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PROJETO NURC-RJ

Tema: "Ensino e igreja"

Inquérito 0261

Locutor 314
Sexo feminino, 54 anos de idade, pais cariocas
Profissão: economista
Zona residencial: Norte

Data do registro: 22 de novembro de 1974

Duração: 45 minutos

Som Clique aqui e ouça a narração do texto


L
 ... entende? Hoje eu vejo, depois de M.L., quando eu tive M.L. e vejo agora M.L. estudando, preparando a, o material da escola, eu lamento não ter nascido nessa época. Acho muito mais interessante o estudo, a coisa é, é muito, muito mais espontaneidade, a gente tinha medo da professora. Hoje a professora é uma amiga, chama de você, de titia, não é? A gente tinha medo da professora. Até aconteceu um caso, um caso muito engraçado comigo, dia primeiro de a... de abril, eu era, primeiro de abril, aí, dia dos tolos, né? Eu estava com a minha prima, que é da minha idade. Então eu tive aquela idéia, né, eu era muito tímida mas tinha as minhas idéias naturalmente (inint.) dona Vera Viana, dona Vera (inint.) Viana, uma grande professora. Diz assim: dona Vera, seu vestido está rasgado! Eu disse pra minha prima. Quando ela olhar, você diz: caiu, primeiro de abril! (riso). Ela fez, né, aí a dona Vera disse assim ... Você vê, primeiro de abril é um dia ... Era na hora do recreio, ela já, mais que depressa: foi T. que mandou! (risos) Então nós passamos a, o tempo todo da aula chorando, porque tínhamos ficado de castigo, né? Quando chegou na, na hora do recreio ela nos soltou. Hoje, se o aluno fizesse isso e... e... ela, ela, como é que se diz, não ia prender, mas ela, foi uma coação, né? Ameaçou de, quer dizer, não aceitou aquilo como, como brincadeira. Hoje em dia um aluno fizesse isso, o professor acharia graça, não ia dizer: você vai ficar de castigo. O aluno vai? Então são essas coisas que eu acho que hoje é muito mais interessante a gente ser criança do que no meu tempo.
D
 É verdade. E assim quanto à aparência da escola?
L
 Bom, eu, apesar da minha mãe ser professora, eu estudei noutra escola. Mas nós naturalmente tínhamos uma professora amiga nossa que nos levava. Havia um pouco assim, vamos dizer, proteção. Não que os nossos valores tivessem sido, como é que se diz, mais valor porque fosse professor, na hora por exemplo, na hora de se escolher a, a professora, nós íamos pra, pra melhor professora, ma... mas, mas quando tinha reprovação tinha mesmo, a prova é que a minha irmã foi muito reprovada, acima de mim, está entendendo? Mas havia, havia muita queixa dela, que era muito vadia. Mas nós nos sentíamos um pouco protegidas, porque tinha então ... Professor naquela época, né, a mãe é professora, mamãe é professora, era, você compreende como é que é, né, antigamente professor era, hoje em dia professor até já caiu em nível, né? (risos). Antigamente não. Então nós nos sentíamos assim um pouco protegidas por ela e ela realmente tinha muito cuidado com a gente, nós íamos com ela, voltávamos, está entendendo? Aí sentíamos um pouquinho de, não é bem pistolão não, proteção, está entendendo? Por que a D. por exemplo era muito vadia, repetiu ano mesmo. A E., muito talentosa, muito boa aluna, estava sempre no, no quadro de honra, estava lá. Eu, meio-termo, né, meio desconhecida, né, passei, a outra também. Então não havia essa proteção de nota não. Mas entre os alunos, consideração, vamos dizer, mãe professora, amiga da professora. Dona Ofélia (inint.) deve conhecer de nome, né, dona Ofélia (inint.) era professora do Nilo Peçanha, foi professora de minha irmã, muito amiga de mamãe. Então havia um, uma certa assim consideração conosco, você entende, né?
D
 A senhora fez o primário todo na mes... numa escola só?
L
 Não. Eu fui pro Nilo Peçanha, depois eu tinha muito eczema, entende, nos pés e nas mãos. Principalmente no fim do ano que me atacavam. Então eu perdi uns anos. E a dona Isaura Pereira, que nos acompanhava até (inint.) ela mudou de escola. E nós, então eu fui pro Gonçalves Dias. Fui pro Gonçalves Dias já no quarto ano. Então eu terminei o curso, o curso primário com treze anos. E quando chegava no fim do ano, eu faltava muito, que começava aquele negócio de, de eczema, né? Agora nessa época eu já estava cheia de eczema, né, novembro eu começava, dezembro, setembro, eu faltava, então eu me atrasava, né? Tanto que quando eu fiz o, o primeiro ano, o segundo ano, eu fui fazer exame com os pés todo amarrado de gaze e dona (inint.) me lembro até como fosse hoje, dona Vera Viana me carregando no colo. Eu fui com a mamãe, mamãe (inint.) de carro, não me lembro bem, dona Vera Viana me pegou no colo, me levou pra sala pra fazer o exame. Quer dizer, não tinha condição nem de andar com os pés todo amarrado que eu tinha muito eczema. Depois parou.
D
 Como era o prédio das, dessas duas escolas que a senhora estudou? (sup.)
L
 (sup.) Ora, a escola, a escola, como eu poderia dizer a você (ruído) era centro de terreno. A escola Nilo Peçanha tinha um aspecto mais agradável, tinha uma varanda, entende? A, agora, a outra não (inint.) você conhece a Gonçalves Dias? É, não, não tinha aquelas, aquelas varan... aquelas varandas, o Nilo Peçanha tinha um pátio interno muito bom, tinha uma, tinha inclusive a, a, a própria, o ba... o banheiro era melhor, eu gostava mais do Nilo Peçanha, assim achava que o Nilo Peçanha era mais, mais, como é que se diz, talvez fosse mais (inint.) mais alegre, era mais claro, eu gostava mais do Nilo Peçanha do que, inclusive a, o terreno, eh, a escola era mais, mais afastada, tinha bastante terreno pra gente brincar ali, até esperar, já no, no Gonçalves Dias não, a escola era mais perto da, era aquele, aquele cercadinho na frente, que era jardinzinho, era menor.
D
 E em termos assim de, de material que havia na escola, que o professor podia usar e as crianças também? (sup.)
L
 (sup.) Havia uma, uma cooperativa. Então todo dia de manhã, logo nas primeiras horas, vinha uma menina, né, saber o material que a gente queria comprar e tal, não, não tinha dificuldade não.
D
 Mas que material era esse?
L
 Era caderno, lápis, borracha, livros às vezes, mas geralmente eu estava sempre abastecida, nunca não ...
D
 Como é que funcionava essa cooperativa?
L
 Olha, eu tenho a impressão que devia ser uma professora que era encarregada, né, naturalmente. Agora de quem ia lá não era professora, era uma aluna. Então eu, eu, eu suponho que a professora devia pegar em cada turma, né, um aluno (inint.) não tenho bem idéia não. Já são muitos anos, né? (riso)
D
 E as matérias que a senhora estudava nessa época?
L
 Ah, isso (inint.) era mesmo matemática, português. Mas matemática eu, eu dei câmbio, dei câmbio, no quarto ano, no quinto ano, português era muito mais adiantado que (inint.) análise lógica, do que hoje se dá aqui, entende? Eu dei história universal, dei grego, dei egípcios, no quinto ano, quer dizer, era muito, tinha muito mais matéria. Hoje em dia está muito mais fácil. Hoje em dia um aluno de terceiro ano primário é muito mais, muito (inint.) terceiro ano primário dei muito mais coisa que ... Me lembro quando eu estudei com, M.L. estudou comigo, que M.L. estava na escola na, na, ela fez o primário em Niterói, então eu estudava com M.L., ela fazia os deveres depois eu, eu, eu nunca adiantei os, a, a matéria não, né, mas dentro do que ela, que ela estudava, eu dava. Então as professoras me, me, me davam o livro que elas, que elas usavam, né, então quando estudava com M.L. coisas, matemática, português, geografia, eu via que no meu tempo eu, eu estava mais adiantada. Eu não sei se a, se isso, se isso é hoje melhor do que antigamente, talvez seja, que, que hoje seja melhor assim pra, dar pouquinho, não sei. Eu sei que eu dei, eu dei câmbio, estava no quarto ano.
D
 E a disciplina no colégio em relação aos alunos?
L
 Bom, era aquele regime de medo, né? Bom, vontade nós tínhamos de fazer nossa baguncinha, mas, eh, ficava de castigo, ficava sem recreio.
D
 Quais eram esses castigos?
L
 Geralmente era sem recreio. Sem saída (telefone, ruído, interrupção)
D
 A senhora estava falando da disciplina, dos castigos.
L
 Geralmente era, eh, era sem, sem recreio, né? Também tinha aquele de, de ir pro gabinete da diretora. E sem saída, quer dizer, ficava, saía um pouco mais tarde. Eu uma vez fiquei sem recreio. Mas eu (inint.) como o regime era de coação. O, a, quando era geografia, a professora fazia, desenhava na pedra aqueles mapa, mas com aqueles quadrinho, né, e tal, ela ia fazendo e quando terminava a gente já estava terminado, né? Eu era muito tímida, como disse a você, então eu estava fazendo e tal, quando chegou no fim, ela acabou, eu não tinha terminado. Então bateu o sinal. Então ela disse pra mim: então você ... Se ela dissesse: você vai terminar, já não era justo, mas ela me botou sem recreio. Aquilo pra mim foi uma coisa tremenda! Eu chorei tremendamente, eu fiz, eu terminei, aquilo me a... me atingiu muito, eu ... Hoje em dia nenhuma professora faz isso, não é? Era regime de coação, a gente tinha medo da professora. Vontade tinha, né? Aí, uma ocasião, eu sempre fui fraca em matemática, mas naquela ocasião eu vi que eu ... Não foi bem por isso não. A sala era muito estreita, muito pequena, onde nós estávamos (inint.) nós estávamos fazendo uma expressão, aqueles carroções com, com colchete e, e tal, eu estava fa... chegou num ponto que eu errei, entende? Até que essa professora tinha sido muito amiga da, da minha prima, entendeu, quer dizer, devia ter tido mais consideração. Mamãe, que tinha sido muito amiga dela, ela precisou de um favor de mamãe e tudo, aí chegou naquele momento eu parei. Aí, não sei bem se eu estava certa ou errada, sei que a turma, um grupinho lá, minha turma, um grupinho lá que era muito favorito dela começou a, a querer mangar, vamos dizer, me... mexer comigo, esta entendendo? E ela, né, eu olhava pra ela, ela com cara de não fazer nada. Eu tranqüilamente botei o giz na, no, no quadro-negro e, tem, tem aquele lugarzinho de botar o giz, né, sentei. Bom, se eu disser a você que nunca mais ela me chamou pra ir à pedra você não acredita, né? Inclusive: entendeu? Aí eu disse: eu não entendi. Não vou citar o nome dela que o mundo é pequeno, né, se ela ainda existe e ... Eu não entendi, dona fulana. Chamava ela de dona, apesar dela ter sido amiga de minha prima, pra você ver como eu era tímida, né? Ela ria: não? E ela sempre me chamava à pedra, está entendendo? Tinha muito interesse em mim, mas só porque eu botei o giz então, quer dizer, ela ... Eu acho, no, no meu entender, naquela época e, e hoje, ela devia ter chamado a atenção daquele grupo, não é verdade? Principalmente quando eu reagi, eu reagi não foi bem a ela, foi ao grupo que estava querendo me aborrecer, me amolar, me encabular, talvez, fazer hora, vamos dizer, né? Eu botei o giz, me sentei. Nunca mais ela me chamou. E por isto ... Ainda tem o, ainda tem outra, outra muito importante, pra você ver como era o regime lá. Eu tinha uma professora que eu gostava muito dela. Quando ela faleceu eu senti, eu era assim, eu era muito assim, como se diz, apegada às pessoas, muito necessitada assim de afeto e ela deve ter contado a essa professora, que eram muito amigas. Um dia tinha, tinha, até um dia assim meio chuvoso, tinha poucas alunas, aí então ela resolveu fazer uma, uma revisão da matéria. E disse: S.! Era so... era até sobre os egípcios, não sei. Eu disse: não sei (inint.) bati de ombro, se eu bati não me lembro. Devo ter batido, né? Ela me deu um passa-fora tão grande, menina! E se aquela velha, ve... velha chata, filha de professora, um filho de professor deve ser, fosse infalível: mas você é filha de professora! Ela me deu um ... Eu fiquei arrasada, está entendendo? Passou o tempo, no dia da, dia da mestra, a turma resolveu homenageá-la, quer dizer, naquela, naquela época foi que fizeram uma experiência, naquele ano. Tinha professores de português, de história, né, de geografia, de desenho, cada, tinha cada um, cada matéria tinha uma professora, uma experiência que fizeram, depois parece que não deu certo, voltou. Então fomo... nós fomos homenageá-la. Então cada, ela foi em banco por banco abraçar os alunos, entende? Quando ela chegou perto de mim, eu com muita espontaneidade ri pra ela e abracei ela, ela falou assim: é sincero? Eu fiz: é! Passou, né, depois a gente vai amadurecendo, vai vendo ... Esse é sincero? ficou assim na minha cabeça, entende? Naturalmente essa professora contou a ela, ela me achou atrevida, então partiu pro ataque, a melhor defesa é o ataque, né? Então quando eu dei de ombro, quem que não dá de ombro (inint.) eu era menina, devia ter treze anos naquela altura, você viu, ela, bom, ela capaz de sair, né ... Veja, a, essa professora deve ter feito a minha caveira, né? É ou não é? Ela saiu, menina, numa agressividade tremenda e eu, e eu não podia fazer nada que eu era filha de professora, né, filha de professora era infalível, né, não podia, não podia rir na sala, não podia fazer ... Era uma, a disciplina, matéria de, de, de disciplina, não, francamente, eu não, não tenho a menor saudade da infância.
D
 E na época no, época de curso secundário ainda era assim?
L
 Não, o curso secundário pra mim foi diferente, já não era mais assim. Mas eu, eu, eu, eu tentei fazer o curso da escola Normal, entende, instituto de Educação naquela época, então eu não passava, então por questão econômica eu, eu não podia fazer curso particular, né, então fui me atrasando, né, até que chegou uma hora que eu disse: bom, então eu não vou estudar mais, né? Que inclusive eu, eu, eu estudar, fazer um curso, vamos dizer, admissão, não era o ano inteiro, era um, ma... mais da metade do ano, então nós fazíamos quatro, cinco meses de curso pra tentar o, o instituto de Educação, né? Eu em matemática ficava, não tinha dúvida, matemática era minha caveira, eu passava em tudo, matemática, pá! Aí eu fui pro instituto Vera Cruz, tinha dezessete anos, então há de convir que eu com dezessete anos tinha muito mais e não aparecia, não aparentava, você me dava uns treze anos, porque eu, eu não me pintava. Hoje, hoje uma menina da minha idade ela se pintava, eu não me pintava, já com vinte anos eu não me pintava, não arrancava sobrancelha, não tinha namorado, está entendendo? Gostava muito de ler, era uma, assim, está entendendo, muito introvertida que eu era. Então eu lá dentro fui muito boa aluna, eu dei boa base de português, eu era estudiosa, gostava muito de estudar, então eu tinha, e tive a sorte de ter duas colegas que tinham mais ou menos a mesma idade que eu, então ficamos nós, então nós éramos a elite, então éramos um pouco respeitadas. Assim mesmo me aconteceu um acidente comigo. Vou contar a vocês: então nós tínhamos um professor, ele, ele, ele debochava mesmo, não sei, a expressão é essa, de uma aluna, ela era gordona, já repetiu muitos anos, né, então ele ria dela, fazia piada dela, a turma dava de rir e eu ficava séria. Eu achava aquilo uma covardia, né? Que fazer ... Bom, ele, naturalmente, ele percebeu, né? Então um dia ele disse ao chefe de disciplina da nossa turma que eu conversava muito. Mentira dele, eu não conversava, apenas eu não, não aplaudia as coisa errada que ele fazia, ficava séria. Então ele, o inspetor da turma, assim você vê, né, me mandou sair da, da, daquele banco e ir pra outro banco, quer dizer, me tirou da, do grupo que eu estava que era eu, era C. e V., eu fui, né? A aula seguinte, a professora que chegava, eu cheguei pra professora e disse: aconteceu isso assim assim, eu quero ficar no meu lugar. Pode ficar. Então eu reagi, não é? Quer dizer, mas já naquela, quer dizer, já se sentia um pouco, né, quer dizer, um profe... eu, o professor só pelo fato de eu não, não achar graça das piadas dele com essa menina ele agiu assim comigo. E eu, eu sempre tirava dez na, na, na matéria dele, cem naquela época, né, e ele disse assim: vamos ver se essas mo... moças que tiram cem, alunos que tiram cem, realmente sabem a matéria. Era eu, era S., S.! Mas eu não era boba, né, a matéria dele estava sempre em dia, né? Aí de... dei um 'show' de ... (risos) Outra ocasião ele chegou lá pra sortear um livro, quem caiu? Eu. (riso) Mas fora disso não havia, havia mais liberdade, entende? Mas também havia aquele negócio de, de formar pra entrar na sala formado, ter que sair o pai ter que assinar, mamãe até assinou, eu já estava com mais idade nem precisava porque eu tinha autoridade pra entrar e sair. Ainda havia castigo, entende, ficava de castigo. Mas já era melhor, também já é outra época, né, porque inclusive eu já estava, já estava atrasada na, na época, né, eu na época já devia estar terminando o ginásio, eu estava entrando, então não se pode comparar como se fosse o meu tempo, né, não era o meu tempo, né?
D
 Dessa época em que a senhora fez o secundário à que a sua filha fez a senhora notou muita diferença no ensino?
L
 Olha, eu não vou dizer a você que tenha notado porque eu não acompanhei o ginásio de M.L. não, entende? Não acompanhei não. Agora aquela ... M.L. às vezes fazia pesquisas e ia com as colegas a, a, até, como é que eu digo, ia até embaixada, está entendendo? Ia lá, fez pesquisa e ... Agora, nós no primário fazíamos visitas, nós fomos a museus. Mas agora eu não posso comparar o estudo porque eu não acompanhei o da M.L., o da M.L. eu acompanhei até o ginásio, até o admissão, entende? Depois eu, eu mesmo não tinha mais gabarito pra acompanhar, né? Então eu deixei, inclusive ela tinha criado aquele hábito de, de disciplina de estudo, né, não deu trabalho, né, ela foi, nunca perguntava, eu via as notas dela e tal, né, eu fiscalizava aquela, aquela, aquela de ficar de longe, entende, sem que ela percebesse que estava fiscalizando, mas sem ... No primário não, eu abria a bolsa dela, abria o caderno, perguntava, já no ginásio não, eu deixei ela como se ele fosse por conta própria, embora eu por trás estivesse, estivesse vigiando e ela foi, não, não posso comparar, por isso, não.
D
 A senhora fez todos os sete anos do secundário no Vera Cruz?
L
 Cinco anos. Eram cinco anos naquela época. No ano que eu saí que começou o clássico, científico, no ano que eu saí. Tanto que formou-se outra turma do quarto ano.
D
 E, e como é que a senhora fez pra fazer o curso de, de economia?
L
 Ah, bom! O curso de economia (riso) só serviu porque a universidade abre um pouco os horizontes da gente, né? Eu, eu queria me empregar, empregar e estudar. Então meu cunhado virou pra mim, porque eu queria fazer, queria fazer junto com o quinto ano, fazer o curso pra, pra fazer, sei lá, inclusive grupos de colegas lá que estudavam tinha esses cursos, até cheguei a ir num curso desses, né, lá na cidade, e meu pai achava que se a gente fosse à cidade sozinha ia se perder, né, tal, aquela coisa e cois... e: não, não, não! Aí, bom, então eu pensei em me empregar. Então o meu cunhado virou pra mim: se você quer se empregar, por que que você não faz um curso? Era esse, esse curso. E lá tem cursos graciosos, fantásticos, você faz e você se emprega. Aí, bem, então eu terminei o, o ginásio, né, e, e, e fiz o, com ele mesmo, nem entrei em curso, fiz com meu cunhado. Era português, matemática, tinha estatística, que eu até passei muito bem e o professor não me deu dez, mas diz que dez é de professora. Professor, por que que o senhor não me deu dez? E mais as outras matérias que eu nem me lembro. Aí eu entrei pra lá, né? Mas no ano que eu entrei, não sei se o meu cunhado fez aquilo porque achou que eu devia fazer esse curso ou porque realmente ... Eu sei que não ouvi falar em, em, em cursos pra fora, nada disso. Era no DASP mesmo, no DASP, que tinha, né, mas ele não explicou. E a, e a, eh, hoje em dia as moças são muito desembaraçadas, né, nos meus dias eram muito bitoladas, né? Eu não tinha ... Eu vejo M.L., meu Deus do céu, parece que ela tem quarenta anos, eu, eu tenho vinte e um, né? Eu, eu fiz (inint.) bom, eu fiquei esperando e conversando com uma amiga, ela disse que ia abrir um curso no, no, no, como, que escola é aquela? Lafayette, mas era à noite, mamãe não podia me acompanhar. Então nem cheguei a ir. Então eu terminei o, o primeiro ano e no segundo ano eu fui lá me matricular. Então assisti uma aula de psicologia, está entendendo (ruído), eu fiquei empolgada, tinha uma meninas (ruído) que moravam no Rocha, as três moravam no Rocha, mas uma delas disse, disse que uma delas me acompanhava na escola, entende, eu, eu ficava na casa dela (ruído), facilitou tudo. Mas a mamãe achou que eu, se eu saísse da faculdade, o meu cunhado ia ficar magoado, pá-pá-pá, que eu fizesse aquela vontade pra ele, esta entendendo? Então, despersonalizada total, né, você vê como ... Hoje em dia ningu'em faz isso, né? Há quem faça, né, mas isso é a minoria, né? Aí eu tranquei a, deixei o cole... lá, o curso, né, no Lafayette, que eu inclusive eu sabia que naquele ano eu não passaria porque o pessoal estava muito, muito afila... afiado em, em, em latim, eu era boa aluna de latim e boa aluna, a... a... aluna de tirar dez em latim, cem, né, naquela era cem, mas aquelas meninas já estavam estudando e eu tinha parado, né, mas eu sabia, eu tinha certeza que no ano seguinte eu, eu passaria. Inclusive era o que eu queria, né? Mas uma vez Ma... Ma... M.L. (inint.) M.L. disse assim: que é que você quer quando você for se formar? Disse assim: ah, eu quero estudar português, francês, não sei quê ... Aí eu vou e disse: engraçado, era isso que eu que... isso, isso, era isso que eu queria fazer. Ela falou assim: engraçado, a senhora nunca falou nada. Quer dizer, ela foi estudar por livre ... Eu disse a ela: logo que você quiser deixar aquilo, a vida é sua (inint.) são suas, eu não vivo a sua vida, né? Aí eu fiz, terminei, está entendendo? Eu, eu gostei muito de, de direito. Economia nós não demos sorte, né, porque o Gudin não foi nosso professor. Mas eu assisti uma aula dele sobre moeda, era à noite, eu achei fabulosa, entende, mas fabulosa mesmo, tinha um ... O livro dele era desse tamanhão, mas quem assistia ... De manhã quem dava aula era um outro professor assistente dele e ele era horroroso, está entendendo, e ele ficava (ruído característico de pigarro) tinha um pigarro assim. Então nós contávamos os pigarros. Se eu estivesse fazendo aquilo por meu gosto, é claro que eu, que eu, eu, embora não fosse da turma da noite, eu ia procurar, n'e, mas eu estava fazendo aquilo ... Gostei muito de psicologia, de história econômica da América, entende, agora, finanças, administração ... Tanto que depois que eu terminei o curso fui, eu i... eu me inscrevi pra fazer um, um concurso pra técnico de administração, eu perdi por assim questão de horas, entende, de retrato. Eu entrei na, na, na sala, quem era o professor, era o Celso Magalhães, parece, aí (inint.) disse assim: mas você, agora que você veio? E eu, eu sempre tive escrúpulo de dizer que eu era formada, entende, então quando eu me formei mamãe queria me dar um anel. (risos) Ah, anel, não! Dia que eu botar um anel no dedo tem que responder por ele, anel não! Aí então ela não insistiu (inint.) um anel de brilhante, anel não. Então eu nunca usei, eu fiz o curso de administração, apesar de eu ter estudado administração. Estudei administração, psicologia, história econômica da América, essas coisas sem... eu, eu gostava. Direito então eu achava uma coisa fabulosa direito. Dênis Cavalcanti foi meu professor, esse Tenório, gente gabaritada, né? Aí, eu fiquei, eu fiquei quieta, né? Eu sei que ele fez umas perguntas e eu respondi, mas pelo meu estudo, né, da faculdade. Aí ele disse assim: e você, como é que você sabe? Eu, ele tinha um livro, né, eu disse: ah, eu tenho o seu livro. (riso) Aí ele ficou todo feliz, né, (riso) mas a matéria realmente que eu deveria es... a base, né, que era economia, foi que eu perdi. O Gudin era fabuloso, né, e o Gudin dava aula de noite.
D
 Como que ele era dando aula, com os alunos?
L
 O Gudin? Eu só assisti uma aula dele. Ele, ele, ele absorvia a turma, ele falava e você ficava quieta ouvindo ele porque não, não tinha condições de, de ser feito outra coisa. Ele, ah, ah, eu só assisti uma aula mas ficou muita, ficou, me impressionou muito, entende, e eu sabia, inclusive, pelas, pelas (inint.) da turma da noite que todo mundo gostava da aula dele, tanto que no fim do ano, nós terminamos o curso quiseram pôr pra, pra paraninfo e nós nos opusemos porque achamos que ele tinha sido desleal conosco, ele não podia ser professor nosso mas mandou uma pessoa que não tinha o, o menor gabarito pra le... lecionar, então nós nos opusemos tanto à turma da manhã, que tinha sido da noite, que então ele, eles viram a no... nossa revolta, porque, não, é (inint.) horroroso, ouvir o Gudin era uma coisa fabulosa, inclusive você, você parava, você, você ficava ouvindo o Gudin, ele absorvia a turma, ele tinha um, muita facilidade, né?
D
 Como era o sistema de avaliação do aluno na, já na faculdade?
L
 Ah, olha, era aquele mesmo antigo, né, de provas, né, não havia conceitos como hoje há não.
D
 Todos os meses?
L
 É, eh, o... olha, eu tinha, eu tinha vinte e cinco anos, né, estou com cinqüenta e quatro, quer dizer, dá, dá uns ... (riso) Tinha umas provas parciais, entende, agora, eu por exemplo no, de, de administrativo fui muito boa aluna. Eu (inint.) administrativo e (inint.) trabalho, trabalho era formidável o professor, ele, ele nos dava a legislação trabalhista, dava um caso difícil realmente e mandava nós, nós estudarmos. Eu achava aquilo fabuloso, entende, quer dizer, era, era ... Tinha um professor (inint.) me esqueço agora o nome dele, era de internacional, ele sentava assim na, na, no meio da sala, nós ficávamos em volta dele, quer dizer (inint.) aque... aquela característica do professor ficar na mesa, né, então ele lecionava (inint.) com perguntas, a gente perguntava daqui, perguntava dali, ele tirava suas dúvidas, contava caso, era, era muito bom, eu gostei do, do, não fosse esse capítulo, eu acho que se o Gudin fosse nosso professor, entende, eu acho que eu, eu hoje seria economista mesmo.
D
 E quando terminou assim o curso (ruído) a senhora recebeu algum papel, alguma coisa? (ruído)
L
 Ah, bom, (riso) eu recebi aquele canudinho, né, vazio, né, depois eu, eh, passando uns tempos lá, eu recebi o diploma, papiro, né, aí eu nem assinei, minha filha, entreguei a minha mãe, dei a ela, o diploma era dela, não era meu, ela me devolveu o diploma e ficou por isso mesmo (sup.)
D
 (sup.) A senhora ainda tem o diploma?
L
 Está guardado numas caixas (inint.) M.L., ah, sim, até há bem pouco tempo: a senhora, a senhora podia pegar esse diploma, podia ganhar dinheiro, a senhora podia assinar, não sei o quê. Ah, falar em dinheiro é sempre uma tentação, né? A senhora registra. Fiquei assim pensando, depois fiquei pensando: eu não vou fazer uma coisa dessas! E primeiro, com, com consciência, eu nunca mais estudei, estudei (inint.) com meu cunhado que é economista (inint.) nunca mais estudei, eu teria que recordar, né, e eu não tenho mais cabeça pra isso e qua... quan... por consciência, não está certo e o risco que eu vou correr, né, posso ficar no xilindró, né? (risos) Aí eu disse: não (inint.) a coisa está muito fácil, tudo que é muito fácil acaba dando em mal, não é?
D
 Houve alguma solenidade quando vocês terminaram o curso? Quais?
L
 Ah, houve, houve colação de grau, houve a missa, houve o baile, o baile eu não fui. A, o, o retratos, aqueles quadrinhos, né, comprei o quadro, a missa muito bonita, eu me lembro da missa, inclusive havia entre nós, havia muito assim de camaradagem, entende, entre os rapazes, eram poucas moças, talvez fosse por isso, né, eram poucas moças então nós éramos muito considerada, está entendendo, por eles, né? Foi mui... eu gostei da experiência universitária, eh, eu só lamento não, não ter sido aquilo que eu queria, agora foi uma experiência, me deu muito mais assim visão das coisas, me desinibiu, entende?
D
 Nesse fim de curso só houve missa católica, não houve outro, outros cultos?
L
 Ah, na ... Não, tinha uma menina lá que era, eu acho que era judia, mas só houve católica, não tinha assim mais negócio. Era preciso que houvesse muito, né, de outra religião pra, mas só católica (inint.) protestante, tinha uma que (inint.) pelo nome dela, ela devia ser judia e tinha uma até que era alemã, não sei a religião dela, mas essa alemã foi ... Até ela estava fazendo o curso mas nem era, nem era matriculada, né, estava fazendo o curso como ouvinte, mas nós, ela era uma, muito distinta, uma boa colega, muito estudiosa, aquela fazia aquilo porque queria mesmo, né, ela superou o Gudin, está entendendo, ela e essa, a outra que eu acho que, que era judia. Então nós, em homenagem, né, em consideração, então ela foi, fez parte do quadro, tirou retrato, não, não de beca, eu acho que de chapéu, foi à missa, na hora do, do, da entrega do cartuchinho ela foi chamada, a turma toda ovacionou, entende, que era uma criatura fabulosa, boa, boa. Já era uma senhora, tipo da, da pessoa que a gente se sente bem, era muito amiga da gente e sabia inglês muito bem, está entendendo, ela de vez em quando quebrava um galho assim de um, entende, muito estudiosa na matéria, se precisava assim uma explicação ela nos dava, entende, de maneira que era muito querida pela turma toda, a Berta (inint.) dela, ela agora está nos Estados Unidos.
D
 Agora, antes de fazer esse curso de economia a senhora não teve que fazer algum exame, alguma coisa assim?
L
 Bom, eu fi... eu, eu, eu, eu fiz a prova, né, vamos dizer, o vestibular, todo mundo chamava de vestibular, eu fiz com o meu cunhado, eu disse, em três meses ou quatro eu estudei com ele, né, e aí eu fiz um concurso, passei, foi o maior azar (inint.)
D
 E como é que era o regime de aprovação, era como agora?
L
 Como está?
D
 Como é que era o regime de aprovação?
L
 Aqui... não (inint.)
D
 Porque agora tem assim um número xis de vagas, então as pessoas entram.
L
 Olha, eu vou dizer a você, eu tenho a impressão de que aquilo ali, eu não, não, não tenho bem idéia não, mas não devia ser muito rígido em vagas não, sabe, eu tenho essa impressão. Mas era uma faculdade particular, né, apesar de, de ter, de gozar de um bom nome, ter um bom gabarito de professor, você vê, pelo que eu estou dizendo, Dênis Cavalcanti, o Gudin, esse (inint.) agora tinha, eh, até apareceu há pouco tempo, Álvaro (inint.) parece, também uma pessoa ... Quer dizer, tinha um que é, é, era do, do ministério da Fazenda, tinha um cargo muito importante, até foi nosso paraninfo, esqueço agora o nome dele. Tinha gente gabaritada ali. Então, agora, eu tenho a impressão que não havia muita rigidez em vaga não, sabe, que depois foi muito en... engraçado que o, que eu reparei que no, que assim, que no, no primeiro ano tinha, tinha tanto aluno, menina, as salas ficavam cheia, e quando chegou no meio do ano tinha quase a metade. Cidmar Carneiro, vocês conhecem, de nome, foto de revista, já faleceu, ele tem livros, professor de lá. Era u... eh, uma faculdade que tinha gente gabaritada, entende, e es... e lá ensinavam, está entendendo? Eu, eu passava na tangente em economia, na tangente, eu, eh, até depois de eu estar formada eu às vezes eu sonho, até agora de vez em quando eu sonho que estou na faculdade, estou fazendo prova, acordo agoniada, (riso) fazendo prova de economia. Porque eu sempre fui boa aluna, sabe, (inint.) sempre me destaquei e ali na economia (ruído de mãos) Dênis Cavalcanti, quantas vezes eu me sentei perto do Dênis Cavalcanti e o professor de, de trabalhista, ele que me examinava, me examinava e depois podia sair. De... de... então, você percebe, né, a gente tem, tem aquele conceito de professor, né, chega no (inint.) você não, você se sente assim mal, né? Então esse exame oral que eu fiz com o Gudin foi horroroso, né, eu tropecei, eh, o livro dele é desse tamanhão, né, a primeira coisa que eu fiz quando cheguei em casa, dei o livro dele (inint.) toma (inint.) "A moeda", o nome do livro, era do Gudin. Toma esse livro, não quero mais ver esse livro. Então quando tenho pesadelo, eh, pode, acordo agoniada, que estou sonhando que estou fazendo exame. (risos)
D
 Agora, a senhora falou em missa, vamos passando assim pra o capítulo de religião, como é que foi assim na sua educação?
L
 Olha, nós (sup.)
D
 (sup.) Que que representou?
L
 Não tivemos a religião definida, nós tínhamos espírito religioso, entende? Mais católica. Minha avó tinha oratório, nós íamos a, fazíamos a, a, quis fazer ... Eu não fiz comunhão, fiz muito mais tarde, ela é que fizeram comunhão. Tinha, mês, mês de maio tinha pelo menos o tríduo, entende, minhas irmãs que eram mais velhas cantavam coro, mas não assim nunca fui metida em igreja não, nunca quis ser filho de Maria, vovó não gostava. Que eu perdi meu pai muito cedo, aliás, muito cedo, eu estava querendo nascer meu pai morreu e minha mãe era professora, então quem me, nos, nos educou foi vovó, entende, então vovó não gostava de dar impressão que a gente não tinha mãe, é que mamãe tinha que trabalhar então vovó cuidava da gente, naturalmente, onde eu estou estava vovó, né? Vovó não gostava ... Depois papai J. morreu, que meu avô chamava de pai, nós fomos morar pegado ao meu tio, então quando meu tio dizia, eh, um, eh, que, eh, hoje, hoje não (inint.) fazia lá, porque morreu o pai, morreu o avô, morreu o outro avô, só ficamos com esse tio, portanto ele apesar de não se meter na nossa vida ele é o chefe da família, né? Então antigamente havia essas, essas coisas, né, hoje a gente não liga pra isso. A minha irmã, ela tinha muita religiosidade, está entendendo, agora nós nunca tivemos, vamos dizer, um estudo da religião católica, minha mãe inclusive é médium, está entendendo? E nós tínhamos, nunca freqüentamos sessão espírita, nós tínhamos uma tia nossa que recebia lá um protetor. Ah, havia assim uma misturinha, está entendendo? Agora eu me defini pela igreja cató... pela, pelo espiritismo, apesar de ter tido uma fase na minha vida que eu fui católica, mas eu explico: eu tenho um cunhado, esse mesmo que foi pra, que me indicou pra escola de Economia, ele passou muito mal, ele estava noivo da minha irmã e ele quase morreu de pneumonia. Eu, eu gostava muito dele e fiquei com muita pena de minha irmã e mais pena dele, porque eu dizia assim, agora todo mundo está chorando, depois ele morre, ninguém liga mais, né? E, e aquilo me dava assim uma tristeza de saber que ele ia ser esquecido, ia sair de circulação, minha irmã ia se casar com outro, então fiz uma, uma série de promessa, uma inclusive a de fazer a comunhão. Eu não tinha feito. Bom (inint.) mas eu achei (inint.) questão de honestidade, que eu não podia fazer a primeira comunhão sem saber algo da doutrina, né? Então tinha uma colega que era muito católica (inint.) carola e tal, então (inint.) olha, T., eu gosto muito de você! Eu disse: olha, C., até que eu vou fazer a primeira comunhão, eu tenho uma promessa. Não faço porque não (inint.) a doutrina. Ela foi e me levou num convento, Cenáculo, ali nas Laranjeiras, pra falar com uma madre Pimentel que eu acho que foi colega dela e tal, depois então eu partici... ia lá, conversava com ela e depois e fiz até um retiro e minha mãe até ficou muito preocupada, pensou que eu fosse ser freira. E esse retiro, três dias, vou dizer a você, teve muita influência na minha vida, eu, eu achei aquilo muito, muito bom, muito, e, e o reencontro com a gente mesma, entende? Eu, eu (inint.) ficava no quarto, então eu espiava do quarto pra, pra área lá dentro da, das, das freiras e elas sempre lá trabalhando, conversando, rindo e tal. Eu saí de lá católica. Então eu peguei no espiritismo, minha mãe médium, né, botei na gaveta e tranquei, não raciocinava, porque se eu fosse raciocinar eu ia entrar em choque. Porque minha mãe era uma criatura muito, muito honesta, sem vaidade. Então a minha mãe não podia burlar, fazer chantagem, dizer que, que recebia um guia, está entendendo? Eu, eu achava a, a reencarnação inclusive ló... eu, eh, ló... como é que se diz, lógica, eu inclusive eu tinha, porque eu fiz a comunhão, a primeira comunhão com vinte e seis anos e eu sempre consegui ler romance espírita. Tinha uma amiga, que era mais velha que eu, minhas amigas sempre eram mais velhas de que eu, geralmente minhas amigas eram mais velhas de que eu, e ela conversava muito comigo, então eu tinha muita, achava muito mais lógico a reencarnação do que vi... vi... vi... Porque tinha primeira encarnação, ve... eu venho cega, você vem aleijado, outro vem perfeito, que Deus quer experimentar, então vai experimentar a vovozinha, né? Então achava, então eu tranquei, você compreende, eu não fiquei raciocinando. Passou, eu me casei, aí tive a M.B., aquela que eu te falei, né? Foi, M.B. nasceu muito frágil e tal, aquela briga toda, de lutar, M.B. não comia. Mas no, no dia de são Pedro, era o último dia da páscoa, né, eu cheguei no, pro padre e perguntei ... Aí pedi licença pra mim não freqüentar a missa, que eu fazia direitinho, está entendendo? Eu fui à missa, eu comungava, está entendendo? Certinho, honestamente, está entendendo? As minhas, minhas dúvidas, eu, eu, eu inclusive eu tive padres que tiveram diálogos comigo, teve uns que me ex... me expulsaram do, teve um quase que me expulsou na, do, do confessionário, né? Porque eu, eu queria diálogo, eu queria me ilustrar e, e aí eles queriam bitolar, entende? Tinha uns, não, tinha um até que disse pra mim: não, você pode falar, outras eu não ouço, mas você eu ouço! Quer dizer, era o mais esclarecido, né? Eu cheguei nesse padre e disse a ele que eu era muito feliz, tinha uma filha, mas que tinha necessidade de evoluir, quer dizer, queria sair da, daquilo, ver outras coisas. Ele foi disse assim: cuidado com a palavra evoluir. Passou. E de vinte e nove de junho, dia vinte e dois de julho M.B. me faleceu. Ela amanheceu boazinha, depois teve uma diarréia, dentro de uma hora já estava morta. Então isso foi um impacto, né? Aí eu fui no con... na igreja e falei assim: ô, padre, mas soluçando, então disse a ele: o senhor não se lembra daquela senhora que esteve aqui, isso, sou eu, minha filha morreu. Ele caiu na tolice de dizer que tinha morrido porque eu estava afastada de Deus: pois eu vim agradecer a Deus, eu não, eu, eu não ... Até eu falei com uma felicidade porque eu mesma reconhecia que M.B. era uma criança débil, não mental, mas fisicamente, está entendendo, que não tinha muita condição de sobrevivência. Então eu vivia iludida, eu estava feliz. Me lembro que um dia eu disse assim: meu Deus, eu sou tão feliz, que que eu fiz pra ser tão feliz! Então eu vivia dando graças a Deus, como é que ele vinha com essa história de, de abandonar Deus? Aí eu vim arrasada da igreja, entende? Aí eu comecei a pensar: meu Deus, mas, mas só isso, mas ma... mas é irremediável, porque pelo menos ela, ela passava muito mal. Até que começaram a dizer que era mesmo, aí eu mandei, botei Deus pra correr, sabe, não quis saber mais de, de, de religião. Nem mais de Deus. Eu não dizia: vai com, vai com Deus! Eu digo: boa viagem! Não queria saber. Mas venceu aquelas minhas noções de espiritismo, está entendendo? Aí eu passei ... Minha irmã me levou ao centro, que era irradiação mental, eu comecei lá e sempre com muito gosto, gostei muito de, de pesquisar, de ler, de, curiosidades do além, né, o que vem depois. Aí eu me ... Comecei a ler, depois passou aquela faixa, né, que eu fiquei numa, bastante ... Tanto que quando Ma... M.L. nasceu, eu não criei, eu criei M.L. sem religião, eu não queria mesmo, está entendendo, estava disposta a criar M.L. atéia. Com dois anos foi que eu resolvi que ia criar um monstro, né, aí mudei de opinião. Mas quando eu fui pra Niterói foi que eu tive oportunidade, está entendendo, de, de, foi em Niterói que eu comecei a, a es... estudei esoterismo, depois deixei, estudei rosa-cruz, deixei também e agora estou no, no espiritismo kardecista, né, que o outro, o outro ...
D
 O que significa isso, espiritismo?
L
 O kardecismo, aliás nós já, nós já dizemos kardecício, espírito kardecício por uma questão de, de, de delicadeza, porque nós não consideramos a umbanda, eh, espiritismo, a umbanda pra nós é mediunidade. Porque o kardecismo se baseia na, na, no, nos livros que, da codificação que é (inint.) no espiritismo, espírita, gênese, livros médios, não sei se tem outro não, não sei se são quatro ou cinco livros. Então, e outra coisa, o es... o, no kardecismo não há o diálogo com o espírito, já você vê, na umbanda há o diálogo. No kardecismo não há dogmas, não há batismos, já no karde... no, na umbanda tem batismo. Nós não temos rituais, não temos vestimentas, não temos oferendas, entende? Então nós já dizemos ... Você, você é umbandista, vocês são?
D
 Não.
L
 Então eu posso falar. Então nós, nós dizemos que kardecismo por, por delicadeza, inclusive porque nós, nós a... aceitamos que nós estamos (inint.) de evolução, numa faixa, esses espíritos, nós também já fomos assim, é o costume de fumar, de beber, como hoje há os, o, na terra, os terrenos, né, os encarnados, vamos dizer, que não, não passam sem, sem, eh, sem a sua cachacinha, né? Estão morrendo mas estão com a cachacinha do lado, né? Então esses espíritos estão, ainda precisam essas coisas materiais então nós aceitamos. E depois que eles passam essa faixa material, eles muitas vezes se apresentam em centros kardecistas, com nome de pai João, pai Joaquim, embora eles não, não, não precisem mais de fumar, nem de beber, nem de oferendas.
D
 Vocês se reúnem em datas certas ou ...
L
 Não, nós não temos essas datas assim de Ogum, de são Jorge. Cada centro tem seus dias de reunir, naturalmente, uma questão de, de disciplina, não é? Eu agora fazendo (inint.) de Samuel. Eu vou ... Eu sou médium, né, mas por enquanto, até (inint.) devagar (inint.) a minha irmã, essa não é de nada, ainda não encontrou o rumo dela, então eu disse: eu só rabisco. Ah, você só rabisca? Então manda o teu espírito pro MOBRAL aprender a ler e escrever. Então eu estou na, eu vou terça-feira, uma terça-feira é desenvolvimento, né? Tem uns lá que já psicografam e tudo, normal.
D
 O que é isso, desenvolvimento? A senhora podia explicar, porque a gente não sabe.
L
 Não, é a tal história ...
D
 Se a senhora quiser, é claro.
L
 Não, que se eu souber, aí eu quero, se eu tiver condições de me saber, de me fazer es... entender. Porque nós temos aquele, aquela mediunidade, né, vamos dizer, psicográfica, de, auditiva, então você vai aí desenvolver aquela sua mediunidade, está entendendo, então há aquela prece, né, que se faz uma prece, que nossa prece não é lida, dizer até: meu Deus, muito obrigado pelo dia de hoje! Isso, isso já é uma prece, então faz uma prece, então você ... Eu por exemplo fico lá com o caderno na minha mão, agora é interessante, nem sei se vocês vão acreditar, a minha mão mexe, independente da minha vontade, entende, porque nesse capítulo eu sou muito, muito rigorosa, eu quero saber que que eu estou fazendo, não, não me interesssa fazer as coisas. Agora, ao meu lado, tem uma menina que ela escreve e coisas muito interessantes, inclusive outro dia ela escreveu uma, uma mensagem que era continuidade de um trabalho que (inint.) noutra sala, era uma continuidade, quer dizer, ela não assistiu, entende? Quer dizer, então eu vou terça-feira, é a de desenvolvimento. Outra terça-feira não é bem estudo da doutrina não, estudo da doutrina se... é véspera de terça-feira que nós fazemos lá, segunda-feira é estudo da doutrina. Eh, tem a dona D. que faz um estudo sobre a, a história da, das religiões. É interessante! Quer dizer, então tem esse dia, terça-feira, de quinze em quinze dias. Agora tem outros dias que elas se reúnem que eu não sei, entende, que os dias que eles se reúnem pra, pra, pra, pra parte, porque tem sempre aquela parte, tem sempre (inint.) geralmente nos centros espíritas tem sempre aquela, aquela parte, vamos dizer, filantrópica.
D
 Existe uma hierarquia como há na igreja católica?
L
 Não, não, não. Há sempre, tem que haver uma pessoa responsável, não é verdade?
D
 Ele tem um nome assim especial?
L
 Nada, absolutamente. Nada disso. Vo... você encontra isso no rosa-cruz. Mestre, né? Eu já, já freqüentei rosa-cruz. Deixei, primeiro que eu achei muito avançado na parte da doutrina e do (inint.) né? E depois eu achei assim muito, muito, muito eu, eles falam muito: eu, eu, eu. Parece que quem não for rosa-cruz vai pro inferno. Eu acho que o que salva, que lhe salva, não é a religião, a religião é o trilho das nossas ações, entende? Eu posso ser espírita e ir pro fundo dos infernos e outro não acreditar nem em Deus e estar muito me... muito melhor do que eu. Tem muito eu, sabe, no rosa-cruz, eu, eu, eu. No rosa-cruz não, tudo é mestre, mestre pra cá, mestre pra lá, até mesmo fora daí da, da, da sala e tal, encontra, em vez de dizer fulano, né, mestre, sóror, frater e tal. Quer dizer, tem aquelas, tem, tem, como é que se diz, iniciação, ceri... cerimônias que eu não vou falar porque assumi o compromisso que eu não podia falar, aqueles sigilos, está entendendo?
D
 Parece muito maçonaria, né?
L
 Eu não sei que eu não conheço a maçonaria (inint.) profundo.
D

  Está ótimo...