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PROJETO NURC-RJ

Tema: "Tempo cronológico"

Inquérito 0280

Locutor 337
Sexo feminino, 62 anos de idade, pais não-cariocas
Profissão: professora de Belas-Artes
Zona residencial: Sul e Norte

Data do registro: 09 de junho de 1975

Duração: 48 minutos

 

Som Clique aqui e ouça a narração do texto


L
 ... no ginásio e tudo isso, nós íamos pra formação, tanto é que se eu quisesse pleitear pra ir pro Instituto de Belas-Artes à prefeitura, eu tenho direitos adquiridos (sup.)
D
 (sup.) Ah, sei! (sup.)
L
 (sup.) Mas ia, primeiro, me dar uma pá de obra ensinar lá, aqui e acolá e segundo que, na ocasião que eu ia mexer com isso, foi quando o meu marido faleceu, não podia precisamente, ou por outra, havia qualquer coisa que o advogado me disse, que eu não poderia receber três vezes (sup.)
D
 (sup.) Eu compreendo (inint./sup.)
L
 (sup.) Da federação e do estado, entende? (sup.)
D
 (sup.) É, não podia acumular (sup.)
L
 (sup.) Teria escola e Belas-Artes, teria lá também um montepio. Foi isso que eu não sei se, até que ponto é, é verdade isso ou se agora já pode, eu não sei. Eu sei que naquela ocasião eu não, quer dizer, eu não procurei, entendeu, ensinar na prefeitura ou ser nomeada, por isso, mas direito adquirido eu tenho, por força que eu fiz um curso que seria uma formação de professores, num sentido de arte, entende?
D
 (inint./sup.)
L
 (sup.) Agora faltou um ano pra acabar. Era o curso de maior duração. Eram seis anos e nenhum curso na Filosofia, naquela ocasião, não sei agora, era mais do que três.
D
 São quatro.
L
 Agora quatro e naquela ocasião três e seis pra arte. Então vejam bem que era uma coisa dobrada (sup.)
D
 (sup.) É, sim (sup.)
L
 (sup.) E, e então aconteceu a intentona, chamada de Intentona Comunista, aconteceu aquele negócio todo, acabaram com a universidade, transformaram em filosofia e artes e eu fiquei assim, depois de cinco anos, sem saber o que fazer da vida sem o diploma, sem coisa nenhuma, entende? Então o Capanema é que resolveu essa questão, amigo que era das artes, do Portinari, daquela parte toda de Instituto de Artes, ele então, como ministro de Educação, ele então com uma penada nos transferiu. Eu tive que ir pra escola de Belas-Artes, porque não tinha um lugar onde terminar esse curso.
D
 E outros cursos que a senhora fez (inint.) entrando no problema tempo (inint.)
D
 É, exatamente, que é o assunto da nossa entrevista (sup.)
L
 (sup.) É o problema, o tempo, então (sup.)
D
 (sup.) Tempo cronológico (sup.)
D
 (sup.) O tempo cronológico (sup.)
L
 (sup.) Então eu já tenho a impressão que conheço a vocês quatro mil anos antes de Cristo, porque há uma afinidade, me parece, naquilo que vocês se propõem e naquilo talvez que eu vá dizer, pelo menos há uma afinidade de comunicação, não é? E de, vamos dizer, não sei até que ponto, qualquer coisa que eu vá dizer, esse trabalho de vocês, seja pra aprimorar ou melhorar alguma coisa da comunicação, do comportamento das pessoas, os dos indi... os, por exemplo, o que as pessoas desejam ser ou querem ser, eu não sei até que ponto posso ajudar, e vocês também, não é? Então deve ter um propósito que eu até agora ainda não soube explicar direito e ainda hoje a minha filha não soube explicar direito. Apenas eu acho que é qualquer coisa relacionada com o Rio de Janeiro, que eu considero, nas minhas andanças todas pelo mundo, até o momento, a cidade mais linda e mais diferente que eu já vi na minha vida. Nada se compara ao Rio de Janeiro.
D
 Como é que, a senhora é uma pessoa que obviamente, né (inint.) como é que a senhora vê isso, da passagem do tempo, das diferenças (inint.) das gerações, diferenças de idade entre as pessoas, enfim (inint./sup.)
L
 (sup.) Então eu vou te dizer logo uma palavra a você: eu não acredito em idade. De tal forma eu não acredito em idade que eu duvido que alguém conversando comigo, andando comigo, pesquisando comigo, enfim, agindo naquilo tudo que eu sou no que eu faço, duvido que, na minha idade, alguém ponha como eu ponho um maiô biquini, de tanga, e passe perfeitamente como se tivesse, não digo dezoito anos, mas trinta e cinco anos, sem ter feito uma plástica, está entendendo você, sem ter procurado qualquer coisa assim pra melhorar, então eu, antes de mais nada, e fator tempo, eu não acredito em idade. Nós temos duas idades: a cronológica e a fisiológica. Isso meu marido, como médico, dizia sempre isso pra mim. Então eu me, eu às vezes faço a mim um confronto com minhas alunas que na antiga escola de Belas-Artes, quando (inint.) elevador parava, ninguém ia à aula, só eu que subia aqueles andares todos. Então eu ficava me perguntando: a avó sou eu e ela não sobe a escada? Entende? A minha filha hoje estava dizendo, aliás no fator tempo, sobre essa viagem que nós pretendemos fazer, ela ainda disse na agência: eu vou ser um peso pra minha mãe, porque eu sofro do fígado, tenho dor de cabeça, eu tenho que comer, eu, quando ando, eu me canso muito, ela não tem nada dessas coisas. Então por isso eu não acredito em idade. Eu não acredito em idade, porque eu acredito muito num conteúdo interior. Eu com... eu acredito muito num pensamento que transpõe essa limitação toda. Eu acredito no infinito, porque arte é infinito de beleza, é uma procura de perfeição, eu, e como eu acredito no amor. Eu acho que amor também é uma coisa que não tem tempo e não tem idade. A gente ama em qualquer ocasião, apenas se tiver capacidade de amor. Então eu acho que as pessoas são capazes ou são incapazes. Há criaturas que nascem velhas e há outras que não envelhecem.
D
 A senhora (inint.) a senhora teria uma explicação pra esse fato, por que umas pessoas nascem velhas e por que outras não envelhecem?
L
 Eu, eu nunca analisei muito isso, apesar de ser um, sempre um sentido que eu acredito. Por uma observação, eu já disse a vocês, eu lido com a mocidade, mais do que com a velhice, porque os velhos não me compreendem, não se sentem bem perto de mim. Os jovens se sentem. En... então eu já te digo já: eu não nasci velha e nunca serei velha, porque eu vou de acordo com o tempo, eu procuro tudo aquilo que é mil novecentos e setenta e cinco, eu também sou mil novecentos e setenta e cinco, entende? Se amanhã mil novecentos e setenta e seis, eu precisamente sou mil novecentos e setenta e seis, então tudo que essa mocidade no momento acredita, eu também acredito, porque eu falo, eu tenho uma evolução de acordo com o tempo, com aquilo que se apresenta. Todos os comportamentos que se modificam eu acho válidos, porque eu, eu os acompanho, eu não fico no meu tempo. Por que que eu vou ficar lá atrás? Por que que eu vou parar com dezoito anos? Por que eu teria que parar com trinta? Por que que eu teria que parar no dia que o meu marido faleceu e que pra mim foi um caos, mas que eu logo depois, olhei, vi um sol maravilhoso, vi que ainda existia natureza, árvores, pessoas boas, crianças que sorriem, enfim, tanta coisa bonita no mundo inteiro, porque eu procuro olhar sempre as coisas bonitas e, quando eu olho as feias, eu procuro transformá-las em beleza? Então eu achei que valia a pena ainda viver e não ficar presa a um passado que naquele momento tinha acabado, apenas uma saudade continuava. E uma saudade que depois ia se tornando leve, porque o morto só é pesado naquele dia que morre e nas conseqüências de uma semana até a missa de sétimo dia. Depois ele vai se transformando numa saudade, numa coisa que às vezes é uma brisa, é uma estrelinha, olha, eu vejo meu marido nessas coisas todas bonitas, não nas coisas feias. Numa estrelinha, num arzinho bem agradável quando passa perto de mim, assim, estou com calor, vem aquele ventinho, é meu marido, está entendendo vocês? Então por que estou chorando uma pessoa que está constantemente me fazendo um bem? Minha mãe morreu em janeiro. É como se ela estivesse aqui me ouvindo, entende? Ela não saiu daqui de perto de mim. Apenas eu não estou vendo toda hora. Então uma criatura que não vai ficar mais doente, não vai ficar mais velha, apenas é aquela bondade, aquela coisa fabulosa de segurança que me dava, de, enfim, era uma criatura que vivia pra ajudar. Então eu procuro também ajudar, porque foi este o exemplo que eu tive. Então você me diz: ela morreu. Cadê o tempo aí? Não tem tempo. Tempo é pra quem acaba, entendeu? No momento que eu não pertencer mais ao rol dos vivos, eu acabei neste tempo aqui. E que ... Agora eu poderia te fazer uma pergunta: e será que terá outro tempo? Essa é uma pergunta que eu me faço, porque eu não sei até que ponto existe uma verdade dentro de todas as verdades que a religião diz, porque ela diz uma verdade, que é a verdade dela, entende? Agora até que ponto é uma verdade absoluta? Então eu, quem sabe se eu não vou num outro tempo? Então o tempo da terra, eu quero dizer que acaba com a morte, acaba com a pessoa. Enquanto eu viver, eu não estou analisando o tempo, o que passou, o que vem, entende, isso pra mim não existe. Eu quero viver bem hoje, eu quero ser simpática hoje, eu quero ajudar hoje. Essa ajuda de hoje, se amanhã eu estiver vivendo, vai continuar, porque eu sou a mesma pessoa, a mesma pessoa que amanhã eu poderei ser melhor, pior não. Eu não acredito em ser pior, porque a gente é pior quando quer e a gente é bom quando quer. Apesar de que ser bom é muito difícil e ser mau é muito fácil. Fazer a maldade, você faz em um minuto, já que estamos no tempo. Nós ... Somos, podemos ser perversos em, em pouquinho tempo. E ser bom, é preciso um aprimoramento, um aprimoramento de vida, um aprimoramento de alma, um aprimoramento de tudo, de compreensão. Você precisa ser humilde, você precisa se dominar nos teus impulsos, pra ser bom. E ser mau não. Você sai, eu posso sair daqui, a primeira criança que encontrar dar um pontapé nas canelas, eu fiz uma maldade. E pra fazer uma bon... bondade, será que dar um tostão a uma criança eu fiz uma bondade? Será que comprando-lhe um chiclete eu fiz uma bondade? Talvez não faça uma bondade, talvez eu faça uma maldade com essa criança, que eu vou incentivá-la a não estudar, vou incentivá-la a, a viver assim de, por, vamos dizer, como se tivesse numa roda, numa corda bamba. Não é assim. Bondade é muito difícil, a bondade que penetra, que ajuda, que satisfaz, é muito difícil. E maldade não. Quanto a, a pessoa que tenha, não tenha bons sentimentos, ele pode assaltar um banco, ele pode estar com o carro na mão, de repente vê uma pessoa atravessando, aumentar, está entendendo, numa rua deserta, atropela, não ajuda, quer dizer, pode ser bandido, ser bandido é facílimo. Agora ser bom é muito difícil, e ser simpático todo mundo pode ser, entende? Então o fator tempo, eu acho que, na tua pergunta, eu não acredito. Eu acredito que a pessoa vai vivendo e à medida que vai vivendo, se melhorando, procurando ser tolerante, procurando se (inint.) evoluir, se, de acordo, cada ano, as coisas novas que vêm, procurar estudar e compreender, então eu não, eu não senti o tempo até hoje. Se você me perguntar como eu me sinto, eu me sinto como se tivesse cada ... Há dias que eu me sinto com quinze anos de idade. Há ocasiões com o meu neto, é uma pergunta que eles me fazem sempre, quando eu ando, ainda ontem ele estava com o trator, eu andei no trator, na avenida Atlântica: quer ver como eu ando mais depressa que você? Entrei no trator dele, depois disso tudo ele me faz uma pergunta: mas você é avó mesmo? Tem quatro anos. Ele ficou, achou que eu não era avó, porque a outra avó é solene. A outra avó contou tempo, está entendendo? Eu não conto, então eu, eu me cheguei aos quatro anos dele, eu me chego aos vinte de qualquer um e também eu, todo domingo, visito duas tias de meu marido, uma tem noventa e um, outra tem oitenta e cinco e, naquele momento, eu não digo a vocês que tenha oitenta e cinco, que tenha noventa e um, mas decididamente eu não vou, está entendendo, dar cambalhota com elas. Apenas eu estou dentro do momento delas, tendo uma compreensão dos achaques dela, da velhice, ou dando, vamos dizer, incentivando pra que não fiquem tão velhas, pra que tenham mais forças, que se ocupem, porque cérebro desocupado é oficina de satanás, entende? Então tudo isso eu também converso com velho. Mas eu não acredito no tempo por isso, que num dia eu começo com dois, dez anos e acabo com a idade que eu tenho, está entendendo?
D
 Ótimo. Isso que a senhora está dizendo, que parece uma verdade, que faz a gente concordar, no entanto, na nossa cultura e provavelmente em quase todo o mundo ocidental, quer dizer, a, a idade constituiu-se, constituiu um valor, quer dizer, que as pessoas são, eh, vamos dizer, que as pessoas são valorizadas para mais ou para menos em função da idade que têm, muitas vezes, para certos fins, para certas (inint./sup.)
L
 (sup.) Ah! (sup.)
D
 (sup.) Como é que a senhora vê isso? É somente pra animar a nossa conversa.
L
 É, pra animar (inint.) você acha ... Bom, deixa eu sentir bem a tua pergunta. Você acha que muitas vezes a pessoa se valoriza, a idade valoriza a pessoa, entende? Bom, e também muitas vezes a idade desvaloriza.
D
 Sim.
L
 Entende?
D
 Sim. É, é (sup.)
L
 (sup.) Também desvaloriza. Tanto, e eu acho que no momento atual a idade está desvalorizando, tanto é que há uma preocupação de procurar com que o velho, que a pessoa que passe de cinqüenta anos, como é difícil arrumar um emprego, às vezes tem um valor tremendo e preferem o de trinta, quando o de trinta não vai ser tão eficiente. O que deve se procurar não é este tempo cronológico, mas o tempo fisiológico, eu te dou isso por exemplo duma maneira, te explico duma maneira mais fácil. Eu não sei se porque eu sou viúva de médico e eu não so... entendo um pouco dessa parte da filosofia médica, vamos dizer assim, que eu conversava muito com o meu marido, é muito importante a saúde. Então, se você tem, como eu tenho, sessenta anos, não sei o que é fígado, não sei o que é rim, não sei o que é cansaço, eu não sei o que é intestino, eu não sei o que é um dedo, e eu não sinto o corpo, tenho boa saúde, deixa bater aqui, que dizem que isso é muito importante, às vezes eu acredito nessas coisas, então, se você tem isto, então não é mais importante do que eu ter trinta anos com câncer ou ter trinta anos com um estômago que eu não posso comer nada, numa dieta eterna: isso faz mal, enxaqueca de noite, sofro do fígado, se eu vou subir um morro, não pode subir o morro, fazer uma excursão como eu tenho ido pelas minhas viagens? Por exemplo, eu estive na Grécia, estive na cidade de Messina, onde viveu Agamenon, entende, onde reinou Agamenon. Então tem aquela serra lá, então a cidade de Messina sobe em cima de um planalto, vamos dizer assim, não é? Então você sobe ali, como é difícil subir aquilo! Quero dizer a vocês que poucos subiram até lá, eu me considerei uma das poucas que subiram pra ver as ruínas de Messina, atravessar o Pórtico dos Leões, se subir quase de gatinhas até lá, e eu não perdi coisa nenhuma, e se contava as pessoas, da minha faixa tinha ninguém, tinha por exemplo de trinta a dezoito, e eu misturada naquilo tudo. Entende, vocês, o que eu acho saúde? O que, então o que interessa o tempo, se tanta gente de quarenta e de trinta ficou lá embaixo, que não podia subir, entende? Apenas eu lamento que não tenha se descoberto pro ser humano a mesma, a mesma (inint.) o mesmo tempo de vida que o jacaré tem, quatrocentos anos, porque eu tenho a impressão que eu ia aos quatrocentos anos muito bem. Eu tinha descoberto um Shangrilá, está entendendo? Aquele lugar que ninguém envelhecia e se saísse de lá virava uma passa, em contacto com a maldade do mundo, a pessoa ficava velha. Então eu não acredito mesmo em idade, eu acredito, sim, é em saúde ou então em pouca saúde. Eu acredito assim na amargura, em curtir, que todo mundo fala, então curte fossa, curte desespero, curte tanta bobagem e no fim não aproveita a vida porque está desesperado, curtindo bobagem, curtindo angústias, alimentando uma porção de coisas que não pode ser alimentado. A gente só tem que alimentar coisas boas que a natureza nos deu. A gente pode curtir um temporal, que o temporal é belíssimo, curtir chuva na cara, porque é belíssimo, curtir andar de noite, se não fosse assalto, que é chato, né, curtir assim andar pela areia numa noite de lua, andar, andar com o vento na cara, pouca roupa num dia de verão, curtir isso, sim, curtir natureza, tomar banho nu na cachoeira, deve ser uma delícia, como é que pode, se tudo é proibido? Ora, meu Deus do céu, curtir a vida, mas curtir bem, alimentando a alma com essas coisas, fazendo bem ao espírito. Corpo são e mente sã, não é, que dizem, e isso é muito importante. Então à medida que a mente jovial é sã, vai fazendo bem ao corpo. Então é muito interessante o que eu tenho feito, eu tenho, eu procuro fazer, todo dia antes de deitar, antes de dormir, vamos dizer assim, eu fico sentada meditando. Eu procuro deixar uma coisa esvaziar a minha cabeça de tudo aquilo que possa incomodar. Então eu deixo o esvaziamento. Então tem o mantra, que seria uma palavra que não existe, eu fico repetindo com aquela palavra ou então sentindo a minha respiração esvaziada, é difícil, eu não vou atingir uma realização, porque só Cristo foi realizado até hoje no planeta terra, nem os Lamas do Tibet não conseguiram uma realização total, então não sou eu que vou ter essa pretensão, mas me faz bem a procura de, vamos dizer, do esvaziamento mental dos pensamentos, porque o nosso pensamento é um macaco louco, heim? Está aqui, está lá, está acolá, é macacão mesmo, daqueles, pulando de galho em galho. E o que é que acontece? Aquilo te cansa. Então isto é como se fosse um 'relax`. Não é aquele 'relax` americano que está assim relaxado, mas está pensando amanhã o que vai fazer. Não é o 'relax` só do corpo, é o 'relax` da mente, difícil. Eu acho a coisa assim quase impossível, mas com a prática você pelo menos descansa um pouco o cérebro, porque, nem quando dorme, a gente descansa o cérebro. Aí você procura descansar, quando o pensamento corta uma porção de coisas, você pega o mantra, que seria uma palavra xis, uma palavra assim sem um sentido pra nós, pra você, então você pega o mantra e você sai, entende, terá ... É como se esvaziasse o cérebro. Eu acho que isso também faz com que o tempo, não se pense no tempo. Eu decididamente não penso no tempo, esse é o meu ponto de vista. Penso no tempo assim no sentido de pagar uma dívida: no dia trinta eu tenho que pagar ... Isso é diferente. Mas não, mas se você é responsável, nem isso você pensa, porque eu, pelo menos, eu nunca faço uma dívida quando eu não posso pagar. Hoje eu fiz uma que eu tenho que pagar um milhão e seiscentos por mês, mas estou tranqüila aqui, porque eu sei que todo o mês eu vou pagar direitinho e eu não vou ficar tão, tão apertada assim, que eu não vou poder pagar as outras, entende? Então você deve fazer aquilo que você pode, toda, aquilo que você faz dentro de um sistema, não é de uma programação, eu sou um pouco (inint.) eu acho meio enjoada a palavra programação, condicionamentos. Eu sou muito livre, porque quem gosta da natureza custa muito a se prender a essas coisas, entende? Então, mas o que acontece é que muitas vezes eu sou obrigada a pensar em tempo não por mim, mas de uma maneira mais assim, porque tempo, hora de dar aula, hora ... Eu não tenho, nunca tive hora de apagar, acabar a aula. Por for... O aluno é que acaba a aula comigo porque tem outra. Por mim não, ele fica o dia inteiro. Entende como é? Eu sou avessa a isso. Agora a vida é tão esdrúxula, está entendendo, que obriga a gente a uma porção de coisas que a gente não quer, mas a gente é obrigada. Por exemplo eu tenho muito número. Eu acho chato. É número do imposto de renda, é número da carteira eleitoral, é número do meu carro, é número da taxa rodoviária, é número do, do imposto de renda, é, não sei, tem mais aí, é número do Félix P... eh, Fe... Félix Pacheco (inint.) você sabe que a gente é tanto número, é número do meu telefone, é número da minha porta, é número do telefone dos outros, ou então ... Eu estou meia aborrecida com o número, porque número é tempo e você já viu que eu sou contra essa contagem. É viver, entende? É viver, viver bem, porque não é viver irresponsavelmente, entende? Porque, quando você é responsável, instintivamente as coisas vêm sem precisar (inint.) o irresponsável é que fica muito na folhinha, o irresponsável põe o despertador pra ir, chegar cedo. Eu não tenho nem relógio quase na minha casa, o do pulso está sempre parado, é mais por enfeite, é mais pra justificar alguma coisa. Eu não dou corda em relógio. Eu não dou. Meus relógios todos estão parados. Se você for agora à minha casa, está tudo parado. E no entanto eu sei que nove horas eu tenho que estar num lugar, eu sei que amanhã tenho que dar aula, mas tudo isso automaticamente eu faço, por uma questão de responsabilidade própria. Então você vê que eu não, não sou do tempo não, sabe?
D
 A senhora consegue chegar aos lugares sem ver as horas? (sup.)
L
 (sup.) Consigo, consigo. E chego muito certo em hora de pegar avião, nunca ninguém me esperou em excursão nenhuma, aquela pessoa correndo, que veio ainda se penteando pelo caminho. Nunca ninguém me esperou pra coisa nenhuma. Até no dia do casamento eu cheguei antes do meu marido, tá? Antes do noivo. Então você vê que eu tenho, eu sei que tem que chegar, a minha responsabilidade eu cumpro e faço religiosamente, sem a preocupação do tempo, não tenho, eu sou avessa a tudo quanto é coisa assim matemática, robotizada, eu acho que falta calor humano, eu sou contrária a, por exemplo, quando eu era casada, o meu marido chegar, chegou e dar beijo. Um dia eu disse pra ele: olha, não dá beijo quando sai e quando chega, porque eu não gosto. No dia que você quiser dar, você dá, no dia que tiver vontade. Essa coisa fica muito marcada, muito rotineira, muito metódica, um negócio sem alma. Eu gosto das coisas que tenham alma. Eu não sei se sou de aquário, eu acredito um pouquinho nessas coisas, não demais, mas eu não tenho hora, eu não tenho método assim. E no entanto tenho hora. Vocês me entenderam? Não sei se estou sendo bem explicativa assim (sup.)
D
 (sup.) Perfeitamente. Está ótimo (sup.)
L
 (sup.) Eu não tenho, eu sou contra a hora e no entanto cumpro, cumpro, sempre cumpri as coisas e não, e não estou atrás de, de tempo, de calendário. Eu por exemplo, outra coisa que eu não acredito e sou contra é dia de aniversário. Eu acho que dia primeiro de janeiro todo mundo faz anos, todo mundo está mais velho, todo mundo está mais novo, enfim, dia primeiro de janeiro e dia trinta e um de dezembro, das duas uma. Então quem gostar de dia primeiro é dia primeiro, quem não gostar, dia trinta e um, é trinta e um, mas nesses dois dias se resolve uma outra etapa. E por que que tem que ser no dia dezoito de março, dia primeiro de fevereiro ou dia quatro de abril? Não interessa, entende? E isso é uma coisa que, eh, aquele dia já fez anos. Outra coisa é dar um presente, tem que ser presente em dia dos namorados, presente em dia das mães, presente do dia do ca... do aniversário de casamento. Eu detesto isso tudo, eu acho isso tudo forçado, isso tudo mecânico, mecânico. Eu acho assim que presente você dá o dia que você bem entende. Olha que beleza, você está na tua casa, chegar uma pessoa, te dar um presente, você diz: por quê? Olha, nós estamos tão desabituadas que se custa até aceitar. Mas seria uma delícia. Você talvez nunca tenha te acontecido isto, porque nós estamos presos aos condicionamentos do tempo e das etapas, das, e do, do, dos dias certos. Então se inventa: dia da vovó, dia da mamãe, dia do papai, dia dos namorados, dia, ah, não, aniversário de casamento, eu esqueci. Olha, eu tenho o meu marido assim presente, eu já disse a vocês, e no entanto, quando foi o meu aniversário de casamento, eu não sei, aquele dia passou e eu não sabia, no entanto não fui ao cemitério, abomino isso também, não tem nada lá, ele não está mais lá, o que que tem lá? É um osso que não me interessa. Se aquilo tudo saísse e botasse assim, no meio da minha casa eu ia achar horroroso, não é a mesma pessoa. O conteúdo dele, eu prefiro achar que está numa estrelinha, num ar muito agradável ou numa gota de chuva ou numa lágrima, um negócio assim, sem ser patético. Eu não gosto das coisas que amofinam, as coisas que me entristecem, as coisas que dão, o que está muito em moda, fossa. Acredito que fossa se curava com muita coisa, inclusive com umas (inint.) se tiver (inint.) quinze anos, com umas palmadas. Se pode dar umas palmadas com quinze anos, um negócio assim, eh, está entendendo? Que tem que dar uma dor física mesmo para curar uma besteira, está entendendo, imaginativa. Então por que que, que que dezoito anos pode ter fossa? Nem com fome, porque tem capacidade de trabalhar, entendendo, nem com fome. Então, e também não, porque tem uma vida pela frente, são apenas dezoito anos. Agora se é maluca é outra coisa, então é anormal. Isso é um problema que eu não vou ventilar aqui, mas uma pessoa que eu quero dizer normal, uma pessoa que é normal, não há razão pra ficar desesperado. Amor? Por que o namorado brigou? Poxa! Eu já disse a vocês que acredito em amor, mas acredito que o amor não acaba, o amor se revive, o amor se perpetua, o amor se segue em frente, porque aquele amor que dá vontade de estourar o miolo e matar não é amor, é ódio. Se eu amo uma pessoa ou a pessoa não me quer, então o que é que eu faço? Eu vou desejar que aquela pessoa seja feliz, se não é comigo. Então vou matar, vou me matar? Não tem razão. Mesmo porque as coisas se modificam às vezes sem deixar de ter sido amor, apenas uma outra modalidade de amor. Uma, um outro amor que vem com aspecto diferente, com (inint.) diferente. Então tudo isso, eh, já que estamos falando em tempo, eu acho que o amor, ele sobrevive ao tempo, sobrevive ao tempo. E fica. E você vê. O que é Cristo senão amor? Olha, meu Deus do céu, sobrevive ao tempo e só terminará com o planeta, se destruir o planeta, mas ele estará só nesse? Vamos perguntar, que eu também não tenho resposta a isso, estará em outros? Estará no firmamento todo, em termos de bondade, de amor? Não é? Então você vê que sobrevive ao tempo. Fala-se de Cristo como se ele estivesse a... na esquina. É ou não é? Por quê? Porque foi amor demais, querida. E não se acaba isso numa cruz ou se dando um tiro ou se ... Não, ou porque teve uma doença, não. Amor que causa (inint.) sofrimento e que a pessoa só (inint.) as pessoas chorando, não é amor, é egoísmo. Apenas como a pessoa não está ali perto de você, que você amou, você chora por você, chora por você. Eu estou te ... Acabei de dizer a vocês que minha mãe morreu em janeiro. Era a coisa mais fabulosa que eu encontrei como ser humano pra mim, uma criatura fora de série, não dito por mim, entende, uma criatura com oitenta e cinco anos, diretora de um asilo, de uma eficiência, duma lucidez, duma com... enfim, duma procura de trabalho, de não esvaziar a cabeça em caduquices, ela não acreditava em caduquices, não foi? A gente sonha aquilo que acredita. Como a humanidade só acredita em desespero, em fossa, em porcaria, então é essa porcaria que você está vendo. É isso. Se você não acredita em velhice, você não fica velho. Se você não acredita ... Você notou em ... Eu vou te dar um exemplo, entendendo, de uma coisa de acreditar e que também pode entrar em fator tempo: meu marido, já te disse, vou repetir outra vez, médico, e conversávamos muito, me mostrava muitas coisas pra eu ler. Então um dia ele me disse: E., lê esse artigo aqui. Até era em inglês, numa revista inglesa: o maior cancerologista do mundo no momento. Eu esqueço o nome, que eu não gravo essas coisas. Era um médico, não guardei o nome. Mas meu marido me disse que era o maior, o maior. Então, ele explicando, alertando os médicos sobre o câncer, ele disse: eu não sou de laboratório. Eu não pesquiso a cura, apenas eu sei alguma coisa, curo o que até então a ciência me, me deu para curar o câncer que aparece aqui, operando ou isso ou aquilo, né? Então a pesquisa do câncer, eu alerto aqueles que pesquisam como vem, se é de um vírus, se é isso, se aquilo. Porque com a minha clínica, ele já era um grande médico de câncer há mais de trinta e tantos anos, então, nos fichários dele, ia uma pessoa, tudo fichado, tudo bem organizado. A pessoa chegava e dizia: doutor, eu tenho um câncer na língua. E ele diz: mas por quê? Tem uma bola. Eu sei que é câncer, eu sei que é. Ele fazia todas as pesquisas, não era. Apenas um queimadinho, uma coisa, uma alergia. Não era mesmo. Outro aparecia: ah, doutor, eu sei que tenho um câncer no fígado. Eu tenho certeza. Eu sei que eu vou morrer de câncer. Ele chegava: não tem nada. Quinze anos depois, olha o tempo aí, dez anos depois aparecia uma criatura lá no consultório e não sei o quê, na consulta (inint.) doutor, eu já vim aqui, com o senhor, quinze anos. E disse: bom, eu lhe o... operei? Sim, porque um doente de câncer vai procurar um médico e diz que quinze anos atrás esteve lá, ele perguntava: o se... eu lhe operei? É tanta gente, né, quinze anos depois. E disse: eu tenho. Não, o senhor tem uma ficha. Ele dava o nome. Ele ia procurar no fichário. Encontrava, bem organizado, encontrava a ficha. Então, assim: com cisma de câncer, estado nervoso bem acentuado. Outro era quase histérico com isso (inint.) a pessoa chegava quinze anos depois ou dez ou dezoito, até casos de vinte anos, com aquele câncer que, naquela ocasião, ele cismou que tinha, naquele mesmo local. Então ele alertava que o câncer podia ser uma doença nervosa, que, depois de tanto tempo, a pessoa que continuava com aquela coisa, com aquele nervoso, apesar dele ser uma autoridade e dizer que não tinha, mas estava no subconsciente. Ela tinha metido dentro dela que ela, apesar do tempo passar, um ano, dois, quinze, vinte, era uma prova de que não tinha câncer, acabava tendo por força de um pensamento negativo e não positivo. Quer dizer, aí o tempo ficou, não destruiu e não consertou nada. O tempo apenas não passou. A mesma criatura de quinze anos atrás, aquele mesmo pensamento, estava quinze anos depois. Não adiantou ir no maior médico (inint.) a nota, simplesmente não acreditou. E mesmo que fosse quinze ou dez ou vinte anos, apareceu com aquilo que precisamente ela tinha. Então ele alertava até, que o câncer podia ser uma doença nervosa, mas isso é outros quinhentos e com os doutores, não é com a gente, né? Mas eu estou dizendo que o tempo aí entrou também. Quinze anos depois tinha aquilo que cismava. Então é preciso, isto tudo eu estou dizendo, que se você levar tua vida com esses pensamentos negativos, sem uma procura, enfim, não é uma ambição, ambição é necessária. Ambição assim honesta, a ambição válida, do entusiasmo. Ambição do entusiasmo, do ideal, de você se... querer ser alguma coisa. Então você (inint.) bom, eu não vou estudar piano, porque eu tenho que estudar dez anos e todo dia, tenho que estudar quatro horas por dia. Você já pensou? Perde-se um grande artista por isso, porque ele está pensando em tempo, está pensando em tempo. O outro não. Medicina não. Seis anos! Só daqui a seis anos! É. Então perde-se às vezes um grande médico. Por quê? Porque ele pensou em tempo. Não! Tudo ... Ah, daqui a cinco eu estou muito velha. Mas que bobagem! O Carlitos nunca pensou nisso e foi ter filho com setenta anos (inint.) a mulher dele teve filho e ele tinha setenta anos. Então ele pensou em tempo? Pensou em velhice? Não. Era um homem altamente inteligente. É um homem que simplesmente ele vivia, não pensava em tempo. Então tudo aconteceu de bom pra ele. É um homem que ainda é um homem lúcido, um homem que conversa, um homem que diz coisas, um homem que produz, um homem (inint.) ainda que se pode dizer é válido tudo o que ele faz, tudo o que ele diz. Bom, agora, se ele pensasse em tempo, ele tinha parado com quarenta. Ah, está velho, estou velho! Me dá raiva ouvir essas (inint.) ah, fulano está velho. Está com cinqüenta anos. Mas por que que está velho? Então (sup.)
D
 (sup./inint.) fazer uma última pergunta à senhora, eh, sobre como a senhora vê a história, a história humana, porque uma coisa é a história de cada indivíduo, que, como a senhora disse, quer dizer, é limitada, não é? (sup.)
L
 (sup.) É (sup.)
D
 (sup.) A história humana é um, um contínuo, né (inint./sup.)
L
 (sup.) Isso vem assim da pré-história, vamos dizer. Bom, não fosse eu professora de história da arte, está bem. Não sou a professora de história da arte constante. Sou, assim, 'free lancer`, está entendendo, e por amor, né? Vamos dizer que dentro da pré-história ... E se eu disser a você que o que se faz em arte agora é pré-histórico? Porque a arte deu uma libertação de não procurar o motivo, mas apenas o extravasamento natural, o ritmo teu, uma formação que você quer. Você faz a cara que você quer sem aquela coisa de: ah, o nariz tem que ser aqui, o olho, aqui. Isso defendendo Picasso um pouco, que botou o olho onde ele quis: na testa, no coração, entende? Por quê? Bom, isso na pré história se fazia a mesma coisa. Então apenas você vai dizer: bom, eles não sabiam perspectiva. Graças a Deus eles não sabiam isso. Apenas eles desenhavam na, dentro de um, vamos dizer, de um conteúdo interior muito grande que extravasava. Então ele fazia aquele, aquela forma que parecia a ele, é porque era a forma que ele via. O outro fazia um bisão melhor, e eu, como professora de, de história, ia, você, eu te mostraria se tivesse tempo, mas um dia eu te mostro, que nos meus 'slides' tem um bisão duma deca... de determinada caverna, de uma forma da mesma época, neolítica, vamos dizer, e tem ali um outro bisão (inint.) na Austrália, dessa mesma época, duma forma mais bonita. Então é, vamos dizer, ou mais certa ou mais elegante, isso é do própria vocação, vamos dizer, do própria impulso, do próprio gesto que o tinha (inint.) e também obedecendo ao que ele via, eh, entendeu, ele via ... Nós não vemos iguais. Um via um bisão mais gordo, outro via mais (inint.) porque nós não vemos iguais, vemos as mesmas coisas, mas nós não vemos iguais. No mesmo dia, você vê que uma, você diz, no mesmo dia te acham magra e no mesmo dia te acham mais gorda, conforme as pessoas te encaram. Então você vê que se vê com o que está lá dentro, com a alma, com os sentimentos, com uma qualquer coisa que você não sabe o que é. O que está lá dentro da gente eu não pesquiso, eu não sei o que é, mas que é uma coisa grandiosa, é, querida. Agora isso tudo você vê dentro da huma... Você está perguntando, a tua pergunta é um comportamento que teria o todo e não o individual, né, vamos dizer, historicamente. Olha, querida, a história se repete, é uma repetição. Você, se fosse à ilha de Páscoa, como eu fui, e você vê aquelas estátuas enormes, como é que chegou ali, se agora já é difícil chegar lá? Se você visse o que eu vi por esse mundo afora, nos lugares assim históricos, antes, três mil anos antes de Cristo, como eu vi Knossos na ilha de Creta, três mil anos antes de Cristo. Meu Deus do céu, você olha, é uma coisa então, vamos dizer, arquitetura não, porque nós tivemos um adiantamento, vamos ... Nessa parte do conforto. Mas será que pra eles não era conforto aquilo no palácio? Era conforto. O condicio... ah, eles em si, o comportamento deles era outro, a saúde era outro, a força era outra. E o fí... o físico tendo o rim, tendo o coração, eles tinham outra maneira de físico. Tanto é que eles agüentavam, no tempo da idade média, aquelas armaduras, aquela coisa toda. Os cavaleiros da Távola Redonda agüentavam aquelas armaduras e você, um homem da atual, tem que ser muito (inint.) para poder agüentar. E não agüenta muito tempo. Começa a fazer, está quente, está calor, quer beber uma água gelada. Então, quer dizer, como essa civilização e essa parte toda é que fez o homem diferente. Mas a história se repete. Então eu não vejo o porquê que temos que pensar: ah, porque antigamente ... Não tem nada disso não. As pessoas amavam da mesma, não era exatamente igual. Por quê? Porque a roupa é diferente, o sapato é diferente. Porque a gente ama com essas coisas todas e a vida também é em função disso. Uma coisa é se eu estivesse aqui sentada numa cadeira de pau horrível, de faquir, de prego. Outra coisa, nós estamos toda repousada, então eu posso conversar com vocês até de madrugada, mas se eu estivesse sentindo frio, mal sentada, eu talvez em três minutos, eu liqüidava essa palestra. Então é isso tudo, é a mesma coisa em função de, de estar lá. Nós estamos agora repetindo tudo. Começa se pela arte. Eu fiz uma experiência em história da arte. Eu coloquei, depois de ter explicado uma introdução, depois de ter mostrado tudo, a arte da, contemporânea, a arte (inint.) de repente, eu boto um 'slide`, entendeu, que era duma, dum peixe pré-histórico duma caverna do período neolítico (inint.) Austrália, se tivesse tempo, eu mostrava a vocês, e todo mundo disse que era pintura contemporânea, tá? Então há uma aproximação entre aquilo que foi e que está. Então por enquanto é só na arte. E depois? E depois? Nós não sabemos o que que vai acontecer, o que que vai ser destruído. Nós não sabemos o apocalipse. Vamos acreditar um pouquinho na bíblia. Virá como virá. Haverá uma destruição? Isso vai continuar? Então você está vendo que já há uma poluição, já há uma série de coisas. Então eu posso dizer que vamos voltar tudo à pré-história outra vez. Vamos começar tudo de novo. Se o planeta, se eu vou pra outro planeta quando morrer, como acreditava minha mãe, que era espírita, eu vou me aperfeiçoar, eu não fui muito ruim, eu devo melhorar um pouco, né, eu devo ir prum lugarzinho melhor que esse. Então será que eu vou? Será que eu vou pro purgatório? Será que eu vou ficar como o Teilhard de Chardin ficava, imolando a esfera aí, num negócio assim, pairando, que ainda não estou naquele ponto de um aperfeiçoamento maior? Bom, esse lado não me interessa muito, quando a gente está com uma consciência tranqüila. Então o tempo pra mim, nem os espaços, nem os séculos, apenas eu tenho prazer de ainda poder ver o que se fez antes. Poder apreciar Knossos, três mil anos antes de Cristo. Poder ir no Egito, olhar aquelas pirâmides, aquela coisa, chegar nos museus, ver uma múmia. Então parece que eu estou vendo vida ali. Se aquela múmia viesse me cumprimentar, eu não tinha medo não. Você entende bem? Porque eu sinto que é vida pra mim. Passou, mas respira tanta coisa, tanta coisa diz aquilo e que precisamente nós procuramos às vezes não imitar, mas ainda estamos presos a esse passado todo, que toda essa evolução, toda essa técnica ainda vem de lá. E será que se desse um areal com tijolo, pro homem carregar um tijolo, uma pedra, fariam pi... pi... pirâmides? Acho que não. Então, cadê a técnica? Então eles superaram a técnica por uma capacidade física que acabam avaliando em termos iguais, em termos iguais. Eu, quando atravessei o Pórtico dos Leões, em Messina, eu olhei pra aquela laje que era muito maior, eram dois andares desse aqui, eu olhei: como é que conseguiram botar aquela pedra enorme, uma pedra única? Qual foi o guindaste que colocou aquilo lá em cima? Olha, não sei. Eu sei que a, a laje, a pedra estava lá. E hoje em dia, pra fazer um Pórtico dos Leões, na cidade de Messina, querida, tinha que ter bilhões, uma pá de obra pra fazer e, e guindastes. Já pensou a confusão? Como é que eles fizeram aquilo? Qual era a capacidade? Então eu avalio em termos iguais. Uma capacidade mental, física, uma força sobre-humana. E aqui uma máquina. Qual era o melhor? Eu não sei. Eu prefiro sempre ficar com o homem. Prefiro o homem pré-histórico, caçando bisão do que um homem robô.
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  (inint.) perfeito.