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PROJETO NURC-RJ

Tema: "Família"

Inquérito 0289

Locutor 347
Sexo feminino, 49 anos de idade, pais não-cariocas
Profissão: professora de história
Zona residencial: Norte

Data do registro: 19 de junho de 1975

Duração: 45 minutos

 

Som Clique aqui e ouça a narração do texto


L
 (interrupção) da minha época é um pouco difícil, né, porque ... É que nós antigamente não tínhamos, eh, muita, muita liberdade de, de conversar com o, com os pais e havia aquele, eles, tabu de, de que é conversa de criança, é conversa de adulto, embora eu e minha mãe tivéssemos muito bom relacionamento. Mas como ela também trabalhava fora, é professora, então talvez não, não tivesse assim abordado esse assunto como se namorava antigamente. Então o que eu conheço é através de, de leitura de romance e justamente hoje eu estava lendo lá na secretaria um exa... fascículo sobre, eh, exa... preparação pra, eh, exame supletivo e ele fazia uma, eh, o, o autor do, da lição fazia uma diferença entre o romantismo e o realismo. O romanti... o romantismo descrevia a ascensão da burguesia, então descrevia o que a gente, o que a gente queria que a vida fosse, e o realismo, eh, justamente a industrialização da burguesia, e então o que a gente não queria que a vida tivesse. Então eu conheço o relacionamento das pessoas através da leitura dos romances e naturalmente não sei se realmente elas se conheciam assim e se, quando, eh, iniciavam o relacionamento assim. No meu tempo, já também a coisa ainda era um pouco romanceada porque a minha adolescência era o auge do cinema americano. Então ninguém mais queria mostrar a ascensão da burguesia do que a sociedade americana. Então, anh, aquilo, anh, era muito romântico e nós desejávamos sempre ter um, um Robert Taylor, não é? Morar numa casa maravilhosa com uma porção de pi... com piscinas que pra nós era, éramos, né, era uma maravilha, mas não foi assim. Depois, ah, eu tinha uma fixação, eu sempre fui uma pessoa assim com uma certa fixação, porque eu sou do signo de touro e as mulheres de touro são, eh, têm uma idéia fixa. Tinha sempre, eh, vontade, eu tinha uma admiração tremenda pela carreira de engenharia e até estive me preparando pra fazer vestibular de engenharia, que eu quando eu estava no terceiro científico, eu estava me preparando para fazer vestibular de engenharia. Mas, eh, não pude fazer o vestibular, fui fazer uma outra coisa totalmente diferente, resolvi em um mês, fui fazer geografia e história, matérias que eu nunca havia estudado na minha vida, que achava que eram matérias pras, pros alunos dotados de pouca inteligência e eu, na minha irreverência de jovem achava que eu era muito inteligente, então eu tinha que estudar matemática, física, química e deixava a geografia e a história pros que não tinham inteligência, mas, eh, houve uma reviravolta e eu acabei tendo que, que me dedicar a geografia e história. E aí fiquei com aquela fixação na engenharia e não podendo ser engenheira me casei com um quase engenheiro, porque o arquiteto é quase um engenheiro, né? E de modo que foi, eh, sabe, en... e então quando nós fazíamos curso superior, eu acho que, que encontrar um companheiro era mais dificil ainda, né, naquela época, encontrar um companheiro para quem estava fazendo um curso superior, era difícil e então, eh, a minha família já estava preocupada, achando que eu ia ficar solteirona porque, eh, todos os rapazes que se aproximavam ... Pra todos declaração de amor é uma (risos)
D
 (sup.) Ótimo, ótimo!
L
 Todos os rapazes que se aproximavam, no início o aspecto físico me, me entusiasmava, não é, mas depois, com o tempo, aquilo ia esfriando e, e eu ia perdendo o interesse também por eles e até que chegou o príncipe encantado, né, que está aí.
D
 Sim.
L
 E, e eu acho que o, eh, o começar uma família na idade em que nós começamos, em que nós já somos adultos com hábitos bem firmados, não é, e duas pessoas com caráter muito forte, de personalidade forte, como nós somos os dois e, embora eu seja de touro, ele é de leão. Dizem que, eh, são os signos que não combinam, mas nós já vamos fazer vinte e cinco anos de casados, de maneira que, combinando ou não, estamos aqui. E então a, eh, a vida realmente no início parecia que seria mais difícil, não é? E, mas não foi. Foi mais fácil do que eu pensei, sabe? Que nos respeitamos muito, cada um tem o seu, o seu temperamento, a sua maneira de ser mas re... eh, res... respe... com respeito mútuo, né? E, eh, procurando sempre aumentar a nossa amizade, ficamos seis anos sem filhos. Então quando nasceu o primeiro filho, eu me convenci de que se eu antes era feliz porque eu queria, depois eu tive que ser feliz por obrigação, não é? Porque da felicidade dos pais depende a arrumação dos filhos, não é verdade? Nós estamos vendo que todos os, a, os adolescentes que têm problemas emocionais, o problema tem que vir da família. Às vezes, casais que aparentemente se compreendem e se respeitam, mas se nós formos realmente verificar eles não são assim tão casados como a gente pensa. E a criança percebe muito mais do que nós imaginamos, não é, criança, eh, fruto de um casal desajustado é uma criança desajustada e eu posso dizer isso porque, eh, trabalho desde os dezessete anos, estou com quarenta e nove, né, tenho muita tarimba pra, pra dizer isso, né? Então acho que realmente, né, a constituição da família é o início de uma, de várias vidas, né, que ... E diria, eh, eh, vida e saúde, né?
D
 É, vida, eh, família, ciclo da vida e saúde são ... Eu, antes de nós passarmos pra o, eu queria, eu gostaria de voltar um pouquinho a um ponto que a senhora tocou (sup.)
L
 (sup.) Pois não?
D
 Por que que é mais difícil pra uma moça que faz curso universitário encontrar um companheiro na nossa sociedade?
L
 Era, eu falei era. Dos quinze...
D
 É (sup.)
L
 (inint.) na faculdade, em quarenta e seis, quarenta e sete (sup.)
D
 Sim.
L
 Em quarenta e seis, quarenta e sete, poucas moças atingiam a faculdade. Eh, o fato deu ter entrado na faculdade, na minha família provocou uma certa revolução, porque meus pais, embora minha mãe se... seja uma mulher muito inteligente, mas era uma mulher que tinha vindo de um, de uma família de costumes simples e rígidos, né, então embora nós tivéssemos tido sempre um relacionamento de amigas e não de mãe pra filha, ela, eh, quando eu entrei pra faculdade, ela ficou preocupada com a minha, com, com, se eu talvez fi... pudesse ficar chocada com o ambiente em que fosse encontrar numa universidade que naquela época era um tabu entrar pra faculdade, então havia, eh, eh, na idéia, acho eu, na idéia, a gente não pode imaginar o que está dentro da cabeça dos outros, né, mas a idéia deles é que eu iria ficar comunista e perder a virgindade que era um grande problema naquela época, né? E então, eh, eh, várias vezes eu estava na faculdade assistindo aula e meu pai, quando eu olhava meu pai estava no corredor no andar em que eu estava assistindo aula. De maneira que era uma coisa que me deixava ... Hoje eu entendo que o meu filho fica aborrecido que a gente quer tomar conta dele, né, mas eu ficava chocadíssima com aquilo, não é? E, eh, eh, então você veja, por exemplo, como isso, isso era difícil, era raro. Hoje não, toda moça, ah, com a maior facilidade chega à faculdade, mas no meu tempo era muito difícil mesmo, sabe? Então, ah, ah, a gente também, eh, era difícil pra, pra moça encontrar um companheiro que tivesse ... Realmente uma identidade cultural é muito importante num casamento, é muito, muito importante e a mulher ... Eu sempre digo que há duas coisas que, ah, prejudicam um pouco a vida da mulher: é ela ser bonita e ser culta. Eh, todas as mulheres, quando elas atingem um certo grau de cultura, elas já se acham a... acima do normal então ninguém mais, eh, pode chegar a elas.
D
 Mas também não existe o inverso de as pessoas terem medo de se aproximar dessas pessoas?
L
 Mas justamente porque elas se colocam, geralmente a mulher se coloca numa posição de superioridade, né? E, e de modo que não, que não aconteceu comigo, mas eu tinha re... dificuldade e, e, no relacionamento (inint.) não dificuldade em relacionamento. Eu, eu sempre fui muito, muito expansiva e muito comunicativa mas, ah, com aquilo, com a, e, eh, as pessoas, os rapazes pelo menos com quem mantinha qualquer, eh, maior aproximação eu não encontrava identidade cultural, quer dizer, naquela época não, não achava que era cultural, era, achava que era bobo, só contava vantagens, o, o outro que ria demais, o outro que não, quer dizer, a gente sempre arranjava um defeitozinho pra justificar a, o desinteresse, né?
D
 Sim.
L
 Mas depois eu vi que era realmente aquela, eh, a diferença de, que a gente é irreverente na faculdade, então naquela época era mais difícil, então eu já me achava muito melhor que as outras, né? Hoje não, eu sei que, eh, eh, as pessoas, eh, podem se, se ajustar, mas era difícil.
D
 Uma ... Quando a senhora menciona, por exemplo, que está casada há, há vinte e cinco anos ou quase, né, que a gente confronta com os casamentos que se fazem hoje, né? Tem sempre muitas pessoas com menos de vinte e cinco anos já casaram uma ou duas vezes, por exemplo, essa diferença, como a senhora vê? Quer dizer, se deveria ... Há uma maneira diferente de ver a instituição, quer dizer, casamento, matrimônio? Ou se deveria a uma maneira diferente de ver o amor? Ou enfim, como a senhora, eh (sup.)
L
 (sup.) Não vai valer a (sup.)
D
 (sup.) Entende essa di... (sup.)
L
 (sup.) Não, essa, não muito ... Diferença de, de, há muitos anos pra cá, porque há o verdadeiro casamento e há o falso casamento, não é? O verdadeiro casamento é aquele que o nome está dizendo, né? Duas pessoas se encontram, duas pessoas se completam, né, que as pessoas se entendem. Então há, antigamente talvez houvesse mais casais que vivessem juntos por, ah, por necessidade de aparência. Então havia justificativa dos filhos e, e da família porque era um tabu a separação. Hoje há, há talvez uma, a, esse sistema de comunicação e os filhos modernos e que esse laço não está tão preso e então já se, já se, não se, não se fica tão preso àquele, àquele tabu da separação, então já aqueles casais que talvez antigamente vivessem desajustados, que a gente conhecia, nós conhecíamos, eh, conhecíamos quantos casais que às vezes nem dormiam no mesmo quarto mas viviam sob o mesmo teto. Hoje isso não aconteceria em hipótese alguma. Então eu acho que, eh, eh, eu não aprovo nem o outro nem o de agora. Eu acho que o casamento é um passo muito sério que a gente tem que dar, não é? Eh, eu vou dizer, o meu filho mais, mais velho entrou pra faculdade agora e talvez influenciado pelo fato de, dele ver que nós dois, que nós dois somos duas pessoas maduras e temos vidas independentes, assim o dia-a-dia, ah, cada um na sua profissão sem um interferir na, na, na profissão do outro, ele talvez tenha se entusiasmado e está preocupado em querer casar. E não adianta a gente dizer na idade dele que ele não não pode casar, não é, que é bobagem. Se eu disser, aí é que ele quer casar mais, mais depressa. Eu digo a ele apenas isso: olha, meu filho, a gente, eh, só pode casar quando está preparado pra este casamento. Preparação não é só preparação material, é a preparação espiritual também, né? É, é, é, não vou dizer que o casamento é um sacrifício, que a gente tem que renunciar porque se, então não, não era um prazer. Casamento tem que trazer prazer mesmo quando parece que está sendo um des... desprazer, ele está passando por uma crise, ah, o ca... E, e quando a gente vence aquela crise, aí eu acho que o casamento fica mais sólido ainda, mais, mais firme, não é? Então eu só admito casamento assim. Nem quando as duas pessoas se ... Se têm o mesmo prazer em estar juntos. E eu acho maravilhoso quando a gente consegue chegar a nossa idade assim com esse prazer. E eu e meu marido, por exemplo, eh, durante a semana jantamos em casa com nossos filhos uma, duas vezes porque o mais moço dorme cedo porque levanta muito cedo, o mais velho janta tarde porque sai da faculdade tarde e vai namorar. Então ficamos os dois sozinhos, estamos semana inteira nós dois sozinhos, não é? Ora, isso pra, pro nosso tempo de casado dificilmente acontece.
D
 Continuam namorando?
L
 Continua... Não, (risos) eh, naturalmente, mas tendo prazer em estar conversando um com outro e termos assunto.
D
 Mas isso é o namoro, né?
L
 Não é? E temos assunto porque é, é difícil, né? A gente, eh, geralmente saíam os amigos em grupo, mas nós saímos os dois, quer dizer, então eu acho isso muito bom. Agora o que ele faz de dia, não sei. Também pretendo que seja a coisa melhor do mundo. Ele também não pretende saber o que que eu faço de dia, cada um ... Eu acho isso muito importante, que a gente seja, eh, unido mas cada um se sinta um, uma pessoa, quer dizer, eu quando vou trabalhar eu sou eu, não é? Não sou a mãe dos meus filhos, não sou, eh, a mulher do meu marido, não sou a dona de casa, eu sou, lá eu sou uma funcionária. Agora quando eu cheguei em casa, eu também não sou funcionária, eu sou a dona de casa. Aí eu não sou eu, eu tenho, se eu boto um vestido, o meu filho diz que o vestido está feio, que o penteado está horrível, que está com colar demais, que o marido, eh, eh, reclama que isso, aquilo, então aí eu vivo em função deles. Mas quando eu estou no trabalho eu sou eu. Isso é muito importante, não é? E que haja esse, essa, que a gente se sinta gente. Eu acho que ele também deve estar, se sentir assim porque eu pelo menos, não, não telefono. Só telefono num, num, numa necessidade, né, não, não procuro, não vou atrás, não vou ao escritório, então ele também é ele lá no escritório dele, não é? Quer dizer, ele não é o meu marido, ele é ele lá. Então eu acho que isso é muito importante, sabe? Que o outro respeite, né?
D
 É, é.
L
 Nunca fui procurar na, nas cas... nas coisas dele se tinha telefone, se não tinha telefone. Ele também nunca procurou nas minhas, nas minhas bolsas. Eu acho isso muito importante (sup.)
D
 (sup.) É, é (sup.)
L
 (sup.) Sabe?
D
 Acontece um caso em cada cem casais. Mas a, a senhora nesses anos, né, de, de casada e de, tendo filhos, etc. deve ter enfrentado alguns problemas de saúde, quer dizer, crianças têm várias, eh, doencinhas, etc.
L
 Não.
D
 A senhora poderia nos falar um pouco sobre isso?
L
 Não, meus filhos não tiveram. Só aquelas doenças normais: sarampo ... E o mais velho só teve catapora, o, caxumba. Mas como o, o, os me... médicos, o médico pediatra deles é um médico assim muito simples, simples na maneira de, de, de agir, se o menino estava com diarréia, eh, dá maçã, se estava com prisão de ventre, dá laranja-lima, sabe? Então meus filhos chegaram à, à, aos treze, quatorze anos sem ter tomado antibiótico, nunca tinham tomado um antibiótico, sabe? Então, e também o mais moço era muito levado, se machucava muito. Mas também com a facilidade com que ele se machucava, ele ficava curado. E nunca me deram assim trabalho de, de doenças sérias, graças a Deus. Não têm bronquite, não têm asma, não têm nada, né? Eles que foram criados assim muito a, ao sabor da, da, da, da natureza, as vitaminas eles tomavam era na, na comida, na, na, nas frutas, na, no leite. Era enfim... E o médico sempre fazia assim e então se às vezes, quando muito dava um (inint.) todos esses remédios caseiros que, que se dava a eles se, eh, eu acho que isso é que deu saúde a eles, não é?
D
 Agora os cuidados com sua, a saúde das crianças parece que, eh, mudaram, que, quer dizer, no correr do tempo. Por exemplo, quando eu era criança eu tomava certos remédios que depois eu constatei, eu já adulta, que quase todas as pessoas que eram crianças na mesma época tomavam aqueles mesmos remédios, mesmo filhos de médico, eu jamais imaginei que filho de médico tomasse, por exemplo, óleo de rícino.
L
 É.
D
 Né, hoje em dia isso é inimaginável, não é? Então a regularidade com que as crianças vão ao médico, etc. o tipo de alimentação que é recomendado, enfim, houve uma mudança aí nessa ...
L
 É. Não, isso realmente houve e eu acho que isso prejudica um pouco, sabe? Eu acho que isso deixa a mãe assim muito insegu... muito tensa. Eu vejo pelas minhas colegas. Se o filho, a filha está com febre, a mãe fica aflita e aí já fica, ah, transtornada, eu acho que a gente tem que fazer a coisa com naturalidade, eu detesto, evito, detesto não, eu evito ir ao médico. Eu acho que a gente, por exemplo, tem uma dor de cabeça, vai ao médico. Aí o médico manda fazer uma radiografia do, do fígado, exame não sei disso e não, não acusou nada, então radiografia do intestino, aí vai fazer um eletrocardiograma, eletroencefalograma. No fim vai descobrir que a gente tem um, um tumor. Bom, então, aí a vida da gente acabou. Eu acho preferível a gente tem uma dor de cabeça, toma Melhoral, não é? Aí a dor de cabeça passa. Quando a gente estiver mesmo ruim pra morrer, então morreu, aí não, não sofreu tanto antes, né? E, e assim, também eu, eu ... Depois, sabe, também é o seguinte: o meu ginecologista, doutor F., ele, eh, quando eu engravidei ele disse, ele me disse, a prime... as primeiras palavras dele foram essas: olha , a mulher só engravida quando tem saúde. E eu tive sorte, né, até nos meus médicos eu tive sorte. Ele disse: olha, mulher quando engravi... engravida só quando está sa... com saúde. Então você vai tirar da cabeça de que você precisa vir ao médico. Você, se você engravidou é porque estava bem de saúde, então você vai, né, ter uma vida normal e naturalmente que eu não ia fazer exagero de empurrar armários, essas coisas todas, continue a sua vida e a, a coisa vai se desenrolando. Então, hum, eh, aquela que, que hoje tem, as mulheres vão uma vez por mês no médico, no último mês vai toda semana, na última semana vai todo dia. Meu médico não tinha isso. Quando eu telefonava pra ele, que essas mulheres sempre dadas a dores, a enxaquecas, ele dizia: olha, não vem aqui não porque mulher barriguda me dá azar, fica em casa porque senão vai me dar azar. E sabe que tive meus filhos com cesariana muito bem, nunca tive nada, saía da cesariana, um mês, uma semana depois estava na praia. Ainda hoje eu estava ... Minha sogra lembrando disso, ah, eu fiz várias operações, né, já fiz cinco cesarianas praticamente. Na última que eu fiz que não foi mais uma cesariana, foi uma estereotomia. Eu com uma semana de operação estava jantando no Nino, né, toda torta, mas fui jantar no Nino. Então eu, porque eu acho que a doença é um estado de espírito, a gente fica doente, se a gente: ah, estou doente, não é? Com os meus filhos eu, eu corto muito isso. Eles se queixam, eles acham que é pouco caso meu: mamãe, meu joelho estala quando eu ando. Então é porque você está andando pouco, se andar mais ele deixa de estalar, né? Mamãe, estou com uma, eu acho que tenho qualquer coisa no ouvido que quando eu tomo banho cai água. Eu digo: olha, meu filho, então você bota uma, uma borrachinha porque aí não cai água no ouvido. Simplifico. Eles: ah, mas eu acho que eu tenho que ir ao médico, você leva tudo na brincadeira. Eu digo: não, meu filho, você vai ao médico porque cai água no ouvido, não é? O outro porque está estalando o joelho, o outro porque não sei o quê. Eles sempre ... Tem um que está com espinha, o outro ... Aí eles querem ir ao médico, né? E a, a, a namorada de meu filho parece que também é dada a doença. E aí, conversando com a mãe dela noutro dia, eu disse: eu acho melhor eles irem morar logo num hospital porque, eh, que só querem ir ao ... Só, estão sempre doentes. E meus filhos são sadios, eles não têm nada, enfrentam aí gripe e tudo com a maior facilidade e não, nunca tiveram uma disenteria, nada, não é? E eu acho que por isso, quer dizer, acho que a doença é um estado de espírito. A gente acha: bom vou ficar boa. E aí fica boa.
D
 E o professor B. tem ótima saúde?
L
 Muito. Muita também, nunca teve nada, nunca teve nada também.
D
 A senhora escolheu fazer cesariana ou foi obrigada?
L
 Não, não, fui obrigada a fazer cesariana.
D
 Enfim essa pergunta é uma pergunta óbvia, quer dizer, a senhora ...
L
 Não, não, não, não (sup.)
D
 (sup.) A senhora provavelmente vai dizer coisas que nós sabemos mas é apenas ...
L
 Não, não, não (sup.)
D
 (sup.) Pra o nosso efeito, se aliás não for indiscreta.
L
 Eu aliás, eu fiz o curso de parto sem inclusive dor logo que, ah, ah, nos primeiros, os primeiros cursos de parto sem dor eu já tive minha profe... a, a médica que me deu curso foi uma, uma mulher muito inteligente, M., muito inteligente, uma pessoa de muita cultura e ela, eh, achei que o curso é muito interessante, que antigamente a gente tinha aquela coisa que as coisas foram bem de, de ... A sua gestação foi boa, então é porque o parto vai ser horrível, vai sofrer. E justamente no curso parto sem dor eles procuram mostrar o parto pelo outro lado, o lado bom. É aquilo que nasceu do fruto de uma relação de amor então é uma coisa querida e não temida, não é? Então, eh, ali eu soube que dilatação completa são quatro dedos e meio e eu tenho, até tinha, até os quatro dedos, depois, eh, retraía tudo. Então meu médico sempre pensou que meu parto fosse ser normal. Aí de repente a coisa retrocedia, então por isso que eu tive que fazer cesariana. E, mas também apesar disso pro primeiro filho eu tive o prazer de ouvir a criança chorar porque ele fez a ... Ele me deu aquela anestesia raquiana, né? E então eu estava acordada e, e eu ouvi realmente o menino chorar e é uma senhora emoção, né? É horrível, aquilo, de tão boa, né? A gente fica assim ... Um negócio saindo de dentro da gente que é o início de uma, quer dizer, a vida já havia, mas aqui é a vida exterior. É um choque, né? É um choque. Dizem que é um choque brutal pro, pra criança mas eu acho que pra mãe também não é brincadeira. Agora já do segundo, eu fiz anestesia geral contra a vontade do médico mas um pouco de, de, já cansada, né, fui fazer a... anestesia geral.
D
 A senhora provavelmente está a par dessas experiências desse médico francês que (sup.)
L
 Ah, da, do, da, do, ah, nascer sem sofrimento.
D
 Exato, é. O que que a senhora acha dessa experiência? A criança nasce na penumbra, etc.
L
 Eu não sei, sabe? Eu gosto muito das coisas naturais. Um, um nascer de um animal, não é assim coisa ... É uma coisa natural realmente, aliás foi baseado nisso que os russos chegaram a essa perfeição do parto sem dor. A dor é um reflexo condicionado e então falava-se em parto, falava-se em dor. Assim a mesma coisa que as, nas meninas fala em menstruação, fala em cólica, né? Então o, o, eh, eh, como o, o Pavlov chegou a essa conclusão do reflexo condicionado e o russo à perfeição de que a dor é um reflexo, não é? Então eu acho que também aquela coisa da, do, do, do, o bater na criança ... Eu não gosto dos excessos. Nem o bater pra criança acordar ou também essa coisa na penumbra e bota em cima, no ventre da mãe porque coisa demais, não acontece isso. O nascimento é uma coisa normal, não é? Normal. O cachorro, aliás, a cadela tem os filhos lá quietinha. Ela, ela mesmo corta, ela mesmo ... Então eu acho que a coisa devia ser assim, nem tanto ao exagero, não é? E nem tanto também do outro porque às vezes eu acho que o médico, eh, aquela coisa de dar palmada é pra a... a... a... acelerar, né, a manifestação de vida da criança e talvez, eh, não fosse necessário. Às vezes, eh, o ser humano tem a tendência à preguiça e a criança talvez (inint.) tão bem aconchegada lá dentro e, e não quisesse, né, voltar.
D
 É. Parece que o choque que a criança, né, recebe no contato com o meio aqui fora é (sup.)
L
 (sup.) Quantos bilhões já levaram esse choque, não é? Quantos? E vivemos, não é verdade? E será que tirando isso, eh, a criança vai deixar de ter traumas, será? É a mesma coisa que dizem que a mulher tem filho com cesa... de cesariana, fruto de uma cesariana, não tem o mesmo amor que a mãe que tem um filho com sofrimento, então é a mesma coisa, a gente ... É uma suposição, não é? Uma suposição. Eu acho que as crianças não são infelizes porque levaram aquela palmadinha ou vão deixar de ser, ou vão ser muito felizes porque não vão levar as, a palmadinha. Aí é que eu acho que o importante é, é a criança se sen... se sentir feliz quando ela souber que ela nasceu de um momento de amor que seus pais tiveram. Aliás eu já tive oportunidade de dizer isso ao meu filho mais velho, quando ele ainda estava com quinze, dezesseis anos, que queria uma moto e se achava o menino mais infeliz da terra porque não tinha moto. Então me citou como exemplo de menino feliz um amigo dele, né, que tinha moto. E eu disse: bom, então fulano é, é feliz porque tem a moto. Agora: o fulano mora como? Ah, ele mora sozinho com o irmão ao lado do apartamento do pai. Por que que ele mora sozinho? Ah, porque ele não se dá com a mulher do pai dele. E por que ele não mora com a mãe? Porque ele não gosta de morar no Flamengo. Eu digo: então o fulano é mais feliz do que você porque tem a moto e mora sem pai e sem a mãe, sem o pai, porque ele não se dá com a mulher do pai, e sem a mãe, porque a mãe mora no Flamengo e ele gosta de morar no Jardim Botânico. E você mora com seu pai e sua mãe. Ele disse: ah, pois é, mas filho é sempre um aborrecimento na vida dos pais. Eu digo: não, não foi, pelo menos vocês não foram, porque vocês nasceram não só ... Quer dizer, que todos nascem num momento de amor, não é? Não há casal que tenha relação se não ... Não há relaçao sem amor, né?
D
 É.
L
 E depois tem mais, eu fiz tratamento pra você nascer, você não nasceu de um mau passo. Aí aquilo chocou. Então isso realmente chocou, não é? Então eu acho que isso tudo é quando a criança sente que o na... o nascimento deles trouxe problemas, não é? Que a mãe reclama que não passou, nunca mais passou a dormir tranqüila e o pai porque as despesas aumentaram, né, e tiveram que aumentar a casa. Então a criança começa, ela ouve aquilo, às vezes, pra um não cau... não causa o menor interesse, mas pra outro, ele já vem desde pequenininho, eh, achando que ele realmente veio trazer perturbações na vida do casal. E se o casal depois se, se desentende, eles ficam com aquele sentimento de culpa, que eles é que foram culpados, que antes dele nascer o casal vivia bem. Acho que esses é que são os traumas. Não há de ser uma palmadinha ou, eh, que vai fazer, né, porque palmadinha nunca fez mal a ninguém, né, até pelo contrário, né?
D
 Mas essa fantasia, né, de que se vai separar os pais, quer dizer, existe sempre dessa história da moto, veio para servir de declaração de amor da senhora ...
L
 É.
D
 Que ele foi o escolhido, o querido e não o (sup.)
L
 (sup.) É (sup.)
D
 (sup./riso) Não foi por acaso.
L
 Não. Isso, isso, como dizem, é, é, o termo é, o ter... a expressão própria é: este balançou os alicerces, essa balançou, sabe? Quer dizer que, eh, eu acho isso é que é importante, né? É que eles se sintam seguros, se sintam, sintam o calor humano dentro da casa deles, não é? Então nós, por exemplo, e o mais moço sai, eh, eu, eu às vezes acordo pra ir tomar café com ele, não é? Mas ele não me tem de tarde. O mais velho, eh, também não me tem o tempo todo, não é? Mas em compensação, eu digo: se aos sábados e domingos eu passo a, o dia em casa pra que eles me tenham o dia inteiro, eu acho que há uma compensação, né? Então aquela mãe que fica o dia inteiro em casa mas reclamando que isso, que aquilo, que um briga, que o outro berra, quer dizer, não dá, eh, não dá amor, não dá calor humano, não é? Acho que o importante é isso, sabe? Tudo que a gente faz com naturalidade, com, com simplicidade mas com amor ... Eu gostava, eu gosto muito de dizer isso. Eu quando comentava as, a, as minhas aulas eu sempre fui muito enérgica, muito severa, eu sempre era e no início as meninas, os alunos me detestavam, não é, mas depois eles passavam a ser meus amigos. Então eu dizia que eu brigava mas brigava por amor, porque eu queria que eles fossem os alunos queridos então pra que eles entrassem no ritmo e que eles gostassem de assistir a minha aula, eles só podiam gostar de assistir a minha aula se eu gostasse de dar aula a eles, né? Então pra que eu gostasse de dar aula a eles era preciso que eles ficassem nos meus moldes. Então quando eu fiquei, pra eles ficarem nos meus moldes, eu tinha que, eh, né, então era um, uma, um, uma violência quase que se pode dizer assim, que eu empregava, mas empregava com amor. A gente pode ser violento por amor, com amor, né?
D
 A senhora tem, eh (inint.) só tem a senhora?
L
 Não, eu tenho dois irmãos, dois irmãos. Um mais velho e um mais moço.
D
 E já são casados?
L
 Todos eles, todos os dois. Eu sou madrinha dos meus, dos meus dois sobrinhos mais velhos, filhos do irmão mais velho e madrinha de casamento do meu irmão mais moço e madrinha da, da minha sobrinha mais velha do, do meu irmão mais moço. Quer dizer que mi... minha família era assim muito, muito unida, sabe, muito amiga, eu tive, trouxe de casa muito desse calor humano, não é? E talvez até mais do meu pai do que da minha mãe. Embora tivesse muita ligação com a minha mãe, mas eu acho que o calor humano tinha mais do meu pai que era o mais brigão, que era o mais enérgico, mas ele era a pessoa que se preocupava muito com a gente, sabe? E que, que ficou aborrecido, que ficou zangado, que o aniversário ... Era, era ele que organizava as festas de aniversário, pois ele dizia sempre que meu aniversário era parecido até com a semana da pátria, era a semana inteira se comemorava o aniversário, não é? E sempre tinha uma surpresa. Um dia eu cheguei em casa, os móveis todos do meu quarto tinham sido mudados, né? Então aquilo era uma surpresa, eh, sempre ele procurava fazer uma coisa e, e bolo e música, no aniversário. Então eu trouxe muito isso da minha casa. Já o U., por exemplo, eh, ele, naturalmente, filho único, talvez tivesse sido mais paparicado do que eu, mas talvez porque filho único não tivesse assim essa mesma, essa mesma condição, não é? Tanta coisa assim. Meu primeiro aniversário de casada, eu me choquei porque não, ele não tinha o hábito de fazer isso, né? E eu achava que aquilo era uma des... uma desgraça pra mim, na minha, na, na minha, no início de vida a dois. Depois a gente passa, com o tempo vai vendo que essas coisas são muito ínfimas diante das, das outras que são mais importantes, né? Que o importante é a gente saber que, que o marido é verdadeiramente um amigo, né? Isso, isso é importante e a gente procurar também, eh, eh, que a mãe sempre aquela tábua de salvação. Então quando depois a gente, apesar de ser mãe, já tem vontade de se (inint.) do marido. Isso é muito importante também, né?
D
 (inint.) o seu relacionamento com a sua sogra (inint.)
L
 Não, mas olha, é, é, é bom, sabe? É bom. Muito diplomático naturalmente. Muita diplomacia francesa. Mas isso é bom. Nunca tivemos um atrito, nunca tivemos um atrito, né? E porque eu também sou uma pessoa muito independente, eu, eu, o, o, às vezes algum esclarecimento talvez venha por isso porque eu não gosto que, que participem da minha vida se intrometendo na minha vida, sabe? Desde pequena eu fui assim. Eu estava, por exemplo, fazendo um, vamos supor, arrumando a minha cama e alguém chegasse e dizia assim: ah, eu ia dizer pra você arrumar a sua cama. Era o bastante que eu não arrumava mais, parava ali. Então, ah, sabe, sogra, toda pessoa mais velha , aí o problema que deve ser de sogra que a minha mãe nunca, não faz isso que ela sabe que eu não gosto, né? Então: olha, está bem, que esse menino não estudou, que fez isso, que fez aquilo. Então às vezes algum ... Talvez venha disso. Mas assim mesmo, de chegar, fazer, ah, abo... aborrecimento sério nunca houve. Eu também procuro sempre ficar na minha casa (inint.) meu sogro, por exemplo, é uma pessoa de temperamento pa... parecia difícil mas é porque ele também gostava ... Eu entendia meu sogro e ele tinha muito gosto de mim. Então eu acho que é aquela tal história, a gente precisa respeitar o outro. Então eu sabia que ele não gostava que, que trepasse na cadeira, que arrastasse a cadeira e quando eu ia com meus filhos lá, eu já ia com aquela recomendação e não deixava. Então ele, por exemplo, nunca teve um atrito comigo. E gostava, eu sei que ele gostava de mim que quando ele morreu, um, um amigo dele, não me conhecia, não é, e, e comentando que na véspera tinha estado com esse amigo e elogiando, falando muito da nora dele e dizendo que ele gostava muito da nora e depois foi que ele disse que eu era a nora, né? Por quê? Porque ele sabia que eu respeitava, respeitava o direito dele. Podia pare... podia parecer extravagante pra mim, mas era o que ele gostava. Então vamos respeitar, não é? Como eu gosto que respeitem os meus, eu também gosto de respeitar o dos outros.
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 (inint.) eh, antigamente, né, as, as crianças nasciam em casa e hoje em dia já não é assim, etc. E, e também, quer dizer, o que, o que mudou nessa questão, não é? Da forma, do material (interrupção)
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  (inint.) muitas crianças morriam, a grande maioria e as próprias mães, não é? Aquelas famosas catástrofes de eclampse (sic), né? E, eh, as crianças, as mães morriam e muitas ficavam até inutilizadas pro resto da vida. Então essa, essa ida da mulher pra maternidade ser assim assistida por um médico, isso é uma coisa, é uma prova de, de uma evolução cultural. Agora, na questão da, da morte eu, embora, eh, a... a... ache que realmente com a, com a habitação moderna não se pode, não se pode velar um corpo, ter um filho dentro de casa, eu acho que isso, eh, eh, eu gostaria de velar os meus entes queridos na, na casa, na minha casa ou na casa deles, né? Eu acho que fica muito frio essa questão do, eh, fria, aliás, essa questão da, do, do velório ser na capela, não é? Então (inint.) que parecia folclóricos, servir cafezinho, tinha muito calor humano. Então, hoje, velório é uma coisa, é um negócio, um acontecimento social como outro qualquer, né? A gente vai a um casamento como vai a um velório e as coisas talvez não sejam assim tão sentidas. Aí já por uma questão de necessidade, eh, de falta de conforto dentro de casa pra velar o corpo mas eu acho muito acolhedor esses enterros de subúrbio, né, o corpo ainda fica na sala. Talvez também deixasse muita tristeza e ficava mais firme a recordação, né? E talvez aquela mesa ... A gente não tivesse mais vontade de comer na mesa quando os amigos (inint.) a retirada do, do velório, mas isso era muito, muito calor, muito humano, muita coisa. Eu acho, eh, que aí é por necessidade de conforto, né? Ou por falta de conforto talvez de ficar em casa. E agora, no nasci... nascimento não. Aí foi uma evolução cultural, né? Que a mulher vai para a maternidade.