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PROJETO NURC-RJ

Tema: "Meios de Comunicação"

Inquérito 0370

Locutor 454
Sexo feminino, 60 anos de idade, pais cariocas
Profissão: técnica educacional
Zona residencial: Sul

Data do registro: 20 de fevereiro de 1978

Duração: 40 minutos

Som Clique aqui e ouça a narração do texto


L
 É sempre constrangedor falar, primeiro, diante de uma pessoa muito amiga e muito ligada a mim, como é o caso (risos) de L. Não, não quero que saia. Falar diante de C. que eu conheço, como eu acabei de dizer a você, desde o dia em que ela nasceu. Mas eu respeito muito essa atitude de vocês, duas pesquisadoras que estão procurando, eh, levar adiante uma idéia que é de um grupo de estudiosos da faculdade e isso me leva a ter um certo respeito pelo trabalho e desejar colaborar.
D
 Muito obrigado desde logo.
L
 Quando você me propôs os dois temas, a organização política e social do Brasil ou os meios de comunicação, e eu optei pelos meios de comunicação, em parte porque eu conheço mais este assunto. Eh, embora naturalmente também dentro do, do tema organização política e social do Brasil eu pudesse dizer alguma coisa, mas dificilmente diria alguma coisa desapaixonadamente, porque nunca o nosso país é aquele país que nós sonhamos, com que nós sonhamos que ele fosse. Então há sempre um certo sentido de frustração. E eu quero falar sem nenhuma frustração. Quero falar sem ressentimentos. Por isso os meios de comunicação ... No momento em que L. me telefonou, eu estava com a televisão ligada porque o único programa de televisão a que eu assisto com interesse é o programa de notícias. Assim mesmo costumo fazer uma certa, eh, dieta nas notícias, porque eu não ouço as notícias desagradáveis que estão muito distantes de mim, no sentido de fazer higiene mental. E hoje quando a televisão estava ligada estávamos ouvindo partidas de futebol muito barulhentas e que se realizaram em vários estádos do Brasil. Mas para minha grande surpresa, um matemático estudou a teoria das probabilidades da vitória de alguns times de futebol, em alguns estados do Brasil. Para mim isso foi um problema novo e eu fiquei pensando, como pessoa que procura estar envolvida, engajada na cultura, como teria sido feito esse estudo de probabilidades de vitórias de equipes de futebol. Isso me despertou curiosidade, quando recebi um telefonema simpático de L., que queria vir à nossa casa conversar comigo e ela aqui está e, minha boa amiga mineira que traz aqui à nossa casa sempre um ponto de vista culto, inteligente e ao mesmo tempo, eh, me põe sempre a par dos valores que não desaparecem na cultura brasileira, que são esses valores da amizade, da afetividade, eh, da lealdade. Então ela vem à nossa casa e eu pergunto: L. a... além de me interessar pelo trabalho dela, que é muito interessante, ela dirige uma empresa que agencia assinaturas de revistas para todo o Brasil e agora até para a América Latina. São revistas técnicas, de modo que ela tem sempre contatos com universidades e com pessoas cultas, porque são, naturalmente, revistas especializadas. Por acaso, está aqui s... sobre a minha mesa uma das revistas que me foi oferecida por um dos chefes de L., porque hoje essa empresa está ligada a um grupo norte-americano e esse grupo esteve aqui o ano passado num seminário de gerentes, e o chefe, o, que é também o dono desse, desse empreendimento, me ofereceu a assinatura mensal dessa revista do Book Digest. Eu gostaria que houvesse no Brasil uma coisa semelhante. Essa revista publica os livros que fizeram sucesso, os chamados 'best-sellers'. Mas não são só esses livros. São também os livros que não fazem sucesso, mas que são grandes livros. E naturalmente não tenho tempo de ler todos os livros que eu gostaria de ler. [fala de circunstante: (Mas acho que existe uma publicação da Abril)] Da Abril? [fala de circunstante (Da Abril ou daquela, daquela editora Três, uma das duas, no modelo justamente do Book Digest, como daquela revista francesa Lire, que é realmente, que não sei se vocês conhecem?)]
D
 Sim, sim, eu conheço [sup. da fala do circunstante: (Lire, que é, faz justamente um resumo dos livros, das, dos, dos livros publicados e, e dá, e também entrevistas com os autores)] Quer dizer que sua amiga, então, ela trabalha já no âmbito de meios de comunicação (sup.)
L
 (sup.) De meios de comunicação. Ela justamente agencia essas assinaturas de revistas. Eu acho que no mundo atual, quando nós não temos tempo de ler todos os livros que gostaríamos de ler, a revista é realmente um elemento que nos põe a par do que está acontecendo naquele momento, a revista tem um caráter de atualidade muito grande, de modo que ler revistas, boas revistas me parece um, uma solução para quem quer estar atualizado. Naturalmente eu estou fugindo um pouco ao assunto, meios de comunicação, e eu gostaria de enfatizar um problema que me preocupa muito. É que nós todos estamos dentro da, do volume de informações que nós recebemos diariamente através dos muitos meios de comunicação que são, sobretudo, o jornal, o rádio, a televisão, o cinema, os cartazes, eh, agora, as comunicações pelos satélites, nós temos possibilidade de, da nossa casa fazer ligações telefônicas para quase todo o mundo. Ao mesmo tempo em que nós somos, recebemos um acervo muito grande de comunicações e de informações, nós temos uma capacidade cada vez menor de reter essas comunicações, essas informações e, ao mesmo tempo, de comentar, fazer comentários sobre essas informaçõs que recebemos. Eu faço parte de dois clubes de livros de língua, de língua inglesa. Aqui estão os livros que eu retirei esta semana para ler. Eu tenho duas semanas para ler esses três livros. Já li os três e tenho, e me encontro uma vez por mês com um grupo de senhoras. Este clube de livro reúne trinta e cinco senhoras que representam umas doze nacionalidades. A língua inglesa é a língua utilizada para a comunicaç~so porque é a língua que todos podem falar com um certo desembaraço. Esse mês eu retirei três livros, por acaso, sendo que ti... retirei um deles pensando sobretudo no meu marido, que gosta muito de velejar e esse é um livro sobre uma viagem feita num barco a vela. Foi feita por este escocês que está, cujo retrato está aqui na capa, que era um antigo marinheiro durante a guerra e depois fez cursos na marinha mercante inglesa e chegou a ocupar cargos de subcomando. Ele se casou no Extremo Oriente com uma enfermeira e resolveram viver na Inglaterra como fazendeiros. Tiveram uma fazen... fazenda de gado, não muito longe da cidade do Shakespeare, lá em North Stratford Field. De lá, eles resolveram um dia, já estavam casados há alguns anos, tinham quatro filhos: um rapaz de dezenove anos, uma moça de dezesseis e dois gêmeos de doze, eles resolveram vender tudo que possuíam na Inglaterra, compraram um barco para fazer uma viagem ao redor do mundo. Ele, esse homem achava que essa era uma oportunidade muito grande de dar aos filhos o ensejo de conhecer o mundo e, ao mesmo tempo, ah, ele estava meio desgostoso com a vida de fazendeiro, de fugir daquela situação que não estava sendo muito agradável para ele. Assim fez, comprou um barco e saiu da Inglaterra, passou pelo Caribe, atravessou o canal de Panamá, chegou até a ilha de Galápagos. Da ilha de Galápagos ele seguiu na direção da Nova Zelândia. Estava a cinco dias de viagem de Galápagos, quando o barco foi afundado por baleias, as baleias assassinas, as orcas. E eles ficaram, ele, os dois filhos gêmeos, o filho mais velho de dezenove anos e um rapaz estudante que tinha se associado ao grupo, porque a menina, a moça deixou o, os pais e resolveu se casar com um canadense, lá nas Bahamas. Ficaram na maior dificuldade no mar (sup.)
D
 (sup.) E como é que eles (inint./sup.)
L
 (sup.) Conseguiram se salvar ... Não, eles não tinham comunicação. Não tinham rádio. Não tinham, não tinham nenhum meio de comunicação. Eles estavam num barco, no meio do oceano, a cinco dias de viagem da ilha de Galápagos, conseguiram colocar o barco salva-vidas no mar e uma jangada salva-vidas. Essa jangada, depois de alguns dias, também afundou e eles ficaram num barco que tinha dois metros e pouco de comprimento. Ficaram essas, uma, duas, três, essas sete, cinco pessoas, num maior desconforto físico, vencendo todas ... Agora conseguiram se salvar, ficaram trinta e sete dias sem ter nenhuma comunicação com o mundo exterior. Conseguiram, depois de trinta e sete dias, passando fome, sede, sobretudo sede, e muitas dificuldades, a única coisa, o único líquido que eles bebiam era o sangue das, dos, das tartarugas que conseguiam pescar. Conseguiram ser salvos por um barco de pesca japonês, que passou, que os viu. Eles atiraram fogos de artifício para avis... O barco passou ao lado. Eles foram salvos. Foram para o Panamá. E esse livro conta a epopéia deste homem. Agora, na parte final do livro, ele faz, ele dá uns conselhos a quem viaja, sobretudo a quem se propõe a fazer uma viagem semelhante a essa, ou quer, quem se propõe a viajar até de avião. Todas as vezes que se toma um avião, em que o avião tem que fazer uma viagem sobre o oceano, sobre a selva, há sempre medidas de precaução para os passageiros. E eu sempre me preocupo com isso, que eu acho aquele tipo de comunicação a bordo do avião completamente ineficiente e completamente inoperante. Além do mais, até causando uma, uma atitude assim de medo e de pânico por parte dos passageiros, porque vem uma aeromoça e explica a maneira de, de salvamento, mas ninguém toma conhecimento, nem ninguém ensaia fazer aquilo: apanhar a máscara, apanhar o, o colete salva-vida que está debaixo do avião, nem ninguém vê também os barcos salva-vidas do avião. Acho que seria um trabalho educacional muito bem feito, se a pessoa ao comprar a passagem, uma passagem que implicasse em sobrevoar selva ou sobrevoar oceano, que demonstrasse saber aquilo, como quando uma pessoa vai, eh, se propõe a fazer qualquer coisa diferente tem de, de demonstrar que é capaz de fazer aquilo, antes de estar dentro do avião. Porque quando a pessoa está dentro do avião, não está numa situação psicológica favorável a aprender aquilo (sup.)
D
 (sup.) A pensar (inint.)
L
 Agora, novamente, estamos divergindo dos meios de comunicação. Eu acho que o livro ainda é um meio de comunicação extraordinário, porque há coisas que nem o jornal, nem o cartaz, nem a televisão, nem o cinema podem transmitir com a mesma intensidade com que o livro transmite, porque o livro ... Primeiro, a pessoa no livro pode voltar a páginas anteriores, pode reler, tem o livro à sua disposição, dispõe do livro a hora que quer. De modo que eu sou uma apologista admiradora do livro como um elemento de comunicação. Cada vez mais eu acho que as pessoas jovens têm menos tempo para ler. E se eu tenho tempo para ler é porque também invento tempo e não perco tempo, ah, com outras coisas que eu vejo que ocupam outras pessoas, de modo que eu tenho bastante tempo para ler livros. Gosto também de outros meios de, de comunicação, como sejam ... Sou uma grande apreciadora de cinema, mas eu vou pouco ao cinema, sobretudo nos últimos tempos, em que o cinema começou a usar símbolos que eu desconheço. E já tem acontecido muitas vezes comigo, vou ao cinema e não entendo toda a mensagem do cinema, porque o cinema, sobretudo esses cineastas muito conhecidos e ... Por exemplo, o Felini, eu assisti a um filme do Felini, se não estou enganada era Dolce Vita. Dolce Vita usou como primeira cena um helicóptero sobrevoando Roma com um Cristo pendurado no helicóptero. Eu não entendi esse símbolo e fiquei triste porque não entendi. Eu não consegui penetrar, talvez seja por uma limitação minha. Mas eu acho que o cinema, como um meio de comunicação, deve utilizar símbolos ou mensagens que estejam ao alcance de todos. Recentemente eu fu... fui assistir a uma fita, até aconselhada por L., uma fita que se passava na Rússia, na Sibéria, se não estou enganada. Era a história (sup.)
D
 (sup.) O nome da fita?
L
 Bom, o cin... o cineasta era um sueco.
D
 (sup.) Não, não (inint.) russo-japonesa (sup.)
L
 (sup.) Não, era um filme, era uma progra... era uma produção russo-japonesa.
D
 Dersu Uzala.
L
 (sup.) É.
D
 Dersu Uzala (sup.)
L
 (sup.) Der... Dersu Uzala. E eu não entendi toda a fita também, todas as mensagens da fita. (telefone/interrupção)
D
 Porque justamente o livro continua sendo, a seu ver, ainda o meio de comunicação mais amplo, mais livre, mais eficiente, não é ? E também bastante o problema da revista (sup.)
L
 (sup.) Revista.
D
 Ah, eh, podia falar um pouco mais das partes de um livro, das se... das seções de uma revista?
L
 Eu estou pensando nas revistas que eu costumo ler. Das revistas brasileiras eu costumo ler Veja. Todas as semanas eu leio a revista Veja. Para minha grande surpresa, a revista Veja publica, ela antecipa algumas notícias de jornais. A, a revista é semanal, mas acontece muitas vezes que artigos publicados na revista, artigos, não artigos de fundo, nem editoriais, nem artigos de matéria de opinião, matéria de fato, eles publicam com antecedência às vezes de dois dias da notícia publicada no jornal. Muitas vezes eu fico cogitando como eles conseguem isto. Ainda esta semana, para citar um caso desta semana, eles publicaram o caso de um oficial da Aeronáutica que está tentando ser anistiado. E hoje o Jornal do Brasil publica na primeira página a história deste oficial. A revista Veja já havia publicado. De modo que essa coleta de informações por parte dos que compõem a revista e o corpo redatorial da revista e editorial é, realmente, gente de, de primeira qualidade que vai buscar a notícia, a informação e, e tem o sentido de, de manter o público informado. Naturalmente é uma revista que assume posições, posições políticas, posições, eh, de certo modo muitas vezes contrárias à, à ordem estabelecida pelo governo, mas sempre com uma maneira, com muita dignidade e com muita grandeza. Eu aprecio muito ler a revista Veja. A rev... (sup.)
D
 (sup.) E esse problema, por exemplo, rádio e televisão. A senhora poderia falar um pouquinho sobre cada um deles (inint./sup.)
L
 (sup.) Bom, sobre rádio e televisão, lamentavelmente eu tenho a impressão que, no Brasil, com algumas exceções de, de excelentes programas que nós temos, e eu gostaria de salientar que na televisão brasileira ... Eu não sou uma tevente (sic) (risos) assídua, mas quando assisto a programas de televisão, os programas de notícias não são bons. Eu assisto porque eles de certo modo me dão informações. Mas os, as novelas são muito bem produzidas na televisão brasileira. Eu também nunca tive a oportunidade de assistir a uma novela, quer dizer, assistir a todos os capítulos de uma novela. Mas quando tenho o... ocasião de ver um ou dois capítulos vejo que os artistas são excelentes e conseguem prender o público, prender a atenção. A representação é muito boa. De quando em quando também, eu assisto a programas cômicos na televisão e acho que nós temos cômicos extraordinários. Eu acho o Chico Anysio, o José Vasconcelos, o Golias, grandes atores de televisão. O rádio está perdendo terreno no Brasil. Entretanto, eh, os motoristas, as pessoas que gostam de trabalhar ouvindo rádio, ou de ler ouvindo o rádio, até de estudar, há estudantes hoje que conseguem estudar com o, o rádio ligado. Há excelentes programas. Nas estações que mantêm o programa de freqüência modulada, os programas musicais são muito bons e naturalmente nesse campo de qualidade de som cada dia há maiores aperfeiçoamentos. De modo que hoje uma pessoa tem possibilidade de ouvir na sua casa, não só no, nos seus aparelhos de, de rádio, mas também nos toca-discos, música de muito melhor qualidade daquela que se ouve na maioria dos salões de concerto, porque os estúdios de gravação são muito mais perfeitos do ponto de vista de acústica do que os melhores salões de concerto do mundo. Os bons salões de concerto estão, para instrumentos, estão na Alemanha, na Inglaterra, na França, nos Estados Unidos. Mas mesmo esses grandes salões de concerto não têm as qualidades de acústica que têm os estúdios de gravação. De modo que (sup.)
D
 (sup.) E na parte de teatro?
L
 O teatro é outra coisa. No Brasil nós estamos também caminhando, eh, a passos largos no sentido de, de termos um bom teatro. Ainda outro dia eu comentava que o teatro aqui, ainda os nossos atores apelam muito para a gritaria e eles, alguns deles, e alguns por falta de, de, de boa escola e outros talvez por temperamento latino, eles gritam muito. Ainda na semana passada eu fui assistir à peça que está sendo levada no teatro da Manchete e que foi premiada esse ano pelo instituto Brasil- Estados Unidos, como a melhor peça norte-americana produzida o ano passado no Rio de Janeiro. Lamentavelmente só duas peças norte-americanas foram produzidas e essa foi a melhor "A morte de um caixeiro viajante". Com referência a essa peça, eu fui assistir à, à representação um pouco assustada porque, quando a peça foi lançada em Londres, eu estava lá e assisti à peça representada por Paul Muni. Foi uma representação tão bem feita e o nível artístico tão alto, que eu comprei entrada pra ir assistir a uma determinada noite. Fiquei tão fascinada pela representação, pela peça, que fui cinco noites seguidas. Parecia um obsessão porque eu pensava assim: nunca mais eu vou ver uma coisa assim tão bem representada na minha vida. Porque reunir tantos atores desta categoria ... Porque todos eram excelentes atores, sobretudo Paul Muni. Paul Muni era austríaco, se não estou enganada, mas viveu nos Estados Unidos, estava radicado lá e representou muito bem em Londres essa peça do Arthur Miller. Mas aqui o Paulo Autran faz bem mas a Natália Timberg representa melhor do que a artista inglesa que era uma grande artri... artista fazendo o papel da mãe, eh, da senhora Loman. Faz muito bem. Agora, notei que os nossos artistas cada vez mais abandonam, ah, o cultivo da língua e da prosódia. Eu fui assistir à peça com uma senhora portuguesa muito culta, inteligente, e viajada e está bem familiarizada com o modo de falar brasileiro. Ela teve bastante dificuldade de entender certos atores. Mas eu também tive. Alguns falam com pronúncia, vamos dizer, a pronúncia carioca não culta, muito chiada, chi, chi, chi, e, eh, os, os erres, eh, guturais com todas as ... Enfim, falam como cariocas mas cariocas não cultos alguns dos atores na peça. Havia um ator, que não sei, talvez paranaense ou gaúcho, tinha uma prosódia muito clara. E esse fazia o papel justamente de, do irmão que morreu, que aparece como se fosse uma visão na peça. E foi um artista extraordinário. Penso que Arnaldo Belo, o nome dele. Teatro me apaixona. Eu gosto muito de teatro, mas não vou muito ao teatro brasileiro. Não vou muito ao teatro. Sempre que eu viajo eu procuro ir ao teatro e assistir a peças de teatro. E aqui eu não tenho muita oportunida... Eu não freqüento assiduamente o teatro. Primeiro, não gosto do teatro de pornochanchada. De quando em quando vou para verificar, pra poder dizer que não gosto, mas de quando em quando vou. Eu gosto do teatro, eu gosto bastante do teatro ligeiro, da comédia, eh, da comédia de costumes, mas cada vez mais há menos peças desse tipo no Brasil. Se nós abrirmos hoje o jornal, verificamos que, eh, tem diminuído essa produção de peças desse tipo, porque fa... Por exemplo, eu assisti o ano pa... há, há alguns meses a peça do Millôr Fernandes "É". Uma grande peça e naturalmente representada pela Fernanda Montenegro, eh, qualquer texto é valorizado porque ela realmente é uma grande atriz. Mas a peça é bem feita, é bem urdida e como um, naturalmente, como um meio de comunicação, também eu acho o teatro extraordinário. Tem melhorado muito aqui no Brasil o teatro infantil. O teatro infantil hoje é de boa qualidade e eu acho que naturalmente esse movimento que foi iniciado sobretudo por Maria Clara Machado e pelo grupo lá do Tablado conseguiu realmente interessar muitas pessoas e hoje há muita gente fazendo bom teatro infantil. Eu estou satisfeita de ver que o Municipal vai reabrir agora no mês de março e nós vamos ter novamente uma outra sala de espetáculos, sobretudo para ópera e para concertos. Eu acho também que devíamos explorar mais aqui essa parte de música erudita porque o povo brasileiro gosta muito de música. E dizer que o povo não gosta de música erudita é um engano. Quer dizer, o povo não é exposto à música erudita porque não há conflito entre música popular e música erudita . E eu, por exemplo, gosto muito de música popular e gosto bastante de música erudita e não acho que haja conflito entre as duas. Quer dizer, era possível oferecer boa música porque boa música popular e boa música erudita, eh, poderiam ser oferecidas ao público e ao povo em doses, eh, que o público pudesse aceitar. Eu vejo que há um esforço por parte deste projeto Aquarius, por exemplo, que realiza de quando em quando bons espetáculos de música erudita, mas sempre fazendo cer... certas concessões ao gosto popular porque não há conflito entre o gosto popular e uma coisa que já ficou mais, eh, eh, en... enfim, que tem um, mais um apelo para uma classe mais favorecida do ponto de vista de escolaridade e de cultura.
D
 Mas a televisão e o rádio ultimamente têm tentado bastante, né?
L
 Eu acho que há tentativas muito válidas, eu vejo (sup.)
D
 (sup.) Certos programas desse tipo, né? (sup.)
L
 (sup.) De programas que procuram, eh, conciliar ... Agora, as grandes manifestações, eh, populares também poderiam ser utilizadas no sentido de levarem uma certa camada da população a melhorar a su... o seu gosto. E nunca nivelar para baixo. Por exemplo, o espetáculo do, do desfile das escolas de samba é um espetáculo magnífico de beleza, de, de alegria e ... O fato de que muitas pessoas, inclusive artistas plásticos de muita categoria, como é o caso do Fernando Pam... Pamplona e daquele rapaz, do Néri, que morreu já, mas ele e a mulher que foram os primeiros a desenharem roupas, eh, interferirem nas escolas de samba. Eu penso que eles se envolveram no, na escola de samba dos Acadêmicos do Salgueiro. Mas hoje o Fu... o Fernando Pamplona, que é professor de Belas-Artes e obteve prêmio de viagem à Europa, que é pintor, que, enfim, é um rapaz culto, ele se envolve bastante no, no problema das escolas de samba e leva para as escolas de samba um elemento de erudição. Este ano, por exemplo, para entender a letra do samba do Salgueiro, eu consultei dez vezes o Aurélio Buarque de Holanda, porque havia no, na, no samba que eles cantavam, dez palavras de origem africana cujo significado eu desconhecia.
D
 E quem não tem Aurélio, né, o que que faz? (sup.)
L
 (sup.) Quem não tem Aurélio, devia ficar sem saber mesmo. De modo que acho que está havendo assim uma, ah, erudição demais.
D
 Está certo.
L
 Eles deveriam conservar aquele caráter mais popular, mais simples. Talvez fosse mais interessante, não sei.
D
 Talvez criar, mas dentro mais daquela linha deles (sup.)
L
 (sup.) Daquela linha deles. Naturalmente isso é um, é um dos aspectos de manifestação, ah, popular mas, eh, eh, evidente que de certo modo também, eu chamo a atenção de todos pelo, pelo ... Pri... .primeiro, pelo número de participantes. Não é possível que trinta mil pessoas participem do, do desfile de escola de samba. Mas as festas populares também como uma maneira ... Porque os meios de comunicação não só eles levam as informações como eles também mantêm tradições. Quer dizer, ao mesmo tempo que eles são um movimento de, de vanguarda, um movimento de, de progresso, eles são também um elemento de est... de mani... de manter uma cultura estática, porque eles mantêm as tradições, as festas folclóricas. Eu fico muito triste de (sup.)
D
 (sup.) Transmitir (sup.)
L
 (sup.) Verificar que as festas de são João desapareceram. Porque hoje não há espaço nas cidades para as fogueiras, nem para os balões, nem há possibilidade realmente de, de, de fogos de artifício. Mas se fosse possível conservar assim o caráter de certas festas populares, festas religiosas também, as festas das igrejas, as festas, eh, que ainda se realizam em alguns lugares do Brasil como, ah, os reisados, as cheganças e as congadas, tudo isso seriam fatores de, de comunicação e ao mesmo tempo de manter certos valores da cultura.
D
 E de transmitir mesmo o acervo cultural.
L
 Sem dúvida. Porque naturalmente, quando todos nós hoje somos um pouco alienados, porque estamos, ahn, primeiro, muito voltados para o que acontece fora de nós, fora do nosso país. Todos os dias nós sabemos o que aconteceu na Etiópia, o que aconteceu, eh, na Coréia, o que aconteceu no Laos, mas muitas vezes deixamos de prestar atenção ao que aconteceu na casa do nosso vizinho porque nós estamos vivendo, ahn, nas cidades grandes, cada vez mais isolados. E cidades grandes perderam a dimensão do homem. Então o homem, eh, ficou anulado na cidade grande. Nós não temos mais, eh, esses contatos de vizinhança. Nós não temos mais os contatos de bairro. Houve algumas tentativas, tem havido de sociedades de amigos de bairro. E eu verifico, por exemplo, que em Santa Teresa ainda há, há uma administradora regio... regional muito inteligente, muito ativa e dinâmica. É a E. O. que é uma engenheira formada há alguns anos, que consegue manter em Santa Teresa um certo espírito do bairro de Santa Teresa. Mas é a única iniciativa que eu conheço. Naturalmente haverá outras, mas eu desconheço. Essa eu conheço e, de quando em quando, eu participo dessa inici... iniciativa porque vou a Santa Teresa. Em quando em quando, quando tenho tempo faço uma visita às coisas que acontecem lá. Porque naquele bairro acontecem coisas que não acontecem em nenhum outro bairro. Primeiro, em Santa Teresa há sete igrejas, sete ou oito igrejas diferentes. Há uma igreja budista que é a única do Brasil. Há uma igreja ortodoxa também que é a única. Há um grupo de, não sei se, pensadores, que fazem meditação, também que são únicos. Há, penso que uma igreja grega também. Enfim, de quando em quando a, a E. reúne essa gente toda e eu assisti em Santa Teresa a um espetáculo fantástico. Ela conseguiu abrir o convento das Carmelitas, na semana santa do ano de setenta e cinco e lá realizaram um auto, um auto da paixão. Foi realizado por artistas do bairro e uma peça bastante avançada, bastante bonita do ponto de vista plástico, e me chamou atenção o fato de as freiras estarem, que elas têm, vivem em clausura, estarem assistindo ao espetáculo, ah, de um sobrado, uma espécie de um, do coro da igreja, mas todas, eh, atrás de grades. Elas não estavam, não mostravam o rosto. E o público estava no, na igreja. Agora, as pessoas que participavam eram artistas, bons artistas de teatro que representaram a peça "A Paixão de Cristo", de malha, de malhas como se fossem bailarinos, e a peça deu uma grande beleza plástica, mas bastante arrojada, sobretudo por ser representada numa igreja. Pois foi feito com tanta dignidade e com tanta seriedade que a última coisa que qualquer pessoa poderia pensar é que era uma peça, de certo modo, de vanguarda. Era uma peça francesa, traduzida por um rapaz propriamente de Santa Teresa, que fez um trabalho extraordinário. Eu gostei muito e achei que essas iniciativas todas na igreja (sup.)
D
 (sup./inint.)
L
 (sup.) Exato, na igreja havia muitas pessoas como eu, o meu marido e uma amiga minha que tinha ido comigo, M.O.P., mas havia pessoas do povo. E todos estavam assistindo com uma grande seriedade. Outra ... Voltando ao teatro, eu acho que a produção da peça "Equus" foi muito bem feita aqui no Brasil. L. teve a ocasião de ver na França e me falou sobre a peça, que tinha gostado bastante da peça na França. E eu achei que a produção aqui foi extraordinária. Vocês viram ?
D
 Eu vi.
L
 Eu também. Excelente.
D
 E a solução plástica, cênica, os cavalos, é linda, né?
L
 Voltando a comuni... aos meios de comunicação, eu acho que está caindo um pouco, éh, a parte de publicidade comercial. A publicidade, as empresas de publicidade hoje fazem grandes concessões às coisas que eles supõem vão agradar ao povo. E a este respeito, o homem que organizou a escola de samba Beija Flor, disse uma coisa que me impressionou muito. Ele disse que ... Parece que alguem criticou que a, a Igreja era, que a, que a, que a escola de samba era muito luxuosa. Ele disse: o povo gosta de luxo, intelectual é que gosta de miséria. (risos) Eu tenho a impressão que o povo também gosta das coisas certas. O povo ... E nã... não gosta das coisas com segundas intenções. Eles gostam de dizer as coisas com simplicidade. As pessoas simples falam com uma grande simplicidade. Eles se expressam bem, muitas vezes, naturalmente, dentro das limitações que têm, mas eles têm uma certa propriedade de linguagem. E a, a publicidade comercial, hoje, está descambando para im... impropriedade de linguagem, para mau gosto, até para pornografia. De quando em quando, eu quase fico chocada com as coisas que eu vejo em cartazes e nesses comerciais de televisão. Eu acho de profundo mau gosto. Não sou moralista nem, nem quero ser, espero ser uma velha, eh, atualizada, que não, não critica nem, nem condena mas, sinceramente, eu acho que nós poderíamos elevar o gosto, por uma questão de gosto, não por uma questão de valores, eh, puritanos, mas de valores de bom gosto, do que, do que é belo, do que é bom e do que vai permanecer.
D
 Nessa área assim mais terra a terra. Por exemplo, dentro do Brasil tem havido uma grande, um grande empenho do, do governo, uma luta (inint.) para comunicar no Brasil inteiro, não é? Abrir caminhos de comunicação dentro do, do país, quer atuando na, no, no âmbito, por exemplo, de correios, quer no âmbito aí de telefones, as telecomunicações. O que que a senhora poderia dizer sobre isso?
L
 Sim, eu acho uma coisa extraordinária que hoje o Brasil esteja ligado, de norte a sul, por estradas de rodagem que permitem, eh, naturalmente, as pessoas não só viajar, como também o transporte de mercadorias, eh, transporte de pesos, embora todos nós saibamos que, do ponto de vista econômico, a rodovia constitui um, um, um desgate, uma, um meio de transporte muito precário, sobretudo, muito antieconômico. Sobretudo o Brasil que tem essa costa enorme deveria enfatizar a parte de comunicações marítimas e mesmo fluviais. Agora é fantástico que um homem simples, brasileiro ... Eu estou me lembrando, por exemplo, do nosso porteiro, que é um rapaz muito modesto, não teve a oportunidade de estudar, mas tem um Volkswagen e pode viajar, sair, visitar a sua família que mora na Paraíba. Então de quando em quando ele vai do Rio de Janeiro à Paraíba.
D
 E consegue?
L
 Ele consegue. Ele vai por estrada (sup.)
D
 (sup./inint.)
L

  (sup.) Ele vai por estrada asfaltada. Enfim, ele consegue, ele consegue, eh, fazer essa coisa que há uns anos pareceria uma coisa absurda. Primeiro, há uns anos, seria há, há vinte anos ninguém poderia ... Quando se estabeleceu a indústria automobilística no Brasil, uma das iniciativas do governo Kubitschek, ninguém poderia imaginar que uma pessoa da classe pobre pudesse adquirir um automóvel. Porque um automóvel era um símbolo de 'status' da clase rica. Mas hoje as pessoas das classes pobres possuem um automóvel também, de modo que realmente é um sintoma de, de progresso. Outra coisa que me parece muito interessante também são os meios de comunicação, eh, eletrônicos. Hoje nós temos essa possibilidade de falar com os homens que pousaram na lua. Parece um, um sonho. Parece uma coisa de, de Júlio Verne. Agora, ao mesmo tempo em que nós estamos ampliando a nossa fronteira cultural, as nossas possibilidades, nós estamos ficando cada vez mais em ensimesmados porque nós, ninguém tem oportunidade no mundo moderno de ouvir nem de ser ouvido. Esta (risos) possibilidade que vocês estão me dando de falar diante de um microfone e ter ouvidos atentos, como são os ouvidos de vocês, essa oportunidade existe muito pouco no mundo moderno. Vocês estão fazendo essa pesquisa e devem verificar que há muitas pessoas que não estão mais habituadas a ouvir. Falar, muitos falam ainda, mas ninguém está mais habituado a ouvir. Primeiro, pela, pelo tipo de vida que todos nós levamos. As cidades são extremamente barulhentas, então o, os ouvidos humanos devem ficar realmente prejudicados, eh, a dete... em determinados lugares é impossível ouvir. Por exemplo, em alguns restaurantes, em algumas discotecas, em algumas boates. Ontem à tarde nós estavamos, meu marido e eu, conversando, eh, muito interessados na conversa um do outro, quando começaram a chegar muitas pessoas no lugar em que nós estávamos, que era na varanda do Iate Clube. O nível de gritaria foi tal, em determinado momento, embora eu estivesse a poucos, quase que a centímetros do lugar onde estava o Z., eu não conseguia ouvir o que ele dizia, porque as pessoas se habituaram a falar muito alto e gritam. Os lugares também não são, ficam muito cheios, são um acúmulo de gente. Em todos os lugares há muito mais gente do que talvez a capacidade de receber aquela, aquela massa. E fica um nível de barulho tão desagradável que ... Outra coisa do mundo moderno que deve estar influenciando muito, inclusive a linguagem, o vocabulário, porque as pessoas então têm de falar ou por, eh, exclamações ou então por eh, por exemplo, esse, o hábito de dizer: tá, tá. Tá, porque naturalmente a pessoa não precisa dizer está, porque o tá é uma, é um, é, é muito melhor ouvido do que dizer: está. A maneira que as pessoas hoje têm de se comunicar com monossílabos e frases curtas, as frases feitas. Por exemplo, todos se saudam hoje dizendo : tudo bem? São ma... maneiras de dizer que vão sendo modificadas porque já tudo bem já, já suprime uma fa... uma fase do diálogo. Quando você pergunta pra pessoa: você vai bem? Como vai? A pessoa diz: vou bem! Então você já diz: tudo bem? A pessoa diz assim: tudo bem (risos) Responde com outro tudo bem. Eu fico ... Eu converso muito. Atualmente, nos últimos tempos, eu tenho andado muito de táxi e sempre procuro conversar com o motorista do táxi. Sobretudo quando o motorista de táxi, eh, está zangado, e quase todos estão zangados. Quando eu entro no táxi e noto que eles estão um pouco zangados, ou cansados, ou exaustos, eu procuro conversar. Primeiro, primeira coisa que faço, eh, me dirigir a eles com bastante, com voz muito baixa. Falo baixo e peço por favor: o senhor pode fazer o favor de me levar aqui ou ali ou acolá? E pergunto : o senhor está bem hoje? Está fazendo boa féria? E às vezes eu tento falar com o vocabulário que eles usam. E naturalmente de muito conversar com os motoristas de táxi eu já aprendi algumas, eh, enfim, algumas dicas, alguns macetes da linguagem deles. E é interessante, quando eu abuso disso, eles não ficam satisfeitos, porque eles es... esperam que uma pessoa da minh... di... digamos, da minha classe ou... Em geral eu tomo um táxi diante da Fundação Getúlio Vargas. Eles devem perceber que eu trabalho ali. Ou então tomo um táxi aqui diante da minha casa, por aqui sabem que eu moro aqui nesse bairro. Eles não aceitam muito que eu fale demais a linguagem deles. Eles esperam que eu fale uma linguagem diferente. Quer dizer, não é, da, da, da minha parte há um certo artificialismo. Eu não sou autêntica quando eu tento usar aquela linguagem. Agora, eu admiro muito as pessoas que são capazes de reproduzir um diálogo, como é o caso dessa cronista Elsie Lessa. Pra mim é o número um em produzir diálogos e a linguagem de cada pessoa. Ela, o melhor dos meus conhecimentos, nunca escreveu para o teatro, mas ela poderia escrever teatro muito bem. Ela faz crônicas e, e faz muito bem as crônicas. Em geral faz crônicas também do estrangeiro. Mas quando está aqui no Brasil, que faz crônicas sobre assuntos brasileiros, para mim ela é uma das cronistas número um, no sentido de repetir o linguajar do povo. Ela tem ouvidos perfeitos para ouvir e boa memória para guardar.