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PROJETO NURC-RJ

DIÁLOGOS ENTRE INFORMANTE E DOCUMENTADOR (DID):

Tema: "Tempo cronológico"
Inquérito 0034
Locutor 0042 - Sexo feminino, 27 anos de idade, pais cariocas, socióloga. Zona residencial: Sul
Data do registro: 09 de dezembro de 1971
Duração: 45 minutos


Som Clique aqui e ouça a narração do texto


DOC. -  (inint.) a maior liberdade. O que que você acha da relação entre o tempo e a vida?
LOC. -  Olha, esse é o problema fundamental. Tempo pra mim atualmente é angústia. Angústia de tempo passando ... Há muito tempo que eu estou nessa. Muita coisa pra ser e fazer e o tempo corre muito mais rápido do que eu gostaria. Há algum tempo que eu estou assim, que eu desejaria que o dia tivesse setenta e duas horas pra dar tempo de eu fazer tudo que eu gostaria, em todos os campos, profissionais, sentimentais, tudo. Por isso que quando você falou que o tema era tempo, eu falei: isso é uma questão de análise. (riso) Porque realmente a coisa que anda mais me angustiando é o tempo, entende? Eu acho que estou, eh, fazendo muito pouca coisa, quer dizer, com vinte e sete anos eu fiz muito pouca coisa do que eu me propus ou do que eu gostaria ou do que eu tenho vontade. Profissionalmente eu ainda estou decolando, sentimentalmente ainda estou decolando, todo esse troço. Fundamentalmente é isso. Tempo pra mim sig... no momento significa isso. É a coisa que mais me mobiliza, sabe? Bom, tem a, o problema do, da, do envelhecimento, né, do corpo, que isso também é uma coisa que me amola bastante. Mas como por enquanto muitas pessoas ainda me dão menos idade do que eu tenho, ainda estou me agüentando, se bem que eu já acho que eu já esteja embagulhando (sic). Mas já estou começando com cuidadinhos com celulite, não sei o que e tal. Mas realmente o que mais me amola não é o tempo passar por sobre o meu corpo, é o tempo passar sobre, sobre o que eu, sobre mim, né, sobre, sobre a outra parte.
DOC. -  Mas, eh, sobre o envelhecimento, você podia explicitar mais?
LOC. -  Qual envelhecimento? (sup.)
DOC. -  (sup.) Co... como é que você o vê, que aspecto, se há um só, se há vários envelhecimentos, dependendo das pessoas e ...
LOC. -  Claro que há vários aspectos (suspiro). Bom, você tem o, o envelhecimento, o envelhecimento físico, em termos físicos, dizendo ... Está gravando? Você tem o envelhecimento físico mesmo, digamos, no conceito físico do tempo passando. O tempo passa e te vai deixando marcas de alguma forma, marca no corpo, marca na gente, marca na mente, marca em tudo. Mas, sei lá, envelhecimento pode ser uma coisa muito boa se você, se envelhecimento pode ser um sinônimo de crescimento, sabe? Entende o que eu quero dizer? Você pode amadurecer e crescer, isso pode ser um envelhecimento, quer dizer, talvez um envelhecimento positivo. Você pode ter um envelhecimento muito ruim, que é um envelhecimento angustiante, que você está envelhecendo sem conseguir crescer, sem conseguir resolver as coisas e tal. Eu, em muitos aspectos, eu envelheci muito bem. Em outros, eu ainda estou muito angustiada.
DOC. -  Como é que as diversas pessoas enfrentam essas diferentes formas de, de envelhecimento com crescimento?
LOC. -  As pessoas (inint.)
DOC. -  Sim, do seu conhecimento.
LOC. -  (suspiro) Olha, tem pessoas que procuram esquecer que estão envelhecendo, né, isso é bastante comum. Normalmente não se toca no assunto e tal, fazem um bloqueio, esquecem que envelhecem. Bom, tem outras que estão muito angustiadas, mas por esse problema que eu estava colocando, né? Tem alguma, algumas, algumas pessoas assim envelhecendo sem conseguir fazer a, as coisas que gostariam. Eu acho que essas são as que mais sentem o tempo passar. Bom, e tem outras que estão envelhecendo muito bem, né? Agora poucas pessoas eu vejo sem angústias do, do envelhecimento do corpo, realmente são poucas as pessoas, muito poucas, que têm essa tranqüilidade: eu estou velha, mas fiz uma porção de coisas. Eu hoje digo que talvez eu ache ótimo envelhecer, mas não tenho a mínima idéia do que ... Em termos de corpo, eu digo, né? Mais ou menos isso.
DOC. -  Você acha que os homens e as mulheres enfrentam esse problema da mesma maneira?
LOC. -  Olha, isso é um problema ... Ó, eu acho o seguinte, que daqui a dez anos, daqui a alguns anos essa pergunta pode ser respondida de uma forma totalmente diferente. O que eu estou vendo assim é uma mudança a cada dois anos, a cada um ano, a cada cinco meses. As gerações estão realmente mudando com uma rapidez muito grande, quer dizer, o que eu vejo assim em termos da geração passada é que talvez haja menos tranqüilidade dos homens envelhecerem em termos físicos, porque existe toda uma socialização, toda uma expectativa de papel que ps... que pr... que, eh, que ... Como é? Me faltou a palavra, que predetermina, digamos, o ... Eu estou querendo falar do problema de machismo que existe entre a socialização do, de homem, né, que existiu muito até as gerações passadas. Então acho que a angústia é de perder o seu símbolo e tal, de enfim ...
DOC. -  Pode falar a palavra.
LOC. -  De ficar broxa, (riso) entende? (sup.)
DOC. -  (sup.) Pode falar (inint./sup.)
LOC. -  (sup.) Pode? (sup.)
DOC. -  (sup.) Pode, pode (inint./sup.)
LOC. -  Eu não estava sabendo. "Thank you". Então, quer dizer, essa angústia de, de, de broxar, eu acho que em alguns homens é terrível, realmente terrível. No meu pai é uma coisa impressionante. E eu tenho visto mesmo em muitos homens, inclusive até mais ou menos que se diz, né, que o cara vai chegando a uma certa idade e ele começa ... Se diz que é fogo de outono, enfim, começa a querer trepar pra ver se aproveita o máximo. Quer dizer, isso eu sinto muito em termos de geração passada, essa angústia. Mas eu acho que i... quer dizer, a mulher, como tem um outro papel, a mulher é o receptáculo, a mulher é a pessoa que fica em casa e tal, aquele papel melequento, então já aceita com mais tranqüilidade. Na verdade, nessa, dentro dessa concepção, ela já é uma velha desde que se casa enfim, o papel dela já não é um embate, porque ela está lá só recebendo, ela é muito mais passiva. Mas eu acredito que isso vá mudar, está mudando, isso é um problema de socialização, de cultura, de estrutura, que o tempo ... Que eu estou sentindo que está mudando muito, quer dizer, não sei como é que isso ficaria. Na verdade eu tenho pouca convivência, eh, mais íntima com pessoas de geração muito abaixo da minha. A minha convivência é numa faixa que ainda existe muito esse problema, claro, mesmo nas pessoas, mesmo nos, nos homens que estão descolando e decolando desse tipo de, de coisa, estão, estão em outra, digamos, eh, esse problema do machismo ainda existe, né, é um negócio assim muito difícil de ser tirado, assim como também é muito difícil tirar aquele ideal que você quer se casar, quer se casar e ter filhos, de vestido branco, não sei o quê. Eu acho que realmente esse negócio vai custar um bocado, mas eu acho que está indo nessa direção. Tenho a impressão que essas pessoas estão chegando por aí.
DOC. -  E você falou sobre as gerações passadas que passam pelo problema do envelhecimento, os homens, mulheres. E com relação a sua geração, você inclui mesmo a, pessoal mais, mais jovem, como é que eles estão (inint./sup.)
LOC. -  (sup.) Em termos de envelhecimento? Olha, eu acho ... Eu volto outra vez ao mesmo tema.
DOC. -  Hum.
LOC. -  Eu acho que essa minha geração numa faixa, digamos, num intervalo de mais ou menos cinco anos, não, na, cinco anos já é muito, talvez mais ou menos três anos, por aí, cinco, talvez, eu acho que é uma geração cobaia mesmo, viu? Uma geração que, que as coisas estão mudando muito rápidas e ... Bom, eu tenho uma experiência que pra mim foi muito importante, que eu fiz duas faculdades. Então co... a minha primeira experiência de faculdade foi uma coisa, a segunda foi outra totalmente diferente, quer dizer, na minha, primeiro ano de faculdade as minhas colegas esta... estavam mudando, crescendo e descobrindo o mundo junto comigo, quer dizer, era uma coisa assim, de que você, eh, todos os valores sendo mudados, sendo reformulados, né, eu, eu, eu s... eu entrei pra faculdade com todos aqueles condicionamentos e todos aqueles conceitos de menina direita e que só, só sai de casa acompanhada, es... esse babado todo, que não trepa nunca a não ser no casamento. E na faculdade, que é uma escola sensacional, você começa ... Eu comecei a ter contato com umas coisas totalmente novas que realmente estavam surgindo e eu, eu devo ter a... ter apanhado, eh, talvez o lugar onde a coisa começou a surgir mais rápido, um dos lugares. Então foi assim aquele esforço muito grande acompanhar e de se recompor e de revalorizar e ver as pessoas assim que realmente eram direitas, digamos, e que trepavam com tranqüilidade ou que estavam tentando trepar com tranqüilidade e tudo. Então foi um período assim em termos emocionais e sobre esse problema de sexo foi assim, eh, um período de muita luta, de muita reformulação e tal, coisa que evidentemente se estende até hoje. A repressão existe até hoje, uma vez educada e reprimida é, é fogo. Mas quando eu entrei pra PUC, em que os meus colegas, as minhas colegas de, tinham quatro, às vezes cinco anos a menos do que eu, era maravilhoso. Eu, quando vi aquelas meninas de dezoito, dezenove anos, com todos os valores que eu a duras penas consegui incorporar com eles, ah, simplesmente com eles e ... Espera aí, eu me perdi um pouco, eu estava falando isso tudo pra concluir ... Ah, você estava dizendo envelhecer, né, na, na minha geração. Quer dizer, então o que eu estou querendo dizer é que, é que eu estava ... Eu falei desse, dessas duas experiências como pra pegar duas experiências de cinco, de cin... digamos, gerações com uma diferença de cinco anos. Quer dizer, eu acredito que pra esse pessoal, ah, de cinco anos, por exemplo meus colegas de PUC, a coisa possa se... ter uma dimensão que não tinha antes, não é? Então eu, na minha geração eu vejo muito essa dificuldade, sabe, de revaloração das coisas, de botar abaixo realmente os valores que eram muito firmes, né? Você, digamos, até o, até o secundário ainda tinha toda uma norma de isso é bom, aquilo é mau. Toda a concepção de educação que eu imaginava que eu daria aos meus filhos: ó, meu filho, isso é bom, aquilo é mau. Hoje em dia eu vejo com a maior clareza que você não pode dizer nunca o que é bom, o que é mau. Você vai transmitir uma certa atitude, uma certa maneira de enfrentar as coisas e o máximo que você pode ajudar ele em frente às várias alternativas que se abrem, que tipo de coisa você vai escolher, como, é o máximo que você pode fazer. Você nunca pode traçar isso é bom, aquilo é mau, você não deve escolher isso nem deve escolher aquilo. Então eu acho que o, o tempo passando pra essa geração que sofreu esse, esse pôr abaixo, essa destruição de valores e uma tentativa de reconstrução de novos, eu acho que é um tempo de angústia. Porque eu acredito que ... Bom, é claro, né, que dentro dessa geração tem pessoas insensíveis, né? O meu irmão por exemplo é um insensível. O tempo passou por ele em termos de geração e não deixou marca nenhuma. Ele é um cara absolutamente integrado num tempo passado, digamos. Mas e... eu acho que as pessoas mais sensíveis, ou por uma série de circunstâncias aí, que ti... que sofreram esse processo, eu acho que o envelhecimento é muito angústia, viu? Porque, pô, é um negócio que você está construindo, um negó... que teve que destruir antes e construir depois. E vo... e dificilmente você constrói com a rapidez que você desejaria. Eu vejo muito assim. Todas as pessoas da minha geração que eu con... que eu converso, eu vejo muito an... essa angústia, sabe? Primeiro é a angústia de não estar se colocando bem dentro do tempo, não saber bem o que que é, o que que vai ser, pra onde vai. Ou, quando sabe, não conseguir. Eu vejo muito isso, viu? É claro que aí a parte física do envelhecimento é um, é um, é um, um, um indicador muito alarmante, justamente esse ... Eu vejo a coisa bem assim, viu? Eu acho que vai virar e vai mexer, eu vou voltar a isso porque pra mim (riso/inint.) está sendo realmente o problema central.
DOC. -  Agora você quer falar um pouco sobre o comportamento social, quer dizer, face a um, um fato de que o, o tempo transforma, quer dizer, o tempo passa e ele está dividido, eh, para orientação nossa, né, em períodos de tempo, em períodos maiores e períodos menores, até um mínimo, não é? Dentro disso aí a gente organiza a vida de todo dia. E como é que a gente vive em função, tá, de cada um desses períodos? Por exemplo o comportamento da gente, as coisas que a gente faz são relativas às diferentes horas do dia por exemplo? Você faz as mesmas coisas em todas as horas ou (inint./sup.)
LOC. -  (sup.) Claro que não, uma tendência à rotina é impressionante, né? (sup.)
DOC. -  (sup.) Como é que é isso? (sup.)
LOC. -  (sup.) Você está querendo que eu fale no cotidiano, no cotidiano de (sup.)
DOC. -  (sup.) Em geral (inint./sup.) é, das pessoas (inint.)
LOC. -  Olha, em termos de cotidiano você tem a divisão clássica, você, digamos, no nosso caso, quer dizer, no caso de universitários ou de pessoas que têm uma profissão e tal, em geral você acorda ... É uma rotina, não é?
DOC. -  Sim.
LOC. -  Você acorda, pôxa, e vai pro seu trabalho, escova o dente (inint./riso) vai pro seu, vai pro trabalho, em geral o dia todo é gasto nisso ou num trabalho só ... Dar aulas, o trabalho de dar aulas, dar aulas o dia inteiro. Volta pra casa, janta e de noite ... Bom, de noite ... Estou há tanto tempo enfurnada que eu mal sei o que as pessoas fazem, as pessoas, digamos, que não, as pessoas assim de nível universitário. Quer dizer, eu por exemplo estudo de noite, né? Mas eu, se eu não estudasse, o que eu faria, eu ia ler, eu ia assistir um pouco de televisão. Engraçado esse negócio de televisão, é pena que esteja fora do tema. Mas (sup.)
DOC. -  (sup.) Mas nada está fora do tema (sup.)
LOC. -  (sup.) Não?
DOC. -  Não, pode falar.
LOC. -  Bom, não, é que esse negócio de televisão é engraçado. Quando eu me mudei, eu achava: que bom que eu não tenho televisão. Mas eu ando sentindo uma falta enorme de televisão, quer dizer, como realmente é difícil e impossível você se desligar das coisas que fazem parte da sua cultura, né, mesmo que seja ruim. Então a televisão, pra mim, me faz muita falta em termos de distrair. Eu usava muito a televisão quando eu (inint.) em casa, em termos de, se eu estava estudando, eu levantava um pouco, ia tomar um café, passava pela sala, via um pouquinho de televisão e tal, principalmente filmes, os filmes tarde da noite me distraíam muito. Quando eu estava muito enfossada (sic) era ótimo. Eu sentava em ci... em frente da, da televisão e as coisas não eram mobilizantes e você não pensava e aquele negócio ia passando. Uns cortes de tempo muito, muito idiota, mas que, que funciona. Agora em termos de cotidiano, em termos ... Sabe, eu estou achando essa sua pergunta muito vaga. Eu acho que você (sup.)
DOC. -  (sup.) É (inint./sup.)
LOC. -  (sup.) tem alguma coisa na cabeça e que (sup.)
DOC. -  (sup.) e que eu talvez não esteja (inint./sup.)
LOC. -  (sup.) que você quer que eu chegue e (sup.)
DOC. -  (inint./sup.) mas eu vou te dizer. Por exemplo as pessoas, se diz que as pessoas se acordam, não é?
LOC. -  Certo.
DOC. -  E elas se dizem palavras, se cumprimentam. Quando se cumprimentam o que que dizem, dependendo do (sup.)
LOC. -  (sup.) Você diz dentro de casa? (sup.)
DOC. -  (sup.) Do nível de relação? Dentro de casa por exemplo, no trabalho, na rua, eh, em função das diferentes horas? (sup.)
LOC. -  (sup.) Em função das diferentes horas? (sup.)
DOC. -  (sup.) É.
LOC. -  Sei.
DOC. -  Por exemplo você, eh, especialmente ... Existe uma forma de cumprimento que corresponda ao fato de o dia começar, para o R. ou para as pessoas do seu trabalho, enfim ...
LOC. -  Você sabe, eu pessoalmente ... Sabe que eu pessoalmente, eu acho que não, viu? Acho que a coisa depende muito mais, eh, de como eu estou, da minha, do meu humor, da minha cuca, do que propriamente da hora, do tempo. Em termos por exemplo de tempo, tempo, clima, faz uma diferença imensa pra mim, sabe, realmente imensa. Se o dia está bonito, eu estou feliz da vida. Faz uma diferença mesmo muito grande. Claro, estou feliz se estou, se estou com condições disso. Mas é muito fácil, se o tempo está muito ruim e eu, se não estou muito bem, eu entrar também. Quer dizer, o meu humor é muito dependente do tempo. Tempo bonito pra mim é um, é um negócio que puxa pra cima. Eu tenho um ... Eu, eu, pra mim é muito importante o tempo, muito importante mesmo. Lá no IPEA por exemplo tem uma vista maravilhosa, né? Então era assim ... Eu tinha uma sala que dava pro aeroporto ... Curtia milhões ali, era sensacional o ambiente. Quando eu estava de saco cheio, ficava olhando o aviãozinho levantar, aquele dia lindo, faz muita diferença. Agora em termos de hora mesmo, olha, eu não vejo muita diferença pra mim (sup.)
DOC. -  (sup.) Está bem, na nossa sociedade as pessoas utilizam formas de cumprimento relativas a esse tempo? (sup.)
LOC. -  (sup.) Ah, claro, né? Bom-dia, boa-tarde, boa-noite.
DOC. -  Hum.
LOC. -  Em termos de saudação formal.
DOC. -  Sim.
LOC. -  Mas ...
DOC. -  E quando se despedem?
LOC. -  Você quer que eu diga? Bom-dia, boa-tarde e boa-noite em termos mais formais possíveis, né, porque em, entre nós a gente diz: oi! E oi é bom-dia, boa-tarde e boa-noite.
DOC. -  (sup.) É, é (sup.)
LOC. -  Oi, tudo bom? E: oi, como é que vai? Oi, tudo legal? E vai por aí. Pra se despedir, eh, em termos formais se diz bom-dia outra vez, boa-tarde, boa-noite. Em termos não formais invariavelmente se diz tchau.
DOC. -  Hum, hum.
LOC. -  Te vejo depois! Te vejo amanhã!
DOC. -  Sim.
LOC. -  Não sei se é isso que você está querendo, porque em termos de diálogo mesmo das pessoas, talvez o que você possa pensar, eu imagino, que de manhã as pessoas estejam um pouco mais devagar, acabando de acordar, estão ... Enfim, de tarde esquenta mais. Depois do almoço dá muita preguiça e a coisa funciona bem de tarde, chegando perto da hora do almoço, depois de tarde ... (suspiro) Olha, é tudo um clima diferente. Agora em termos de linguagem, é que eu estou achando naturalmente (inint./sup.)
DOC. -  (sup.) Você trabalha todos os dias?
LOC. -  Todos os dias que nos é solicitado trabalhar?
DOC. -  Quais são os dias de trabalho normalmente?
LOC. -  Sei, de segunda a sexta.
DOC. -  Sim, e depois, o que que as pessoas fazem? (sup.)
LOC. -  (sup.) Alguns infelizes sábados (sup.)
DOC. -  (sup.) E depois?
LOC. -  Depois do trabalho?
DOC. -  Depois dos dias de trabalho?
LOC. -  Vem o fim de semana (sup.)
DOC. -  (inint./sup.) então como é que é esse fim de semana?
LOC. -  Fim de semana (sup.)
DOC. -  (sup.) É (sup.)
LOC. -  (sup.) Fim de semana pra mim é uma fossa ultimamente, porque eu tenho estudado pra burro, sem querer (sup.)
DOC. -  (sup.) Hum.
LOC. -  Mas fim de semana é praia, é cinema, é conversa, é, é bar. Acho assim que pro meu, pra as pessoas com quem eu convivo, não sai disso. Esses barezinhos, é Alvarus, é Degrau, esse tipo de bar que você vai tomar um chope, comer algumas coisas, nada muito caro. Eu, pra mim é isso, basicamente isso. Se, se oitenta, oitenta e nove por cento das vezes é isso. Me dá mais um pouquinho?
DOC. -  Sim, ah (inint.) semana de trabalho, fim de semana, a gente faz estas coisas que você falou, mas uma cidade como o Rio de Janeiro, não é, eh, funciona muito de maneira diversificada de acordo com as diferentes fases, digamos, do ano.
LOC. -  Hum (sup.)
DOC. -  (sup.) Há certas festas, né, há ... Tem datas fixas, etc. onde as pessoas fazem certas coisas, há uma que está pra chegar, não é?
LOC. -  (riso) O natal.
DOC. -  Como é que é isso na sociedade?
LOC. -  Você está falando na sociedade, né?
DOC. -  É, em geral, e se você falar, quiser falar sobre a sua experiência pessoal também pode, quer dizer, eh, sabe, a sociedade (inint./sup.)
LOC. -  (sup.) Você está querendo falar a expectativa, sei.
DOC. -  Viu?
LOC. -  Ó (suspiro), bom, está chegando o natal, né, depois o ano-bom, é um capítulo, eu acho assim que as pessoas esperam tudo do natal. Eu, eu acho que em relação ao natal tem duas turmas: aquelas que amam o natal, né, e ano-bom, eu estou, eu estou juntando muito as duas coisas, porque eu acho que elas estão muito ligadas, eh, fazem toda parte de uma esperança de mudar de ano, de vida que vai mudar, e que você vai levar flores pra Iemanjá, e que vai tudo mudar e tudo. Então eu acho que tem muito essa parte de esperança, e um, uma parte das pessoas realmente adoram o negócio, né, e fazem mis (sic) pre... mis (sic) preparativos e, e árvores de natal e, pô, uma curtição incrível e presentes e gastam o que podem e o que não podem. E o comércio se enche. E então aquelas festas têm obrigação de ser algo de muito bom, muito bom, muito feliz, um momento maravilhoso em que a família está unida. Tem demais isso: a família se une e curte felicíssima aquela data. É o encontro e tal. Tem uma outra parte e que eu acho que sente essas duas datas com uma angústia muito grande. Eu acho que ... Outra vez volta aquele tal tema, porque, eh, sabe, essa obrigação de ser tudo muito bom, tudo muito feliz, tudo muito maravilhoso e, quando não é, dá uma angústia incrível. Tenho visto essa angústia bater em as pessoas que eu menos espero, as pessoas mais enquadradas e que me parecem ser muito felizes e ad... e não ter nenhum problema maior com as suas famílias ou em termos de vida mesmo, e terem muita angústia nesses dias. Acho que basicamente elas se dividem nessas duas coisas. Mas em termos geral, geral, a expectativa é sempre essa: de que é um, é um, são datas de muita esperança, de congraçamento, como se fala, de alegria, de, de ... Se tenta ser isso tudo, mas tem essa outra parte que me parece bastante ... Olha, sei lá se está crescendo, eu estou tomando mais contato com ela. Talvez seja um problema de passar de tempo, em termos de você en... ir envelhecendo, não sei se haverá uma relação muito estreita, realmente não sei. Tem muito papo de, quando morre pessoas, você leva alguns anos pra se recuperar e o natal fica sendo bom outra vez e não sei o quê. Eu já vi natal de, na minha casa, natal de muito, muito contente, com as pessoas velhas, e já vi na... natais horríveis a partir de morte, mas eu não sei se terá essa relação assim tão estreita com idade, sabe, eu tenho impressão que é mais um problema muito pessoal de você, como você está, como é que você se coloca e essa obrigação que se sente, né, que tem que ser uma data maravilhosa e tal, aí você vê que não é nada daquilo, que a tua família não é nada daquilo, que aquilo tudo é uma tentativa, mas que no fundo não é nada daquilo, que é aparência em geral, né, o que que vem por aí, tempos incríveis. Agora eu estou falando num plano bem mais geral mesmo, né?
DOC. -  Sim. Você falou num tema muito importante ligado ao do tempo, que é o da morte.
LOC. -  Da morte.
DOC. -  Sim.
LOC. -  Pô, a morte é uma coisa que eu não admito. (riso) Realmente eu não consigo admitir a morte. Eu ficaria muito chateada de morrer. Ficaria realmente muito chateada. Se você quer saber de uma maneira geral, a, a, a ...
DOC. -  O que que lhe sugere exato (inint./sup.)
LOC. -  (sup.) A morte?
DOC. -  Sim.
LOC. -  Pô! Ó, a morte é fuga, viu?
DOC. -  Sim.
LOC. -  E pra mim, até que quando eu estou nos piores momentos, até já me passou pela cabeça: pô, morrer acaba com as coisas e, quem sabe, acaba tudo e tal. Desisto, é desistência. Mas, por outro lado, a desistência pode ser uma coisa horrível. Eu tenho muita angústia de que a morte, eh, que a vida é uma só, sabe? Claro, eu acho que a grande angústia sua é essa mesma, né? Bom, eu não acredito em chongas, não tenho religião, não tenho coisa nenhuma, de maneira que eu acredito que isso que está aí é uma coisa só, que você tem que aproveitar. Isso é que dá mais angústia. Se eu acreditasse numa reencarnaçãozinha por exemplo você ainda podia projetar. (riso) Se você acredita em Deus e que você ... Então a outra vida é a melhor. Então você se projeta, eu acho que se castra, você se, realmente se reprime, coloca tudo num, num troço pra frente, que não vai existir, enfim ... Mas se você encara, e me parece assim muito mais sadio, você encara esse negócio que está aqui, porque é isso mesmo que está aí, você tem que viver é isso que está aí e não tem nada que ficar passando a bola pra frente, acho a morte ... É o fim, pô, acho que é a desistência, acho que é muito ruim. Se você está num equilíbrio razoável, acho que a morte é uma coisa inadmissível. Pôxa, desistência de viver, né? Acho que viver é um negócio assim que ainda é muito fascinante.
DOC. -  E a morte que não é provocada, mas que acontece?
LOC. -  Você diz acidente?
DOC. -  Não. Um belo dia chega.
LOC. -  Um belo dia chega.
DOC. -  Há uma maneira diferente de encarar esse fato independente de como se viveu?
LOC. -  Eu acho que ... Eu, eu não consigo sair das mesmas coisas. (riso) Sabe, eu acho que continua o mesmo papo, viu? Se você conseguiu de certa ... Se você conseguiu fazer as coisas que você quis, se propôs, se você adquire uma certa tranqüilidade, se você conseguiu ser feliz, eu acho que fundamentalmente é isso, se você conseguiu ser feliz em algum momento, em alguma faixa, você encara com muito mais tranqüilidade, como que: está bom, a vida já te deu alguma coisa, está legal, então ... Né? E se você for uma pessoa que ficou buscando a vida toda, eu acho que deve ser muito difícil você encarar a morte. Pra mim, a morte agora seria terrível nesse sentido. Ent... eu, eu vejo muito isso. Eu vejo velhos com a maior tranqüilidade: pôxa, eu já fi... já cumpri a minha missão, né? É muito a palavra deles: não tenho mais nada que fazer, já criei (inint.) tem certas pessoas, pôxa, qual é a tua missão? Ter filhos, criá-los, educá-los (inint.) já criei meus filhos e tal, não preciso mais fazer nada. A tua ambição é essa, né? Se morre com mais tranqüilidade. Talvez pro intelectual seja muito difícil morrer, porque o intelectual está sempre se propondo coisas, sempre abrindo mais coisas. A cuca da gente é um negócio assim que está sempre abrindo um sistema por mais fechado que seja. Seja mais difícil, talvez.
DOC. -  O que é que é o contrário da morte?
LOC. -  A vida. A vida vida mesmo, né, a vida não vegetal. Acho que a vida, eh, sei lá, você, sensação, felicidade, você sentir, você conseguir ... Ó, que é a coisa mais difícil que tem, que os caras da análise estão sentindo por causa disso mesmo, é você conseguir usufruir do presente. Acho que é a coisa mais difícil que tem. O presente que te é dado, então você usufrui dele, mesmo que você tenha algumas limitações, mas usufrui com as limitações, pô, não é, não usufrui em nome de um negócio que está todo ruim, que você joga pra lá. Acho que a vida é muito isso, em termos pessoais, né? Eu não estou querendo falar muito em outros termos não.
DOC. -  Hum. Agora dentro da vida há diferentes fases, você falou no envelhecimento, mas haveria o contrário do envelhecimento.
LOC. -  Ao longo do tempo, você diz?
DOC. -  É, há um momento no tempo em que ach... em que se começa, né?
LOC. -  Hum, hum.
DOC. -  Esse começar, que que é o começo da vida?
LOC. -  Que que é o começo da vida?
DOC. -  Sim. Um dia a pessoa não existe e passa a existir.
LOC. -  Quando nasce? (sup.)
DOC. -  (sup.) É. O que é que é esse capítulo (inint.)
LOC. -  O que que é o nascimento? (sup.)
DOC. -  (sup.) É (sup.)
LOC. -  (sup.) Você quer saber o nascimento mesmo ou tudo que eu me lembrar do nascimento? (sup.)
DOC. -  (sup.) Tudo, tudo, tudo que lhe lembrar o nascimento (sup.)
LOC. -  (sup.) O nascimento, o parto?
DOC. -  É, inclusive. Se for o caso (inint.)
LOC. -  Ó, o nascimento, o nascimento, digamos, o ato de nascer é muito mais importante ... Ah, bolas, como é que a gente vai saber? Mas eu acredito que seja muito mais importante pra mãe do que pra criança. Talvez a criança seja o processo traumatizante pra ela e tal (inint.) não está sabendo direito. Agora o começar a viver, viu, eu acho que tem uma porção.
DOC. -  Hum.
LOC. -  Eu acho que tem realmente uma porção de começar a viver. Você quando, quando você é nenenzinho, né? (sup.)
DOC. -  (sup.) Hum (sup.)
LOC. -  (sup.) Voc... Eu, eu acho que uma das coisas mais sensacionais que tem é você com... acompanhar o, o, o, o entrar na vida de uma criança, né, todas as, tudo que ela vai desenvolvendo, todas as percepções, eh, todas as coisas que ela vai reconhecendo, o afeto, onde ela vai colocando, como as pessoas são importantes pra ela, como a mãe é fundamental ou como outra, co... como o objeto ... É tão, uma coisa sensacional como a criança pega o objeto, sente e cheira e olha o objeto. Isso eu acho que deve ser das coisas que você perde logo. Eu tenho a impressão que a criança deve olhar o objeto, você, a partir de um determinado momento já é difícil você olhar o objeto. Muita gente manda brasa, no fundo, pra voltar a esse, a essa, a essa parte, né, você já começa a ver o símbolo, né, o que que aquele objeto representa, não sei o quê. Então, eu acho que isso é um começar, né, é um dos começar, um dos começares (sic), digamos, de vida. É todo esse contato realmente que você, que a criança vai tendo, depois você, você vai tendo tantas etapas importantes. Acho que é tudo que vai sendo acrescentado, você começar a ler é uma coisa essencial, te dá assim uma, uma independência muito grande, te abre assim horizontes incríveis. Você vai estudando, vai conhecendo, vai se abrindo. Mas, olha, eu acho que o mais importante é a tua liberdade emocional. Não sei se isso é um problema muito pessoal, mas é um problema da minha geração, é quando você consegue ser você, pô, você consegue sair do pai, da mãe e consegue lutar pra isso. Se você tem pais possessivos isso é extremamente difícil, talvez você não consiga nunca, a vida toda. Mas eu acho que a coisa mais importante em termos de começar a viver é quando começa esse processo, quando você começa a ter consciência que você é uma pessoa independente, que você não é reflexo do teu pai e da tua mãe, que você tem que lutar pra fazer as coisas, se eles não te deixam. Você começa a pegar a tua vida (inint.) acho que esse é o começar mais importante.
DOC. -  Quer dizer, isso seria outra forma de nascimento?
LOC. -  Seria.
DOC. -  (inint.) que a gente utiliza recursos pra conseguir?
LOC. -  Hum, hum, muitos recursos. (risos)
DOC. -  (riso/sup./inint.)
LOC. -  (sup.) A análise é o fundamental! (risos/sup.)
DOC. -  (inint./sup.) agora você acha que a pessoa humana nessa fase inicial da vida, eh, se desenvolve de uma maneira muito diferente dos outros seres animais por exemplo? Você poderia confrontar um pouco o comportamento da criança e do ...
LOC. -  Ó, existe até muitos estudos, né, a esse respeito. Tem até um caso dum, um antropólogo inglês, se não me engano. Ele fez uma experiência acer... Eu ouvi falar que ele criou o filho dele exatamente igual a um macaquinho, não é, e até uma certa idade o macaco estava até na frente da criança, né, toda a, a, toda ... O desenvolvimento motor foi muito mais rápido e tudo, mas por exemplo falar, que é um outro troço, que é um outro dado importantíssimo, já o macaquinho ficava pra trás. Macaquinho porque seria o cara, seria o animal mais parecido, né? Sei lá, eh, não estou vendo mais nada assim de ...
DOC. -  Ham, ham. Você (sup.)
LOC. -  (sup.) Pô! (sup.)
DOC. -  (sup.) Me disse que havia um outro aspecto do tempo que era muito importante pra você, que era, digamos, o tempo atmosférico.
LOC. -  Sei.
DOC. -  Sim, você quer falar um pouco sobre ele?
LOC. -  Mais do que eu já falei?
DOC. -  Sim (inint.) em termos de ...
LOC. -  Pra soltar o vocabulário?
DOC. -  (inint.) um dia como hoje?
LOC. -  Um dia como hoje?
DOC. -  Em termos de tempo atmosférico (inint.)
LOC. -  (riso) Hoje, hoje foi, foi muito, muito indeciso e mui... e mui... por isso mesmo muito chato. Aliás, está, há um tempão que está assim. Quer dizer, você tem aquele calor: que bom, o verão chegou! Depois chove: que merda! Ainda está aí o inverno. Tem isso. Quer dizer, por exemplo ... Sei lá, eu não (sup.)
DOC. -  (sup.) Como é o Rio em geral a esse respeito?
LOC. -  Bom, o maior calor, né, no verão. O verão é um negócio bastante difícil de aturar, um calor muito grande que eu prefiro ... Tinha uma época que eu gostava mais de inverno, achava que inverno era ótimo e tal, que você sente frio, você se, você corre, se aquece, que o verão não tem jeito. Hoje eu já mudei totalmente de idéia. Primeiro, que eu sinto um frio incrível e o frio entra por dentro, vai na alma. Realmente pra mim é fundamental o tempo. Eu fico muito mais feliz, muito mais aberta, com vontade de correr, de, muito mais saudável. Eu me sinto muito mais puxada pra vida no verão, com todo o calor, e eu não tenho muito problema de calor não. Me dou bem no calor. Tempo atmosférico de chuva?
DOC. -  Sim, como é que você vê a chuva?
LOC. -  Às vezes é gostosa, às vezes é gostosa à beça.
DOC. -  Que é que acompanha a chuva (inint.) como é que a gente se sente diante desse fenômeno?
LOC. -  Bom, antes dum temporal por exemplo parece que o mundo vai acabar, né? Você tem um céu, o céu se fechando, as nuvens pretas, vento, hum, depois começa a chuva, trovoada, relâmpago. É muito assustador. Até que eu gosto, pra mim não é assustador não. Eu acho bacana. Eu acho como se fosse um desafio e não mete medo porque é uma coisa que eu conheço. Que mais de tempo?
DOC. -  Você falou do céu. Você gosta de olhar pro céu?
LOC. -  Muito.
DOC. -  O que é que você vê?
LOC. -  (riso) Mil estrelas!
DOC. -  Hum.
LOC. -  Tinha um tempo que eu tinha até estrela (inint.) lá em Brasília tinha uma história, lá em Brasília é maravilhoso, Brasília não existe. Em termos de tempo, de tempo, de tempo atmosférico não tem igual. O pôr-do-sol é a maior maravilha, sensa... não tem coisa mais bacana do que um pôr-do-sol (sup.)
DOC. -  (sup.) Como é que é o pôr-do-sol (inint.)
LOC. -  Pôr-do-sol é um, sei lá, uma maravilha, um negócio, uma sensação!
DOC. -  Tem cor?
LOC. -  Como tem! E é todo o céu. Você vê todo o lugar porque não tem morro, então aquela ... Em junho, o pôr-de-sol (sic) é cada qual mais bonito que o outro. Tem muita cor e cores e cores, eh, como é que se chama? Em gradação, né? É maravilhoso! Aqui no Rio raramente tem. O mar, o mar, o mar, que eu lembrei, lembrei do pôr-do-sol, lembrei da lua que é um negócio assim maravilhoso, também, e a, o, a lua no mar. Essas coisas pra mim são muito importantes. Ter isso implica em, em realmente ser alguma coisa a mais pra mim, pra eu, pra eu estar me sentindo bem ou não, entende? Realmente é muito importante o tempo pra mim.
DOC. -  O mar lhe fazia falta em Brasília?
LOC. -  Me fazia. Muita falta. Não tanto quanto nas outras cidades que não têm mar, porque nas outras cidades que não têm mar são muito apertadas, você tem montanha e tudo, então você tem a impressão que vai sufocar, pô! Ou então se você vai subir o morro você vai ver o mar. Em Brasília, como as coisas são muito amplas e tem aquele lago imenso, a falta é bem menor, mas faz falta. Você sente falta. Eu sou medrosa, eu não entro muito em mar não, mas eu sinto muita falta de ver o mar, muito mais de ver do que usar propriamente. De tempo, o que mais?
DOC. -  Você, antes, você falou que, quando, antes de chover, de temporal, que há nuvens de certa cor. Como é que é sua reação diante de nuvens, né, como é que você vê as nuvens, qual sua experiência desde criança, eh ...
LOC. -  As nuvens ... Olha, nuvem sempre foi uma coisa que eu curti paca. Eu sempre ... Um céu sem nuvens é um céu chato. Se bem que você sempre queira um ce... sempre há um desejo de ter um céu totalmente limpo, mas eu acho muito ba... Eu sempre, por exemplo, um céu muito azul com aquelas nuvens bem brancas que você vê que não tem chuva e tal. Eu acho ... É um negócio assim de você ficar um tempão. Eu já passei muito tempo quando eu era criança e hoje em dia, quando eu entro naquela de que eu começo a olhar as coisas pelas coisas, eu entro outra vez de ver coisas nas nuvens, eh, formas, bichos, gentes, coisa que não me agrada muito ficar olhando e ver coisas nas nuvens. Então essas nuvens eu acho sensacionais. Quando as nuvens são pretas, eu não vejo forma nenhuma. Eu vejo uma coisa assustadora, vejo um negócio que vai chover, mas que, ao mesmo tempo, eu acho bacana em termos de desafio e tal. Uma vez que eu andei de avião eu achei maravilhoso: ao mesmo tempo que você tinha um pôr-do-sol, você tinha umas nuvens incríveis e ameaçadoras, assim um negócio ... E o relâmpago. É um troço que amedronta, mas ao mesmo tempo, eh, excita a, a ... Como que se fala? Não é ... É o seu enfrentamento da coisa, o que que vai acontecer. Bom, com nuvem é isso.
DOC. -  Como é que você se sentiu, eh, a primeira vez que (inint.) desembarcou na lua?
LOC. -  Ah! Olha, eu achei bacana paca. Hum! Isso mancha? Ah, bom, foi na perna só.
DOC. -  (inint.) mas, bacana como, exatamente?
LOC. -  (riso) Bacana. Olha, é o problema do desafio, do desconhecido que você ... Como diz? É aquele velho papo, né? Olha, aí misturou um pouco. Eu ando um, há algum tempo que eu ando bastante cética, talvez um pouco de formação profissional, eu ando vendo todas as coisas que acontecem com muito ar de profissional assim, tentando ver o que que é, o que que significa, quer dizer, eu estou cada vez menos me emocionando com as coisas que acontecem em termos sociais e globais, sabe? Há muito tempo que eu deixei de optar por uma coisa assim indefinida: isso é o certo, o mais é tudo errado. Então eu estou vendo todas as coisas acontecendo mais como uma pessoa que está estudando o troço e vendo todas as, as nuances e tudo. Então na lua teve muito isso, né, o aspecto político da conquista da lua foi muito importante e estava em todos os momentos. Então fora isso, de qualquer forma havia o aspecto de ser a história do, do, do homem, que chegou lá e que desceu pela primeira vez, aquele pezinho, e eu tive uma inveja enorme, porque se há uma coisa que eu sempre tive muita vontade de fazer e tenho, ainda tenho esperança até hoje, é fazer uma viagem, eh, interplanetária, tenho uma vontade imensa. Tive mesmo muita inveja. Que eu tenho, eu tenho esse papo de eu, de eu ter medo mas gostar de controlar o medo. Então eu acho assim que a gratificação dos caras que foram à lua, apesar dos riscos e do perigo, foi muito grande. Eu realmente tive inveja. Eu acho que com alguma facilidade eu seria das pessoas que, que me convenceria a fazer um negócio desses, sabe? Assim, né, pode ser que, quando a coisa sair do folclore, eu já não pense tanto assim. Mas que eu me proponha a fazer uma viagem dessas, eu me proponho. Eu tenho muito pouco medo dessas coisas. Eu adoro avião, não tenho um pingo de medo de avião, por exemplo, que é uma coisa que assusta muito muitas pessoas e eu tinha muita vontade, em termos da lua (inint.)
DOC. -  Como é que você viu e sentiu "Dois mil e um"?
LOC. -  "Dois mil e um", pra mim, foi um negócio sensacional. Foi realmente outra vez uma inveja muito grande desse tempo que eu não vou conhecer, mas muito grande mesmo. O tempo futuro pra mim tem uma dimensão muito importante. Eu não gostava de morrer nunca, tinha vontade de ficar assistindo todas as coisas acontecendo, sempre. Claro, eu acredito que em determinada fase, né, nem sempre, às vezes eu estou querendo é morrer, essas coisas. Mas de uma maneira geral, quando eu estou, estou na minha, estou em forma, a minha vontade era não morrer nunca, sabe, ficar realmente assistindo a todas as coisas, usufruindo dessas coisas todas. Em termos de "Dois mil e um", a inveja foi mesmo muito grande, muito grande mesmo, né?
DOC. -  E, ah, havia uma diferença muito grande entre a experiência, eh, ficcional apresentada em "Dois mil e um" e o que concretamente aconteceu com a viagem, a chegada do homem à lua?
LOC. -  Bom, "Dois mil e um" estava em outra fase, né? "Dois mil e um" já não era a conquista, já era a coisa estabelecida e tal, com toda uma infra-estrutura montada. Você diz se eu acho que vai acontecer assim?
DOC. -  Não, se ...
LOC. -  E ... Já tem muita coisa encaminhada, né, a tal da estação, a estação, a planetária, orbital, sei lá, aquela estação que fica rodando o tempo todo, né, já está muito ... Os russos já andaram dando os seus passos em relação a isso. Eu acho que aquele filme não está muito longe das coisas como vão acontecer não. Acredito que tenha muita coisa que vai acontecer naquele sentido, mas vai ter sempre um monolito, né, desafiando todo mundo.
DOC. -  Você falou, ah, a certa altura, sobre o presente (inint.) e etc. Há pessoas que optam não pelo presente, mas pelas outras duas, eh, visando outros pontos de referência e também tem gente que prefere ficar no meio delas duas, né? Eh, quais são as suas preferências, pelo da direita ou pelo da esquerda?
LOC. -  (risos) Hum, eu estou no presente via futuro.
DOC. -  Hum, hum.
LOC. -  Em direção ao futuro, quer dizer, eu acho que ... Ó, passado não, mesmo.
DOC. -  Hum.
LOC. -  Realmente, não mesmo. Em termos pessoais o passado pra mim nunca, quer dizer, eu acho que eu olho pra trás e não vejo um momento do passado que eu possa dizer: eu fui felicíssima, fui muito feliz. Eu acho que, ao contrário, eu estou cada vez conquistando mais essa minha possibilidade de ser feliz, né, a análise está sendo muito importante. Então realmente o passado não me faz nenhum atrativo. O futuro exerce assim em termos de, de nervos por exemplo quando eu tenho problemas e tal, estou fazendo análise, esse papo todo, exerce um atrativo muito grande no sentido de você se projetar e deixar de viver o presente. Ah, quer dizer, pra ser sincera, eu acho que o futuro pra mim tem uma dimensão a maior de todas e o meu esforço todo é fazer com que o presente tenha essa dimensão.
DOC. -  Como é que é o jeito de viver das pessoas que principalmente optam pelo passado?
LOC. -  Que saco! (riso) Que saco! (riso)
DOC. -  Você conhece algumas?
LOC. -  Mis (sic), né, montes. Quer dizer, você tem pessoas, pô, que realmente só conseguem de bom o que tiveram antes, pô, falam o tempo todo e ... São pessoas que já morreram, né? Realmente eu não agüento pessoas voltadas para o passado, que não dão a volta por cima, que não se recuperam, entende, que ... Não dá pé, viu? Eu tenho raiva dessas pessoas. Raiva da fragilidade dessas pessoas, eu tenho muito isso, sabe? Realmente raiva desse, de pessoas que não conseguem, que se fazem de muito frágeis ou que são mesmo, que não se esforçam. Bom, tem muito velho assim, né? Você encontra muito isso em velho. Mas tem muitas outras pessoas, né? Tem gente que vive na infância, porque a infância foi boa.
DOC. -  Essa é a sua última pergunta, porque o nosso tempo está terminando, você não acha que a neurose é antes de tudo uma opção pelo passado, quer dizer, que o, o optar por outra coisa que não a neurose é abandonar o passado?
LOC. -  Olha, eu acho que isso é muito verdade em termos ... Eu ve... eu vejo duas dimen... duas coisas aí, quer dizer, uma coisa é você ter um passado que te foi muito gratificante e feliz e que você não quer sair dele, né, isso, isso é uma coisa que te dá uma dimensão neurótica sem sombra de dúvida. Tem um outro problema, que você não teve um, um passado feliz, mas você não consegue se livrar dele, as coisas estão dentro de você, entende, então não é que você deseje a volta ao passado, mas, eh, num sentido desejar, que eu estou falando, mas você está voltada pro passado nesse sentido, de que ele está dentro de você de uma forma muito forte (inint.) reprime, muito neurótica. Mas esse outro tipo de pessoa que, da qual eu me aproximo, tende muito a, a projetar o futuro, as suas esperanças todas no futuro: já que o meu passado nunca foi bom, então, quem sabe, o futuro será? De qualquer forma, você tem toda razão, a neurose é uma volta ao passado, é um ficar no passado, não resta a menor dúvida, mas que pode ter essa contrapartida de você projetar tudo no futuro, né? Porque me parece que o problema é você conseguir enfrentar o teu presente.
DOC. -  Bom, acho que a gente pode terminar. (riso)
LOC. -  (riso) Pode?
DOC. -  Pode.