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PROJETO NURC-RJ

Tema: "Animais e rebanhos"

Inquérito 0391

Locutor 488
Sexo feminino, 62 anos de idade, pais cariocas
Profissão: bibliotecária
Zona residencial: Sul, Norte e Suburbana

Data do registro: 30 de outubro de 1978

Duração: 40 minutos

Clique aqui e ouça a narração do texto


D
 Está ótimo. Então, à vontade. Dona A., que, que experiência a senhora tem com animais, o que que a senhora poderia nos dizer?
L
 Ah, a minha experiência com animais é mínima, porque sendo como eu acabei de dizer de, tendo nascido em cidade e vivido sempre em cidade a minha, o meu encontro com os animais tem sido muito pequeno. De início, em garota, eu tinha medo de cachorro. Isso eu posso me lembrar perfeitamente. Agora sempre tive uma predileção grande, nos animais domésticos, por gatos e, como papai gostava muito de galinhas, eu também tinha assim um certo interesse por galinhas, por pintinhos, chorava quando elas eram comidas, que vinham pra mesa do jantar, isso, às vezes eu me afeiçoava, sabia, e então essa parte, quer dizer, galinhas.
D
 Gatos.
L
 Gatos. Gatos eu acha... acho, tenho aliás até hoje uma predileção, acho (sup.)
D
 (sup.) O que impressiona a senhora no gato? (sup.)
L
 (sup.) O tipo felino, a graça, ah, assim a maneira silenciosa, ah, o passo fofo, como dizia Eça de Queiroz a respeito do, do gato, e o rostinho, aquela indiferença com que o gato nos encara geralmente, tudo isso sempre me apaixonou. Gato eu, eu realmente tenho ... E em pequena, quando aparecia um gatinho qualquer, eu e meu irmão mais moço trazíamos pra casa e com, debaixo dos carões de mamãe, que achava que nós não íamos cuidar direito de animal e que quando a gente tem um animalzinho em casa tem que ter cuidado, mas nós não nos conformávamos, dávamos o leitinho num pires e o gato ficava mesmo em casa. Tive dois gatos assim. Uma era uma, uma gatinha preta, a Ruça. Morreu anos depois (sup.)
D
 (sup.) Por que esse nome? Por que lhe deram esse nome?
L
 Porque era preta e assim meio rucinha, a cor não, não era assim um negro muito, muito fixo. E depois tive o Pilhérico Geremias. O nome é meio estranho, mas (risos) o Pilhérico Geremias ele era muito, ele veio, apareceu pequenininho lá em casa e era brincalhão demais, mas demais. Então, era chamado de Pilhérico Geremias. Era assim tipo (sup.)
D
 (sup./inint.)
L
 (sup.) Mourisco com o peitinho todo branco. Daí, eu não sei, o Pilhérico Geremias eu não sei dizer, deve ter sido uma invenção de papai, que gostava assim de uns nomes mais, mais estranhos. Deixa eu ver que mais? Bom, com os gatos. Agora, com esse, com esse bichinho (sup.)
D
 (sup.) E que cuidados a senhora tinha com o gato? Ele requer que tipo de tratamento?
L
 Ah, mas eu não tinha grandes cuidados não. De vez em quando eu dava banho, enchia, tremia, o bichinho ficava tremendo de frio, eu enchia de água-de-colônia, judiava, pensando que estava cuidando muito. Essas coisas de criança, não é? Mas ambos, quer dizer, quer a gatinha quer o gato, eles tiveram ... Creio que o gato teve um princípio assim de ... Começou a babar muito, então tivemos que mandar eliminá-lo. Isso me deu um desgosto enorme, mamãe, que era muito afeiçoada a bicho, era assim um temperamento trancado mas muito afetivo, ela não permitiu mais que nós tivéssemos bichos. Agora, já mais tarde, depois de casada, eu ganhei, eu tive uns canarinhos, premiados, lindos, mas também bobamente, me mudando de casa, em Copacabana, passando de uma casa pra outra, era casa pintada, eu de noite com medo dos gatos, recolhia o bichinho e ele morreu envenenado por causa da tinta. Isso é ... E tive depois ainda um casal de periquitos australianos, premiados também e muito bonitos. Ah (sup.)
D
 (sup./inint.) podia descrever a diferença entre o periquito e o canário?
L
 Sim. O canário era lindinho, era todo amarelo, era uma beleza. E os periquitos, um era também feito um papagaiozinho pequenino, a esse eu dava o nome de Esmeralda, era fêmea, e o outro eu chamava de Queridinho, porque era um azul, era um, era australiano, mas era uma coisa linda, o macho. Era azul-claro. Quando o, o macho morreu a, a fêmea bicava muito e eu fiquei com raiva dela e soltei-a. Eu fiz essa maldade tremenda. Espero que ela tenha sido apanhada por algum vizinho e tudo e que não tenha morrido também na mão de gato, né, que a gente às vezes tem uns, uns gestos impensados, não é, de rancor que não se coadunam com a pessoa pelo menos normal. Mas é que eu tinha tanta afeição ao bichinho, que isso aconteceu. Bom, essa é a minha experiência com bichos. Agora, cachorro eu sempre tive horror, eu tive até uma certa idade. Porque eu tinha medo em pequena, porque eu achava o cachorro assim muito turbulento e latindo, fazendo barulho, e não sei se era uma tia que tinha uma cadelinha, que roía os tapetes e, e vinha lamber a, a gente quando a gente ia fazer visitas e aquilo tudo me, me atrapalhava muito. Agora, mais tarde, indo passar um fim de semana em Belo Horizonte, já relativamente aí uns, há uns quinze anos só atrás, eu tomei conhecimento com dois, dois animais lindos, premiados também, boxers, e esses, pela inteligência deles, pela obediência, entendeu, esses, eu também, aí eu mudei completamente a respeito de cachorro. É. Isso assim com os, com os animais domésticos (sup.)
D
 (sup.) Assim no físico, na parte física, o que que caracteriza o boxer?
L
 É a, um pouco aquela peitarra, como é que chama? E é um pouquinho a parecença também com o buldogue, né, que ele tem bastante coisa do buldogue. Agora, cão que eu acho bonito de linha é o galgo. Aquele eu acho, aquela magreza, aquela, aquele perfil do galgo, eu acho uma coisa lindíssima.
D
 E haveria outros nomes? (sup.)
L
 (sup.) Ah, de ou... Olha (sup.)
D
 (sup.) Tipos de cães que a senhora poderia citar?
L
 Ah, bassê não é aquele que parece assim uma salsichinha, muito baixo mesmo porque se arrasta, aquele arrasta baixinho. Tem uns ou... um outro que eu não sei o nome não, muito nervoso que é pequenino e tem umas orelhinhas assim fininhas, mas esse eu nem sei o nome, pra mostrar a minha ignorância. Conheci lulu, houve tempo que era lulu, quando eu era garota, pequena, a minha tia, moça, então tinha um lulu que o noivo tinha dado (sup.)
D
 (sup.) O que é isso?
L
 É um todo peludinho, branco. Um cão todo peludo. Saiu de moda. Depois veio aquela, a cadelinha que o Roosevelt tinha, aquela que parece assim uma cha... também toda peluda, ficou em moda, não é, e ultimamente o 'harrier` que também tem, é desse, desse mesmo tipo, o 'harrier` veio dos Estados Unidos com um sobrinho meu que esteve em Indianapolis três anos e então trouxe o 'harrier`. Agora eles estão em Brasília e o 'harrier` não está se dando muito bem lá. Eu soube disso. (risos)
D
 (inint./sup.)
L
 (sup.) É. É. (risos) A história do cachorro. Cavalo, eu, a minha pequeníssima intimidade ou vida de fazenda, eu me apaixonei por cavalo. E, meio afoitamente, me atirava nos cavalos e corria, galopava, quer dizer, nunca tive medo nenhum de cavalo. Adoro cavalo assim para montaria (sup.)
D
 (sup.) O que que impressiona no cavalo?
L
 Assim um pouco o nervosismo do cavalo e a elegância, e a beleza. A beleza do animal.
D
 A senhora conhece tipos de cavalo?
L
 Não, isso não conheço. Infelizmente eu sou de uma ignorância enorme. Acho que sei distinguir entre um burro e um cavalo. (risos) Isso eu sei distinguir. Agora raças de animais, não. Houve tempo que eu freqüentei bastante o Jóquei Clube e então aqueles cavalos de corrida eu já mais ou menos, mas só sabia o nome deles, as raças não sei, de cavalo, animal de corrida não. (sup.)
D
 (sup.) A cor do pelo não ajuda nem nada? Que cores de pelo a senhora (inint.)
L
 Ah, o tordilho eu gostava nos cavalos de corrida, o tordilho, o tordilho acha... (sup.)
D
 (sup.) Como é que é o tordilho?
L
 O tordilho é cinza, é, é o tipo cinzento. Agora, de vez em quando eu achava bonito uns que tinham umas manchas, assim uns pingos brancos na testa e diziam que não presta, que o animal não é bom e não sei o quê. Isso pra lhe mostrar a minha ... Mas eu achava bonito. Principalmente assim pela linha, a delicadeza da, sendo um animal assim tão grande, a delicadeza deles no porte, a elegância, isso foi sempre bom.
D
 Ah (sup.)
L
 (sup.) Pode falar.
D
 A senhora ia falar?
L
 Eu ia falar sobre as feras, ia sair dos domésticos pra falar sobre as feras, mas se ainda está cedo, eu continuo nos domésticos.
D
 Porque a senhora falou que esteve em fazenda, né, além do cavalo, que outros animais?
L
 Patos, patos, carneirinhos, eu gostava de ver os carneirinhos também, as vacas (sup.)
D
 (sup.) Como é que são as vacas? (sup.)
L
 (sup.) Sobre as vacas, foi muito engraçado uma criança de cidade que foi comigo e que vendo as vacas, ela só teve uma preocupação. Eu acho que, que eu posso falar isso que não é feio (sup.)
D
 (sup./inint.)
L
 (sup.) Saber como é que as vacas se sujavam sem usar fraldas, como é que aquilo ... (risos) Então, esta parte eu guardei porque achei interessantíssima, viu? Ela queria que se pusessem fraldas nas vacas. (risos) Era menina de cidade, habituada ao cuidado e à higiene assim de casa, de apartamento. Esses animais me ... Gosta (sup.)
D
 (sup.) E essa parte das vacas, elas têm todo um, um emprego, não é? Pra que que servem?
L
 Ah, elas servem pra (sup.)
D
 (sup.) Como são aproveitadas?
L
 Ah, elas são aproveitadas pra tudo, né, o boi é um animal que, do qual se aproveita tudo, dizem, né, desde a carne, o osso e na vaca, o leite principalmente, o couro, o pelo, tudo, não é?
D
 E nessa parte de excremento das vacas também (sup.)
L
 (sup.) É, também pra adubo, não é, é, é isso mesmo.
D
 E as feras? (sup.)
L
 (sup.) Eu particulamente não sou muito apaixonada por carne não, mas de qualquer modo, eu rendo uma grande homenagem aos, aos bois e às vacas no que concerne à importância deles realmente na alimentação e na vida, não é, da pessoa, claro. A, a senhora falou, você falou em flores?
D
 Não, não, eu falei nas outras feras (sup.)
L
 (sup.) Ah, nas feras. Pois é, eu tinha uma especial predileção pelo leão e vou lhe dizer por quê, porque eu sou ainda de um tempo em que se falava muito, não que na minha família jogassem, mas as empregadas em casa, a copeira, a cozinheira jogavam no bicho. Então eu sabia que o número dezesseis, que era o dia do meu nascimento, era o dia do leão, é o número do leão. E dali, quer dizer, nesse egoísmo, nessa, essa fatuidade nossa, né, que todos nós temos, eu incorporara o leão quase à minha pessoa, e essa simpatia pela fera que é considerada o rei dos animais. É, esse é uma parte interessante, essa (sup.)
D
 (sup.) E o jogo do bicho, a senhora tem idéia de outros animais que entram no jogo do bicho?
L
 Ah, sei, sei mais ou menos, eu guardava em casa: borboleta, burro, deixa eu ver, borboleta, burro, avestruz, eu não sei a ordem, mas eu sei mais ou menos, o porco, a vaca. Eu sei que o meu irmão, por exemplo, os meus irmãos, eu já aí, já anotava os números, então esses eu sei até hoje. Uma que era de vinte e dois era tigre, ah, o meu irmão mais velho era dezoito, era porco, e o meu irmão, o meu 'partner`, que era o casalzinho mais moço, era o dez, era coelho. Então esses, esses eu, eu guardo bem (sup.)
D
 (sup.) Esses bichos lhe eram familiares, não é?
L
 É, é, me eram familiares (sup.)
D
 (sup./inint.)
L
 (sup.) Coelhinho também é outro bichinho que eu achava engraçadinho e que (sup.)
D
 (sup.) O que que ele lhe sugere?
L
 Ah, me sugere sempre o tempo em que eu gostava de usar casacos de veludo com pele de coelho, aquelas coisas. Coelho só me sugere isso e um pouco a páscoa também hoje, mas isso é uma artificialidade. Então já eu não, não ligo muito. É, não, eu não vou muito atrás desses costumes assim, como é, exógenos, como se come... se costuma dizer hoje em dia, pra falar um pouquinho mais difícil.
D
 E o seu pai gostava de galinhas? (sup.)
L
 (sup.) Ah, papai gostava muito de galinhas.
D
 Que experiências o sei pai tinha? (sup.)
L
 (sup.) Ah, ele tinha, papai era muito engraçado. Ele vinha da repartição, papai era especializado em engenheiro da Rede Ferroviária Nacional e então ele era de estradas de ferro, a parte de fiscalização, mas ele vinha pra casa, só gostava de morar em casas que tivessem quintal e não fazia a menor questão de pomar não, ele queria era pasto pras galinhas dele e havia assim aquela briga constante de mamãe com ele por causa do galinheiro, da sujeira que se fazia no quintal e, e ele tinha a idéia de, de fixar uma raça de galinhas, fazia umas cruzas lá, à moda dele. Mas o negócio não, não deu certo não, e ele queria aquilo só por diletantismo, por prazer realmente que ele encontrava. Também nunca teve o menor gosto por ter aviários, ou vender, nada disso. Era aquela ... Colher também aqueles ovos fresquinhos, né, que antigamente não havia esse tratamento de ovos que há hoje, que hoje a gente compra num supermercado, os ovos estão todos bons. No meu tempo de menina tinha um quitandeiro que vendia na porta, que botava o ovo no olho pra dizer se o ovo estava podre ou não, e quando mamãe ia fazer uma baba-de-moça, aqueles doces caseiros, era metade ia fora porque estavam todos podres. Então, o prazer era se ter uns ovos fresquinhos em casa e tal. Esse era, mais ou menos, o objetivo assim de papai. Fora a, o gosto que ele tinha por comer as galinhas que ele cuidava e que eu já mencionei, que ficava com muita pena quando elas eram (sup.)
D
 (sup.) E a senhora disse que ele criava várias raças pra cruzar, e a senhora lembra de alguma dessas raças?
L
 Não, ele, ele cruzou, mas ele tinha legorne, legorne ou 'plimouth` (sic). Foram as duas, mas ele não cruzou essas não, porque legorne ele tinha porque eram muito bons, boas poedeiras, as galinhas, e então ele tinha essa parte. Agora nos 'plimouths` (sic) é que ele andou tentando cruzar com as crioulas e tal, chamadas né, essas que não têm raça, vira-latas, galinha vira lata chama-se crioula, não é? Acho que é, não sei. E então ele fez uma cruza e ti... achava que tinha fixado uma raça, mas acabou degenerando e ele não fixou coisa nenhuma não.
D
 Como é que são as legornes?
L
 É aquela... O legorne é um tipo de raça todo branquinho e pequenino em geral, e se caracterizam justamente por serem, as galinhas serem muito boas poedeiras. Papai ganhou de um amigo (sup.)
D
 (sup.) E o ovo delas, como eram (sup.)
L
 (sup.) Ah, isso eu não me lembro (sup.)
D
 (sup.) Repare que há um tipo de casca, de uma cor, de outra.
L
 É, pare... eram bem branquinhas essas. É, mas foram, era ... Papai teve um casal também premiado e foi roubado. Porque em subúrbio se roubava muita galinha antigamente. É, morava em Lins Vasconcelos, era deixar qualquer galinha do lado de fora, de modo que aquilo dava um trabalho doido, no dia seguinte já não tinha mais. Nem galinha, nem galo, nem coisa nenhuma. Não sei como é que está hoje, mas naqueles tempos era assim. Deixa eu ver. Não, acho que sobre animais (sup.)
D
 (sup.) E visita que você fez ao jardim zoológico?
L
 Ah, jardins zoológicos, é, jardim zoológico (sup.)
D
 (sup.) Suas viagens aos Estados Unidos, à Europa? (sup.)
L
 (sup.) Ah, os Estados Unidos. Ah, me impressiona sempre muito de uma forma meio humilhante o macaco. Porque o macaco me imita de tal maneira, nos gestos, cruza a perna, bota as mãos na nuca e fica me fixando de, de, de uma maneira que, que me humilha tremendamente, porque a gente sente ali a parecença demasiada. O chimpanzé também nos Estados Unidos me impressionou de uma forma terrível pelas palmas que eles davam, não eram os, é até meio feio de falar agora, gorilas. Os gorilas batiam palmas, mas de chegar a tremer assim o, quase que a jaula, o que estava. E eles não andam muito em jaula não, eles têm aquelas fossas lá e os animais ficam (sup.)
D
 (sup.) A senhora viu isso nos Estados Unidos?
L
 É, isso eu vi em Washington e em Nova York, nos dois jardins zoológicos que eu visitei nos Estados Unidos.
D
 Por que a senhora disse que é meio feio falar gorilas?
L
 É porque hoje em dia o termo gorila ficou um pouco ligado ao pessoal subversivo que fala dos militares. Então diante do meu respeito pelas classes armadas eu procuro evitar falar nesse, nessa expressão. Que o gorila hoje, mesmo na América Latina (sup.)
D
 (sup.) Toma um sentido pejorativo (sup.)
L
 (sup.) Eles tomam um sentido assim de pejorativo ou pelo menos de, digamos, de animosidade, digamos assim. Então foi disso que eu falei.
D
 E nos Estados Unidos, a senhora só viu bicho assim em jardim zoológico ou teve oportunidade de ver bichos na natureza?
L
 Não, não me lembro nos Estados Unidos de ter visto bichos na natureza não. Porque eu viajei só de Nova York para Washington, eu não corri muito os Estados Unidos não e então naqueles trens fechados não dava prazer pra ver grandes fazendas não, via-se mais a parte de silos e tal assim que ficavam mais à, à beira da estrada. E em Washington também eu não me lembro. Eu me lembro só que eles fazem, é interessante, Nova York é uma cidade muito policiada, e eles ainda fazem pre... em plena Broadway o policiamento com a polícia montada, aqueles cavalos enormes, aqueles cavalões da polícia mesmo, com aqueles homens naquele movimento espantoso e eles alí assim.
D
 Montados a cavalo?
L
 É, montados a cavalo. É uma coisa anacrônica, mas existe realmente ainda.
D
 E há algum bicho assim que a senhora nunca viu, mas que gostaria de ver (inint.)
L
 Não, em pequena mamãe às vezes nos levava ao Passeio Público e lá eu adorava ver pavões. Os pavões abrindo a ra... a roda, mostrando aquele leque lindíssimo. Peru eu sempre, eu achei muito engraçadinho e tal, gostava de espiar mas (sup.)
D
 (sup.) No Passeio tinha um outro bichinho que (inint.)
L
 No Passeio Público? Tinha muito esquilozinho, não tinha? É, esquilo também, mas como eu sempre fui míope, desde criança, possivelmente dos esquilos eu já perdia bastante. É (sup.)
D
 (sup.) Por aqui parece que têm muitos pássaros, né (sup.)
L
 (sup.) Tem, aí há, aqui há bastante, sim. Inclusivamente há o sabiá e eles no, no verão, fica lindo nessa fonte aí que fica borbulhando e eles vêm tomar banhozinho.
D
 Ah, que ótimo.
L
 Fica tão engraçadinho, é muito bonito neste pátio aqui (sup.)
D
 (sup.) Que tipo?
L
 O sabiá.
D
 O sabiá, não é?
L
 O sabiá vem muito aqui. E mais o, esse mais comum, qual é, o corriqueiro, esqueço o nome dele.
D
 Esse que está acabado hoje em dia, que já foi (sup.)
L
 (sup.) É que já foi ... Agora me escapa, pra mostrar como eu sou versada (sup.)
D
 (sup./inint.) dizem que é de origem portuguesa. Começa com pê, né?
L
 É? Ela está vendo se me lembro, mas eu não me lembro não; não consigo (sup.)
D
 (inint./sup.)
L
 (sup.) Sopra. (risos) Ah, é o pardal, é isso mesmo, o pardal. É sim, o pardalzinho. Os pardais sempre me (sup.)
D
 (sup./inint.) muito pássaro, né, na Cinelândia por exemplo?
L
 Bem-te-vi! Bem-te-vi muito aqui. Muito e, e em Minas, quando eu vou à Caxambu a quantidade de bem-te-vis é, é enorme naquele (sup.)
D
 (sup.) A senhora vai a Minas, não é?
L
 Eu vou a Minas sempre (sup.)
D
 (sup.) Como é esse negócio de Minas, paisagem, bichos? Conta lá.
L
 Ah, pois é, pra mim é uma, é um descanso desde que eu começo a subir (sup.)
D
 (sup.) Já vi que gosta de Minas.
L
 Gosto sim, eu gosto muito de Minas, mas principalmente de Caxambu. Eu gosto muito de Caxambu e eu devo a Caxambu assim, eu acho que a minha saúde, que eu tenho graças a Deus muito boa, porque eu vou, todos os anos eu faço questão de desligar, como se diz, e ficar lá. E aí quando eu pego a temporada boa, que não chove, quer dizer, eu passo praticamente o dia no parque. Daí as borboletas, olha (sup.)
D
 (sup.) A senhora não tem casa, vai pra um hotel?
L
 Ah, eu fico num hotel. Mas o ano passado, ano atrasado, eu assisti a uma cena muito interessante. Isso pode, a gente pode conversar a respeito de animais, pra mostrar o que é hoje em dia a selva de pedra, a criança de cidade, e o deslumbramento diante da natureza, embora já uma natureza também bastante cuidada, que é a de uma cidade assim que recebe turistas. Mas uma garotinha chamava o irmão assim no parque: Paulinho, Paulinho, vem cá. Mas numa excitação tremenda. Olhe uma borboleta! E sabe qual foi a reação do menininho? Igualzinha à do nosso livro. Quer dizer a borboleta para aquela criança era a do livro. Aquela é que era praticamente a ilustração, a imitação. Eu achei, isso me chocou. Foi, foi impressionante essa cena, do que é uma criança de cidade que não, não sabe, não conhece mais. Também gosto muito dos pombinhos de lá, é, o arrulhar dos pombos, eu acho muito engraçadinho. Aqui em Copacabana, eu já tenho mais medo e mais cuidado, porque de vez em quando eles somem, eu tenho impressão que eles são comidos. De repente eles voltam insistentemente, não é, eles voltam, é, isso é o, o pombo também está sempre acompanhando a, a nossa vida.
D
 A senhora lembrou dos animais que ficam pela terra, dos animais que voam, mas não falamos dos animais do mar. Quais que a senhora conhece, de nome ou de revista?
L
 Não, assim uma simpatia grande pela baleia, que está em extinção, dizem que se cuida. Eu gosto muito da lagosta pra comer, eu acho muito gostosa. Dos outros peixes eu não sou muito, muito afeiçoada, como assim por gourmandise (sic), eu não, eu não gosto não. Mas do mar é isso. Vi, tem um, vi em Monte Carlo um dos aquários mais bonitos do mundo, com uma variedade enorme, vi também nos Estados Unidos, do departamento de comércio, o ministério do Comércio de lá, eles têm um aquário belíssimo. Mas nós temos aqui os nossos peixinhos lindos, sabe, aqueles nossos peixes de aquário também são muito bonitos, nós temos variedades muito grandes desses peixinhos de aquário.
D
 E a senhora conhece assim o nome desses peixes?
L
 Não, sou muito ignorante. Porque na verdade eu não me interesso, eu digo, de início eu disse, eu não me interesso muito por, por animais não, sempre o meu forte, o meu interesse foi justamente história, a parte de sociologia ligada à história, história universal e arte. Isto é que é. Tanto que (sup.)
D
 (sup.) Mas assim os animais privilegiados pela arte, o que a senhora podia dizer?
L
 O quê?
D
 A arte, geralmente, o homem tem preferência por determinados animais, ele fixa, desde o tempo das cavernas (sup.)
L
 (sup.) Bom, esse é muito interessante também, uma visita (sup.)
D
 (sup.) Como é isso, essa relação do bicho com o homem? (sup.)
L
 (sup.) Sim, a arte rupestre que já se manifestava (sup.)
D
 (sup.) É (inint.)
L
 Exato. Mas foi curioso que no museu de Madri eu encontrei um Pott, Pott, parece, é um pintor holandês e papai sempre me mostrava os quadros dele, porque ele era exímio em retratar animais, aquelas vacas holandesas, mas fazendo aquela paisagem de fundo, de arvoredo. E eu quando descobri o verdadeiro Pott, que eu só conheci através de reproduções, eu fiquei encantada. Então chamei uma moça que estava comigo assim me acompanhando, disse: vem ver, vem ver aqui. E ela disse: não gosto de bichos. E então eu achei muito engraçado porque ela podia não gostar de bichos, mas devia estar apreciando os quadros do pintor. Mas de qualquer maneira isso me marcou bastante (sup.)
D
 (sup.) É, porque a senhora falou em cavalo e o cavalo é um animal privilegiado, não é?
L
 É, é, e há, e há quadros belíssimos da escola inglesa sobre cavalos, há também da escola francesa até sobre uma corrida, esqueço agora o nome do pintor, é muito bonito o quadro dele de uma, de uma corrida de cavalos. Nas estampas, então, e nas gravuras inglesas, aqueles, aqueles saltos de obstáculo em cavalos. Eu tenho até uma bonita em casa, aqueles cavalos brancos com aqueles redingotes vermelhos e tal, né, forma, é uma coisa (sup.)
D
 (sup.) O homem também, ele tem animais que ele, ele mitifica, né, a senhora falou do gato, é um animal assim que em determinadas regiões do mundo, ele (sup.)
L
 (sup.) Ah, também, está claro, é isso (sup.)
D
 (sup.) Que outros animais, além do gato, que têm algo assim de sagrado, em determinadas civilizações? (sup.)
L
 (sup.) Há mu... há mu... muitos, não é? Agora (sup.)
D
 (sup.) Por exemplo, no Egito? (sup.)
L
 (sup.) No Egito, eles têm aquela rã e ah, o que é o deus do sol, mas eles tinham aquela, o boi Apis, não é. Na, na Índia, as vacas sagradas que têm aquelas badalos, quem já viajou à Índia diz que é uma coisa impressionante a sujeira porque não se faz mal, não se (sup.)
D
 (sup.) Não se ataca?
L
 Ah, não se ataca, não se coíbe, de modo que aquilo é, é uma coisa (sup.)
D
 (sup./inint.) não tem nenhum lugar onde ficar (inint.) o homem convive com ele, domesticamente, não suporta, tem ojeriza.
L
 Ah, bom, esse é (sup.)
D
 (sup.) Na sua casa, que bichos que a senhora tem ojeriza? (sup.)
L
 (sup.) Não, esse eu, eu chego ser até, eu acho que eu sou anormal sob esse aspecto. Porque eu, o horror, o nojo que eu tenho de baratas (sup.)
D
 (sup.) Não, isso é todo mundo.
L
 É, é uma coisa tremenda, e, graças a Deus, surgiu a dedetização. Porque eu tinha descoberto um remédio muito bom pra baratas que era elegantíssimo e perfumado. É, essa eu posso lhe dar a receita, mas infelizmente a polícia, eu não sei se a Saúde Pública, o que foi, proibiu: era o lança-perfume. Eu no carnaval, eu comprava estoque de Rodouro que era pra matar baratas o resto do ano, porque de longe, com aquele pavor que eu tinha, a dar aquele jato e ela vira logo de pata pro ar. E então era elegante, perfumado e eu me via livre das baratas.
D
 Engraçado (sup.)
L
 (sup.) Mas agora, graças a Deus, apareceu, né, já há uns quinze anos ou mais, desde que apareceu o Insetisan, que eu sou freguesa, lá do Ipanema e agora todo, de seis em seis meses, de ano em ano, eu dedetizo os fundos do apartamento.
D
 Mas só barata que incomoda muito?
L
 Ah, é barata, porque o resto não me incomoda não. Não tem mais. Mosca em apartamento não existe, não é? Então é só barata. Rato, graças a Deus, aqui aparecem uns assim de vez em quando, tem uns homens e botam umas, fazem, eh, uma desratização (sup.)
D
 (sup.) Os ratos de biblioteca? (sup.)
L
 (sup.) Os ratos de biblioteca são outros. (risos) Esses são, são de outro tipo.
D
 Assim biblioteca é um lugar onde costuma ter muito um tipo de animal (sup.)
L
 (sup.) Ah, sim o, os térmitas, não é, o cupim. É, esse também nós temos essa luta grande. O dos livros em casa, eu consegui, dou a receita pra quem quiser, com pimenta-do-reino. Eu boto aqueles grãos de pimenta-do-reino dentro do livro e nunca mais me deu (sup.)
D
 (sup.) Aquele grãozinho do (inint.)
L
 Não, não precisa pulverizar não, até assim aquele grãozinho. Em casa eu, eu consegui. Também não sei se é porque eu dedetizo sempre, não é, pode ser que uma coisa, que eu esteja gabando muito uma coisa e não seja só essa, mas já antes eu tinha notado. Agora em biblioteca, periodicamente, nós temos que fazer realmente a dedetização. Agora barata é uma coisa execrável, eu acho uma coisa nojenta, nossa! (sup.)
D
 (sup.) E rebanho assim, reunião de animal, a senhora teve oportunidade de ver alguns?
L
 O quê?
D
 Rebanhos.
L
 Não, isso eu não vi não. Eu gostava (sup.)
D
 (sup.) E rebanho para a senhora lembra que bicho? Rebanho lembra que bicho?
L
 Ah, rebanho me lembra o, a, o boi mesmo. É o, é o gado bovino mesmo, é o gado, é o bovino.
D
 Mas Minas tem um bichinho assim que eles gostam de comer, que preparam muito bem e que não é o boi, qual é?
L
 É gambá, é? Não é, não, é não. Acho que eles pe... (sup.)
D
 (sup.) Aí, é caça. Nessa área de caça, a senhora já provou alguma coisa?
L
 Não, não, eu tenho uma certa, eh, repugnância (sup./risos)
D
 (sup.) Mas sabe que existe. Que bichos (sup.)
L
 (sup.) Qual é o de Minas? Eu não sei quais são os bichos. Vê como eu sou ignorante em matéria de bichos e carnes de bichos? (sup.)
D
 (sup./inint.) à vontade, geralmente assa, serve torradinho.
L
 É,é? (ruído de telefone) Como é que eu vou fazer? (interrupção)
D
 Mas assim caçadores mesmo, que a senhora não gosta, a, a senhora já ouviu falar em alguma iguaria de, de caçador, algum bicho que um caçador talvez goste de comer?
L
 Não, havia um amigo de, de papai, do Paraná que de vez em quando mandava a, como é?
D
 Ave?
L
 Ave. Era uma ave que existe muito no Paraná, que eles fazem até em conserva. Agora eu esqueci, não é codorna não, é uma outra. Perdizes!
D
 Perdizes!
L
 Perdizes!
D
 E na Europa assim em matéria de refeição a senhora teve oportunidade de provar alguma carne que não fosse a de boi?
L
 Cavalo, bife de cavalo, é.
D
 Eles comem?
L
 Eles comem muito.
D
 E é bom?
L
 Não, é horrível.
D
 É, por quê (inint.)
L
 Eu acho, porque, eh, não tem, não tem grande sabor e o fato de a gente saber que é cavalo, não agrada. É isso, quer dizer, é um preconceito, é um preconceito. Eu, eu não gostei. Depois a Europa está assim muito americanizada, eu por exemplo cheguei a Paris e eu queria ir para aqueles restaurantes bons, típicos, mas infelizmente o pessoal da excur,são estava assim meio pão-duro e que ia para outros lugares e esse já nesse tipo de 'snack-bar` de, de, como é, restaurante americano e que já a comida é completamente sem individualidade, sem, sem aquela, enfim, típica francesa. Mas assim mesmo eu, no mercado ainda existia o (inint.) que depois foi posto abaixo e eu lá provei uma sopa de cebola que é inesquecível. (risos) Ficou inesquecível.
D
 (inint.) eles comem lá na França uma iguaria, né, que custa caríssimo quando vem pra cá e muita gente não consegue sequer provar, que eles chamam em francês 'escargot`.
L
 Ah, isso foi muito curioso. Em Marselha, em Marselha eu estava, nós estávamos numa mesa, é, o grupo brasileiro, éramos doze pessoas, e eu olhei para trás e vi uns italianos comendo 'escargot`. Então eu disse, eu vou pedir (sup.)
D
 (sup.) Corresponderia em português, a quê? Aqui pra nós (sup.)
L
 (sup.) É, caramujo, né? Então eu disse, eu vou pedir caramujos, e eles me disseram: nós saímos da mesa se você pedir esta porcaria. Até me disseram assim. Então eu tive que ceder, mas tinha tido, eu tive realmente vontade de provar 'escargot`, esse eu tive, mas não, não cheguei a, a provar. Náo deixe de comer, você já comeu 'escargot`? Não, ela também fez uma cara assim, de quem vai sair da mesa.
D
 Eu não cheguei a provar, mas fiquei com vontade.
L
 Foi, não é? Pois é, eu fiquei com uma vontade enorme, ess... Agora o negócio é que é cru, não é?
D
 É (sup.)
L
 (sup.) Aí é que pega, é como ostra, eu adoro ostra. Na Bahia, na Bahia eu ia ao mercado, mas pedia o, aquele prato de moqueca de ostra, mas aí era cozida e era uma delícia, quer dizer, a ostra com azeite-de-dendê é uma delícia, e fresquíssimas.
D
 A senhora, a senhora esteve na Bahia e comeu moqueca de ostras e comeu outras moquecas?
L
 Ah, comi sim, eu comi moqueca de, de peixe (sup.)
D
 (sup.) Só? (sup.)
L
 (sup.) Moqueca de peixe e acho que só. Agora eu comi aquele prato que se faz com camarão, comia, quer dizer, comia vatapá, é aquele, tem um nome. Eu hoje não estou com boa memória não, pra bibliotecária eu estou falhando muito, que nós temos que, que ter muito boa memória (sup.)
D
 (sup.) Está ótimo, a senhora está muito bem (sup.)
L
 (sup.) Quer dizer que eu falei sobre animais, sobre bichos (sup.)
D
 (sup.) Bastante. Agora sobre aves, a senhora falou de aves assim muito doces (inint.) e aves agressivas?
L
 Eu não gosto de agressão de espécie alguma, eu sou naturalmente mansa, então eu falei de pombinhos. Não é que eu seja, às vezes eu também sou agressiva, mas a nossa ... Ainda, ainda ontém meu marido me contou a respeito de coisa ... Ele tinha ido a Guarapari, ele contou um fato muito curioso, ele diz que no meio da estrada, na ida para Guarapari, ele assistiu a um passarinho, um bichinho, não sei se era um sabiá ou um desses pardais, que perseguia alucinadamente um gavião, porque o gavião é a nossa águia, não é, a águia brasileira, nós não temos a águia. E esse bichinho, diz que o gavião tentava se desvencilhar e o bichinho em cima, na cabeça do gavião, picando, picando doidamente, quer dizer, o gavião devia possivelmente ter atacado o ninho dele, ou tentado atacar e ele, quer dizer, um bichinho tão pequenino atormentando o gavião. Ele diz que chegou a andar assim devagar com o carro pra seguir aquela fuga da ave agressiva, da ave de rapina fugindo de um, de um bichinho.
D
 E desses animais enormes, de tamanho, a senhora falou a baleia.
L
 Ah, eu falei na baleia (sup.)
D
 (sup.) Me diz outro, que nos impressiona pelo tamanho dele (sup.)
L
 (sup.) O elefante, o elefante, eu ganhei um elefante lindo de Hong Kong, desse tamaninho (sic) pra dar felicidade, todo de espelhos, é uma gracinha, aquela trombinha assim pra cima. E quando eu era pequena eu gostava de ir ao circo pra ver os elefantes, eles comiam aquelas laranjas inteiras e tal, né, a gente atirava aquilo. Ah, elefante é um, o, é um paquiderme simpático. Hipopótamo também eu acho engraçadinho, se se pode dizer que seja engraçadinho, porque é, é um tipo de animal como o rinoceronte que a gente tem a impressão que eles ficaram sobrando. Eles não são desta nossa era, os outros todos eu acho que se adaptam à nossa civilização, mas o ... É uma, é uma opinião de leiga e de ignorante, mas me dá essa impressão, de animais que sobraram (sup.)
D
 (sup.) E se a senhora pudesse, de repente assim, caracterizar o Brasil através de um animal ou dois, quais o que a senhora citaria?
L
 É muito difícil, eu não sei não. Eu, nós, nós, eu sei que nós temos um dos maiores rebanhos do mundo, mas eu não, não penso em rebanho quando penso no Brasil, sinceramente.
D
 E assim em matéria de escritores, fábulas. Que que as fábulas dizem dos animais? Quais são os animais que entram geralmente? (sup.)
L
 (sup.) Ah, muito a raposa, não é, que entra nas fábulas da La Fontaine muito, isso (sup.)
D
 (sup.) Representando o quê?
L
 Representando a esperteza, a deslealdade, uma certa corrupção.
D
 E quais são os outros animais que são vítimas desta deslealdade?
L
 Ah, são sempre os mais bobos, é o corvo, os bobalhões. É, mas eu não estou pregando aqui, possivelmente o que vocês querem ouvir não, não querem não? (sup.)
D
 (sup.) Não, nós não queremos nada, nós não queremos nada. (sup.)
L
 (sup.) Ah, porque o que eu me lembre, que eu era obrigada a recitar, porque papai me botava pequenininha recitando, eu recitava Camões e eu mais tarde tinha que recitar "Ma^itre Corbeau", aquela estória assim, Leonardo e (inint.) aí eu ia pelo, pela história do, do corvo e da raposa.
D
 E se a senhora tivesse que de repente dizer assim dois bichos estranhos pra senhora se adaptar e que realmente seriam os mais estranhos?
L
 A hiena eu acho detestável, e a cobra.
D
 Que outros nomes a cobra tem? A cobra tem mais de um nome, né? (sup.)
L
 (sup.) Sim, a serpente, é, mas há uma serpente agora muito simpática nesse "Pecado" aí "Rasgado", que aquele desenho é uma das coisas mais interessantes que eu já vi na minha vida. A, a, a, a serpente é que foge, faz uma bicicleta, não é, e ela é que foge do Adão e da Eva, ela, ela está salvando a maçã. Eu acho a inversão daquilo uma delícia, mas a cobra, engraçado, está aí esse fato, é um fato que poderia ter me marcado para a vida toda, podemos terminar por ele.
D
 Sim.
L

  Eu era muito pequenina e eu mencionei que estive, que fui a Recife, não foi? E enganei-me também, porque eu estive em Maceió, no interior de Alagoas também. Papai estava numa casa, tínhamos ido fazer uma visita a uma família, numa dessas casas de ermo quase, casarão grande, e eu pequenininha fui a um banheiro e voltei à sala dizendo: tem uma cobra no banheiro. Ninguém acreditou. Daí a pouco, a minha mãe que estava grávida deste meu irmãozi... irmão que nasceu depois de mim, que era o último, ela quando foi ao banheiro antes de acabar a visita, a cobra saltou, estava enroscada assim atrás do vaso e deu aquele pinote. Dizem que não, essas alusões antigas, que dizem que não morde senhora grávida e tal, não sei o quê. E aí, a cobra foi abatida e tal, mas ninguém tinha acreditado na, na garotinha de dois anos e meio, que tinha dito que tinha visto uma cobra no banheiro.