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PROJETO NURC-RJ

Tema: "Meteorologia"

Inquérito 0267

Locutor 322
Sexo feminino, 62 anos de idade, pais não-cariocas
Profissão: Belas-Artes
Zona residencial: Sul

Data do registro: 02 de abril de 1975

Duração: 40 minutos

 

Som Clique aqui e ouça a narração do texto


D
 (inint.) curiosa, não sei se depois (riso) será oportuno lembrar.
L
 Mas sobre o tempo, eu acho que a pessoa viveu, nasceu no seu país, sabe, está tão habituada ao tempo daquela área, daquela re... daquela região onde ela se criou, não é, que pode ser difícil adaptar-se ao tempo de um outro clima, de um outro país diferente. Eu sou apaixonada aqui pelo Brasil, aqui particularmente pelo Rio de Janeiro, justamente até quando eu voltava dos Estados Unidos eu pude realizar isso, eu sentia quando eu comecei a ver essas montanhas e a, a nossa paisagem, eu sentia que nem se fosse uma, uma sinfonia dentro de mim, né, uma coisa violenta vibrando de, de emoção, de entusiasmo, só pra, por ver o, o, o nosso, o nosso céu azul, o nosso sol forte e as nossas montanhas e a beleza do nosso mar. Mas em relação ao tempo, embora eu sempre fosse assim afeita aqui ao clima aqui do Rio de Janeiro, onde eu, a minha vida toda eu tenho estado passando especialmente, embora vez por outra eu tenha viajado inclusive, eh, no estrangeiro e também aqui no Brasil. Mas quando eu tive a oportunidade de passar uma temporada maior nos Estados Unidos, que eu fiquei localizada em Chicago, justamente um clima, um tempo inteiramente diverso do nosso, e fui para lá em ou... cheguei em, no início de outubro, cheguei na, na universidade de Chicago, justamente nessa época eu havia passado, chegado no fim de, de setembro a Washington e depois então Miami, Washington e, e cheguei logo em Chicago dentro da primeira semana. Aí eu me lembro bem, aqueles primeiros dias o tempo ainda estava se agüentando razoavelmente normal pra mim que era brasileira, não estava sentindo frio propriamente e só em novembro ... Eles diziam mesmo que lá era `indian Summer' que era um, um, um verão longo, como eles dizem, que o ve... o inverno estava custando a chegar. Então foi só assim em cinco de novembro que, pela manhã, quando eu abri a janela do meu quarto ... Eu ficava localizada na universidade de Chicago numa torrezinha com cinco janelas, uma seguida da outra e era redondo, o quarto era redondo, então era uma janela seguida da outra assim. Então quando eu de manhã levantei e olhei pra fora o Midway Park é que ficava em frente do, do alojamento onde eu estava, eu vi tudo branco, a neve, né, tinha caído de madrugada e estava aquilo tudo branco, então eu fico até arrepiada só de me lembrar. As árvores por essa, por esse tempo já não tinham mais folha, j'a haviam perdido a folha então a gente via aquele desenho, aquele arabesco escuro dos galhos das árvores, assim não é, eh, feito uma renda negra sobre o contraste da, da neve, né? Que de cima, eu ficava no quinto andar, eu, eu via assim, ah, nessa circunstância. De maneira que me deu uma emoção, uma coisa, eu acho mesmo uma coisa quase que ancestral dentro de mim, foi uma coisa muito curiosa em relação ao tempo, que eu fiquei ... Eu me senti como se fosse chocada, apavorada, aquele dia eu não saí da universidade, não consegui sair da universidade. Parecia mesmo assim que uma, uma lembrança longínqua essa que está na, na gênese da gente que, que me apavorou. Então, embora eu tivesse até, ah, equipada, digamos, pra enfrentar um, um tempo, eh, um, um, um clima frio como era aquele que eu sabia pra onde iria, né, eu tinha um casaco de pele que evitaria qualquer problema desses. Mas eu fiquei, eu me senti assim tão assustada que eu não saí naquele dia (sup.)
D
 (sup.) A senhora ...
L
 (sup.) Só no dia seguinte que eu saí. Não saí, não saí, não atravessei nem o `campus' da universidade naquele dia. Foi engraçado, foi, foi um choque, um choque emocional, mas assim, sabe como é, violento que eu senti, me senti apavorada. Não fui brincar de neve nada daquilo.
D
 Era isso que eu ia perguntar, porque é uma experiência nova, né (sup.)
L
 (sup.) Foi (sup.)
D
 (sup.) A senhora não, não ...
L
 Mas, eu estou dizendo, foi que nem uma coisa ancestral dentro de mim gri... que estivesse assim gritando, está entendendo? A emoção. Porque pra mim além do frio eu tinha a parte visual, pode ser que para os outros essa parte visual não choque, está entendendo, não, não, não emocione. Mas pra mim que sou afeita às artes, né, às belas-artes eu, eu senti demais ver, ver que a natureza tinha toda se transformado, ela estava toda coberta de branco, não é? Então o, o, o, os prédios e, e as árvores, aquilo tudo então se con... contrastava assim muito violento, né, era um branco e um preto, um branco e um preto. De modo que foi muito curioso isso. Agora noutras oportunidades eu sou apaixonada justamente pelo verde, né (inint.) viajar em campos verdes, né, pelo meio do, ah, por uma estrada. De maneira que o tempo pra mim está sempre influenciando e aliás toda noite eu sempre presto atenção qual será o tempo do dia seguinte (riso), pra me precaver, né, e estar protegida de acordo. Mas (sup.)
D
 (sup.) Nessa ocasião em Chicago, depois, a senhora não teve curiosidade de tocar na neve (sup./inint.)
L
 (sup.) Ah, no dia seguinte sim.
D
 A senhora poderia descrever essa experiência?
L
 Inclusive eu fiz até depois um trabalhinho de escultura com floco de neve. Depois eu adorei ficar na neve, quando eu via ... Porque depois a gente aprende, ah, a gente percebe quando vem uma neve, ah, a gente já sente que o, o, o vento muda, não é, o vento não fica um, um, eh, ele já antecipa a, ah, aquele vento gelado, ele, antes da neve, ele, ele vem aquele vento gelado. De maneira que a gente já sabe, ah, vai, vai nevar, vai nevar, aí então eu ficava até contente, né, porque eu gostava, depois eu gostava de andar na neve. Mas aí eu estava sempre protegida em relação ao tempo. Aliás, logo que eu cheguei eu ouvi um conselho de uma pessoa, é, é curioso quando a pessoa está assim numa viagem assim ... Eu, eu fui em intercâmbio cultural, não é, ia fazer lá uma pesquisa sobre método de ensino de escultura nos Estados Unidos, ia fazer conferências e, enfim, ver todo o ambiente assim artístico e cultural lá dos Estados Unidos em relação à escultura, mas eu ... Então é curioso que, uhn, na, na casa internacional particularmente, que ficava perto até de Chicago, e vez por outra eu freqüentava lá, porque haviam duas ou três pessoas brasileiras, então eu gostava vez por outra de falar português e ia lá na casa internacional. Então, nessas conversas que se vão fazendo, alguém tinha me esclarecido: olha, você que vem de um clima quente, tenha sempre os pés quentes, nunca fique com os pés frios, pra evitar resfriados, doenças e tudo mais. Então eu passei dez meses nos Estados Unidos vendo todas as americanas ficarem resfriadas à minha volta, as minhas colegas lá que moravam no mesmo dormitório que eu e eu não peguei nenhum resfriado. Elas até se espantavam: como é, é engraçado, C., você vem de um clima quente e você não pega resfriado e nós que somos daqui estamos, volta e meia tem uma resfriada, uma doente e tal. E eu não pegava resfriado, mas era unicamente isso, eu estava sempre protegida com os pés agasalhados, não é? Punha aquelas palmilhas quando, mesmo quando não estava, quando não tinha neve, quando tinha neve eu saía só de bota, né, bota própria pra gelo, mas fora disso quando eu via que o tempo ia mudar assim eu botava uma palmilha no pé. De maneira que estava sempre protegida e o clima não me atingiu não. Mas eu acho um, eh, aqui dentro do Brasil eu já viajei por muitos estados, fazendo sempre conferências sobre artes plásticas e é difícil assim me, me, eh, recordar particulares desse ou daquele estado onde eu estive, porque eu passava poucos dias assim muito atarefada com as conferências que eu ia fazer e não dava assim pra me, prestar muito atenção ao tempo. Agora, me lembro bem quando eu fui, (riso) quando eu fui ao Pará fazer a conferência lá, até aconteceu uma coisa curiosa, eu não sei lá por que havia posto um casaquinho de malha no, na minha bagagem e por incrível que pareça, quando eu cheguei lá eu tive que usar o casaquinho de malha, porque fez frio e choveu, não é? Então, mas fez frio, de maneira que aquilo foi um sucesso lá, todo mundo se espantou que fizesse frio, era janeiro! Inteira... parece que foi uma coisa inteiramente fora de hora, né, chover lá. Mas em relação aos outros estados, que eu me lembre assim em relação ao tempo, aqui no Brasil, que, que me recorda é a luminosidade. Porque, como eu ia assim com um prazo muito curto, para chegar e já no dia seguinte estar fazendo conferência ou então às vezes mesmo ... Não, de noite não, sempre no dia seguinte que eu fazia conferência, às vezes já chegava um pouco mais tarde ou no meio do dia e no outro dia ia fazer a conferência, mas naquele dia que eu chegava, eu já tinha que tomar uma porção de providências. Eu tinha que ver o local onde ia ser feita a conferência, enfim, ah, tomar contato com uma porção de autoridades, de maneira que uma coisa que eu sentia e que eu atribuía unicamente ao tempo era em relação à luminosidade, o cansaço que eu, que me dava na vista e, e era um ... Cada, cada região dessas do Brasil a luz é diferente, não sei se é porque eu tenho olhos claros, eu, eles ficam muito sensíveis nessa circunstância. Então eu senti uma, uma diferença grande, especialmente na Bahia. Na Bahia eu senti, quando sai daqui e fui pra Salvador, já tinha estado lá outras oportunidades, né, mas quando fui assim pra ficar uns três, quatro dias, eu senti muita diferença na, na parte da, justamente da luminosidade da capital, né, de, de Salvador em relação, eu estou comparando sempre aqui com a nossa aqui do Rio de Janeiro. Mas o tempo ...
D
 Voltando a, a Chicago, a senhora disse que chegou lá em outubro, no dia cinco de novembro a senhora teve essa experiência da neve (sup.)
L
 (sup.) Da neve, foi (sup.)
D
 (sup.) Mas eu suponho que o inverno não chegue assim, de uma hora pra outra. A senhora não percebeu, não houve indícios assim de (sup.)
L
 (sup.) Não eu não disse que (sup./inint.)
D
 (sup.) Sintomas de que o inverno estava se aproximando? (sup.)
L
 (sup.) Eu não podia perceber, eu nunca tinha passado o inverno num clima frio.
D
 Mas quando, quando a senhora chegou lá que idéia a senhora teve do clima de Chicago?
L
 Eu cheguei lá, como eu disse (sup.)
D
 (sup.) A senhora chegou em outubro, não é? (sup.)
L
 (sup.) No começo de outubro (sup.)
D
 (sup.) Sim, como estava a cidade, a vegetação?
L
 Bom, ainda tinha, tinha campos verdes, havia ainda ... As, as árvores já estavam perdendo muito as folhas, não é, isso sim, as árvores estavam perdendo muito as folhas, até eu me lembro, uma vez me levaram numa cidadezinha ali perto de Chicago (inint.) uma coisa assim, um nome desses, não me lembro exatamente qual seja. Mas então as folhas ali (inint.) eh, essa cidadezinha, esse local, não sei se é um bairro, uma zona, sei lá o que seja, eu estava na companhia de umas moças lá da universidade, num automóvel ... E então são uma porção de casas numa montanha e elas me levaram porque elas achavam justamente que naquela época do ano era uma beleza fazer um passeio naquela região. Então a, as folhas eram to... das árvores todas, eh, queimadas, né, elas estavam todas assim num tom marrom, vermelho. Agora o perfume que saía daquelas árvores ... Porque as casas ali naquele trecho não têm muro, o limite de uma ele sabe exatamente onde é, através de um arbustozinho ou outro, então as casas ficam todas assim, para nós que estamos assim acostumados a ver uma casa murada e tal, não é, isso era uma novidade, não, não havia. E aquelas casas muito bonitinhas, pequenininhas, assim no meio da, da floresta ali na montanha, não é? E agora, o perfume eu nunca me esqueci, uma coisa fantástica, chegou até a me, me dar dor de cabeça tão, tão intenso e tão forte era o perfume daquelas, daquelas árvores, né? Não sei que, que tipos de árvores seria exatamente, mas é uma dessas lembranças assim em relação ao campo que eu nunca esqueci. Parecia que eu estava vendo a folha de uma história quando eu era criança, que a gente fica vendo aquelas, aquelas histórias com aquelas gravuras fantásticas, extraordinárias, diferentes assim foi a id... a idéia que me ocorreu quando eu fiz aquele passeio. Muito bonito (inint./sup.)
D
 (sup.) Durante o tempo que a senhora ficou em Chicago, a se... eh, foi só durante o inverno ou a senhora (sup.)
L
 (sup.) Não, eu estive dez meses. Chicago era como eles diziam, a minha, o meu lar nos Estados Unidos, porque eu, eu estive nuns dezesseis estados diferentes.
D
 Então a senhora teve experiências de climas diferentes, não é? (sup.)
L
 (sup.) Diferentes mas ... Porque eu passei dez meses, eu fiquei quase praticamente um ano, não é, peguei um, uma faixa de tempo grande lá nos Estados Unidos e fui inclusive a Mineápolis, lá mais ao norte de Chicago ainda, não é, e, e foi muito bonito também, eu me recordo, poder andar, eu nunca tinha andado assim em cima de um rio inteiramente gelado, duro, vendo as pessoas pescarem feito que fossem um esquimau, né, fazendo aquele buraco, pescando assim, né, aquilo pra mim foi um sucesso fantástico, achei aquilo extraordinário. E me levaram também pra ver uma cascata, a cascata era uma renda, dura, gelada assim, não é, uma coisa linda! De maneira que são, em relação ao tempo são lembranças magníficas. Agora noutras oportunidades também a gente se lembra, às vezes, choveu aqui, né, fez um sol lindo acolá. Agora, por exemplo, na Espanha, noutra ocasião, quando eu estive viajando na Europa, eu sempre me lembro também do tempo na Espanha, que o céu, às vezes até aqui, no Rio de Janeiro eu digo: hoje está fazendo o céu da Espanha, lá de Madri. É um azul assim, muito comumente, é um azul assim meio aguado. Naturalmente que tem aqueles dias de céu de azul muito intenso, mas pra mim, o que me ficou do céu da Espanha não é o, o nosso céu aqui, azul forte, pra mim o que me caracterizou mais o céu de lá é aquele, o céu assim de, de, de um azul meio aguado, né, uma beleza! Uma transparência de azul, uma coisa linda! (sup.)
D
 (sup.) Em que época do ano a senhora esteve na Espanha?
L
 Na Espanha, eu estive em setembro, foi em (inint.) em cinqüenta e nove.
D
 Setembro na Espanha que estação é?
L
 É, é antes do, é ante... eh, verão, primavera, verão. Olha, fim de primavera, não é? Não, ou verão, sei lá, é o, é o, justo o oposto ao nosso. Aqui o setembro é outono, outono, né, é, então lá é primave...
D
 Não (sup.)
L
 (sup.) Não?
D
 Não, setembro pra nós é primavera.
L
 Primavera.
D
 E depois começa o verão, no Rio, né? É.
L
 Então é outono lá.
D
 Outono.
L
 É, outono.
D
 Outono. Pois é, eu queria, eh, saber se a senhora não ... Porque no Brasil nós não temos essas diferenças (sup.)
L
 (sup.) Não (sup.)
D
 (sup.) Tão acentuadas, mas na Euro... na Europa existe, não é, uma diferença acentuada entre, entre as estações do ano (sup.)
L
 (sup.) Agora, engraçado, por exemplo, lá, lá quando eu estava na universidade de Chicago, né, que eu, fica o Midway Park na frente da, da universidade, justamente. Então eu ficava vendo quando mudava, estava mudando a estação, saindo do inverno, primavera, né, passando pra primavera, então eu pensava assim, ah, está todo mundo feliz, só a minhoquinha que deve estar desesperada porque os passarinhos ficam mergulhando a cabeça na terra e apanhando minhoca (risos). Ah, coitada (inint.) é uma coisa fantástica, é lindo depois ver, então, aquelas florezinhas assim, apontando, né, no meio do verde, uma beleza! Mas uma coisa que eu também achei belíssima, quando eu, assim em relação ao tempo, a natureza, o interior da França quando eu estive lá justamente nessa (inint.) em cinqüenta e nove, quando eu estive na Espanha, depois eu passei um mês na França e fui até a parte da Dordonha, para ver as cavernas da época pré-histórica, e então é uma, é uma coisa, é uma emoção, é uma, é uma lembrança a mais extraordinária que eu acho que um artista possa ter é, é ver justamente as artes plásticas como se iniciaram, como a gente tem ocasião de apreciar naquelas cavernas. Eu visitei lá as (inint.) de Altamira e uma infinidade de outras cavernas mais daquela área lá aquele ... São tantas naquele trecho lá da Dordonha, lá pro sul da França, que eles dizem que é a capital da pré-história. Mas a natureza, o tempo é belíssimo na (inint.) da Espanha, e lindo! Engraçado será, serão uma porção de circunstâncias (inint.) mas o povo também como se modifica, não é? O povo assim de interior, como ele é accessível. É aquele francês diferente do, do francês de Paris, não é, um francês muito gentil, muito humano. Naturalmente o parisiense tem a sua, ah, tem, tem que lutar pela sua sobrevivência do dia a dia, né, com um esforço extraordinário, de modo que ele tem que ter um caráter diverso daquele que é do interior, do campo. Mas o, eh, eh, ter oportunidade de apreciar também o, o tempo, o campo no interior, é um (inint.) magnífico, belíssimo.
D
 A senhora teve alguma vez (sup.)
L
 (sup.) Na Inglaterra também, né, dois meses eu estive na Inglaterra nessa ocasião, mas justamente eu desejava até ver o `fog' na Inglaterra porque eu nunca vi. Mas eu acho que o, o clima, o tempo da Inglaterra caprichou tanto pra me esperar que não houve um dia de `fog', alguns dias foram chuvosos, poucos. Eu fui na época do verão e eu cheguei em cinco de setembro lá na Inglaterra, mas ... Então eu fui à Espanha, eu fui antes, eu fui em a ... em julho e ago... eh, julho, é, entre julho e agosto que eu fui pra, em cinco de setembro é que eu cheguei na Inglaterra. Mas aí eu estava desejosa de ver o `fog' que pra mim ia ser uma, uma emoção, uma novidade, a gente ouve falar e eu nunca tinha tido a oportunidade, como nunca tive. Mas durante dois meses que eu estive em Londres, Londres e nos arredores, né, viajei também, fui lá pro sul da Inglaterra estive em Cornwall, estive em Stratford on Avon, fui ver lá a casa do Shakespeare e enfim em uma porção de outras cidadezinhas lá do interior, estava também fazendo o trabalho assim de intercâmbio cultural lá (sup./inint.)
D
 (sup.) Como é que a senhora ima... imaginava que fosse o `fog'?
L
 Bom, a gente sabe, é tudo, tudo fumarento, né, tudo embaçado, não dá pra ver, né, mas eu queria ver como é que ele, ele se apresenta. Agora, justamente no dia que eu saí de avião da Inglaterra e voltei pra França, onde eu fiquei mais quinze dias antes de voltar ao Brasil, aí os jornais todos noticiaram que deu um `fog' tão terrível lá, que os aviões ficaram retidos, os outros aviões mais tarde do dia não saíram, foi um `fog' tremendo! Então (riso) eu acho que o tempo na Grã-Bretanha caprichou muito, em Londres, pra não me dar assim uma demonstração violenta.
D
 Nessa, nessas viagens que a senhora fez, alguma vez a senhora teve alguma experiência desagradável relacionada com clima, com o tempo que fazia? (sup.)
L
 (sup.) Não. Bom, eu me lembro, não foi desagradável, mas (inint.) em relação ao tempo é uma coisa que eu nunca me esqueci. Uma vez quando eu estava nos Estados Unidos, na Filadélfia, eu tinha ido visitar um museu lá e não me dei conta que o tempo estava mudando, então quando eu saí do museu estava um temporal terrível, né, tinha caído uma chuva terrível e eu estava com meu casaco de pele, estava bem protegida, mas não estava, não estava de bota não. Então eu me lembro, eu, o único, a única, o ... Só o que podia me proteger era um jornal que eu comprei então num jornaleiro logo depois do museu. Eu vinha então com aquele jornal aberto assim sobre a cabeça, estava com meu casaco e tal e abri aquele jornal porque era um, era uma chuva gelada que batia, né, terrivelmente gelada. E eu não conseguia táxi, não conseguia nada, então eu tive que andar uma extensão enorme a pé, inclusive num momento lá fiquei até com cãimbra no pé, ah, na sola do pé parecia que de repente ficava feito uma corda. Mas eu me lembro, nisso que eu estou andando num sentido, vem no outro sentido oposto então um rapaz, coitado, esse não tinha casaco, ele teria sido surpreendido pelo tempo lá no escritório onde ele trabalhava e ele não, ele só estava com, com a roupa dele comum mas não tinha assim um sobretudo nada que protegesse, nem guarda-chuva, nem tinha jornal, nem tinha nada, ele vinha com as duas mãos no bolso assim, eh, enfim, a gente sentia o gelo que ele havia de estar sentindo no corpo, né? Então quando nós dois passamos um num sentido, o outro no outro, (riso) eu dei metade do meu jornal pra ele, eu digo: bom, a gente sempre tem alguma coisa pra dar não é? Aí ele não, não agradeceu nem nada, né, foi só pegar aquilo e botou na cabeça dele assim, enfim, foi uma lembrança que sempre me ficou, que eu fiquei feliz o resto da vida de ter dado um pedaço do meu jornal pra ele, porque eu afinal de contas ainda estava frio sobretudo, não é, meu casaco, meu casaco de pele e ele, coitado, não tinha nada. Então eu passei metade do jornal pra ele (inint.)
D
 Eu perguntei isso porque a senhora sabe que os Estados Unidos é um país que sofre de vez em quando, eh, fenômenos assim violentos (sup.)
L
 (sup.) Não, mas eu não tive, não, não peguei nada assim desses fenômenos assim terríveis que vez por outra acontecem. Só, só me lembro assim de coisas ocasionais, por exemplo quando eu cheguei, quando eu cheguei a Nova York que eu fui pra casa internacional, né, peguei um táxi na estação, eu já fui, cheguei a Nova York já estava há quatro meses em, nos Estados Unidos, aí cheguei de trem, peguei um táxi e fui pra casa internacional que tinha alojamento guardado lá pra mim. Mas quando eu cheguei em Nova York lá, lá defronte da casa internacional deu um vento mas tão, uma rajada tão violenta, tão violenta que arrancou meu chapéuzinho que eu nem sei, nunca mais soube por onde ele foi parar. Todo mundo dizia que, que era Chicago que é o, o, enfim, o, o estado mais ventoso deles, né, mas pra mim a lembrança que me ficou foi de Nova York, né? Não posso (interrupção). Mas em relação a tempo assim, eh ...
D
 A senhora sabe o nome de vento?
L
 Não, não sei nome de vento, mas por exemplo quando eu fiz o mausoléu dos aviadores militares, o primeiro mausoléu, porque eu fiz os dois, né, eu fiz o primeiro e o segundo que estão no São João Batista, o primeiro até foi uma, era uma concorrência internacional e eu fiquei muito contente de ter tirado o primeiro lugar, até por unanimidade, e isso aconteceu porque eu fiz toda a concepção, ah, tanto arquitetônica quanto escultórica fugindo de tudo que lembrasse desastre. Embora fosse a finalidade um mausoléu, mas eu propositadamente fiz todo o trabalho dentro de um aspecto de, eh, tanto na arquitetura quanto na escultura, assim que puxasse mais prum aspecto simbólico, mais para de... decorativo, não uma coisa que fosse causar algum choque emocional assim depressivo pra quem visse e os outros concorrentes todos haviam feito desastres, coisas tremendas assim representadas ou nos relevos ou, ou nas figuras em vulto. Então nesse trabalho um dos relevos representa justamente a vida do aviador e o outro relevo é quando o aviador já morreu mas então eu fiz ele de pé sendo levado pelo espaço, pelo gênio da aviação. Então para interpretar escultoricamente o tempo nesse trabalho em que o aviador é visto ... Ele já morreu está sendo levado para a glória, então o gênio da aviação o segura e vão os dois pelo espaço, de pé, mas então pra dar idéia que eles estão justamente no espaço, então eu fiz assim como um arco-íris, aqui um trecho assim em arco, né, em diversas, em diversas, eh, al... alturas do relevo. E no outro baixo-relevo que focaliza a vida do aviador eu fiz um, como se fosse uma esquadrilha de, de aviões e representei então umas, umas nuvens. Aí nessa ocasião (riso) eu tive que aprender quais eram os nomes das nuvens e tal, andei lá às voltas com aqueles aviadores, eles me esclareceram quais são as, as, eh, esse tipo de nuvem, aquele tipo de nuvem (sup.)
D
 (sup.) A senhora podia contar pra nós, né?
L
 Ah, mas isso já faz muito tempo, agora (sup.)
D
 (sup.) Não, conta. Mais ou menos, né?
L
 Ah, cirros, nimbos.
D
 É um negócio interessante! A senhora sabe a diferença entre umas e outras?
L
 Eu sabia, agora quando eu quero saber eu vou exatamente em cima do livro pra recordar, né, mas naquela ocasi~ao eu fiquei sabendo tudo direitinho, mas agora, depois me esqueci. Eu acho uma beleza quando eu vejo assim as nuvens no céu, o que me encanta na nuvem não é o nome, é justamente a forma, não é, aquele volume, aquelas massas. Então eu procuro ver, a gente encontra figuras de, humanas, de animais, entes fantásticos, né, a gente vê na, nas nuvens. Aliás isso era uma, uma sugestão até do Leonardo da Vinci, não é, que a gente visse assim na, na umidade dos muros, nas nuvens, eh, o apelo da forma justamente, não é, a, a, a natureza, né, sugerindo a forma pro artista, de maneira que isso é ... Eu faço muito comumente isso. Mas (sup.)
D
 (sup.) A senhora disse que se preocupa muito todos os dias em saber o tempo do dia seguinte.
L
 É.
D
 Então quando isso é transmitido, é noticiado existem sempre certas fórmulas, não é, pra, pra, pra previsão desse tempo, né?
L
 Tempo bom sujeito a (riso/sup.)
D
 (sup.) Exato (sup.)
L
 (sup.) A chuvas e, e, enfim, essas previsões eu procuro guardar, me, me prevenindo de acordo. Mas outro dia, coisa de dois dias atrás até, saiu no jornal uma coisa muito engraçada. Não sei se vocês tiveram ocasião de ler. Então foi o, o, esse, eh, o, o, o artigo se referia a um fazendeiro americano que tinha percebido que uma das vacas que ele possuía no campo quando ia chover ela se deitava na sombra dela e quando o tempo ia ficar bom então ela saía passeando. E ele começou a testar em relação ao meteorológico como avisava que seria o tempo e a previsão feita pela vaquinha que ele possui, né, então a vaquinha em trinta, em trinta testes que ele fez a vaquinha estava ganhando por dezenove pontos (riso) e então essa, esse, essa pesquisa que ele estava fazendo, ah, chegou, ah, ao conhecimento de um jornal e o jornal então ... Já tinha uma porção de pessoas que ficavam fazendo apostas, quem é que iria ganhar, (riso) se seria o meteorológico, se seria a vaquinha, dava o nome do fazendeiro e tudo, né? De maneira que há dois dias atrás eu estava até me referindo a isso, lá, conversando na escola, a, a graça, enfim, a, a idéia desse fazendeiro, não é, se, de pesquisar um assunto dessa natureza. Mas no outro dia também saiu no jornal em relação aos animais, diferentes tipos de animais, como eles ficam ansiosos especialmente em relação a terremotos, não é, quando vai haver assim uma, uma mudança violenta dessas de, de estrutura da terra. Agora, eu me lembro, ainda, morando já nesta casa, uma vez nós tivemos um, uma, a, a terra se deslocou do Sumaré e pegou uma área grande e eu justamente vinha andando nesse corredorzinho aqui, quando eu senti o chão balançar assim mais pra baixo. Minha irmã estava na sala de jantar e eu disse: ô G., parece que o chão me, me fugiu do pé! Eu não podia imaginar o que fosse, não é, e no dia seguinte então é que davam, os jornais todos davam a notícia, né, que tinha havido um grande deslocamento de área, né, uma corrida dessas de, de subsolo e um, um deslocamento grande que pegou até Espírito Santo, não é, Rio de Janeiro, Guanabara, e eu achei curioso como é que eu cheguei a perceber, justamente eu estava andando, talvez fosse essa a circunstância, não é, eu senti quando estava trocando o, o passo que o chão desceu um pouquinho.
D
 Essa história que a senhora contou do americano e da vaquinha que pressentia o tempo, eh, em relação assim à, à lua, hum?
L
 A lua?
D
 É.
L
 Não sei. Agora (sup.)
D
 (sup.) A lua, eh, a lua e as pessoas existe uma série de, de (sup.)
L
 (sup) Ah, isso também a gente ouve sempre falar, não é, e muita gente fica nervosa. Agora, em relação ao tempo, eu também me lembro, houve uma época em que eu tinha sinusite e era uma sinusite que me castigou uma temporada muito longa, muito grande. Eu pa... eu, certa ocasião eu fui, passei uns dias até, minha irmã morava na Volta Redonda, eu estive lá e especialmente lá mas aqui também, quando o tempo mudava, o céu podia estar lindo, o sol podia estar aquela maravilha eu dizia: vai chover. Eu sentia um, uma dorzinha tão terrível aqui assim no nariz em cada lado da, do nariz que era exato, no a... eu, eu acho que era a umidade do ar, não é, mas era, era a coisa mais exata que podia haver, melhor que o meteorológico. É, ah, essa, essa previsão que eu também podia, podia fazer nessa circunstância. Agora isso é comum também quando a gente é operada, não é, a gente sente (sup.)
D
 (sup.) É? (sup./inint.)
L
 (sup.) O corte. É, eu fiz, já morando nessa casa também, eu fiz uma operação de vesícula. A gente sente no corte, dói, logo depois, né, os, um ano, dois anos depois a gente pode prever (riso) o tempo através dessas sensibilidades.
D
 E, e essas coisas em relação à lua, às fases da lua, existem uma série de, né, de, de tradições, de lendas, de superstições mesmo, em relação às pessoas, aos animais.
L
 É, mas isso a gente ouve quando o cachorro está latindo pra lua, não é, que é alguma coisa de terrível que vai acontecer. Essa, isso eu só me lembro assim quando eu era pequenina, ficava apavorada assim quando via cachorro uivando, né? Mas fora disso eu sempre vivi na cidade, nunca, não dava muito (sup.)
D
 (sup.) Não dá nem pra perceber a lua, né?
L
 Não, não dá. Quando a gente, quando a gente percebe a lua, ela, ela está lá em cima já, né? Agora eu acho uma beleza, está aí, é das coisas mais lindas que eu acho em relação ao tempo ... Esse ano ainda não aconteceu, né, mas nuns outros anos atrás, eu, eu tive essa oportunidade. A escola de uns tempos pra cá tem feito o horário da minha disciplina iniciando às sete horas da manhã, então eu tenho que sair de casa muito cedo. Esse ano 'e porque ainda não chegamos em junho, julho, por aí, né, mas nessa época do ano, então quando saio, eu tenho um carro e quando saio e vou entrando na praia de Botafogo é maravilhoso ver o sol à direita e a lua à esquerda na mesma ocasião. Aquilo me compensa da madrugada que eu estou fazendo, eu digo: ah, meu Deus, vale a pena acordar às cinco horas da manhã pra estar passando por aqui às seis e meia da manhã só pra poder ver essa beleza que é aquele sol redondo, vermelho, feito uma bola no espaço, não é, e a lua branquinha acolá, né, um fazendo frente ao outro! A lua fica aqui pra esquerda e o sol fica ali pra direita, não é, uma coisa linda! Eu nunca, sabe que eu não imaginava isso! (sup.)
D
 (sup.) Quando a senhora era criança, a senhora não pensava que a lua era habitada, não?
L
 Não, eu nunca me preocupei muito com a lua não, só (inint.) diziam: ah, São Jorge, não é? Aquelas manchas da lua, aquela coisa, mas nunca me, me atingiu assim. Mas céu estrelado também é uma coisa belíssima, né, que a gente pode lembrar em relação ao tempo. Agora eu me lembro também uma vez quando eu estava em Nápoles até, de madrugada assim eu estava num hotel lá defronte da baía de Nápoles e tal, de madrugada me deu assim vontade de chegar na janela, mas eu nunca me esqueci dessa emoção também que, que eu tive olhando pro céu. Havia estrelas que pareciam umas verdadeiras lâmpadas elétricas, enormes assim, não é? Ah, a, a luminosidade de, de alguns daqueles astros eram, era tão grande, tão grande que, rarefação, sei lá o quê ... Coisa linda! Nunca me esqueci, coisa fantástica! Aqui pode ser (inint./sup.)
D
 (sup.) Aqui a gente custa a (sup./inint.)
L
 (sup.) É, porque aqui, as casas onde eu tenho morado, eu quando estou no Rio de Janeiro nunca estou em hotel, estou sempre em casa, né, de modo que não me dá essa chance. Mas essa noite que eu estive lá foi belíssimo, que eu me lembro, quando eu olhei pro céu assim, de madrugada, seria quatro horas da manhã, quatro e meia, não é, uma coisa assim, uma coisa fantástica! São, são lembranças justamente que ficam que a pessoa não esquece nunca.
D
 Está bom, dona C.
L

  Está bom? (riso).