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PROJETO NURC-RJ

Tema: "Ensino e igreja"

Inquérito 0264

Locutor 318
Sexo feminino, 65 anos de idade, pais não-cariocas
Profissão: química
Zona residencial: Sul

Data do registro: 20 de março de 1975

Duração: 41 minutos

 

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D
 (inint.) desde o primário. Se a senhora tiver a lembrança de como foi desde quando era pequenininha, quando foi pra escola, está perfeito, viu, todos os ... E depois nós podemos falar sobre igreja, quer dizer, sobre religião em geral ou igreja em particular, igreja a que a senhora pertence, se pertence a alguma, se não, quer dizer, se possível tu... eh, o, o lado material mesmo da (sup.)
L
 (sup.) Da coisa (sup.)
D
 (sup.) Quer dizer, da coisa, quer dizer, por exemplo, se a senhora é uma pessoa praticante, podia descrever o ritual, quer dizer, não é? Tudo o que a senhora já tenha (inint./sup.)
L
 (sup.) Bom, eu sou praticante, que eu sou católica (riso) praticante (sup.)
D
 (sup.) Então, então podia descrever pra nós. Não importa que sejam coisas que a senhora imagine que nós sabemos não (sup.)
L
 (sup.) Sei, sei, sei (sup.)
D
 (sup.) Já entendeu, né?
L
 É, sei.
D
 Então nós vamos gravar quarenta minutos (inint./sup.)
L
 (sup.) Ai, minha Nossa Senhora, que que eu vou fazer? (sup.)
D
 (sup.) E nós fazemos perguntinhas pra ajudá-la (sup.)
L
 (sup.) Sei, sei, sei (sup.)
D
 (sup.) Viu? Por exemplo, eu já posso lhe fazer essa pergunta: a senhora podia descrever pra nós o seu primeiro dia de escola, de criança, se a senhora se lembra, até onde se lembra, as preparações, como estava vestida ou outro qualquer (sup.)
L
 (sup.) O primeiro dia da escola como criança? Olha, o primeiro ... Já está gravando aí, né? O primeiro dia de escola foi ... Bom, muito cedinho, eu entrei com cinco anos e pouco pruma escola maternal, naquele tempo não existia maternal, era uma irmã do professor, eh, Paulino, Augusto Paulino, que foi um grande médico aqui, e ela tinha uma sala de aula na casa dele. Então nesta sala de aula, eram companheiros nossos só da rua Alice, aqui em Laranjeiras, o Maurício Lacerda, o Carlos Lacerda e mais duas ou três pessoas ali da rua que aprendemos a ler com ela. Ela nos ensinou a ler e era uma criatura assim muito bondosa, a dona Edite, e a gente tem uma recordação dela, todo mundo que estudou ali com ela, aquele grupinho da rua Alice, tinha assim uma loucura por ela, porque ela se mostrava muito bondosa com a gente, tinha muita paciência com os nossos malfeitos, né? (riso) Depois eu fui pro Jacobina, aí primeiro dia dum colégio grande é muito diferente, né? E lá justamente eu encontrei uma pessoa que foi assim maravilhosa e que hoje essa pessoa muito velhinha mora em Belo Horizonte, que era a Marilu do colégio Jacobina, que quem conhece o colégio Jacobina daquele tempo sabe que a Marilu era assim a fada boa do colégio. E lá nós tivemos muito bons professores e eram umas salas grandes, arejadas, e o que era interessante no Jacobina naquele tempo era que a gente só ia pro corre... pro recreio e voltava do recreio cansan... cantando músicas, a maior parte francesas, porque naquele tempo a nossa cultura era muito mais francesa do que americana, né? Então a gente estudava muito bem francês e cantava cantos lindos, sendo que aos sábados eram sempre cantos religiosos, quase sempre hinos a, a Nossa Senhora, no Jacobina. Então aquilo era, era um, era uma graça, porque a gente sempre saía cantando, nós ... E depois, quando eu estive muito mais velha na Europa, eu vi que aquelas canções que a gente cantava ali são canções usuais mesmo na França, quer dizer, eu fui em lugares na França que me recordavam prin... muito "Il était un petit navire", "Monsieur (inint.) s'en va-t-en guerre", todas aquelas coisas que a gente cantava, no Jacobina, eram cantadas também, "Pierrot", "Clair de la lune", todas aquelas coisas. Então eram aulas ... E tinham muito boas professoras, porque lá no Jacobina a gente estudava mesmo, tanto que eu saí do Jacobina com doze anos, porque eu resolvi estudar, e fui pro Andrews e confesso que não tive dificuldade nenhuma em seguir as matérias. Eu pensei que eu saísse dum colégio feminino que eu fosse ter dificuldade num colégio que ... Porque no Jacobina naquele tempo não havia ainda preparatórios, era só formar uma moça pra sociedade, pra ser uma boa moça, dona de casa, saber acompanhar seu marido nas festas e nas coisas e mais nada, não dava um diploma de coisa nenhuma. Então eu queria fazer, fui pro Andrews. Então lá eu tive uma única colega de classe, que era a Mary del Vecchio, que tinha saído também do Jacobina porque queria ser arquiteta. E nós então fizemos o curso, nós éramos uns doze a quatorze rapazes e nós duas, e que sempre tivemos um ambiente muito bom, quer dizer, os rapazes sempre procuraram nos proteger, muito diferente do tempo de hoje. Qualquer malfeito perto, os rapazes diziam: hoje, pra lá vocês não podem ir, ou pra aqui vocês não podem ir. Uns cadernos, os sempre célebres cadernos de perguntinhas e respostas, quando eram muito, muito ousados, eles diziam: esses vocês não peguem, não, porque esse ... Quer dizer, eles procuravam proteger a gente, né? E da minha turma do, do, do Andrews, nós tivemos quatro na escola de engenharia junto comigo, de modo que ... E tenho muito boas recordações do Andrews, dos professores, um professor Paula Lopes, por exemplo, que era espetacular, o velho Cristiano Franco, que dava inglês, que dava umas aulas interessantíssimas sobre, sobre literatura inglesa, muito bom, e a dona Alice Flexa Ribeiro, que não precisa dizer nada, porque, pai do Carlinhos Flexa Ribeiro, que era nossa professora de francês e literatura, que dava aulas assim que podiam ser até copiadas pra ou... outras aulas, prum livro especial de literatura, né? Eu acho que ...
D
 Ah, eu fiquei com curiosidade a respeito dos preparatórios. A senhora podia nos explicar isso exatamente o que que era e como se fazia?
L
 Ah, porque os preparatórios naquele tempo a gente não fazia prova no colégio. A gente ia sozinha e Deus fazer prova no Pedro II, né? Quer dizer, a gente estudava uma, durante o ano inteiro no colégio, se inscrevia no Pedro II e fazia os preparatórios, sendo que tinham três preparatórios básicos: português, você não podia fazer língua nenhuma se não tivesse português, outra, matemática, se não tivesse aritmética e história pra outra parte de ... Quer dizer, matemática era exigido também pra física, química, história natural e geografia ... História, não, geografia pra fazer a parte das histórias, quer dizer, você tinha matemática, português e geografia, básicos, dali então você partia para os outros exames, se a sua capacidade desse, você podia fazer mais de três a quatro preparatórios por ano, né? Aquilo não precisava fazer um 'curriculum' exigido. Quer dizer, eu por exemplo, eu não fiz geografia logo, eu comecei fazendo português, francês, aritmética e álgebra. Depois é que eu fui fazer a geografia e histórias. Quer dizer, então aquilo não era um 'curriculum' obrigatório, mais ou menos seguia um 'curriculum' obrigatório. Como eu já saí do Jacobina pro Andrews, peguei uma turma que já tinha feito o primeiro ano de preparatórios lá, que fazia geografia, então eu já peguei do meio, mas aquilo então você fazia ... E pra cada universidade tinha as matérias exigidas, quer dizer, só pra medicina e engenharia eram exigidas todas as matérias. As outras não, se você fazia farmácia, fazia química ... Eu por exemplo, pra química industrial, eu fiz, mas não precisava ter feito nem latim nem história geral, não era exigido.
D
 Sim.
L
 Agora os outros não. Então você fazia, fazia uma prova escrita ... No começo, as primeiras provas que eu fiz preparatórias eram assim: eram chamados vinte e cinco de manhã e vinte e cinco à tarde.
D
 Sim.
L
 Então você fazia a prova escrita, levava duas horas e depois fazi... eram corrigidas e faziam a prova oral de tarde. Depois nos últimos dois anos a gente fazia uma prova escrita em comum. Quer dizer, chamavam todos pra prova escrita no mesmo dia. E depois então começavam a chamar pra prova oral, uns quarenta de manhã, uns quarenta de tarde, até terminar todos os inscritos.
D
 Quando foi isso? (sup.)
L
 (sup.) Isso foi até mil novecentos e vinte e sete, né? Que eu fiz vestibular pra escola de Engenharia em fevereiro de vinte e oito.
D
 Quer dizer, além disso ainda havia o exame vestibular?
L
 Ah, bom, tinha o exame vestibular e esse era, era necessário, haviam os cursinhos e haviam, já os cursinhos já existiam, eu estudei no (inint.) por exemplo, que era o curso (inint.) que era um curso de muita fama pra vestibular pra escolas superiores, né, principalmente pra matemática e pra engenharia, que ele era um professor do colégio Militar e fez um curso e esse curso era muito famoso pra, pra fazer um vestibular, né?
D
 Eu não sei se a senhora vai entender a minha pergunta, mas eu vou fazer assim mesmo. Os cursos que a senhora fez no Jacobina como se chamaram e o curso que a senhora fez no Andrews como se chamava?
L
 Ah, não, no curso Jacobina havia, era um curso assim: a, bê e cê, pra, como se chamava, o curso primário.
D
 Certo.
L
 E depois ia de primeiro ao sexto ano, você saía então formada pelo, pelo Jacobina.
D
 E esse curso de um, eh, de, de um ao sexto ano como se chamava? Porque hoje tem um nome, eu não sei se é o mesmo (sup.)
L
 (sup.) Era ... Não, não. Naquele tempo não tinha, que eu saiba, não tinha um nome não, então você fazia a, bê e cê, primeiro, segundo, terceiro, quarto, quinto e sexto ano no Jacobina. Que eu sa... que eu me lembre, não tinha nome nenhum especial.
D
 Nem o do Andrews também não tinha? (sup.)
L
 (sup.) No Andrews você tinha, você fazia o primário e o secundário, que eram, eh, pra fazer os preparatórios.
D
 Quer dizer (sup.)
L
 (sup.) Quer dizer, você tinha quatro anos primários e tinha quatro anos de secundário, pra fazer os preparatórios, você fazia os preparatórios quase sempre em quatro anos. Depois aí então você partia pra um ano de cursinho pra fazer o vestibular, sendo que eu não fiz, eu não, qua... no último ano do preparatório, eu já, em junho, entrei prum cursinho e fiz o vestibular sem perder nenhum ano, né?
D
 Quer dizer, os quatro anos de preparatórios eram depois dos quatro do secundário?
L
 Depois, não. Os preparatórios (sup.)
D
 (sup.) Ah, não (sup.)
L
 (sup.) Não havia. Era o, era, era, era o, era o curso secundário, que se chamava, que se, que seus prepara... (sup.)
D
 (sup.) Próprio. O curso secundário incluía prepara... (sup.)
L
 (sup.) A gente, se fazia os preparatórios (sup.)
D
 (sup.) Sim (sup.)
L
 (sup.) No curso secundário.
D
 Ah! Perfeito. E não era obrigado a fazer, podia fazer em mais ou menos anos (sup.)
L
 (sup.) Em mais e menos anos. Podia.
D
 Certo (sup.)
L
 (sup.) Se você pudesse estudar sozinho em casa. Naturalmente nos colégios era mais ou menos feito em quatro anos, né?
D
 Hum, hum. Certo.
L
 Né?
D
 Certo. Agora essa primeira experiência da senhora nessa sala com essa professora, a senhora se lembra como era a sala ou como é que ficavam os alunos? A (inint.) que era que tinha (sup.)
L
 (sup.) Bom, a sala... Ah, não. As salas do colégio Jacobina eram imensas, né? Como hoje eu só conheço o Sion, que tem mais ou menos o mesmo tipo de aula, que são salas grandes, arejadas, com professora, naturalmente, num pequeno estradozinho, com a sua mesa e a sua cadeira naquele estrado, com um grande quadro-negro na parede. E nós éramos uma turma de vinte a vinte e cinco com cadeiras grandes, de cadeiras com tampas que levantavam e a gente podia guardar livros que não precisava trazer pra casa todo dia, quer dizer, ficava no colégio os livros que a gente ... A gente só trazia pra casa os livros que tinha que estudar pro dia seguinte, né? Porque os outros livros e os cadernos ficavam naquelas cadeiras grandes, enormes, aquelas carteiras, verdadeiras, `pupitres'. (riso)
D
 Sim.
L
 Cadeiras de, de, que levantavam, sabe como é que é, né?
D
 Sei (sup.)
L
 (sup.) Aquelas que levantam a tampa e que você guarda ali ... Tinha seu tinteirinho no canto, lugarzinho pra você botar a sua caneta e tudo. Você era a dona daquele canto, quer dizer, ninguém mais sentava ali, colégio nenhum tinha dois turnos, né? Quer dizer, você era a dona do seu cantinho o ano inteiro, desde que você chegasse, né? E eu como sou míope sempre procurava sentar na frente pra ver bem. (riso)
D
 E, que, como é que a senhora se vestia nesse tempo da escola primária? (sup.)
L
 (sup.) Ah, com o uniforme. O unifor... o Jacobina já tinha o mesmo uniforme de hoje: sapato preto, meia branca, saia cinza pregueada, blusinha de, de tricoline, branca com ... Aliás, era mais, a gente chamava tricoline, não, era um tobralco (sic) branco com aquele frisozinho xadrez do Jacobina, com a gravatinha xadrez, gravatinha branca com vermelho e o chapeuzinho que quase sempre como no tempo de hoje também a gente não gostava de usar. Mas era o mesmo uniforme de hoje. Depois no Jacobina foi a saia pregueada azul-marinho com aquele blusão branco, comprido, de tricoline aí mais grossa, só com aquela gravata vermelha e chapéu azul-marinho também.
D
 E, e levava os livros como?
L
 Ah, levava os livros numa pasta, quase sempre numa pasta, uma pasta dessas comuns, não era essas de hoje não, es... pasta mesmo, pasta de homem, né? Pasta preta simples sempre, tanto no Jacobina quanto no, no, no Andrews, a pasta era a mesma, né? Já pra escola superior é que a gente carregava os livros na mão, né? Que aí não tinha mais uniforme, mas que eu fazia muito quase o meu uniforme, porque eu andava muito de saia e blusa, porque eu sempre gostei, como até hoje estou de saia e blusa. De modo que ia muito de saia e blusa pro colé... pra, pra escola e livro na mão, naturalmente, né? Que na escola já não, já não usava mais pasta, que era feio, né? (riso)
D
 Agora no colégio Jacobina, no primário, no secundário, enfim, além de alunos, professores, que outras pessoas havia que faziam parte do colégio também?
L
 Ah, tinham as duas diretoras chefes, que eram dona Chiquita Jacobina e a dona Belinha Lacombe, né? Que eram as duas maiorais e era, e ainda tinha a mãe da dona Belinha, que era a famosa vovozinha do colégio Jacobina, que ia muito pro recreio conversar com a gente, era uma velhinha adorada, e quando fez seis an... cem anos que ela nasceu, houve uma festa enorme no Jacobina e todo mundo foi, né? Tinha Amelinha Lacombe, que essa é hoje, pode-se dizer, junto com a Laura Lacombe, com a irmã dela bem mais velha, que foi minha professora, são as diretoras do, do colégio Jacobina e tinha uma, naturalmente uma servente, que ajudava a gente a esquentar um leite, a ver uma coisa assim, que era uma velha gorda muito querida das crianças e tinha a parte de secretaria, que praticamente a gente nem tomava conhecimento, né? Porque criança não toma conhecimente da parte de secretaria, né? Principalmente naquele tempo. Hoje em dia a criança, o menino vai muito direto pra secretaria e é mais, é mais autêntico, eu acho, eles tomam mais conta de tudo que eles fazem. No nosso tempo, mãe tomava muito conta do que a gente fazia, quer dizer, mãe é que ia matricular, mãe é que ia ver essas coisas todas. Hoje em dia, e eu vejo, a criançada praticamente faz tudo sozinha, né? A não ser aquelas que mãe é muito, muito abafante, o resto a criança faz tudo por si, que é uma grande coisa, né? No meu tempo eu sempre fui ... Minhas filhas por exemplo eu já fiz, o marido fez questão, quando elas entraram pro colégio, ele abriu uma conta no banco, quem pagava a conta no banco eram elas, no colégio eram elas, pra habituar desde cedo, habituar com cheque, responsabilidade do dinheiro que tinha, essas coisa toda, que nós no nosso tempo não tínhamos. Nós éramos criadas pra casar e ser dona de casa, o que eu me insurgi. (risos) Casei por acaso, sou, eh, foi muito bom ter casado, acho ótimo, mas eu acho que a gente casar com uma profissão, casar porque gosta e não, no meu tempo casava pra ter um marido, pra sair dum pai que mandava prum marido que sustenta, era horrível, né? Agora não. Eu já casei porque gostei e tenho quarenta anos de casada e posso dizer que gosto ainda muito. De modo que eu acho que a mulher fica muito mais independente e muito mais livre de escolher aquele que ela realmente gosta, pra ser seu companheiro pra vida inteira, e não, casar porque o pai já está mandando demais, vai casar com um marido que ela pensa que não, vai mandar menos, mas vai mandar tanto e é, e é horrível, né? Sai dum jugo. Quando o jugo é bom, a, a pessoa esperava melhor o marido, né, agora, quando o jugo era ruim, casava com o primeiro que aparecesse, porque não tinha condições de se defender na vida, né?
D
 E esse vestibular que a senhora fez é muito diferente do atual vestibular, né?
L
 Ah, era. Completamente diferente, no mesmo (sup./inint.)
D
 (sup.) Como era o seu?
L
 O vestibular que nós fizemos, nós tínhamos a prova escrita, que era uma prova de desenho, uma prova de desenho, vamos dizer, desenho geométrico. Todo com tira-linhas, com nanquim, quer dizer, uma prova quase de geometria descritiva, vamos dizer, hoje em dia. E depois nós tínhamos a parte escrita de português naturalmente, matemática, um pouco de física e um pouco de química. E depois então das provas escritas, a gente ia passando na prova escrita de cada uma até chegar ao final, e aí fazia-se uma prova oral só, uma banca examinadora só, com os três, o próprio presidente da mesa também examinando. Era a prova ... Pra química industrial, uma prova de física, uma prova de química e uma prova de matemática mais elevada, porque depois pegava a parte de físico-química, então tinha que ter uma parte no exame de matemática também. Aí, era o vestibular, quer dizer, eram, nós fomos doze a fazer exame naquele ano pra prova de, pra, pro curso de, de química industrial na escola Politécnica, nós fomos doze. Quer dizer, você vê ... Então, nos laboratórios da, da, da escola de Química, eram laboratórios que podiam conter, quer dizer, quando eu fiz exame, o máximo permitido eram dezesseis, pra cada um ter a sua banca, pra poder trabalhar. Quer dizer, então a gente, quando entrou pra escola, tinha aulas de manhã de teóricas. Quer dizer, no primeiro ano de química a gente tinha a aula de física junto com o primeiro ano de engenharia, tinha a aula de química analítica e a aula de química orgânica. Isso na parte da manhã, eram as aulas teóricas, então, na parte da tarde, toda a tarde, nós ficávamos na escola de duas às seis da tarde, de segunda a sexta, trabalhando em laboratório. Cada labora... cada matéria tinha o seu laborátorio na escola Politécnica, que era, como vocês sabem, uma escola imensa pra aquele tempo, pro número de alunos que existia na escola Politécnica, que tinha aquele pátio interno que era justamente aonde todos os alunos se reuniam, quer dizer, havia muita amizade e muita união em todos os cursos, todo mundo se conhecia. Quer dizer que quem entrava no primeiro ano, até o quinto ano dava pra se conhecer. Quer dizer, quando eu entrei pra escola, eu conheço quase toda a turma, que era uma turma, vamos dizer, uma das maiores turmas que já saiu da engenharia naquele tempo, de trinta e cinco alunos, onde tinha esse, onde o Nélson Monte estudava, o pai do Carlinhos, onde estudava o José Otacílio Sabóia Ribeiro, que foi professor da escola, que era grande arquiteto e engenheiro também, foi professor da escola de, de, de Arquitetura, de Belas-Artes. Então, ali todo mundo confraternizava, porque todo mundo se conhecia. Tinham turmas de engenheiros, dez, doze e ... A turma, por exemplo, do Jorge Ferreira de Paula, que foi presidente do Fluminense Futebol Clube, era uma turma de dez ou doze, tinha o Guião que era outro engenheiro, quer dizer, o, o Antônio Belisário Távora, todo mundo se conhecia, todo mundo era amigo ali dentro, que eram turmas muito pequenas. Uma turma de química o máximo que tinha era dezesseis, eu acho que só havia uma turma com dezesseis. Havia turma de cinco alunos. De modo que aquilo naqueles imensos laboratórios, que tinha de tudo, que a gente podia realmente praticar, porque a gente tinha a tarde toda pra, os próprios alunos de engenharia na, no, no, no de física, por exemplo, laboratório de física experimental, que tinha o auxiliar do Dulcídio Ferreira, que era o Cantídio, que fazia tudo ali pra gente, vinha, a gente, aqueles manômetros e aqueles aparelhos todos que a gente lidava com ele, tinha sempre um professor do lado praticamente pra orientar a gente, né? O curso era muito mais, eh, mais bem dado, mas a gente aprendia muito menos, porque a ciência ... Hoje em dia, o que a gente aprendeu, se a gente não ler muito pra se evoluir, não sabe nada, né? Porque justamente foi aonde a ciência mais caminhou, onde o mundo mais caminhou, foi na parte de física e na parte de química, né? Mudou por completo. Por completo mesmo, se, que se, eh, uma pessoa como eu não ler nada, não sabe mais nada, nem pra auxiliar um neto pequenininho. Porque a, a, a, a, a ciência evolui de tal maneira, mas de tal maneira que não se sabe nada. Matemática, por exemplo, se eu não for ler mesmo, ler, eu não consigo auxi... ensinar, eu, que sou uma química, a uma criança de sete anos. A gente tem que estudar, tem que evoluir muito pra poder acompanhar, senão ... Mudou tudo mesmo. (riso)
D
 Uma coisa que eu fiquei com vontade de saber é se a senhora notou uma diferença muito grande e em que consistiu essa diferença entre a sua experiência de escola secundária e de universidade? E, e o, em geral, as pessoas, parece que alguns tomam choque, né? Em que que consiste isso? Por quê? (sup.)
L
 (sup.) Ah, não, é completamente diferente, né? (sup.)
D
 (sup.) Sim (sup.)
L
 (sup.) Porque na escola secundária, por exemplo no curso primário, na escola secundária, o aluno, o professor chega e dá a aula pro aluno, tem as provas, tem as conversas, tem as indagações, tem as perguntas se você compreendeu, se você não compreendeu, explica, quem quer explicação, quem quer isso, quem quer aquilo, então o professor fala com, com você duma maneira muito mais fácil, procura facilitar a compreensão da gente, quer dizer, no curso, pelo menos no meu curso secundário, quer dizer, o professor esmiuçava muito e pra... praticamente mastigava a aula pra gente, pra depois perguntar. E no curso superior são aulas, quer dizer, eles dão aquilo e quem quiser que entenda, quem quiser que não entenda, quem quiser que vá pra casa, pra depois então, uma vez, no fim do ano praticamente fazer a sua prova, não é isso? Que naturalmente nas aulas práticas não, você tem os trabalhos práticos do ano inteiro pra entrar. Mas na parte teórica, você não tem provas numa escola superior, você assiste as aulas, se você entendeu, entendeu, se não entendeu ... Quer dizer, há professores, havia professores que depois se punham à disposição da pessoa pra qualquer dúvida, qualquer coisa, mas havia outros que se limitavam a dar as aulas, né? E num curso su... secundário de colégio não era possível isso, quer dizer, o professor tem que fazer aquelas sabatinas e você então vai acompanhando pelas sabatinas, vai fazendo as sabatinas e, e, e, e você vai fi... tendo que, quer dizer, o professor está muito mais, eh, por dentro do que o aluno aprende, do que o aluno aproveitou, do que numa escola superior, né? Agora em dia, não sei, porque eu acho que continua mais ou menos a mesma coisa e muito pior ainda a diferença numa escola superior, né? Porque hoje em dia na escola superior os professores não se interessam mesmo pelo que os alunos fazem. (riso) Com raras exceções. Eu não posso falar nisso não, porque eu tenho uma filha que é engenheira, que é professora na escola de engenharia de Belo Horizonte, com trinta e cinco anos, responsável por todo o pós graduado de engenharia em Belo Horizonte. De modo que eu não posso falar não, porque ela realmente é uma professora que se interessa, cada vez estuda mais, ela fez o curso aqui na Praia Vermelha, depois fez o `master' aqui no, no Rio e hoje casou e mora em Belo Horizonte e os dois são professores lá, de modo que eu não posso falar mal de professor, mas que de fato a grande maioria deixa pros auxiliares, pros seus, eh, ajudantes de turma e o professor catedrático quase sempre não dá aula, e que é por isso que eles estão acabando com o professor catedrático. Hoje em dia não vai haver mais professor, dizem, né? Pelo menos eu ouço falar que são só professores contratados, porque quando não se interessa e quando os alunos ... Já houve casos de alunos praticamente tirarem fora da escola certos professores que não dão aula, né?
D
 Nós podemos falar um pouco agora de, de outra parte da nossa (sup.)
L
 (sup.) Da religião? (sup.)
D
 (sup.) Da parte de religião. A senhora, que é muito religiosa, podia falar um pouquinho pra nós da, do ritual católico, como é que é, se, que ele se distingue de outros que a senhora porventura conheça.
L
 Bom, eu, por exemplo, não conheço assim ritual religioso de praticamente religião nenhuma a não ser a minha. Eu muito poucas vezes fui à igreja protestante e sempre que eu fui a igrejas protestantes foi por ocasião de acontecimentos grandes na vida da dona (inint.) que era protestante e que eu sempre procurei acompanhá-la nos movimentos dela. Mas na minha religião, mamãe sempre foi religiosa, educada em Sion e nós fizemos, eh, quer dizer, nós éramos muito, como a grande maioria dos brasileiros é religiosa, vai à igreja e não toma muito consciência da sua religião. Quer dizer, eu era um pouco mais, porque eu sempre comunguei, sempre fiz retiros, quando eu fiz primeira (sic) no, no, no Jacobina nós fazíamos retiros pra ficar mais por dentro, cônscias do que a gente estava fazendo. Casei, criança, essa coisa toda, larguei um pouco. Depois, eu fiz o cursilho. Então aí eu fiquei mais, mais, encontrando com o eu da gente, do que a gente deve fazer pelos outros e procurando melhorar sempre. Quanto a, ao ritual, eu acho que o ritual católico depois que fizeram essa parte de ritual passar para a língua brasileira melhorou muito, porque aquela parte que se fazia toda a missa em latim antigamente, o povo, o povo não, não, não podia acompanhar a missa, porque era uma língua praticamente que muito poucos conheciam, eram capazes de seguir. Então essa parti... que a igreja católica fe... transformou a missa numa participação do povo, acho que foi uma coisa que, como muito poucos estranharam, porque naturalmente aquelas velhinhas mais antigas estranharam aquela parte de participação na missa, pra nós, não, né? Porque foi uma inteira comunhão na ... Hoje em dia nós participamos da missa como Cristo fez participar, quando ele fez aos apóstolos a instituição da comunhão e etc. todos participaram, então, hoje em dia, a comunhão católica, a missa é muito mais participada. Então essas missas jovens que a gente vê os novos cantando e, e fica tão bonito, porque realmente é uma comunidade que fica na igreja católica: ali são todos iguais, são todos irmãos, todos irmanados na mesma, no mesmo, na mesma união a Cristo, na mesma doação, né? E eu acho que fica um, ficou muito mais, eh, como é que se diz, como é que eu vou dizer, muito mais, eh, ao alcance de todos acompanhar aquela, aquele rito católico, né? Que hoje em dia você dizendo, você está falando, você está participando daquilo, né?
D
 A senhora disse que fez cursilho, cursilho ...
L
 Cursilho da cristandade.
D
 São esses cursilhos que são feitos agora?
L
 São, em Jacarepaguá. São os cursi... (sup.)
D
 (sup.) A senhora poderia falar a respeito disso? Explicar pra nós o que que é, como é?
L
 São ... O cursilho é um aprofundamento da religião da igreja católica, quer dizer, você deixa de ser apenas uma católica pra, porque você nasceu católica, porque você foi batizada, porque você fez primeira comunhão, uma coisa a mais assim pra você se conscientizar que você, na vida, não é aquilo que você não vai fazer de errado que vale na vida. O que vale na vida é você doar de si pelos outros. Quer dizer, é você se dar aos outros, é você ter consciência que um pouquinho que você faça às vezes pra um, um pouquinho pra outro, um pouco mais pra aquele, vale muito mais do que você não fazer nada, porque muitas vezes a gente pensa: ah, eu fico em casa, como é que eu posso fazer isso, como é que eu posso fazer aquela outra coisa. Eh, não dá pra eu melhorar o mundo não, mas você ter certeza que cada pouquinho que você dá, o pouquinho vale muito pro seu eu interior, pra sua tranqüilidade interior, pra sua paz interior. Quer dizer, você poder fazer, às vezes você diz: ah, não posso fazer prum pobre. Não, às vezes você faz prum rico mais do que você faz prum pobre. Um rico numa angústia, um rico numa dificuldade interior, às vezes você com um sorriso, com uma palavra, com uma coisa, quer dizer, você aprende no cursilho a, a, a, a pensar com Cristo em se doar aos outros. Quer dizer, você, você, você tem muito mais, eh, como se, como, como que eu posso dizer? É tão difícil a gente explicar o que vai dentro da gente, porque nós passamos três dias praticamente fechados e, e, tomando, são umas três a quatro palestras por dia, por leigos e por padres, leigos naturalmente mais experimentados, que já tenham tido grande, grande vivência e, e padres ali justamente para falar em teologia, nas coisas banais da religião, mas com muito mais carinho e com muito mais profundidade. Então a gente aprende realmente que a vida não vale nada, se a gente não pensa nos outros.
D
 O cursilho é uma espécie de retiro, então.
L
 É, é um retiro (sup.)
D
 (sup.) Uma espécie (sup.)
L
 (sup.) É um retiro, é um retiro, mas, eh, mais confraternizado, porque é um retiro aonde leigos falam le... e, e a gente tem inteira liberdade de conversar, porque o retiro espiritual da, pra comunhão é mais feito os padres só falando, então depois a gente fica sozinha, procurando refletir naquilo. E o, o, o cursilho é mais uma comunidade pensando junto. São todos por um e um por todos pensando juntos, quer dizer, cada um, não há, não há retiros espirituais depois das, da, das conferências, das palestras, dos sermões, não é propriamente sermão, são mais palestras, há confraternização de todos falando sobre aquilo, quer dizer, são pessoas muito mais, eh, amadurecidas, que vão pra lá e não vão, vamos debater o, o, às vezes, há pessoas contra e às vezes, é muito interessante isso, porque, por exemplo, cada, forma-se um, grupos, grupos de oito a dez, vamos dizer, pessoas, são cinqüenta quase sempre que fazem. Então aquelas oito ou dez estudam o evangelho, o que saiu, o que é que tira, o que é que você pode fazer daquilo, a sua opinião própria e o grupo faz a sua opinião total depois, pra então combinar e concordar ou, ou, ou discordar dos outros, juntar cada um o que fez, a sua opinião. Então é muito interessante, quando eu fiz, por exemplo, porque nós tínhamos, no nosso grupo, que eram uma seis pessoas, nós tínhamos duas químicas industriais. Calhamos, aconteceu encontrar lá duas moças de muito preparo e tínhamos uma moça da zona sul da cida... da zona norte da cidade, bastante, muito pouca cultura, e quando nós, ah, nós todas depois ficávamos impressionadas como é que a pessoa que tem aquele eu puro, aquele eu próprio de Cristo, como ela é formidável, porque lia-se o evangelho, por exemplo, eu dizia a minha opinião, eu dizi... a outra dizia a dela e ela, que não tinha cultura nenhuma, nem mesmo de religião, parecia o próprio Cristo falando. Quer dizer, ela tirava, a gente tinha a impressão que ela tirava daquilo o que o Cristo queria dizer. Porque ela tinha um, um interior inteiramente puro pra aquilo, é, é, é uma coisa impressionante, nós todas ficávamos impressionadas. Porque ela era assim, parecia que ela lia aquilo e transmitia a palavra do Cristo pra gente, quando nenhuma de nós via naquilo o que ela estava vendo. Nós víamos coisas mais materiais, nós víamos coisas mais de ordem imediata. E ela ia lá no âmago tirar aquilo que ela, que, que ela estava sentindo, ela sentia, ela não procurava estudar. Nós estudávamos, nós li... ouvíamos e estudávamos. Ela ouvia e sentia.
D
 A senhora acaba de dizer uma coisa que parece muito interessante, que parece que há uma relação entre prática religiosa e, eh, situação sociocultural das pessoas.
L
 Ah, tem, completamente diferente, eu acho, né? Porque há a pessoa inculta que tem aquela fé, aquela fé profunda e, e, e ela não explica a fé. Ela nasceu naquilo e ela tem a fé. É uma fé maravilhosa, porque elas acreditam naquilo piamente, em todos os dogmas, sem indagação.
D
 Sim (sup.)
L
 (sup.) Que é uma felicidade.
D
 (sup.) Sim (sup.)
L
 (sup.) Porque quando a gente passa no nível sociocultural e que começa a se indagar, aí é, é muito mais complicado, né? Porque a cultura traz naturalmente um, desvenda muitas coisas que aquele que não tem acredita e chega pra ele acreditar. Agora, pra quem tem cultura, pra quem tem instrução, então tem que acreditar estudando muito mais porque (sup./inint.)
D
 (sup.) Quer dizer, esse me parece um dos lados da questão, agora me parece que há outro lado também, é que em certas classes sociais, quer dizer, nas classes que, que são, vamos dizer, classe média e média-alta e mais alta etc. eu me pergunto se a senhora acha que os valores, né, os valores (sup.)
L
 (sup.) É (sup.)
D
 (sup.) Da vida social, de alguma maneira não contraria os valores do evangelho.
L
 Ah, tem muita gente hoje em dia perturbada por causa disso, né? Realmente perturbada. Realmente perturbada, porque aquele, o eu interior e o eu exterior faz muita diferença, né? Porque, por exemplo, ela é obrigada às vezes pela posição dele ou pela posição do marido a viver uma vida que contradiz com o eu dela interior que quer uma vida simples, né? E isso traz, tem trazido muita, o mundo inteiro perturbado, tem trazido muita, que você precisa de uma análise interior muito grande e uma, e uma, como é que se diz, a pessoa muito firme de idéia, quer dizer, você precisa ser muito, muito, muito com os pés na terra, pra você não se perturbar com o mundo de hoje, com tudo o que você vê escrito, com tudo que você procura saber, e isso perturba muito a pessoa, porque ela quer viver dum jeito mas não pode. Eu tenho pessoas bem perto assim bastante perturbadas, amigas e conhecidas e tudo, quer dizer, que quando começaram a aprofundar muito a religião, perturbou muito a vida material que leva.
D
 Hum, hum.
L
 Não sei se é isso que você quer saber.
D
 É isso e ainda eu perguntaria um pouquinho mais.
L
 Ham.
D
 (inint.) quer dizer que, na mesma linha do que a senhora está dizendo, é que me, me parece que para alguém que faz um aprofundamento da sua religião, constitui realmente um problema, eh, o confronto da sua situação pessoal com o `status' social em que nós vivemos (sup.)
L
 (sup.) É lógico (sup.)
D
 (sup.) Onde há o que me parece uma grande injustiça, né? (sup.)
L
 (sup.) É lógico. Uma grande injustiça. É lógico (sup.)
D
 (sup.) Quer dizer, por quê? Quer dizer, somos nós que ...
L
 O mundo sempre foi mundo e vai ser difícil você conseguir uma, uma, uma igualdade no mundo, né? Porque é realmente difícil, você dá a mesma coisa pra cinco pessoas e elas vão fazer completamente diferente. Então se chegar a uma igualdade, pode-se chegar a uma desigualdade menos, vamos dizer, em escala menor. Agora uma igualdade total eu acho que é praticamente impossível, pra isso Deus nos deu alma e pensamento. Se deu alma e pensamento pra gente, a gente não pode ser igual.
D
 Bom, igual, isso todas as pessoas são diferentes, diferenças individuais, agora (sup./inint.)
L
 (sup./inint.) não pode ser igual. Todas as pessoas são diferentes porque você tem uma pessoa que luta e que daquele pouquinho faz muito, você tem uma pessoa que é preguiçosa e que não quer lutar. Você dá os meios. Eu por exemplo eu vejo por exemplo lá, eu tenho uma caseira em Itaipava que tem uma filha e uma sobrinha. A sobrinha nunca quis nada, não quer estudar, só quer vagabundar, a filha, eu já consegui, está no primeiro científico com quinze anos e ela diz que vai ser química e vai ser química, filha de uma mãe analfabeta. Agora a sobrinha não quer nada. Então ela não pode ter o mesmo nível econômico da outra. Nunca. Quer dizer, a desigualdade econômica no mundo sempre tem que haver, porque tem os preguiçosos e tem os que gostam de estudar. Então nunca pode haver igualdade. Porque vo... eu dei meios a ela pra estudar. Eu não sou uma pessoa rica, eu sou uma pessoa de, de burguesia mediana, mas que eu procuro fazer um pouco, sempre que eu posso alguém estudar, eu acho que vale muita coisa. Então, quer dizer, essa menina vai ser alguém na vida, a S., porque ela vive grudada nos livros, ela tem aquela vontade de melhorar, de estudar, de ser alguém. A outra não quer ser nada, só quer jogar voleibol, só quer jogar pingue-pongue, por ma... tem, mais velha do que a outra e não quer estudar. Quer dizer, não pode, vai acabar uma doméstica como a tia. Só não é analfabeta porque já tem o, consegui que fizesse o primário. Então você não pode querer igualdade.
D
 A senhora já pensou na possibilidade de nascerem várias pessoas num meio, meio pobre (sup.)
L
 (sup.) Ham (sup.)
D
 (sup.) Bastante desfavorável e que algumas pessoas nasçam com o ego mais forte e com uma capacidade de luta (sup.)
L
 (sup.) Ah! (sup.)
D
 (sup.) E outras que nasçam com um ego mais fraco e que é favorecido pela condição miserável em que vive a se tornar mais fraco ainda e a querer cada vez menos ...
L
 Bom, isso ... E isso é verdade. É lógico, mas ela por exemplo nasc... esta, por exemplo, nasceu num meio igualzinho.
D
 Mais fraca.
L
 Mais fraca, mas dei o que foi, eu dei as condições todas, por que que ela não acha fraco andar vestido igual às minhas netas e jogar voleibol e jogar pingue-pongue junto com as minhas netas ela acha ótimo e não quer estudar pra melhorar a vida dela?
D
 Agora (sup.)
L
 (sup.) Que eu dei as condições iguais, eu procuro vesti-las até igual às minhas netas. O maiô que eu dou pra uma eu dou pra outra, o `short' que eu dou pra uma eu dou pra outra, por que que uma quer estudar e quer ser alguém na vida e não se importa principalmente de ajudar a mãe, de ser copeira na hora que precisa lá em casa, ela não tem vergonha, mas ela vai sair dali. E a outra não quer nem ajudar e só quer ficar na piscina e só quer ficar no, no voleibol e só quer ficar na coisa. Não, a vida não é igual pra todos, nem pode ser igual pra todos. Não pode ser igual, porque aquele que não quer não vai ter nunca. (riso)
D
 É. Terminamos?
L
 Não vai ter nunca. (riso).