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PROJETO NURC-RJ

Tema: "Profissões e Ofícios"

Inquérito 0358

Locutor 439
Sexo feminino, 41 anos de idade, pais cariocas
Profissão: professora de orientação educacional
Zona residencial: Norte

Data do registro:27 de maio de 1977

Duração: 40 minutos

Clique aqui e ouça a narração do texto


L
 Dentro do campo das profissões eu acho que o problema que você vai encontrar muito é o problema de que a profissão ... Há toda aquela idéia de campo de trabalho. E uma das coisas que eu me deparo como orientadora é que a profissão às vezes não está muito ligada à vocação do sujeito, quer dizer, com relação ao problema de, de orientação educacional, que é o meu campo, você encontra muitas vezes uma inadequação daquilo que você quer oferecer, ou gostaria de poder oferecer, e aquilo que realmente o campo de trabalho oferece. Es... esse é o primeiro caso. Quer dizer, no meu caso particular não, não houve esse problema porque a pedagogia tem como um campo de aplicação a orientação educacional. E eu tenho como campo afim, que não aparece no questionário que vocês me deram, mas que talvez seja o meu campo maior, é o campo da psicologia. Talvez eu tenha sido uma pessoa formada em pedagogia porque na época que eu fiz não havia psicologia. Na verdade eu fiz pedagogia por falta exatamente de campo dentro da, do, da cidade que eu morava, que era o Rio de Janeiro, né, que na época o curso de psicologia não estava ainda oficializado, não e... não era um campo regulamentado. Então eu sou daquelas que exatamente sofri essa pressão, quer dizer, tinha uma vontade de fazer alguma coisa, conhecia através do que eu lia, né, que existiam nas outras partes do mundo, mas não podia fazer porque no Rio de Janeiro não tinha. Então eu fui pro campo da pedagogia. E fui procurar depois, dentro da pedagogia, especializações que me remetessem ao campo originário da minha preferência. Então eu senti na pele talvez o problema que eu encontro hoje nos meus alunos. Quer dizer, hoje quando eu oriento um aluno às vezes de baixo nível econômico, que não tem muita possibilidade, que não vai poder se deslocar, como eu não podia na época me deslocar pro único curso existente, que não era oficializado mas era existente embora não oficializado, eu sinto nesses alunos uma, uma situação muitas vezes de inadequação, quer dizer, eles têm vocação, eles têm expectativa, mas eles têm uma realidade socioeconômica que os impede de poder procurar o curso que eles desejavam. Eh, com relação à adequação dessa prof... da profissão em relação à minha casa, por exemplo, eu acho que é um problema que toda mulher atravessa, é a ligação entre o ofício dela, né, tudo aquilo que ela faz e os afazeres domésticos. Porque hoje eu vinha no carro pensando exatamente isso. Eu estou me mudando, então eu estou sentindo na pele uma série de atribuições como dona de casa e uma série de, de necessidades aqui, né, na, na minha profissão. Então o que acontece é que quando chega de noite, eu estava pensando nisso noutro dia, meu marido, ele chega de noite e me pergunta assim: você fez isso, providenciou aquilo? Esqueceu que eu passei o dia inteiro como ele, igualmente, né, na mesma situação que ele, fora de casa. Então, e eu vinha exatamente refletindo muito isso no carro que essa ida, talvez essa colocação de mulher em profissões liberais, ou então mesmo na força de trabalho, ela leva muitas vezes o, a mulher a acumular funções, porque na verdade, no caso, ela continua com todas as atribuições. Agora o campo específico meu me permite ter talvez maior possibilidade dentro de casa. Agora, é meio engraçado. Eu tenho mais possibilidade porque talvez compreenda melhor as minhas meninas e tal, mas em compensação arranjo clientes dentro de casa. Porque o que acontece é que lá em casa acaba a moçada toda indo lá pra casa, pra trocar idéias pra ... A senhora podia fazer isso? O que que a senhora acha? Então às vezes eu chego em casa cansada, eu estou numa situação muito desse tipo, eu tenho chegado muito cansada, eu estou gripada, e ao mesmo tempo eu encontro assim com um amiguinho, com amiguinho da minha filha que está há três ou quatro dias me esperando pra ter uma entrevista comigo, porque ele quer bater um papo comigo. Então interferência positiva, né, da profissão, minha, que é compatível com a, com a atitude que eu tenho em casa, né? Mas outras vezes interferindo, porque na verdade há afazeres profissionais que impedem de eu estar em casa, que talvez hoje eu talvez esteja querendo tirar uma licença, vamos dizer, de uma semana pra poder ter essa oportunidade de, de ser mais doméstica, ser mais mãe, ser mais (sup.)
D
 (sup.) Na época que você fez pedagogia, quais eram assim as profissões que eram mais procuradas?
L
 Bom, eu tenho a impressão, quer dizer, pra início de conversa, eu acho que na época em que eu fiz pedagogia havia uma dicotomia bastante grande. Quer dizer, menina fazia curso Normal, né, e os rapazes é que iam pra outras profissões. Depois que ela fizesse o Normal, que era normalista, então ela poderia pensar noutras faculdades. Inclusive eu acho que é uma coisa assim, que é um depoimento que eu acho muito sincero meu, que talvez reflita o de uma época ... Eu era filha de pai de nível superior que formou-se já eu mocinha, quer dizer, meu pai formou-se em advocacia eu já tinha doze pra treze anos, minha mãe era professora, e no entanto eu não entendia bem a diferença entre o curso Normal e faculdade, porque a formatura do Normal era de tal modo assim engalanada, quer dizer, como um título, como uma ocupação assim fim de linha, fim de carreira, que eu estava no terceiro Normal e não sabia que haveria faculdade depois, quer dizer, eu pensava que aquilo era o fim da linha. Quer dizer, eu ia ser professora como mamãe era, como as tias todas eram, e pronto, quer dizer, embora eu gostasse muito da profissão. E foi no terceiro ano Normal que eu descobri que havia possibilidade de eu fazer outra coisa. Porque na verdade, pra mim, era assim muito fim de linha. Então eu acho que na época pelo menos que eu estudei, e não são tantos anos assim, mas havia uma dicotomia maior. E as profissões, fora essas, eram aquelas clássicas, né? Advocacia, medicina, engenharia. Enfim, era direito, né, advocacia ou direito, engenharia, medicina, as, as prof... dentista, já menos categorizada, farmaci... farmácia e a parte de enfermagem também. Tanto é que eu me lembro que eu já estava no terceiro ano e uma, uma enfermeira da Ana Néri foi lá pra mostrar todas as vantagens, porque o curso de enfermagem era de curso superior, porque a enfermagem era muito apagada. De modo que fora essas, fora isso, quer dizer, não havia. Hoje eu já sinto, ta... talvez pela divulgação e pela mesma necessidade, existe uma série de profissões novas que estão despontando e que na época não eram consideradas. Ou pelo menos, se existiam, não eram consideradas.
D
 Como por exemplo?
L
 Olha, por exemplo análise de sistemas, é uma que, né? Economia era outra, é outra. Ah, a próprio jornalismo, e comunicação é uma coisa que não existia. A própria arte, por exemplo, eu estudei piano e me formei. Eu sou formada em piano. Mas na verdade nunca ninguém colocou na minha cabeça, em casa pelo menos, nem das minhas amigas, o piano como uma profissão, quer dizer, o ar... o artista como uma profissão. Ele era muito mais assim um 'hobby' ou então um grupo assim de loucos que faziam arte. Mas fora disso, não. Uma pessoa sensata tocaria piano como uma moça virtuosa tinha que tocar piano, né? Era bonito tocar piano, dizer alguns versinhos, né? Mas nada disso ... Quer dizer, fazia parte da educação da mulher, mas na verdade não era considerado assim como uma carreira e eu acho, eu sinto que determinadas profissões hoje ... Por exemplo, a diversificação na engenharia. Só tinha engenharia civil, né? Hoje não, hoje há uma gama tremenda de, de, de sub... de especialidade dentro da, dentro da opção maior. Mesmo pedagogia quando eu fiz era uma, uma, uma disciplina, era um curso global. Depois é que se diversificou em orientação, educação especial, etc.
D
 E a medicina (inint.)
L
 Ah, sim, a medicina também. A medicina é interessante. Eu tomei contato muito cedo porque o pessoal da minha época, professora era muito bonito casar com médico. Então, né, você ficava, era um par bonito, né? Médico e militar eram duas pessoas que casavam bem com medic... com professora. Então eu me lembro que eu entrei em contato, e depois médico tinha aquele ar meio sacerdotal, né? E ficava muito importante ir aos bailes de medicina. Mas, engraçado, depois de conhecer meu marido, que era estudante de medicina, mas que eu não conheci em bailes de medicina, ele, foi muito engraçado, porque eu comecei a perceber que ele tinha noção de especializações por exemplo que eu não tinha a menor idéia. Pra mim tudo era médico. A ún... a única divisão que ele tinha era o clínico e o cirurgião, não é? O parteiro um pouco, mas também muito ligado às curiosas, né, que faziam. Mas fora disso não, e foi quando eu comecei a ver. Como também por exemplo ele, foi ele que me influenciou muito pra ir pra fora do Brasil. Era outra coisa também que dentro de profissão a gente ficava muito ligada ao ambiente daqui, quer dizer, a gente não tinha idéia de se virar pra conseguir uma bolsa, estudar fora. E realmente ele já tinha essa idéia, quer dizer, ele tinha muito presente essa vontade de, de ir pra fora, de estudar fora, até que eu fui casada já. Nós fomos recém-casados pra estudar fora. Mas era uma idéia (inint.) parece que o curso dele abria mais pespectiva. Eu me lembro que pedagogia não, ficava muito mais restrito ao Brasil, à realidade daqui.
D
 A especialidade dele é qual?
L
 É. Ele é dos tais que mudou. (riso) Eh, meu marido saiu, ele saiu formado em clínico. Ele é um clínico por excelência, sempre foi, quer dizer, seria um internista, né, como se diz agora. Durante ... Mas depois, movido por essas opções, as tais opções que nós falamos no começo, ele se entusiasmou pela área da hematologia e foi para os Estados Unidos, nós fomos pra lá. Lá, ele se especializou em hematologista, mas hematologista clínico. Veio, voltou ao Brasil, era uma aréa que estava muito em começo, com uma necessidade de trabalho muito grande. Então é aquele velho problema: você às vezes associa o seu desejo à necessidade de ganhar dinheiro, à necessidade de sobrevivência. O clínico estava muito diluído, você tinha que fazer clínica na, na farmácia, né? Montando o seu consultoriozinho ao lado da farmácia. Já hematologista tinha um ar mais científico. E o M. sempre estudou e, sempre foi, não só sempre foi muito estudioso, como também foi muito ligado sempre à faculdade. Então ele queria fazer uma coisa diferente, então fez hematologia. Mas a gente começou a sentir que ele durante dez anos foi hematologista, se doutorou em hematologia mas na verdade ele era uma pessoa meio peixe fora dágua porque ele continuava a ser um clínico. Então ele começou sem querer, sem perceber, ele começou a, a entrar na área da, como é que eu diria, assim do estado de espírito do doente hematológico, do estado de espírito da família do doente hematológico. Você sabe que é, que o doente hematológico é um doente grave, com probabilidade de morrer muito grande e que a família tem essa sensação de perda, né? Então ela precisa de um apoio médico maior do que de uma outra doença em que o risco de vida não seja tão grande. Então ele começou a sentir que ele tinha que dar assistência à família, tinha que dar assistência, não só assistência técnica, mas uma assistência de apoio ao doente. Isso levou-o à terapia. Então dez anos depois, depois de doutorar-se em hematologia ele teve a coragem, eu considero uma grande coragem, abandonar a hematologia, quando ele já estava na, no auge da carreira, presidente da associação, secretário de associações, participando de congressos internacionais, etc. ele abandonou, iniciou um curso de pós-doutorado em psicanálise, quatro anos, e hoje ele é psicanalista. De modo que é uma reviravolta muito grande, né? Mas realmente, quer dizer, hoje eu sinto que M. é um clínico, um bom clínico, continua sendo um excelente clínico, mas que é muito melhor terapeuta porque ele tem a visão clínica e tem o componente psicológico, né? De modo que eu acho que ele tem uma capacidade assim de ver as coisas mais globalmente do que um outro que teria só um, um treinamento numa das áreas, entende? Mas pra mim foi, foi assim, eu achei um ato de coragem, porque é muito difícil você já estando estabilizado dentro de uma atividade passar pra outra. E foi nessa época que eu mudei, quer dizer, eu tive coragem de, tendo feito mestrado de educação, que me daria toda a titulação aqui na universidade, né, exigida pela PUC, eu tive coragem de me reconhecer que o que eu quis sempre foi psicologia e, e fazer um outro mestrado de psicologia. Fo... fomos na mesma época. Na mesma época que ele mudava pra psicanálise eu assumia essa posição minha que é muito mais da linha da psicologia, quer dizer, eu dentro da educação aqui dentro do departamento, eu sou uma agente da psicologia na educação muito mais do que uma agente da educação na psicologia, compreendeu? É isso.
D
 Agora, você tem por exemplo três filhos já numa idade, né, que já, a gente já pode começar a suspeitar o que eles gostariam de fazer.
L
 Claro.
D
 Como é que seria essas profissões assim?
L
 Hum, lá em casa, a mais velha, a M.V., ela está tendendo cada vez mais para ir pra área da literatura. Ela escreve bem desde criança, tem muita facilidade de expressão. É o tal negócio: nós, tanto eu quanto o M. temos facilidade de expressão. Eu mais oral do que escrita, meu marido mais escrita do que oral. Mas ela, a meu ver, ela se identificou mais com a pessoa de um padrinho, que é uma pessoa, que é um poeta, entende, que ela, ela tomou como um modelo de identificação bastante acentuado e, e tendo facilidade de expressão ela embarcou pra essa linha. Então ela é uma menina muito exuberante, fala muito, fala muito bem, se expressa muito bem e acontece que ela pretende ir pra área de literatura. Agora ela quer ir pra Letras. Mas ela já me disse mesmo: eu quero ir pra Letras mas para ... Eu não quero ser professora de português. Ela tem os objetivos muito definidos. Quer dizer que ela, talvez pelo campo que nós tenhamos em casa, ela já está pretendendo, ela vai pra França. Ela já tem idéia de que ela vai passar quatro anos aqui na universidade, ela pretende ir pra PUC porque ela já tomou informações lá no colégio dela, já descobriu que aqui a PUC tem uma visão mais estruturalista na parte de letras, segundo ela foi informada no colégio dela. Então ela acha que a PUC seria mais o que ela deseja. Eu acredito que seja muito mais influência do colégio, né, do Aplicação da UERJ, e o colégio de Aplicação tem como orientação dentro da, da parte de português essa orientação estruturalista. Então eu acho que seja muito mais influência disso. Mas ela quer fazer e depois, e daí ela pretende entrar mais no terreno da comunicação. Agora, no exame dos personagens, quando ela faz trabalho de português lá, sempre, exame literário, etc. ela tem visto assim, é muito gozado o negócio, ela tem procurado ver a relação psicológica dos personagens. Outro dia ela me perguntava qual era a faculdade que ensinava isso. (riso) Eu disse pra ela que ela tinha que fazer dois cursos: o de psicologia e de ... Mas eu acho que talvez o curso básico dela será Letras, ou melhor, português-literaturas, ela quer fazer português-francês, português-inglês. E depois acrescentar conhecimentos de psicologia e de psicolinguística , não é, e de interpretação literária de origem psicanalítica, porque ela dá pra isso. Não acredito que ela vá, a não ser que ela tenha realmente muito sucesso, mas ela não vai terminar (inint.) sendo só professora de português, sabe? Ela tem ambição pra mais. A segunda, A.C., tem quatorze anos, tem dezesseis anos, vai fazer dezesseis, tem quinze vai fazer dezesseis. Ela vai fazer medicina. Pretende fazer medicina. Também agora andou assaltada por dúvidas. Desde criança ela quis fazer medicina. Acredito que influenciada um pouco pelo modelo do pai. Mas o fato é que ela tem, a meu ver, qualidades pra isso porque ela tem o raciocínio lógico excelente, ela saca as coisas assim, sabe, tranqüilamente. Ela tem uma indu... uma intuição fantástica, uma capacidade de intuir, de checar, de trocar coisa. Quer ver, ela, sabe, ela, ela, ela faz as devidas comparações com muita facilidade. Quando ninguém está percebendo, ela já está percebendo. Tem um desconfiômetro, ó, longe. Ent~ao, pra isso, medicina é muito boa. Mas, ao mesmo tempo, ela é, ela não é obsessiva, mas ela tem um traço de perfeccionismo um pouco acentuado, entende? Pela própria disritmia, ela tem uma ligeira disritmia, então isso acentuou um pouquinho. Mas eu acho assim, sabe? Eu acho bacana, sinceramente eu acho, quer dizer, a gente sentir assim uma pessoa organizada, ela é, ela tem ... O raciocínio lógico dela é colocado muito a serv... a serviço de uma organização. Então, agora com a reforma da casa, ela descobriu a arquitetura. É bem engraçado porque como nós estamos fazendo armário e projetando, então veio o arquiteto lá, projetou, veio o decorador. Então ela começou a descobrir um campo novo que ela não conhecia. Então um dia ela veio me perguntar: será que vale a pena eu realmente fazer, eh, medicina, ou eu faria arquitetura? E essa dúvida dela é uma dúvida muito interessante. A terceira, que é a menor, a I.C., essa, essa está na dúvida existencial ainda, não sabe ainda o que quer. Ela tendia um pouco pra matemática, mas muito pouco e, quer dizer, ela tendia assim pra matemática, ela queria ser matemática. Mas depois mudou, pensou em arquitetura, pensou em engenharia, ela estava tendendo pras ciências exatas também mas ainda está muito em dúvida existencial. De modo que esse é o clima da minha casa.
D
 Agora você que está fazendo mudança, etc. Você já disse que foi um arquiteto, decorador, assim. Que outras profissões você teve que, que outras profissões você teve que entrar em contato pra uma reforma da casa, desde assim instalação, de tudo?
L
 É, eu entrei em contato com o ... Sim, você fala não profissões de nível superior, né?
D
 É, não só, não só.
L
 E, eu entrei em contato por exemplo com o pessoal da ... Bom, os mais diversos, né? Pessoal de, de, de, de carpintaria, quer dizer, independente do que projeta, o que executa. Eu entrei em contato com o pessoal da, pessoal que vai montar uma bancada de mármore, porque eu substituí peças no banheiro. Eu entrei em contato com ...
D
 Mas quem é esse (inint.)
L
 Marmoraristas, né? Marmo... marmorarista, né, que se diz. Acho que é, não sei. Aquele sujeito que trabalha em mármore, né, e marmoraria, e entrei em contato também com, toda parte de eletricistas, eletricistas para a montagem dos, dos lustres. Entrei em contacto com o pessoal que trabalha com fechamento de varandas, etc. pra botar boxe, botar um boxe da, da, da, do banheiro, dos banheiros da casa, então ... Sabe, aqueles, aquelas portas, não é? E aquilo é toda uma especialização atualmente, né?
D
 Mas tem um nome?
L
 Eu não sei, mas é uma atividade bem específica, sabe? Eles só colocam. Inclusive, eles, essas divisões com plástico e com, com duralumínio, eu não sei se tem, se é esse nome, mas nem sei quem é que executa, mas é interessante, não é, ser feito. O estucador, que fez o rebaixamento do teto, também, não é? Além de entrar em contacto com o engenheiro, arquiteto, decorador, esses inicialmente, né? Por exemplo todo esse ... Foi lá o engenheiro porque nós vamos pra uma primei... primeira locação e a varanda, eu tenho uma varanda enorme, e a varanda não está dando caimento. O engenheiro teve que ir lá pra projetar um caimento decente porque como estava feito a água estava empoçando, né? Tem também ... Enfim, me parece que foram as pessoas que eu tomei mais contato. Fora disso agora ... Ah, me lembrei. Eu vou botar as cortinas, né? Então vem, vem a parte de, de cortinas e, portanto, costureira, né? Volto à decoração, mas decoração ligada às costureiras para poder confeccionar as cortinas. Eu acho que é, é o pessoal que vai trabalhar na minha casa.
D
 Mas que outras assim profissões por exemplo de nível médio que existem?
L
 Ah, bom, aí existem muitas, né? Eu não sei, eu não estou muito assim ... Quer dizer, apesar de trabalhar ... Talvez porque eu trabalhe numa escola Normal, o aluno que vem pra nós, quer dizer, do meu, né, que eu travo contato, ele é o aluno que já fez a sua opção. Ou ele fez ou fizeram por ele. De modo geral fizeram por ele: a mãe acha lindo ser professora ainda e bota a meninazinha no Normal. Mas, na verdade, não ... É engraçado, a gente não tem contacto com a profissão daquele mesmo nível. A gente tem contato com as que eles vão seguir depois. Então, por exemplo, eu estou tendo muito contato agora com profissões na área superior, entendeu? Quer dizer, eu falei de análise de sistemas porque é um que está muito na moda agora. Um por exemplo que eu acho que eu não sei se é, é, é de nível superior mas está muito ainda pouco difundido e pouco organizado é o turismo. Na área de nível médio tem, né, o técnico de turismo e tem o téc... e tem o superior de turismo, que eu acho que no Brasil ainda está muito carente. Na Europa você vê com muito mais, né, muito mais possibilidades. É alguma coisa assim mais organizada. Aqui não é. E, enfim, essas profissões que, que eu me lembre, de um modo geral ... O Normal, eu tenho trabalhado com profissões pós-Normal. Porque lamentavelmente não existe a mobilidade horizontal, está compreendendo? Quer dizer, na verdade, você tem uma menina do normal, se ela quiser passar pra outra fa... pra outra escola de nível médio de outra especialidade, ela não tem. Eu tenho contato por exemplo no SENAC, eh, no SENAC. Então em certos ... Vitrinista, modelo, manicure, estucador, também, nessa linha, datilografia, secretariado, etc. etc. Agora, tudo isso, entendeu, como um cursinho extra, está entendendo? Quer dizer, então (sup.)
D
 (sup.) E o segundo grau profissionalizante. Você tem tido contato?
L
 Bem, eu tenho contato, quer dizer, eu tenho contacto nesse sentido, né? E o conta... o meu contato é que a minha menina ... Essa é a realidade do profissionalizante aqui, pelo menos no Rio. Quer dizer, você tem o aluno, ele não, não é ele que escolhe, quem escolhe a, a área é o colégio, entende? Certos colégios têm tais e tais opçôes. Então o que acontece é que aqueles meninos que geograficamente moram ali ou que freqüentam esses colégios têm que adotar aquela coisa, aquela opção. Se porventura ele, ele quiser fazer uma mobilizaçâo horizontal, quer dizer, ele vai sofrer dupl... duplo problema: primeiro que não vai encontrar vaga em outro colégio e segundo, se ele encontrar vaga, esse colégio só existe não sei aonde, muito longe da casa dele, muitas vezes inacessível ao bolso do pai, está compreendendo? Quer dizer, um duplo problema: por um lado, nós não oferecemos um leque de opções tão grande quanto a gente pensa que, quer dizer, o ideal proposto pela lei era um leque de opções, né? Mas, na verdade, esse leque de opções fica adstrito às opções do colégio. E dentro das opções do colégio, quer dizer, se um aluno quiser se mudar de um colégio pra outro, ele vai enfrentar um problema às vezes dele não poder ir porque é longe da casa dele, sabe? Então esse é um problema que você tem. Eu como orientador toda hora eu tenho esse problema. Eu, eu sei por exemplo que técnico de turismo só existe aqui na Lagoa, naquele centro educacional Ignácio de Azevedo Amaral, ali tem turismo. Mas acontece que ali tem turismo e a minha aluna estuda na praça Onze e mora em Anchieta, Padre Miguel, Pavuna, entendeu? Então eu não posso querer que essa menina que já tem dificuldade econômica e, e dificuldade de trânsito pra, pra ela chegar às sete horas na escola ela sai às quatro e meia, cinco horas, quer dizer, quando pega o ônibus, o ônibus está cheio, eu não posso querer que essa menina atravesse a cidade e venha estudar na Gávea, entendeu? Quer dizer, então eu enfrento duplo problema: ou a escola não tem vaga ou a escola tem vaga mas ela é que não pode se deslocar. Ela não tem condições de se deslocar, porque ela não tem condições econômicas e ela não tem essas condições porque a cidade é espraiada, entende? Então eu acho que essa tal de escolha vocacional é muito relativa, muito mesmo. Pra mim, pra minha experiência de orientadora é muito relativa. (tosse) Não que, não que te... não esteja havendo um esforço para se oferecer, mas é que realmente nós ainda estamos, a meu ver, num sistema ainda com pouca, quer dizer, estamos mudando de, de mentalidade, estamos mudando. Estamos saindo daquela escola fechada nela mesma, numa escola aberta. Parece-me que alguns colégios fazem complementação, está vendo? Quer dizer, você, se você não tem opção, você oferece uma outra escola perto da sua que ofereça. Mas não é o caso por exemplo da escola Normal. (tosse) A escola Normal nós só temos ... A menina tem que sair professora. Então você encontra às vezes muita menina que não tem vocação, então dupla barreira: ou não adianta nada porque você não encontra uma escola pra ela, ou então ao contrário, você encontra a escola pra ela mas aí ela tem que enfrentar a barreira da família. Novamente abre uma chave: ou a família põe barreira porque a família é que quer que ela seja professora, não é ela, ou então a família desejaria muito que ela fosse feliz mas não tem condição de oferecer nada. Mal dá pra, pra, pra, pra, pra fazer a parte de, quer dizer, pra mantê-la naquela escola, quanto mais pra, pra vamos dizer, ampliar isso. Então o que eu tenho feito, às vezes, era mandá-las pra esses cursos do SENAC. Porque o curso do SENAC muitas vezes ele permite que você faça o Normal, faça a escola, e faça o cursinho, e aí eles vão encontrar uma opção de emprego, etc. que é outro problema que eu acho que nós temos. Quer dizer, o aluno nosso de ensino médio ele deveria trabalhar mais já. Ele já poderia ser jogado um pouco na força de trabalho. Mas não existe a mínima adequação entre os trabalhos que são oferecidos e o estudante, certo? Então, quer dizer, você não encontra. Os escritórios preferem ter uma, um funcionário menos categorizado, que trabalhe o expediente completo, a ter dois mais categorizados. Eles não querem. Entende? Quer dizer, na verdade o nosso estudante não tem mercado de trabalho.
D
 Qual a formação efetiva que essas escolas estão dando pra essa profissionalização do segundo grau? É muito precário também (sup./inint.)
L
 (sup.) Mas é claro! É, é precário na medida em que ela era montada pra dar um ensino acadêmico. Você, falta às vezes, minha querida, até o profissional específico. Você me entende? Quer dizer: no... nós ficamos acaba... nós acabamos fazendo, fazendo especializações, mas que sejam ainda assim muito acadêmicas, percebe? Porque é difícil. Das duas, uma: ou você teria que mant... montar, por exemplo, na área da tecnologia, montar oficinas dentro da escola. O que isso é sempre um problema, dado que o progresso atual é tão rápido que quando você forma o profissional técnico, se você só oferecer o, a maquinária da escola, ele vai automaticamente, eh, estar aquém do que, do que está oferecendo aí fora, então ele não está bem preparado, ou você teria que se ligar às, eh, às potencialidades da comunidade. Então, por exemplo, o seu estudante estagiaria em fábricas ali em volta. Mas aí você esbarra com a mentalidade: estagiário atrapalha. É isso que ... Quer dizer, você não precisa ir ao segundo grau não. Você vai no, no pedagogia aqui, na, minha experiência daqui, no curso de vocês da faculdade de vocês e na minha aqui, entende? Quer dizer, você tem o profissional de pedagogia. Nós temos aqui três áreas, né? A área da tecnologia, área do, do ensino especial e a área de orientação educacional, e as quatro áreas. E a área da supervisão e administração. Muito bem, na área de tecnologia, o pessoal da tecnologia sofre um problema tremendo, porque nós temos um laboratório, mas um laboratório ele não é feito ... Ele não pode concorrer com os laboratórios que estão aí, de nível privado.
D
 Como é que ele é? Qual é o (sup./inint.)
L
 É um laboratório de audiovisual, né, de recurso audiovisual. Tem muita coisa porque tem circuito fechado de TV, tem monitor, tem uma porção de coisa. Mas, ainda assim, nós não podemos renovar essa, esse material com a velocidade que as empresas privadas podem fazer, porque elas estão ganhando dinheiro, né, elas são autofinanciadas. Então nós temos que pegar o nosso aluno e levar para TV, sobretudo TV e rádio é que é o grande problema. Sobretudo TV. Eu teria que mandar o pessoal pra TV. Mas aí você esbarra com um negócio de que é o estagiário da faculdade que está fazendo aqui. Então, das duas, uma: será que ele não vai ser potencialmente um concorrente meu, vindo com um curso superior? Você sabe que ainda nas empresas ainda existe muita gente que não é formada e é o prático. E realmente ele sabe muito, mas ele teme o formado. Então ele emperra, ele impede. Então, com isso, você tem dificuldade de colocar o sujeito em estágio. Na orientação a mesma coisa, quer dizer, você tem que levar o sujeito para a orientação. Mas até que ponto você encontra? Então você tem aquela dificuldade, o esta... o esta... eu, eu por ex... eu, eu, A., acho que o estagiário é um excelente elemento propulsor de uma escola, sabe? No caso de orientação. Porque ele cobra de você, você sabe? Ele obriga você a responder às perguntas dele. Agora, em alguns lugares não é cômodo. Então a, a escola não aceita. Então a dificuldade pra você engajar o, o estudante, mesmo pra fazer estágio, já nem é mais pra trabalhar, pra fazer estágio já é difícil. Por outro lado, você tem aquele velho problema, quer dizer, na escola, o ideal dela é que ela fosse tempo integral, se ela fosse isso, né, como seria, seria uma universidade de, de tempo integral, uma escola média de tempo integral. Mas acontece que não há ainda uma escola média porque o número de alunos é muito grande, então tem que dividir em dois turnos, e nas universidades porque o tipo de ... Se você tem uma escola de tempo integral, que é o sistema de crédito, esse sistema de crédito só funciona se for em tempo integral, não é? Mas acontece que ele não encontra lugar, então ele, ele tem que ficar às expensas da família os anos todos. Porque os trabalhos, dificilmente você encontra trabalho que ofereça um número menor de horas. Agora é que eu sinto assim já uma certa abertura em bancos, né, e nesses, nesses grupos de computação. Porque o comércio em geral é tempo integral. A, a, toda a parte de indústrias é tempo integral. Então você quer trabalhar e não consegue trabalhar, entende, quer dizer, é toda uma mentalidade atual ainda, que é atual, mas que é presa ao passado, de que o indivíduo, se é empregado, ah, então ele tem que cumprir aquele horário completo. Então você sente isso, quer dizer, na verdade você poderia ter uma porção de jovens que desperdiçam horas de sua vida, que poderiam estar num trabalho produtivo na comunidade. Não é fazendo só coisas do seu trabalho não, do seu estudo não, coisas outras. Mas você emperra dos dois lados: por um lado, porque as próprias instituições não reconhecem isso e não aceitam. É estudante, não quer. E ... A não ser pra vender livro, esse negócio, né? Não quer. Trabalho assim em escritório, não quer. E segundo lugar, porque as próprias famílias, muitas vezes determinados trabalhos não são considerados dignos, então você não tem, você não encontra. Quer dizer, dentro da universidade, vocês não acham, que haveria uma porção de serviços que poderiam empregar os próprios estudantes? Mas pergunta se a gente consegue empregá-los. Não consegue. Porque na verdade há todo um 'status' dentre os colegas. Então eles não querem. No entanto, por exemplo, quando eu estudei nos Estados Unidos, eu não tinha dinheiro pra pagar o meu curso, então eu fui ao decano de lá, o decano do meu centro e pedi a ele, eu digo: olha, eu sou brasileira, vim fazer um curso de observação aqui mas queria fazer um curso além, mas eu não tenho dinheiro. O senhor teria alguma maneira de me dizer como é que eu posso resolver? Ele disse: pode, a senhora se emprega na universidade. Então eu fiquei durante o ano em que eu morei lá, eu fiquei tomando conta de uma sala-de-estar das estudantes, eh, mulheres, uma espécie assim, sabe, essas senhoras que ficam tomando conta de banheiro, de salas de, de repouso de cinema ou de hotéis de luxo, assim, eu era mais ou menos uma coisa assim. Quer dizer: eu ficava na sala, eu dava assistência, se uma menina, por exemplo, entrava passando mal, tinha cólica, não sei que lá, eu tinha Modess ali, eu tinha, eu tinha remedinho pra, pra corte, e ao mesmo tempo eu era um elemento assim observador, quer dizer, pra não deixar haver bagunça na sala. Mas a minha função era uma função parecidíssima com essa aqui que você encontra na, na, nos cinemas, nos ... Foi, era isso que eu fazia. Depois eu arranjei, dentro da universidade também, fazer teipes em português, sabe, pra o pessoal de línguas. Então eu fazia cassetes. E o material, quer dizer, em vários assuntos eu discursava sobre aquilo, falava e depois, pra servir pro material de, do laboratório de línguas e ganhava por, por cassete. Quer dizer, eu nunca vi dinheiro, eu via era o seguinte: eles debitavam na minha conta, entende? E com isso eu paguei, eu paguei o meu curso e paguei mais ainda. Eu, como fi... eu trabalhei mais do que o curso era, era o preço do curso, então o que é que eu fiz? Eu com o dinheiro extra, eu fiz um curso extra dentro da universidade. Porque eles me deram esse crédito: olha, a senhora ainda tem esse tanto. Entende? Quer dizer, fazendo duas atividades, uma ainda dentro, quer dizer, como professora, mas a outra, não. Quer dizer, eu tomava conta de um de salão de estar de um, de um, da comunidade feminina. E ao mesmo tempo havia lá uma parte toda de banheiros, de, de chuveiros, porque o pessoal vinha da educação física tomava banho na universidade. Então isso era o trabalho feito por mim, e muitíssimo bom porque eu estudava muito, porque na medida em que eu ficava sentada, eu estava aproveitando pra estudar, entende? Quer dizer, isso realmente é uma coisa que a mim me parece que é uma mentalidade que já não, não existe. O europeu tem também muito essa mentalidade, né, não é só o americano, não vamos dizer só o americano, o europeu também tem. Mas nós aqui emperramos muito assim: meu filho há de estudar sem precisar, quer dizer, sem precisar trabalhar. É como uma glória materna, paterna. Então eu acho que ... Você quer ver um negócio gozadíssimo? A minha garotinha menor, a I.C., outro dia ela chegou em casa veio dizendo ... Ela tem, ela queria muito ... Eu perguntei pra ela: você quer fazer e tal, e ela: olha, mamãe, eu vou crescer um bocadinho, eu quero fazer um negócio que eu acho lindo. Sabe o que ela quer ser? Queria ser, agora não, ela está mais velha, já, já mudou os horizontes. Ela queria ser aquelas moças da Sérgio Dourado, que distribuem papeletas nos sinais (riso) porque ela achava linda a roupa verde, a Sérgio Dourado é verde, né? E também porque ela viu que era uma atividade que ela sabia fazer. Então um dia ela me perguntou: se, se lá o Sérgio Dourado deixar eu ser a distribuidora, você deixa eu ser? Então como o Sérgio Dourado é ali na Alfredo Pinto, bem na esquina, eu deixei ela ir e ela foi, porque ela queria se, se, se empregar na Sérgio Dourado, então ela foi. Claro que o homem achou graça porque o que eles desejam são moças, bonitas, pra ... É um outro tipo de apelação, né? Quer dizer, eles não querem uma criança distribuindo papel. Que realmente é uma tarefa que uma menina de doze anos podia fazer, perfeitamente, ou treze anos, né? Mas o que eles querem é uma mo,ca porque tem todo charme, etc. Mas eu achei tanta graça no que que ela queria ser. (riso) E agora elas estão vivendo isso, elas querem ter o dinheiro delas. Então, quer dizer, pra minha A.C., ela está começando a dizer: mamãe, você bota um anúncio lá na PUC pra eu fazer 'baby-sitter', pra eu tomar conta de criança? Eu faço ... Quer dizer, muitas vezes nós não temos nada a oferecer aos filhos e aos alunos, como uma inspiração dessa ordem, quer dizer, ter a sua própria mesada. Inclusive ela me perguntou se no ve... verão próximo ela pode trabalhar numa ótica, né, ao lado da minha casa, porque a moça disse que o, o, como é, que o movimento, né, aumenta, né, no natal, então que ela queria uma pessoa ajudante. Realmente, quer dizer, vocês reparem que há necessidade do estudante às vezes ter o seu próprio dinheiro. Mas existe a mentalidade nossa um pouco patriarcalista, né, um pouco paternal, de que não, você tem que receber a mesada de mim. E até que ponto a própria comunidade não oferece a um jovem de dezessete, dezoito anos, senão, ou um emprego que ele pega o dia inteiro, e que, portanto, só lhe resta estudar à noite, que é um estudo que vocês sabem que é deficiente, porque o estudo depois de um dia inteiro de balcão não é fácil, ou então ele não estuda e fica às expensas do papai. É a dupla hipótese. Porque raramente você tem assim uma possibilidade de conciliação. Bem, isso é o que eu acho que eu sinto na pele como orientadora, né? Lá da escola eu sinto muito isso. O nosso curso Normal pega uma clientela pobre, uma clientela que não tem realmente condição, e no entanto, quando a gente vê: meu Deus, o que que essa menina vai fazer? Então sabem o que elas fazem? Elas vendem Avon, às vezes elas vendem livros. As mais pobres, escondido das colegas, são faxineiras. Escondido, não contam o que elas são, mas são faxineiras, sabe? Assim mesmo a nossa patroa quer também tempo integral, aliás quer muito mais do que tempo integral, quer de manhã, desde as seis horas da manhã, até de noite, né? Tem que servir o jantar, não sei o quê. Então, o resultado: a menina que estuda de manhã não encontra ninguém que queira, uma patroa que queira faxina às duas horas porque a força, às vezes, do trabalho é mais de manhã, numa casa. Ou então a pa... a patroa quer de oito da manhã às quatro da tarde, então pega os dois períodos. Então eu tenho problema de onde colocar as nossas normalistas. No entanto, eu acho que uma aluna de escola Normal teria uma porção de atividades que ela desempenharia bem, entende? Quer sendo regi... de caixa registradora lá de, sei lá, de, aquela de, como é, de pedágio ou ... Quer dizer, é uma menina normalista que tem já um conhecimento que poderia perfeitamente executar uma série de tarefas. Mas elas, enquanto são estudantes, não podem, depois que formam o Normal aí elas podem, aí elas largam o magistério, aí vão trabalhar em banco, não sei o quê, não sei quê, não sei quê. Mas por que que elas não podiam fazer um estudo, um trabalho durante o estudo? Mas não tem, elas ... Aí fica aquele negócio, tem que depender da caixa escolar, tem que depender do auxílio da, da escola, quando elas teriam condições de fazer uma porção de coisas. Outro dia mesmo eu estava defendendo na escola, de unhas e dentes, a necessidade da gente em vez de dar, por exemplo, artes, tem uma cadeira lá de artes, então elas ficam trabalhando. Por que não faz alguma coisa produtiva e faz um bazar depois que reverta em benefício das meninas que trabalham? Fazer flor, fazer, fazer uma série ... Hoje está muito na moda o artesanato, né, que se reverteria em benefício. Não, só faz aquele, o quanto (inint.) pra uma exposição na fim do ano e acabou, quando elas poderiam fazer uma atividade sempre, quer dizer, tapeçaria disso, daquilo outro e fazia-se um bazar pra, pra reverter em benefício, uma espécie de uma cooperativa, não é? Mas não há essa idéia de cooperativa. Se existir é uma menina sozinha fazendo flor pra, pra fora. Mas ela sozinha. É sempre o bloco do eu sozinho. Nunca existe uma cooperativa, nunca existe uma comunidade trabalhando. Isso tem acontecido muito dentro do Normal.
D
 E as profissões que você vê dentro de sua própria casa? Por exemplo, você tem, você passa o dia inteiro fora e você precisa de gente que trabalhe lá, né?
L

  É. Eu tenho exatamente isso, quer dizer, em casa eu tenho ... A profissão que eu tenho é o empregado doméstico. Na minha casa eu costumo ter dois tipos de empregado: tem uma que já está há quatorze anos comigo, uma senhora, criou os filhos e tudo, e é uma criatura que me acompanha, ela até, agora, está de licença, há muitos meses até que eu estou sem ela e fora disso eu tenho sempre uma mocinha que eu geralmente encaminho pra escola. Tanto é que eu já tive várias e geralmente a saída é porque vai indo, vai indo, e eu sempre digo: eu acho que o emprego doméstico não deve ser fim de linha a não ser para aqueles que não tenham realmente um nível intelectual capaz de executar coisas melhores. Mas existem muitas que têm possibilidade. No entanto, na minha casa quanto na casa da minha mãe nós tivemos várias, várias empregadas que fizeram científico, fizeram outros cursinhos e depois resolveram ser, por exemplo, trocadora de ônibus. Tem uma delas que depois foi ser trocadora de ônibus, outra, quer dizer, enfim, que se encarreiraram posteriormente. Mas essa sim, essa é geralmente a segunda empregada, que geralmente estuda à noite, entende? Quer dizer, eu tenho essa, uma efetiva, essa de quatorze anos de casa, que vai e volta todo dia, sabe? Ela mora na Vila Kennedy. Eu acho essa mulher admirável, porque ela mora na Vila Kennedy e ela vai todo dia pra casa, ela vem todo dia. Agora é o tal negócio, muitas amigas minhas acham que não serviria jamais pra empregada delas, porque ela chega uma hora da tarde lá em casa. Porque ela morando na Vila Kennedy, e sendo já não mais criança, ela prefere sair de casa mais tarde e voltar pra casa mais tarde. Ela pre.... é o horário que ela gosta. Então ela s... ela chega lá em casa uma hora e sai dez horas da noite, entende? Ela prefere, porque aí ela pega o ônibus vazio pra vir e vazio pra voltar. Então nós nos acomodamos da seguinte maneira: quando ela sai às dez horas ela deixa o almoço pronto.