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PROJETO NURC-RJ

DIÁLOGOS ENTRE INFORMANTE E DOCUMENTADOR (DID):

Tema: "Corpo Humano"
Inquérito 0035
Locutor 0043 - Sexo masculino, 28 anos de idade, pais cariocas, jornalista. Zona residencial: Sul
Data do registro: 22 de dezembro de 1971
Duração: 42 minutos


Som Clique aqui e ouça a narração do texto


DOC. - (inint.) o motivo de sua escolha (inint.)
LOC. -  Sei lá, pareceu menos bobo, né?
DOC. -  Por quê?
LOC. -  Heim?
DOC. -  Por quê?
LOC. -  Bom (inint./defeito no registro) vendo. Eh, aves e quintais me interessam mas não tanto, pecuária e não sei que lá tam... interessa, mas ... Sei lá. Corpo humano está melhor.
DOC. -  Que é que você faz com seu corpo?
LOC. -  Bom, eu dou a ele o descanso devido, né? (riso)
DOC. -  Como?
LOC. -  Heim?
DOC. -  Como?
LOC. -  De preferência deitado, lendo ou então na praia, num solzinho tranqüilo, acho que ele fica muito bem, queimadinho de sol. Que é mais? Ensabôo ele freqüentemente, enxugo, né? Ponho desodorante. Que mais? Loção para depois da barba também e etc., né? Ah, faço a barba.
DOC. -  Hum.
LOC. -  Que mais? Bom, sem falar na (sup.)
DOC. -  (sup.) Que espécie de barba? (sup.)
LOC. -  (sup.) Sem falar também na minha cagadinha matinal, né? Acompanhada de um jornal, inclusive parece que Caderno B quer dizer banheiro, né? Todo mundo lê na latrina. Que mais?
DOC. -  Que espécie de barba existe por aí?
LOC. -  Espécie de?
DOC. -  Barba. Você falou em barba.
LOC. -  Ah, sei lá. Tem (sup.)
DOC. -  (sup.) É um capítulo. Você usa barba, ou não usa?
LOC. -  Não, eu já usei, quando saí do exército fiquei uns dois anos de barba, parecia papai Noel à paisana, né, tinha uns quatro dedos de barba, uma gracinha, né? Que mais?
DOC. -  Eu estou aqui pra ouvir você, né? Pra você dizer que mais. Como é que você vê o pessoal que usa barba por aí afora. A atitude geral relativamente à barba.
LOC. -  Ah, eu não tenho nada pra dizer. Tem mais um negócio que é pretensão, né? O cara põe uma barbinha, uma roupa suja, é intelectual, 'hippie', né? Naquela época era 'beatnick', né, depois é que passou a ser 'hippie'.
DOC. -  Que época?
LOC. -  Ahn?
DOC. -  Que época?
LOC. -  Ah, sessenta e dois, sessenta e três, por aí. Foi quando eu tive barba e naquela época, inclusive, era um negócio mais raro, né, quer dizer, você entrava num ônibus, todo mundo olhava, entrava num, entrava num botequim, todo mundo olhava. Inclusive, não sei quem dizia que usar barba era remédio pra insegurança, né? O cara acabava se tornando seguro.
DOC. -  Sim.
LOC. -  O que é que você quer? Marcar o tempo, é? No meu lindo relógio de parede. Diz que o meu relógio é lindo, pô!
DOC. -  Você está fora do assunto.
LOC. -  Heim?
DOC. -  Está fora do assunto.
LOC. -  Nada, corpo humano. Está integrado, né, está inserido no contexto.
DOC. -  Pois é, que que (sup.)
LOC. -  (sup.) Bom (sup.)
DOC. -  (sup.) Que que é ... Quais são (sup.)
LOC. -  (sup.) Fala mais alto (sup.)
DOC. -  (sup./espirro) Os outros cuidados que você dispensa ao, ao corpo, além dos que você falou?
LOC. -  Os outros cuidados, como?
DOC. -  Hum.
LOC. -  Ah, eu não tenho nenhuma dessa frescura não, tipo massagista, sauna, depilação. Isso não é comigo não.
DOC. -  Mas, eh, é com alguém? Alguém faz essas coisas?
LOC. -  Um bando de gente, né? Você vê aí a quantidade de saunas e massagistas e salões de beleza e (sup./espirro)
DOC. -  (sup.) O que é que você acha das pessoas (sup.)
LOC. -  (sup.) Barbeiros pra fazer massagens faciais, pra depilar narizes e etc.
DOC. -  É, e por que que você não faz essas coisas que as outras pessoas fazem?
LOC. -  Para quê? Está muito bom, pô!
DOC. -  O que que está muito bom?
LOC. -  Está muito bom assim como está, pô. Por que que eu vou entrar aí nessa de massagem?
DOC. -  Você quer, podia dizer as partes do corpo humano?
LOC. -  Heim?
DOC. -  As partes do corpo humano.
LOC. -  As partes?
DOC. -  Hum.
LOC. -  Bom, pode ser duas: pudendas, pudendas e não pudendas, né? Ou então, se você prefere um manual de ciência, cabeça, tronco e membros, né? São cinco membros, né? Que é mais? Quer, quer que divida tudo direitinho?
DOC. -  É. O que é que há na cabeça?
LOC. -  Bom, tem gente que tem merda, né? Bom, na cabeça, se não me engano é crânio e fauce (sic). O crânio, como é que é, os ossos, eh, frontal, parietal e occipital, né? Acho que é uma das poucas palavras com dois cês. Bom, que mais? No rosto você tem na... zôio (sic), nariz e boca, né?
DOC. -  A, a entrevista tem que ser séria.
LOC. -  Está séria à beça. Não é zôio (sic), nariz e boca? Eh, orelha. Bom, tem gente que a cabeça serve pra usar chapéu, separar a orelha, não é? Que mais?
DOC. -  Se você tem qualquer problema relativo à cabeça, você procura quem, pra cuidar?
LOC. -  Bom, problema de saúde, né? Eu tive na época que eu mergulhava, tinha uma sinusitezinha chata e passou. Depois volta assim em verão, muito sol, e meio resfriado quando eu vou à praia. Eu vou à praia, de vez em quando, dá uma boa dor de cabeça, né? Outra coisa que me dá dor de cabeça é luz forte. Se eu vou à praia por exemplo sem óculos escuros, depois tento ler ou faço uma con... concentração assim me dá dor de cabeça. Que mais?
DOC. -  E nos olhos, o que que você tem a dizer sobre olhos, já que você falou?
LOC. -  Ah, olhos, bom, tem uma certa neurose, que uma vez eu queimei. Quer dizer, neurose? É, pode ser, está na moda ser neurótico, né? O ... Que uma vez eu queimei com água-viva, estava numa guerrinha, ela se deixa, né? Eu acho que eu passei a mão suja, porque era daquela água-viva marrom que na pele não queima, só uma gelatina, um negócio meio melado, sensação meio desagradável. Estava fazendo uma guerrinha com um cara, fui buscar mais dentro dágua, vim com a mão cheia e devo ter passado uma de... uma delas no olho, quer dizer, nos dois olhos ou então ter passado a mão suja porque, eh, né, você sai da água geralmente você passa a mão no rosto, né? Então é isso aí, cinco queimaduras num olho, três no outro, eu sei lá como é que foi. Então podia ter ficado cego, fiquei uns três dias com curativo no olho, nunca me caguei tanto, e só. Deveria usar óculos, pra astigmatismo que eu tenho num olho. Tem dois graus e caqueirada e nada no outro. Mas um compensa o outro e astigmatismo, segundo já me disseram, o negócio passa com o tempo, né? O grau tende a ser reduzido. Que é mais?
DOC. -  Quando você teve esse problema de vista, você procurou quem?
LOC. -  Ah, primeiro, eu fui pra casa, aliás inclusive eu estava na casa do F., não estava lá em casa. Tinha dito ao velho que ia jogar 'water polo', sei lá o que que eu disse, era época de prova. Aí  fui pra praia, né? Aí voltei pra lá e pensei que o negócio passasse, né? Mas não passava, doía. Fui ao médico, evidente, né?
DOC. -  O médico que cuida dos olhos, como é que se chama?
LOC. -  Heim?
DOC. -  O médico que cuida dos olhos, como é que se chama?
LOC. -  Oftalmologista, não é?
DOC. -  É o médico da família?
LOC. -  Não, ele é amigo do velho N., né? Passei no consultório dele e nós fomos lá.
DOC. -  Aí você voltou pra casa?
LOC. -  É.
DOC. -  Na hora que dói o olho, volta pra casa.
LOC. -  Heim?
DOC. -  Na hora que dói o olho, volta pra casa.
LOC. -  Ué, pra minha casa, qual é o problema?
DOC. -  Na casa de (inint.) não.
LOC. -  Não, eu tive que ir pra lá trocar o calção e ir pra praia.
DOC. -  Ah, sim. Mas já falamos de cabeça.
LOC. -  É.
DOC. -  E você falou em cabelo, se não me engano, não é? Como é que anda o capítulo dos cabelos?
LOC. -  Hum, eu estou ficando careca, né? Me resta aquele consolinho, né? "É dos carecas que elas gostam mais", né? Não é, elas gostam muito dos carecas, né? (sup.)
DOC. -  (sup.) O que podia acontecer com o cabelo? É só ficar careca?
LOC. -  Não, no meu caso é, está branco, né? E está caindo. Antes eu acordava e tinha, tinha cabelo no travesseiro, agora tem travesseiro no cabelo, né? Quando penteia na pia, é aquele vexame, né?
DOC. -  Agora, como é que você explica a cor do cabelo diferente do bigode? Devia ter a mesma ...
LOC. -  Bom, é que o cabelo, é porque o cabelo eu pinto e o bigode não. (riso)
DOC. -  E pinta, por quê?
LOC. -  É porque eu não sei se você sabe que cabelo é cabelo e bigode é pelo, né? Há uma sutil diferença de textura, de composição e outros bichos, né?
DOC. -  Bom, mas em geral, as pessoas que têm cabelo branco (sup.)
LOC. -  (sup.) Não (sup.)
DOC. -  (sup.) Começam a ter cabelo branco começam a ter barba ...
LOC. -  É, eu tenho uns fios brancos no bigode mas não tantos quanto no cabelo.
DOC. -  Ham. Agora, como é que você explica que uma pessoa na sua idade possa ter cabelos brancos?
LOC. -  Bom, da minha idade, relativo, porque realmente eu sou muito jovem, estou com dezoito anos, né? E, sei lá, mamãe teve cabelo branco muito cedo. Na época dela, época do Sion, aquelas frescuras todas, quem, quem tingia cabelo era piranha, então as coleguinhas tinham uma inveja danada daquele cabelo dela. Tinha uma mecha, sei lá em que altura da testa, né? As coleguinhas tinham uma inveja danada daquele, daquela mecha de cabelo e tal. Tinha uma outra também que todo mundo queria ter cabelo igual, parece que era meio ruiva, sei lá. Frescura de garota. E aí?
DOC. -  E o resto do corpo?
LOC. -  O resto do corpo? Bom, a gente estava falando em cabeça, né? Eu por exemplo, tenho vinte e duas, né? E ... Que mais? Resto do corpo. Pescoço. Bom, serve pra usar gravata, que não uso. Ah, bom, tem o capítulo barba ainda, que a gente não falou que é chato paca, né? Acho que mulher devia ter barba também, pra aprender o que é bom. Acho muito chato fazer.
DOC. -  Existem formas diferentes de barbas, pessoas que usam barba ou que não fazem barba?
LOC. -  Não, negócio de não fazer barba é muito bom ficar dois ou três dias, né? O chato é que dá uma certa impressão de sujo, de falta de banho pelo menos, né? E ...
DOC. -  E, mas, quando você tem a barba de muitos meses? Quais são os formatos que uma barba pode ter? Diferentes?
LOC. -  Tem uma série delas: passa-piolho, né, que é aquela fininha. Tem, tem os caras que deixam a barba e raspam o bigode. Esses, esses, realmente, eu não entendo esse tipo de cara. Tem outros que cuidam muito da barba, que só faltam fazer 'mis-en-plis', né? Bota, bota aqueles ferrinhos, pra ela ficar tortinha e tal, ajeita daqui, ajeita dali. Eu não, eu, quando eu tinha barba eu raspava só um pouquinho embaixo, assim na altura do pescoço, do queixo e do pescoço, porque às vezes ela me incomodava um pouco, né, coçava. Era o único troço que eu fazia, né? Evidentemente que na hora do banho lavava, né? Que é mais?
DOC. -  E cuidados com o cabelo?
LOC. -  É, tem um (inint.) tem um bando de caras aí que acham que tem remédio pra calvície, né? Aí passa, como é? Babosa, óleo de rícino, que é mais? Ah, bom, tem um bando de mezinhas e desses preparados assim meio suspeitos, né? Inclusive um dia desses, um conhecido meu de São Paulo ouviu dizer que tinha um cara que era tiro e queda, né, na cura da calvície. Ele foi lá, bom, a consulta tinha que pagar adiantado, era negócio de oitenta contos, ele pagou e tal, esperou um pouquinho e aí o médico veio atender ele, né? Na hora que o sujeito abriu a porta, era pior que uma bola de bilhar. O cara não tinha cabelo nem no nariz. Aí, pô, ele levantou, disse que tinha sido engano e foi embora. E, bom, mas até hoje ele está procurando a cura da calvície. Acho que o cara que achar isso vai ficar rico, né?
DOC. -  Ah ...
LOC. -  Que livro é esse, I.S.M., aqui, heim?
DOC. -  Não sei. Qual é a parte do seu corpo que mais dá preocupação a você?
LOC. -  Ih! Não tenho tanta preocupação assim não, né?
DOC. -  Se, por exemplo, você ficasse impossibilitado de usar, o que preocuparia você mais?
LOC. -  Ah, evidentemente que o, o zezinho, né?
DOC. -  Sim, e isso fora?
LOC. -  Heim?
DOC. -  Fora o zezinho?
LOC. -  Bom, não sei. É muito difícil você dizer. Bom, eu preferia ser ce... ficar cego do que surdo, ou mudo do que surdo, ou do que cego. Não sei, né? Evidentemente que eu não quero ficar nenhuma das coisas, né? Eu acho que estou muito bem como estou, né? Mas talvez assim pior seja a cegueira, né? Porque, eh, surdez, às vezes, até que é uma vantagem, né?
DOC. -  Por quê?
LOC. -  Heim?
DOC. -  Por quê?
LOC. -  Ó, o chato fica falando, você vê o bonequinho mexendo não sabe o que que o cara está dizendo. Deve ser genial, né? Imagina, a gente está na maior discussão filosófica e tal e o cara está falando de futebol, pô.
DOC. -  (inint.) mas vai acontecer que alguém esteja dizendo alguma coisa do maior interesse pra você e você não ouve.
LOC. -  Bom, o cara aprende leitura de lábio, aprende (inint.) eh, tem uns macetes qualquer, né?
DOC. -  Agora, você acha que nos dias atuais (sup.)
LOC. -  (sup.) Não sei, quer dizer, de, por exemplo, entre ... Eu disse que achava ridículo fazer a opção, né? Entre cegueira e surdez, acho que sou mais a surdez, né? Entre surdez e mudez, talvez ... Não sei, né? É fogo.
DOC. -  Hum, você (sup.)
LOC. -  (sup.) É como escolher entre perder a mão direita e a mão esquerda, né?
DOC. -  Pra que que você usa as suas mãos?
LOC. -  Heim?
DOC. -  Pra que que você usa as mãos? Pra que que você usa as suas mãos?
LOC. -  Bom, tudo, né?
DOC. -  Por exemplo?
LOC. -  Acender um cigarro, como agora. Pegar um copinho de conhaque, como daqui a pouco. Segurar essa porra desse microfone, como agora. Pegar isqueiro. Riscar (inint.) fechar a tampinha. E vai por aí afora, né? Bom, escrever, ler, pra tudo, pô.
DOC. -  Com as mãos, você lê?
LOC. -  Pra virar a página do livro, né? É indispensável. E quando está começando a ler pra seguir a palavra, né? Seguir assim com o dedinho, né? De vez em quando eu vejo os caras lendo, assim com o dedinho, acho muito engraçado.
DOC. -  (inint.) leitura dinâmica (inint.)
LOC. -  Hum, também, né? Que é mais? Bom, e muitas utilidades, né, como coçar o pé, tirar meleca, né? Por exemplo, como é que você, como é que você ia coçar o ouvido se não tivesse o dedo mindinho? (riso) Já pensou nisso, heim (inint./sup./riso)
DOC. -  (sup.) Agora (sup.)
LOC. -  (gargalhada) Como é que você ... Está aí, me diga uma coisa, como é que você ia palitar o ouvido se não tivesse o mindinho? (riso/sup.)
DOC. -  (sup.) Eu não uso o dedo mindinho.
LOC. -  Usa o quê? Palito de fósforo? Eu acho, acho engraçado o cara que abre, abre a caixa do, caixa de fósforo, na maior cerimônia, escolhe um palito, palita o ouvido, né? E aí guarda o palitinho pra depois (sup.)
DOC. -  (sup.) Nunca vi ninguém (inint./sup.)
LOC. -  (inint./sup.) heim?
DOC. -  Nunca vi.
LOC. -  Nunca viu, pô? Tem nego à beça, pô. O palito é engraçado ... Uma das coisas que eu gosto ...
DOC. -  Não pode falar com o cigarro na boca.
LOC. -  Hum? Falo, não tem problema, não. Eu ... Uma das coisas que eu gosto é uma boa palitada nos dentes, né? Convencionou-se que é falta de educação o cara palitar os dentes. Inclusive tem várias posições aí ridículas, como por exemplo juntar os quatro dedos e deixar só uma pontinha do palito, botar a mão na frente da boca. Mas acho que uma boa palitada vai bem, né? Tem uns caras que gostam de ficar com um palitinho no canto da boca. Isso já é ... Já sou ... Geralmente dá uma certa pinta de cafajeste ao cara, né? Que mais?
DOC. -  Agora, pra você manter o seu corpo vivo, o que que você tem que fazer?
LOC. -  Heim?
DOC. -  Manter-se vivo, manter o corpo vivo?
LOC. -  Ih! Repousar, comer, cagar. Que mais?
DOC. -  Em que que consiste comer?
LOC. -  Heim?
DOC. -  O que que consiste comer?
LOC. -  Botar a comidinha na boca. Mastigar devidamente e (sup.)
DOC. -  (sup.) Qualquer comida? (sup.)
LOC. -  (sup.) Engolir. Não. Tem, todo mundo tem sua preferência em matéria de comida, né?
DOC. -  Por exemplo.
LOC. -  Por exemplo, tem gente que gosta de caruru, tem gente que não gosta de jiló. Ou então, torta de jaca, né? Não, pudim de jaca. Um dia desses eu fui numa casa, a dona insistiu pra mim aceitar pudim de jaca. Não dava pé, né? Doce de abóbora e quejandos, né?
DOC. -  Você acha que atualmente existe uma atitude diferente para com o corpo do que se tinha, digamos, as pessoas da geração de seus pais?
LOC. -  Eh, não sei. Existe, lógico. Existe, né, muito mais liberdade, né? Existe, bom, tem o aspecto da roupa que eu acho mais importante. Por exemplo, na época do velho, garoto de quinze anos, pra ir à cidade, botava o paletó, gravata e chapéu, né? Um pouco antes dele, acho que os caras usavam até polainas, né? Atualmente, o paletó e gravata é excrescência, né, negócio que brasileiro tem de copiar europeu, já está bem reduzido, né? Você vê, quem usa paletó e gravata atualmente? Gerente de banco, o cara de Bolsa, né? Vendedor de enci... de enciclopédia e mais uns tantos, né? Não digo que o cara vá de camisinhas de renda e outros troços, pô! Está certo, camisa branca sem, sem gravata, sem nada, né? Bem mais natural. Chapéu, chapéu de palhinha naquela época até que era uma boa pedida. Bom, gravata eu acho ... Gravata borboleta também era a idéia, mas no entanto agora está na moda babador, né? De seda, às vezes tem uns panacas aí que usam gravata de lã, no verão, né? E vai por aí, né, querem ficar bonitos, pô!
DOC. -  Você falou sobre o aspecto do vestuário, mas esse é o único?
LOC. -  É. Bom, o vestuário está, realmente, ficando cada vez mais inteligente. Acho que ainda vai chegar ao ponto de todo mundo de bermuda, chinelo, né, camisinha de meia leve, talvez um chapéu de palha, sei lá. Bom, tem ... Bom, aí já entra também ... Quer dizer, junto com o aspecto do vestuário já entra a chamada liberda... na maior liberdade sexual, né? Por exemplo, quando o velho era garoto, vamos dizer, ver o tornozelo, bom, eu não digo o tornozelo, né, a barriga da perna, né, da dona era aquele negócio, né? Se bem que depois de mil novecentos e vinte e poucos veio aquele negócio de sainha no joelho, né, o negócio de melindrosa. Mas tinha meia por baixo, tinha sapato todo fechado, aquele negócio todo. Então a mulher nua criava aquela sensação, não é? No outro dia, um dia há pouco tempo atrás, sei lá, há pouco tempo, uns dois ou três meses, fui a uma festa, uma garota lá queria fazer um 'strip-tease' e os caras pediram: não, chega e tal. Ficou monótono chegar em tudo quanto era festa fazer 'strip tease', né? E isso era ... Em mil novecentos e vinte, você imagina, né? Acho que a mulher ganharia os tubos pra ficar pelada numa festinha. Se é que ficasse, se é que ficaria, né, não sei. Então, tem, tem esse aspecto, acho, acho que as duas coisas vão juntas, né? Essa liberdade, não digo nem sexual, essa liberdade física, né, você usar a roupa que quer, quando bem entende ou na hora que bem entende. Ah, o que que eu estava falando? Ah, sim, essa liberdade física e o vestuário se torna mais racional, né? Acho isso bem importante.
DOC. -  Você vê alguma relação entre corpo e o, as condições atmosféricas?
LOC. -  Mas é evidente, né?
DOC. -  Então fale.
LOC. -  Você pega, você pega o camarada põe ele de, com um terno de, vamos dizer, de mescla de lã preta, ao meio-dia, na avenida Rio Branco, em dez minutos o cara está no chão, com insolação, né? Põe o mesmo cara com, com uma bermuda, uma camisa, um sapato con... um sapato confortável ou um chinelo, o sujeito pode trabalhar tranqüilamente, pode até, talvez, quebrar pedra, né? Acho que é básica essa ligação de condições atmosféricas e roupa, né?
DOC. -  Só a roupa? Para o corpo as conse... (inint./sup.)
LOC. -  (sup.) Não, roupa e alimentação, repouso (sup.)
DOC. -  (sup.) Para o nosso clima, o que você, o que você considera alimentação (sup.)
LOC. -  (sup.) Hum (sup.)
DOC. -  (sup.) Ideal para uma boa forma física?
LOC. -  Basicamente fruta, leite, né? Pelo menos é o que eu procuro comer. Quer dizer, fruta, leite, gosto muito de carne. Que mais? Sim, ovo. Bom, ovo quente é um quebra-galho, né, às vezes podemos estar, meio-dia, uma hora, aquele mal-estar de calor e tal, mas você está com uma certa fome, mas sabe que se comer vai ficar empanturrado, com sono, cansado, né? Aí, você ataca um ovo quente, um sanduíche de queijo, dá aquela passadinha na Bob's, né? Aí, o negócio resolve até a hora do jantar, depois você faz um lanche, negócio também assim na base de sanduíche e tal, e aí janta bem, né?
DOC. -  Agora, a, a tradição em matéria de alimentação no Brasil.
LOC. -  Agora, a mais burra possível, né? Você vê, comida de sábado: feijoada. Sábado de verão, duas, três horas da tarde, os caras saem da praia e dizem: pô, vamos comer uma feijoada. Então, o cara come feijão, eh, lombo, toucinho, paio, farofa, couve, e ainda toma cachaça em cima. Diz que é pra digerir. Não, primeiro é pra abrir o apetite, depois é pra digerir, depois é pra conservar o clima, né? Então o que o panaca pega ali de caloria e de barriga cheia não dá, né? Você vê, toda a cozinha baiana, né, aquela burrice, aquela burrice mesmo do africano, né? E, bom, não sei se você sabe, azeite-de-dendê é usado no Ártico pra lubrificar máquina, né? Que é o único troço que não congela, né? Você bota abaixo de quarenta graus e está lá, o azeite-de-dendê firme na máquina, né? Como é que você vai comer um negócio que serve pra lubrificar trator? De vez em ... Bom, tem nego que come, né? Outro dia pegaram na pastelaria, o cara fritava o pastel com óleo trinta, né, óleo de caminhão. Aí os caras da Saúde Pública reclamaram, o sujeito disse: não, mas, doutor, a gente filtra o óleo e tal. Antes assim, né? Bom, outro troço que brasileiro come muito e, quer dizer, tem que, é gostoso mas deve ser um probleminha pro fígado, é fritura, né? É batata frita, é peixe frito, é não sei que lá frito, é tudo frito, né? Outro troço, também, os caras comem arroz, feijão e farinha, enchem a barriga e acha, e acham que estão alimentados, né? Você vê esse, esse paraíba-de-obra e olha o almoço dos caras. Mas aí também você entra no lado econômico da comida, né? Não é, não é todo cara que pode, pode comer seu filezinho, né, pedacinho de presunto, melãozinho, né, coquetel de camarão e vai por aí afora.
DOC. -  Você vê alguma relação entre a, uma boa disposição física e o fato da vida em ambientes fechados ou abertos, no Rio?
LOC. -  É evidente que o cara que, o cara que tenha, que passa, não digo todo o dia, mas parte do dia ao ar livre, né, o cara que pega sua prainha, joga o voleizinho, dá uma nadadinha, tem muito mais disposição física pra, pra atacar o trabalho, pra, quer dizer, pra ir em frente de uma certa forma, do que o sujeito que chega às oito e meia, nove horas da manhã no trabalho, senta na mesa, levanta pra almoçar, dá aquela olhadinha em duas, três vitrines, volta pra trabalhar, se espreme num ônibus, chega em casa pra ver televisão, bota o pijama, né, e deita na sala e vê, pra ver televisão até a hora de dormir, né? Você põe dois caras nesse tratamento durante um mês e faz, pode fazer um exame físico, pra ver capacidade, capacidade, capacidade de trabalho, resistência e tudo de um e outro, deve ser uma diferença tremenda, né? Então, é evidente que as coisas têm relação, né?
DOC. -  Você vê alguma relação entre o corpo e a vida psíquica?
LOC. -  Bom, tem o negócio do 'mens sana in corpore sano', né? Acho que o sujeito que não tem algum problema físico já, já adianta à beça, né? Tudo funcionando regularmente como uma, como uma maquinazinha, máquina bem regulada, né, o cara tem mais capa... está em melhores condições de enfrentar tensões, ou melhor, atualmente está em moda, estresse, né, a chamada tensão do dia-a dia, né? Se o cara tiver, por exemplo, uma úlcera, bom, né, tem em medicina negócio psicossomático, né? Eu acho que muita coisa, muita coisa está baseada no físico, né, impotências físicas, dificuldades físicas e tal e geram toda aquela problemática, né? Você vê, o cara que, o cara que tem barriga, que tem algum defeito, ele vacila em ir à praia, praticar um esportezinho qualquer, às vezes, também, não pode, né? O sujeito é perneta, não dá pra jogar futebol, né? Se bem que tem alguns aí, jogando, né, inclusive contratados. Bom, a pergunta era, como é que é?
DOC. -  Se você vê uma relação entre o físico e o psíquico?
LOC. -  É, evidente que há. Tem esse negócio do 'mens sana in corpore sano', né?
DOC. -  É, mas 'mens sana in corpore sano' é mais, é mais do que isso. Em geral foi usado como lema para o quê, em história da civilização ocidental? Para, como uma forma de, como um conselho no sentido de que atitude em relação ao corpo? Onde é que você encontra isso escrito em geral 'mens sana in corpore sano'?
LOC. -  Bom, o negócio vem do latim, vem do grego, né?
DOC. -  Mas você encontra escrito em que espécie de lugares?
LOC. -  Ah, ginásios, geralmente, né?
DOC. -  Então, pra que servem ginásios? (sup.)
LOC. -  (sup.) Heim?
DOC. -  Ginásios. Você sabe como funcionam?
LOC. -  Bom, depende do ginásio, né? A maioria deles são uns babacas que ficam levantando peso, né? Os caras ficam todos inchados, acham que estão fortes e vão pegar mulher com aquilo, né? Geralmente, quer dizer, o cara começa a levantar peso, fica lá em frente do espelho se achando bonito, dali a seis meses está dando o rabo, né? Entra naquele negócio narcisista e tal. Pô, que sou bonito, que sou isso, que sou aquilo, e ... Bom, a Cinelândia está cheia de halterofilista, né?
DOC. -  Sim, mas você só vê o aspecto negativo de uma prática de esportes?
LOC. -  Não sei. Por exemplo, na, na Europa ...
DOC. -  Halterofilismo é uma coisa (inint./sup.)
LOC. -  (sup.) Não, um país de clima frio e tal, você precisa de um lugar fechado, com chuveiros e tal, aquele negócio todo pra praticar o esporte. Tem a grande vantagem também de lá ter os caras que estão a fim, então se torna mais fácil voc^e jogar o seu voleizinho, dar a sua nadadinha, aquele negócio todo. Aqui, com praia, esse negócio de ginásio está meio superado, né? Tem academia aí, de luta, né, caratê, judô, jiu-jítsu e tal. Quer dizer, eh, alguma ... Nesse aspecto de luta e tal, se o cara realmente gosta daquilo, não vejo por que não. Acho babaquice esse negócio do, do halterofilismo, que eu acho que é onde geralmente está o 'mens sana in corpore sano', né? Geralmente você tem lá uma estatuazinha semigrega, né, feita ali pelas imediações do São João Batista, às vezes, ge... geralmente de gesso, com uns dizerezinhos, né? E, bom, os caras fazem tanta ginástica lá que acabam atrofiando o cérebro, né?
DOC. -  Que há no capítulo da atrofia de cérebro?
LOC. -  Heim?
DOC. -  Atrofia de cérebro. O que que há, que há nesse sentido?
LOC. -  Bom, eu acho que há ...
DOC. -  Há pessoas que nascem assim?
LOC. -  Bom, tem o cara que já nasce defeituoso, né? Mas geralmente o cara vai, vai atrofiando com o tempo, né, falta de uso, né? O cara usa a cabeça pra botar chapéu e separar a orelha.
DOC. -  E o uso do cérebro que não é pra isso, pra que que é?
LOC. -  Heim?
DOC. -  Pra que é que se usa o cérebro pra fins que não é pra ...
LOC. -  Bom, basica... basicamente pra pensar, né?
DOC. -  Que que é pensar?
LOC. -  Hum?
DOC. -  Que que é pensar?
LOC. -  Pensar é pesar, considerar coisas, examinar probabilidades, decidir, etc.
DOC. -  Você acha que se faz isso hoje em dia?
LOC. -  Cada vez menos gente, né? Você cada vez tem menos, eh ... Por exemplo, com a propaganda, com a própria força do grupo e tal, você, freqüentemente você se sente indo na manada, né? Se você parasse dois minutos pra pensar, olhasse assim e dissesse: pô, o que que eu estou fazendo aqui, né? Aí, mudaria de caminho, mudaria de atitude, pelo menos. Atualmente, com esse negócio da propaganda, você vai muito na, vai muito sem pensar, né? Inclusive a expressão: pô, nem pen... nem pensei nisso, rapaz, não sei o que e tal. Isso é muito comum. Então, quer dizer, cada vez menos gente pensa, né? Isso pode ser, po... pode ser uma vantagem do ponto de vista de produção industrial e tal, que o cara, a função do cara é apertar aquele parafuso, ele é pago pra isso, não é pago pra pensar, né? Tem outra frasezinha muito famosa: soldado não pensa, né? Isso pode ser aplicado a tudo, né? Jogador de futebol n~ao pensa, não sei o que não pensa. Então, a classe dos pensantes é cada vez mais reduzida. Talvez, por isso, esteja mais bem remunerada, né? E atrás dela vem a massa, né? Acho que nisso a influência da publicidade é plenamente negativa, né?
DOC. -  Influência da cidade?
LOC. -  Publicidade. É publicidade, vida em grupo e tal, né? O negócio, o vizinho tem isso, então quero ter também.
DOC. -  Agora, você falou (inint.) agora vou fazer a pergunta: a relação entre a vida na cidade e a vida fora da cidade e o corpo?
LOC. -  E o corpo?
DOC. -  Sim (sup./inint.) físicos (inint.)
LOC. -  (sup./inint.) lógico, tremendo, pô! Você, eh, você lembra daquele apartamento lá da Toneleros (sic), né? Às vezes tinha dia lá que com meia hora de conversa a gente ficava irritado. Por quê? Era o barulho na rua, era o, às vezes ... Bom, não era tão freqüente o cheiro do lixo lá pro lado, né? Mas especialmente o barulho na rua, então aquele negócio de você ficar de janela fechada para não ouvir o barulho, então fica calor, fica desagradável, você se sente tolhido, limitado, né? Aquelas construções muito juntas. E, bom, isso depois de um dia de trabalho, de um dia de ten...  quer dizer, de um dia de, chamado de tensão normal, né, você ainda ficar naquele clima assim, quer dizer, naquela gaveta de cimento, trancado para não ouvir barulho, mas mesmo assim ouvindo, com o cheiro do, o cheiro do, o cheiro ali da vizinhança, aquele negócio todo. Você não pode comparar a um sujeito que traba... trabalha num lugar aberto, vamos dizer, no campo, que ... Que é isso? Batendo palminha? Sujeito que viva no campo, né, que, bom, por conseqüência, tem uma alimentação mais sadia, um negócio mais natural, tem menos razão pra essa tensão negativa, né? Não pode que... não pode querer comparar as duas coisas, né? Você vê, acho que tua produção, teu trabalho deve ter melhorado muito mais depois que você mudou pra cá. Esta tranqüilidade, calma pra pensar, né? Você parece ser das pensantes ainda, né? Heim?
DOC. -  Dizem.
LOC. -  Dizem, é? Modéstia.
DOC. -  É. E você?
LOC. -  Heim?
DOC. -  Você pensa?
LOC. -  É, penso, né?
DOC. -  E tem conseqüência?
LOC. -  Tem, às vezes boas, às vezes más, mas melhor do que não pensar, né? A gente ... Eu vou em frente, conscientemente, né, já é alguma coisa.
DOC. -  E alguma relação entre poluição e corpo?
LOC. -  Bom, todas, né? Na medida em que aumenta a poluição, diminui o rendimento do corpo, né? Quer dizer, o rendimento do corpo em termos físicos, né, rendimento físico da pessoa.
DOC. -  E, já que nós estávamos no corpo, há uma coisa que costuma estar ligada a corpo, é um certo ideal estético a respeito.
LOC. -  Hum, hum.
DOC. -  Que é que você por exemplo se lembra no que se refere ao sexo feminino?
LOC. -  Bom, uma vez eu vi um negócio muito engraçado, né? Vinham dois caras no ônibus conversando, um paraíba-de-obra e o chamado bom crioulo, por sinal não era tão crioulo assim, era meio mulato até. E o paraíba vinha descrevendo o tipo de mulher preferida dele, né? Era um negócio assim como cruza de Emilinha Borba e Ângela Maria com Marlene, né? E todas as qualidades e nenhum defeito. Lá pelas tantas ele deu a vaza e perguntou, perguntou ao cara do lado, né, com quem ele estava conversando, o que que, o que que ele achava disso. Aí o chamado bom crioulo deu aquele sorriso e disse: pois é, meu camaradinha, tem for... tem buraco e não tem formiga, eu estou lá. Quer dizer, não vou tão longe, né? Mas também não vou tão perto. O atrativo físico ... Como é que foi a pergunta? Eu ... Qual a relação entre ...
DOC. -  Entre o corpo e um certo ideal estético. Por exemplo, do sexo feminino.
LOC. -  Hum. Acho que a fita está querendo acabar, não? Bom, o ideal estético, ele ...
DOC. -  O que é pra você uma, uma mulher bonita?
LOC. -  Ah, não sei. É, é todo um conjunto, entende? Você não pode ... Eh, esse negócio, fulana tem olhos bonitos. Você diz isso, você já está dando uma certa pichada no resto, né? Fulana tem cabelos lindos. Sim, aí você pergunta: e o resto? É só cabelo? Então, quer dizer, essa beleza é um conjunto. Às vezes você pega, por exemplo, uma mulher, isoladamente o nariz dela é feio, o olho é feio, o queixo é feio, o colo não, também é feio, quer dizer, a mulher tem várias coisas ... Ou melhor, em vez de feio vamos dizer, não bonito, né? Mas no conjunto se torna um negócio agradável, se torna atraente, se torna interessante, né?
DOC. -  O que são cabelos bonitos, de mulher?
LOC. -  Ah, bom, tem dez mil tipos, né? Quer dizer, quer dizer, é um cabelo que combina com a pessoa. Você pega uma crioula de peruca, não dá pé, né? A peruca pode ser a mais linda do mundo, mas, pô, não combinou, né? Você vê aí a Elza Soares, pô, é um aborto aquela mulher, né? Agora, bom, tem o tal negócio, o Garrincha deve achar linda, né? Tem aquele negócio, né? Beleza é um troço relativo e basicamente é o conjunto, né? Vamos dizer, a harmonia do conjunto, né?
DOC. -  Se você tivesse que escolher uma mulher bonita pra fotografar, quer dizer (inint.) qual (inint.) charme (inint.) não poderia ser passado na fotografia e só os elementos físicos que realmente entrassem, quais seriam esses elementos que prevaleceriam na sua escolha?
LOC. -  Bom, ela tem, tem, tinha que ser mais pra magra do que pra gorda. Eu acho, acho bonito olho claro, quer dizer, assim, azul-claro, verde, quer dizer, azul, verde, as chamadas cores claras, mesmo o castanho claro, se bem que não seja contra o olho escuro, né? Que mais? Cabelo, acho bacana assim na altura do ombro, né? Se bem que não tenho nada contra o compridão e o curtinho, né? Acho que depende, né? Vo... você pode botar dez mulheres completamente diferentes na minha frente e eu acho todas bonitas, né? Aí, era aquele negócio, você escolhe por eliminação, né? Isso aí é difícil.
DOC. -  E quanto à beleza masculina?
LOC. -  Beleza masculina, como?
DOC. -  Qual seria, por exemplo, o ideal estético em matéria de beleza masculina da época (sup.)
LOC. -  (sup.) O conceito é mais ou, mais ou menos esse, né? Se bem que no conceito de beleza feminina entra muito a atração sexual, né? E no masculino não tem a mínima, né? Aí é, quer dizer, é questão de simpatia também, quer dizer, você tem cara bonito, por exemplo, vamos dizer, artista de cinema. Esse Gregory Peck é um cara muito bonito. Canastrão, né? Mas é realmente chamado um homem bonito. E, bom, tem uma infinidade de caras por aí que são, são bonitos, são simpáticos, sei, sei lá o quê, né?
DOC. -  Através da propaganda, da publicidade e dos meios de comunicação, você poderia captar o que seria o ideal estético em matéria de beleza masculina da época, da nossa época?
LOC. -  Ah, bom, da nossa época, acho que é ... Entrou em moda ser feio, né? Você vê, alguns anos atrás apareceu esse Belmondo, Belmondô (sic), como você preferir, o cara é realmente feio mas ele é muito simpático, né? Tem o bonitinho certinho que é esse tipo assim Alain Delon, né? Brilhantina no cabelo e tal, aquela pinta toda. Tem o cara mais largado como os Beatles, né? Então eu acho que vai muito assim do, do fotógrafo de moda, essa jogada de beleza, né? Bom, a beleza masculina, tanto quanto a feminina, é produto industrial, né? Você tem toda aquela linha de cosméticos, toda aquela linha de roupas, todo aquele negócio. Então é, vamos dizer, a influência disso muito grande, então você tem o chamado tipo, né? Fulana faz esse tipo, fulana é daquele tipo, sicrana é assado, né? Então, entra toda essa jogada de publicidade. Não vai algum tempo atrás apareceu aquela moça de sobrancelha raspada, cabelo preso em coque. Era horrível! E então foi lançada como a mulher do ano dois mil. Ainda bem que no ano dois mil, eu já ... Não sei não, né?