em pensamento (riso).
DOC. -  Você acha que existe uma espécie de determinação entre, entre as pessoas que vivem nessas cidades, por exemplo, Belém, Manaus, nessas regiões ou as pessoas que vivem no nordeste, e o clima, por exemplo? Uma espécie de determinismo entre o clima e as pessoas, que influa na maneira das pessoas serem, delas (sup./inint.)
LOC. -  (sup.) Ah, influi bastante sim. Influi porque o clima quente torna a pessoa um pouco mais indolente.
DOC. -  Hum.
LOC. -  E de uma certa maneira torna as pessoas mais notívagas porque elas produzem mais à noite, durante o dia elas tiram pra ficar à sombra. Então, como se diz que a vida se faz durante o dia, à luz do dia, então a cidade que tende a, a um progresso, se é que existe progresso, bem lento. Então ela não acompanha muito no, na, no que venha dizer a trabalho, progresso e, e etc. etc. Então as pessoas são mais indolentes mas conseqüentemente as pessoas pensam mais, porque têm mais tempo pra pensar. Então eu reputo as pessoas do nordeste umas pessoas de grande capacidade de, de assimilação, de, de pensamento e de tudo enfim, entende? Duma certa maneira nós temos tido grandes pessoas intelectuais aqui no Brasil de procedência nordestina e nortista, não sei se a senhora conhece alguém. Eu conheço bastante. Mas, problema (inint.)
DOC. -  Ô, M., dizem que o brasileiro em geral é indolente.
LOC. -  É. Quando você não tem nada pra fazer é indolente mesmo, realmente.
DOC. -  Tem a ver com o clima ou alguma coisa assim?
LOC. -  Não. Talvez falta mesmo de trabalho mesmo, sabe?
DOC. -  É?
LOC. -  Algo pra fazer (riso). Então a pessoa fica indolente.
DOC. -  Existe uma lenda, mais ou menos assim uma certa rivalidade entre Rio e São Paulo. Então as pessoas dizem que o, que o paulista trabalha mais e o carioca, eh, não gosta de trabalhar. E de um modo geral costumam justificar isso, por exemplo, no Rio, pela paisagem, que a paisagem ...
LOC. -  Não, não, aí se trata (sup.)
DOC. -  (sup.) Tira, tira a preocupação assim mais séria do carioca.
LOC. -  Não. Aí, o problema aí é mercado de trabalho, eh, de acordo com ...
DOC. -  Vai, fala! Pode falar!
LOC. -  Mais de acordo com ... Se procurou um lugar onde conveniências fiscais, conveniências de governo, conveniências de uma série de coisas, ah, inclusive meios de, da matéria-prima chegar, então São Paulo se projetou, por ser também uma das cidades mais antigas no Brasil e de um, de um, vamos dizer assim, de um desenvolvimento bem mais precoce do que as outras cidades. De uma certa maneira então São Paulo fixou-se como o, o lastro de tudo no Brasil o que se produz, em matéria de fábrica, em matéria de, vamos dizer, um alicerce dentro do Brasil. Isso hoje já está se diversificando, eh, com as grandes em... os grandes empreendimentos feitos nos, nas outras áreas do Brasil. Então São Paulo to... sempre teve a constante de ser um mercado de trabalho aberto pra todas as pessoas que quisessem ir trabalhar. Então ficou sendo o centro do trabalho, realmente, ficou assim como Chicago, ficou (inint.) Estados Unidos.
DOC. -  E o que você acha disso de dizer que São Paulo é uma cidade fria, que as pessoas são frias (sup.)
LOC. -  (sup.) É porque as pessoas são muito (sup.)
DOC. -  (sup.) São fechadas, isso é verdade?
LOC. -  Duma certa maneira sim, porque as pessoas dadas ao trabalho, que estão vivendo sempre pro amanhã, elas se tornam uma pessoa fria porque elas estão sempre preocupada com o amanhã. Então elas não vivem o dia de hoje. Então hoje, que a senhora está indo a São Paulo e vendo as pessoas hoje, agora, então as senhoras não estão vendo as pessoas hoje, agora, estão vendo as pessoas que estão pensando no amanhã, no progresso, entendeu? Então elas se tornam umas pessoas mais fechadas, preocupadas, elas vivem trinta dias do mês preocupadas. Isso é verdade.
DOC. -  E essa influência que se diz que existe da paisagem do Rio de Janeiro sobre o carioca, fazendo o carioca ter uma certa, certas características?
LOC. -  Aí já entra no problema da medicina, sabe? Eh, existe um problema de (riso), de quem está próximo ao mar ter um sistema meta... de metabolismo diferente das pessoas que vivem na montanha. E as pessoas que vivem na área, na orla marítima. (interrupção) E as pessoas que vivem na orla marítima, elas são atacadas mais na sua tiróide, no excesso de iodo no organismo e tal, então torna as pessoas talvez mais indolentes, mais ... Algum problema metabólico qualquer. E, e as pessoas que vivem acima da, do nível do mar, no caso de São Paulo que é bem acima, então são as pessoas que têm um pouco mais de atividade realmente. Aí já é uma função, eh, vamos dizer, de caráter físico e eu estou meio alheio a isso.
DOC. - Hum, hum.