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PROJETO NURC-RJ

Tema: "A cidade e o comércio"

Inquérito 0258

Locutor 311
Sexo feminino, 66 anos de idade, pais cariocas
Profissão: advogada
Zona residencial: Sul e Norte

Data do registro: 11 de novembro de 1974

Duração: 41 minutos

Som Clique aqui e ouça a narração do texto


D
 Podemos começar. Você per... pergunta alguma coisinha, assim ... Do que que a senhora mais gosta do Rio de Janeiro como cidade?
L
 O que eu mais gosto do Rio de Janeiro é ter nascido nele, porque me parece que é a cidade mais bonita do mundo. Não que eu conheça o mundo inteiro, mas por descrições, por estudos, por conversas, por muitas informações, que eu sou uma pessoa interessadíssima em tudo que se passa no mundo. Eu vejo que o Rio de Janeiro, apesar de todas as suas falhas, de todos os seus defeitos, de todos os seus problemas que são cada vez maiores, é ainda uma natureza tão linda, que a mão do homem apesar de tudo, ainda não conseguiu destruir.
D
 A senhora podia mencionar alguns desses, do que que a senhora considera defeitos no Rio, que é, que estão de mau pra a cidade (sup.)
L
 (sup.) Os defeitos, os defeitos do Rio, realmente são todos os defeitos de uma cidade grande que de repente viu a sua população muito maior do que podia ser, e eu digo cidade grande, como cidade, uma parte ocupada porque, na verdade, o, o, o estado da Guanabara ou a cidade do Rio de Janeiro, a cidade-estado, é ocupada só propriamente quase que na orla litorânea, basta que se viaje dez, quinze, vinte, trinta, quarenta minutos pra a população ir ficando cada vez mais rarefeita e os campos imensos, enormes, sem ocupação, com pouco gado, nenhuma plantação, nenhuma vida afinal, a não ser uma vida espontânea muito reduzida. Acho também que certas construções monstras, agora por exemplo, estão fazendo aqui na avenida Atlântica, cujo gabarito era de doze andares, um hotel imenso, dizem que vai ter trinta e cinco andares. Este fica na esquina da Princesa Isabel, mas há um outro na esquina da Xavier da Silveira que também é uma coisa monstruosa. Eu sei que nós precisamos de hotéis, uma cidade belíssima como o Rio de Janeiro não pode deixar de ter turismo e não pode ter turismo sem hotéis de primeira categoria. Mas os dois hotéis da avenida Atlântica são dois monstros.
D
 A senhora mora há muito tempo em Copacabana, não é?
L
 Moro.
D
 A diferença de Copacabana quando a senhora veio pra cá e agora?
L
 A diferença é imensa. Quando eu vim para cá em mil novecentos e trinta e sete ou trinta e oito, o número de residências, e que bonitas residências, era muito grande. Hoje há quatro casas na avenida Atlântica apenas. Uma delas acaba de perder o seu dono, o seu proprietário, era do Dias Garcia. É uma linda casa de pedra. Aqui pertinho. Também vai ser demolida, porque já foi vendida. Então serão apenas em toda a orla marítima, quatro residências ainda de dois ou três andares no máximo. Quanto ao mais, a avenida Atlântica hoje é muito bonita, porque foi alargada creio que cento e cinqüenta metros. E o calçadão todo feito de pedrinha portuguesa preta, branca e vermelha é realmente muito bonito, principalmente quando visto de cima. Mas as ruas interiores têm casas ainda velhas. Há também alguns apartamentos que já deviam ser demolidos de tão velhos. Este por exemplo em que moro já tem vinte e cinco anos e já está precisando reparos de base muito grandes.
D
 E o, a senhora também morou na zona norte, não é? A diferença de, dos bairros na zona norte onde a senhora morou, pros bairros da zona sul que a senhora conhece, que diferenças a senhora vê?
L
 Os bairros da zona norte tiveram grande benefício com a avenida Presidente Vargas. Ali era um amontoados de ruas: rua de São Pedro, rua General Câmara, rua General Caldwell. Era uma coisa, difícil o trânsito, muito difícil, o acesso dificílimo, a zona norte. Hoje com a avenida Presidente Vargas o acesso é muito fácil. Quanto à, a zona norte, ela propriamente, recebeu muito, muito auxílio do governo, sob a forma de viadutos, de ruas, de estradas, ah, e principalmente uma coisa muito bonita. Eu costumo fazer muitas viagens para Petrópolis ou Teresópolis, a ilumunação verde de gás de mercúrio. Quase toda a zona norte está lu... iluminada com gás de mercúrio e as noites são muito bonitas. Quanto aos dias, eu não acho que a, os serviços públicos a tragam tão limpas, tão tra... tratada, tão cuidada como devia ser, mas em todo caso, a natureza brasileira é tão linda, que vai suprindo muitas deficiências.
D
 (inint.) a senhora podia nos falar um pouco das suas lembranças, das suas lembranças dessa cidade da sua infância e adolescência, de que coisas do Rio de Janeiro que a senhora gostava muito e que desapareceram e se modificaram (sup./inint.)
L
 (sup.) Ah, uma das coisas mais agradáveis do meu tempo foi quando comecei a freqüentar teatro. Eu era menina, mocinha e havia um teatro no Passeio Público, era, naquela ocasião representava o Procópio e uma, uma, uma artista maravilhosa que se chamava, eu creio Regina Maura. Quanto ao mais, havia a Quinta da Boa Vista que era uma delícia aos domingos, piqueniques, passeios de automóvel. Os automóveis ainda não parecidos com os de hoje. Naquela data as marcas de automóveis mais importantes eram Packard. Quem tivesse um Packard era uma coisa maravilhosa! Então aqueles passeios na Quinta da Boa Vista. Os passeios também no Passeio Público também, muito agradáveis. Aquários, tanto na Quinta da Boa Vista, como no Passeio Público, belíssimos, os aquá... os aquários. Também passeios na ilha de Paquetá e na ilha, aquela ao lado hoje, onde o governador tem residência de verão que se chama Brocoió. Uma coisa maravilhosa! Outra coisa também na Tijuca, logo depois que se sai do Alto da Boa Vista a Fundação Castro Maia, hoje. Naquele tempo era a casa do Castro Maia, o senhor Raimundo de Castro Maia, uma das pessoas de melhor gosto no Rio de Janeiro. Hoje, a casa que ele mora, morava, que ele faleceu há uns cinco anos atrás, que se chama Chá... Chácara do Céu, na, em Santa Teresa, onde está instalado o museu, muito bem tratado, muito bem cuidado, uma senhorita que se chama Lúcia Otoni.
D
 A senhora está a par de um projeto que existe a respeito da Chácara do Céu, houve uma, uma confusão agora. Ainda não? Estavam tentando fazer umas construções lá.
L
 Seria uma pena, porque o prédio está conservado tão bem! É tão bonito! Como residência devia ter sido uma coisa maravilhosa! Há um salão grande, onde eles fizeram a inauguração, o governador e a senhora estiveram presentes. É todo calçado de lajotas e tenho a impressão que não são lajotas, são tijolos grandes, talvez de trinta e cinco por trinta e cinco, encerados. É tão bonita a sala! Coisa maravilhosa! O mobiliário também da época, foi trazida muita coisa lá da casa, da, da, do Alto da Boa Vista, da Fundação lá do Alto da Boa Vista. De modo que a casa tem um aspecto antigo e moderno ao mesmo tempo. O parque é belíssimo e se estão pensando em fazer alguma construção destas monstruosas, tirando a paisagem, tirando o panorama, tirando a vista, tirando o ar e tirando a luz, vai ser outra barbaridade feita contra o Rio de Janeiro, porque aquele recanto de Santa Teresa é belíssimo, parece-me que é rua Joaquim Murtinho, nove nove.
D
 A senhora falou que havia no Passeio Público aquários, eu não tenho muito idéia de como é que seriam esses aquários, a senhora poderia me descrever?
L
 Os aquários eram uma espécie de casamatas militares. Uma construção redonda, entrava-se numa pequena porta e esta por dentro havia uma série de galerias, nas galerias a, os, o, o, os aquários propriamente, sobre a forma, sob a forma de 'écrans' e dentro os peixes vivos, os mais variados possíveis: carpas douradas, peixes prateados com manchas azuis, verdes, roxas, peixe-véu, aqueles que têm caudas imensas, barbatanas imensas, peixes monstros, peixes feios, peixes de boca grande, peixes de olhar agressivo, sempre batendo com o nariz no vidro e também outras espécies de peixes pequeninos, carpinhas pequeninas, minúsculas que a gente ficava, ficava, eu ficava assombrada como criança, como é que aquilo podia ter vida, como é que aquilo podia se mover, tão lindo e tão dourado que era.
D
 Agora, através desses anos todos dessa, que a senhora vem acompanhando a vida dessa cidade, a maneira como as pessoas se divertem, como tem variado no tempo (inint.)
L
 Tinha ... Va... variou muito. No começo havia aqui sempre a vinda de circos. Recordo-me que eu era menina ainda, quando vi a primeira vez aqui um circo chamado Sarrazani. Foi uma coisa extraordinária, porque o circo tinha feras amestradas, tinha focas de bigodes engraçadíssimas, bailarinas maravilhosas, exercícios em cavalos, ah, japonesas de, de guarda-sol em cima de cordas. Era tudo muito divertido. Havia também cinemas, havia matinês, hoje pass... passaram a se chamar vesperais, mas naquele tempo falar pra uma criança em matinê no cinema era um prêmio como hoje eu acredito que as crianças não sintam, a menos quando elas vão à piscina ou então ao banho de mar, que me parece que hoje o divertimento das crianças principal é a piscina. Outros divertimentos também, teatro. Havia teatro infantil, havia teatro de marionetes na praça Afonso Pena, muito interessante e no Passeio Público também havia. Uma coisa muito interessante para as crianças era o fotógrafo lambe-lambe. Então saía-se de casa, com uma vontade tão grande de se, de tirar o retrato, então fazia-se uma pose, bem séria, bem dura, como se estivesse todo em goma-arábica e saía o retratinho. Quando o retratinho era entregue, era aquela alegria imensa, porque as máquinas fotográficas Kodaks que a gente tem em casa hoje à disposição, não existiam absolutamente naquela ocasião. Creio que a máquina Kodak começou a aparecer aqui no Brasil mais ou menos depois de trinta e três, trinta e quatro, quando eu já era bem grandinha.
D
 E os divertimento, os divertimentos mais populares, por exemplo, das classes pobres (inint.) praças públicas (sup.)
L
 (sup.) Bem, era, era, divertimentos, divertimentos das crianças brincavam na rua. Havia uma coisa muito interessante que se chamava diabolô, e as crianças adoravam, eu por exemplo, fui campeãzinha de diabolô, quando eu tinha oito ou nove anos, era um carretel que se jogava para cima milhões de vezes e milhões de vezes se apanhava o carretel. Ah, também havia o diabolô que era um outro brinquedo de madeira. Havia também as bicicletas, mas a, os pais em geral eram muito temerosos com os filhos brincando de bicicletas, então criança que tinha bicicleta era uma criança privilegiada. Havia os velocípedes, mas os velocípedes só até os cinco ou seis anos, porque uma menina com oito, nove anos de velocípede era vaiada, porque naquele tempo as garotas era já bem levadas, tal como são hoje.
D
 E carnaval?
L
 Sim, carnaval foi sempre um divertimento adorável, para todas as crianças que eu conhecia, a começar por mim. Fazia uma fantasia de pierrô, botava uma vastíssima gola de barbatana e por cima bastante filó. O pierrô todo de cetim com pompons de cor e chapéu de bico. Ah, não! Não podia haver alegria maior. Era uma coisa muito divertida. Havia também os blocos de sujo na segunda-feira. Muita gente boa se punha envolvida em lençol. E gente de boníssima sociedade que fazia vozinha de falsete e dizia assim: você me conhece? E aproveitava pra passar trotes às vezes pesadíssimos. Às vezes, muitas vezes, ah, sim, eu me lembro que mamãe dizia assim: com estas brincadeiras, muitos casamentos se fazem e muitos casamentos se desfazem! Porque toda a gente aproveitava para contar o que sabia e o que não sabia. De modo que o disfarce do lençol era uma coisa bárbara! Parecido com a carta anônima.
D
 E como as pessoas não eram reconhecidas?
L
 Havia máscaras, máscaras de papel, papelão endurecido, havia máscara de arame, havia máscaras feitas em casa, de pano e havia as meias máscaras, daquele tipo veneziano, que só cobria os olhos e a pontinha do nariz e deixava a, a, à mostra o resto do cor... do rosto. Às vezes nas, nos bailes, nas festas, ah, mesmo para as crianças, porque já havia bailes infantis. Essas máscaras tinham um babadinho de renda que era uma delícia! Naturalmente, que com as pessoas da mais idade, essas coisas tinham requintes especiais, porque o carnaval no Rio de Janeiro foi uma coisa sempre muito agradável. Principalmente o carnaval de rua nas zonas mais pobres, em que o ano inteiro se passava pensando nas, nessas festas e nos dias de carnaval então era realmente uma alegria muito grande, sadia, sem preocupações e eu creio que a polícia poderia contar como essas coisas se passavam pacificamente, porque não havia trabalhos maiores, não havia crimes maiores, não havia furtos, não havia assaltos e outras espécies de crimes que não está no caso enumerar.
D
 E havia desfiles, como hoje? Coisas parecidas (sup./inint.)
L
 (sup.) Desfiles, não. Desfiles havia pequenos ranchos todos eles que se faziam à sua própria custa, o governo não dava auxílio propriamente e havia uma coisa hoje, que se, que se repete hoje, e que eu vi há dias muito bem repetido na peça da Eva, "Chiquinha Gonzaga", que se chamava o zé-pereira. Vinha um, um cidadão com um vastíssimo tambor, seguro ao pescoço, tocava o tal tambor, então a criançada toda vinha à volta, vinha atrás aos pulos, aos saltos alegríssimos. Uns fantasiados de diabinhos, diabinhos verdadeiros e diabinhos falsos, porque alguns, para serem diabinhos só tinham o rabo, mais nada, (risos) então eram diabinhos. Outros não, tinham máscara de diabinho, roupas de diabinho, eram muito engraçado. E eu acredito que a classe, que a nossa classe pobre se divertisse muito, muito mais do que hoje.
D
 Agora, que, que a senhora acha dessa vinculação da cidade do Rio de Janeiro ao estado do Rio de Janeiro que veio Rio e Niterói se tornar um grande estado. Como a senhora vê isso ?
L
 Bem, eu acredito que no momento, quer o estado do Rio quer a Guanabara vão sofrer um pouco de toda a adaptação, isto é, de toda a junção de dois problemas diferentes, realmente tem que haver um pouco de discórdia, um pouco de luta. Acho, por exemplo, que as rendas do estado do Rio não são tão grandes que possam fazer face ao conjun... somadas ao da Guanaba... às da Guanabara possam fazer face ao que realmente o nosso povo precisa. Porque a crise, eu sei, é mundial, mas nunca tivemos tantas dificuldade no preço das cousas como temos agora. Então esta fusão talvez traga no momento uma certa escassez de rendas gerais. Quanto ao mais, dizem-me sempre os entendidos que as grandes indústrias estão no vale do Paraíba. Sim, eu conheço algumas, por tê-las visitado, são belíssimas, são imensas, são enormes, mas eu não creio que a renda dessas indústrias vá realmente cobrir tudo aquilo que o grande estado do Rio de Janeiro vai precisar.
D
 Agora a senhora algum momento atrás falou sobre os serviços no Rio de Janeiro e eu me lembro que há anos atrás faltava muito água aqui em Copacabana e em outras partes da cidade e havia outra dificuldade de comunicação, poucas pessoas tinham aparelho telefônico em casa, etc. Quer dizer, que que a senhora acha desses serviços? Como as coisas têm se desenvolvido nessa cidade (inint.) serviços públicos (sup.)
L
 (sup.) Na, na parte urbana mais desenvolvida, os serviços públicos têm mais ou menos acompanhado as necessidades do povo. Ora, veja, o telefone. Conhecia pessoas que tinham seu nome na lista há vinte anos e de repente o telefone apareceu como um milagre. Eu mesma me fiz uma ins... apesar de já ter telefone, em nome de meu marido, fiz uma inscrição e em dois meses consegui telefone aqui no posto quatro. Também o, o abas... abastecimento dágua deste prédio em que moro, são doze andares e vinte e quatro apartamentos, nunca faltou água. O jorro nas torneiras é maravilhoso, mas sei de muita gente se queixa, aqui mesmo no quarteirão adiante, que se queixa da falta dágua. Eu creio que o túnel do Guandu, apesar volta e meia está precisando de reparos, trouxe realmente muita, muita abundância de água para grande parte da cidade. Quanto à parte suburbana e a parte norte, não estou bem a par. Que é interessante! A cidade se faz perfeitamente dividida em zona norte e zona sul, então vai se perdendo contacto com a pessoas que moram na zona norte. Fica-se sabendo menos, a não ser através dos jornais, o que se passa na zona norte. Sabe-se muito bem o que se passa aqui na zona sul. Estou por exemplo freqüentando um curso e chego aqui a casa uma hora da manhã. No entanto, é ali na rua Mariz e Barros, mas é longe, então o cu... acaba à meia-noite e eu chego a uma hora da manhã. Vejam que realmente as distâncias são grandes. Assim como para chegar e assim como para tratar com as pessoas que moram do outro lado da cidade.
D
 O centro da cidade, o centro mesmo, porque a senhora já falou de outras coisas, já falou das festas, das, das atividades, eh, sociais das pessoas e das modificações que houve, né, a respeito do centro da cidade, a senhora sentiu muita modificação?
L
 O centro da cidade modificou-se muito. Olha, cito um exemplo, por exemplo a rua do Ouvidor. A rua do Ouvidor, no meu tempo de menina, de mocinha e de senhora madura era o que havia de mais elegante no Rio de Janeiro. Lembro-me quando estive em Buenos Aires, achava até muito parecido com a "calle Florida", que também é uma rua muito bonita. Hoje a rua do Ouvidor é alguma coisa inacreditavelmente triste. Demoliram o prédio grande de uma casa, parece-me que uma loja chamada Capital. Está demolido há mais de cinco anos, não se fez coisa nenhuma, é um terreno baldio. Em frente é, é a perfumaria Carneiro. Estou me referindo na parte da rua do Ouvidor que sobe para o largo de São Francisco. Ali há mulheres esmolando com cinco, seis crianças e não é uma mulher só, são cinco, seis, sete mulheres. O comércio também da rua do Ouvidor já não tem aquele brilho. Com grande surpresa minha, fechou-se uma grande loja, onde compraram os seus bonitos, as suas bonitas fazendas, minha mãe, minhas tias, minha avó, que era a Notre-Dame de Paris. Não existe mais. Com surpresa, indo lá uma tarde dessas, encontrei a ca... a loja toda fechada. Havia na esquina também o café Palheta, delicioso, bem feito, o melhor café do Rio de Janeiro. Não existe mais também. O que ficou mesmo do passado é a velha confeitaria Colombo, com seus espelhos franceses imensos e sempre muito procurada. Mas também é a única confeitaria que existe, porque as outras duas, a Brasileira e a Americana, onde a juventude, eu inclusive, divertiu-se muito, não existe mais.
D
 A senhora podia falar de outras, eh, a senhora falou da Notre Dame. Foi muito importante, uma casa comercial importante. Podia falar de outras e dos artigos (sup./inint.)
L
 (sup.) Havia também uma outra casa, mas esta eu era tão pequena. Bom, nem tão pequena assim, chama-se o Parque Royal. Era aonde comprava toda gente e havia reminiscência de uma outra casa, chamada Fazendas Pretas. Esta me recordo que mamãe contava maravilhas dos vestidos lindíssimos que comprou lá. Mas realmente essa não cheguei a conhecer. Outras lojas na avenida também. Ah, não sei agora, café Simpatia também tem uma coisa que veio vindo comigo, eu vim crescendo e vendo café Simpatia. Mas também acho que acabou. Agora está instalada lá a loja Barki, que tem casas aqui também, casas aqui em Copacabana também muito bonitas. E outras lojas também que eu podia falar é da confeitaria Pascoal da rua do Ouvidor. Recordo-me que lá muitas vezes fomos comer camarão, eu com papai, e doces e cafezinho, o que não se usava muito aqui no Rio de Janeiro. E me lembro também que quando se pensava em cafezinho, nós íamos a São Paulo, especialmente tomar o cafezinho em pé, porque em, em São Paulo se dizia que o carioca tinha lazeres demais, inclusive tomava café, no café (inint.) sentado, ou então mais tarde no café Amarelinho e que em São Paulo não se podia ver. E por falar em São Paulo, lembro-me que tive muita surpresa quando fui a primeira vez porque a rua, as ruas, uma delas, principalmente a rua Direita era calçada com madeira e achei muito interessante, porque encontrei em Buenos Aires ainda em mil novecentos e trinta e três, uma rua calçada com madeira. Aliás, Buenos Aires se parece muito com São Paulo. Não sei se São Paulo será cinco, seis ou sete vezes mais bonita. Mas Buenos Aires também é uma linda cidade e, como São Paulo, toda feita pela mão do homem, onde a natureza não caprichou muito não.
D
 Há uma coisa que eu tenho muita curiosidade, é a evolução dos meios de transporte nessa cidade.
L
 Ah, lembro-me que no tempo da escola Normal andava-se de bonde, bonde confortável da Light, com o carro principal e o reboque. O, a passagem muito barata, sou do tempo que se pagava duzentos réis pela passagem e que havia uma coisa chamada ponto de cem réis. Então, daí em diante, passava-se a pagar duzentos réis. Também havia carros. Recordo-me que minha mãe, que era professora também numa escola da rua da Constituição, e papai era militar e tinha a, por direito, pelo seu cargo uma vitória. Vitória são aqueles carros que a gente encontra hoje ainda em Petrópolis: quatro rodas, dois assentos, um em frente ao outro, cocheiro com chapéu, então a, a, a vitória levava mamãe à escola. Isso deixava as outras professoras muito intrigadas, como é que a mamãe tinha uma vitória a seu serviço. Mas não era dela não, era de papai que era militar.
D
 E era puxado a cavalo?
L
 Puxava, uma parelha de cavalos que era uma parelha muito bem tratada, muito bem escovada e quando (inint.) queria, faziam desenhos com máquinas, nas, nas ancas dos cavalos, assim em quadradinhos, como se fosse um jogo de xadrez. Então nós, as meninas, nós éramos duas irmãs pequeninas, íamos, perguntávamos assim: será que hoje os cavalos vem com jo... com jogo de xadrez na anca? Até que papai e mamãe descobriram. Porque eles não tinham reparado ainda. Então viram que os cavalos tinham aquele penteado nas ancas.
D
 Nessa época que era dos bondes não havia ônibus, havia? Como é que apareceram os ônibus (sup./inint.)
L
 (sup.) Os primeiros ônibus de que eu tenho conhecimento foi o ônibus que hoje é o cento e vinte e cinco. Era o praça General Osório, eu não sei se chamava e ele era verde. Chamava-se arrasta sandália. Ah! Havia, o primeiro ônibus de que eu me lembro, chamava-se Alta Avenida. Fazia o trajeto Mauá até o Obelisco. Não me lembro o preço da passagem, porque nessa ocasião eu não pagava, papai é quem pagava, não ? De maneira que o carro é que fazia esse trajeto, aliás era ... Como faz hoje o circular, que vai, sai da praça Mauá e vai até o Obelisco e vai até o Castelo. Era muito interessante e prestava muitos bons serviços. Depois este ônibus que era Ipanema, depois este que era o arrasta sandália e depois um que se chamou camões, porque tinha uma metade na frente partida, então essa, essa parte era, eh, ocupada por uma escadinha, mas realmente, olhado de frente, parecia que ele tinha um só olho, por isso se chamava camões, (risos) chamava-se camões. Andei muito neste camões. Me lembro do tempo que estive na faculdade, eu morava em São Cristovão, então vinha a um lugar muito interessante chamado galeria Cruzeiro e lá tomava o ônibus, o bo... o bonde de Praia Vermelha que vinha sempre carregado de estudantes. Isto foi mais ou menos por mil novecentos e trinta e um, trinta e dois. Depois tiraram os ônibus da galeria Cruzeiro, porque demoliram o prédio que se chamava hotel Avenida. Hoje é aquele prédio da dona Regina (inint.) eh, Avenida Central.
D
 A senhora, eh, chegou a freqüentar o hotel Avenida? Podia descrever pra nós como era o hotel?
L
 O hotel?
D
 É. O hotel Avenida.
L
 O hotel Avenida era o hotel mais importante do Rio de Janeiro naquela época. Há os aposentos muito grandes com grades, o pé direito altíssimo. Naquela ocasião, a nossa engenharia, a título não sei de quê, achava que era preciso que houvesse essa camada de ar lá em cima. Então o hotel talvez não tivesse seis ou sete andares. Mas era um dos edifícios mais altos. Não o mais alto. O mais alto era o Jornal do Brasil. Mas de construção posterior. As mobílias antigas, mais ou menos estilo dona Maria I, aquelas que têm aqu... eh, têm varandinhas cheias de pequenas, de pequenos balaústres e ali dentro muitas coisinhas pequenas, muito bibelô, muitos 'sevres' e os sofás duros de medalhão, que a gente sentava militarmente, porque não podia quase se virar, porque ele era todo em ângulo reto. As poltronas também do mesmo estilo. Agora, grandes banquetes com, to... com to... com mesas imensas cobertas com toalhas adamascadas, louças brancas de fiozinhos dourados, tudo com muita classe, naquela época, e grandes fruteiras também de porcelana, grandes objetos de prata, grandes jarros, grandes talheres, grandes trinchantes, grandes lei... leitões nos pratos de, de prata, trinchados com os tais garfos muito grandes. Tudo era muito engraçado e muito diferente de hoje.
D
 A senhora falou que, eh, houve uma ocasião que ter um carro Packard era muito importante e a senhora falou da vitória que seu pai tinha. Eu queria saber da evolução do automóvel. Se a senhora se lembra (sup./inint.)
L
 (sup.) A idéia que eu tenho do primeiro automóvel realmente não foi aqui no Rio de Janeiro. Ah, que nós tivéssemos uso deste carro, foi no Piauí. Era uma marca. Era em Teresina, no Piauí. Papai era o chefe de polícia, então. Recordo-me que nesta ocasião, era também chefe de polícia no Mara... em São Luís no Maranhão o general Zenóbio da Costa. Então era um carro 'Esquiner' (sic), nem sei se a pronúncia é esta e era um carro tipo mais ou menos cupê. Porque naquele tempo carro chamava-se landolé, então landolé era o fino. Era o máximo que se podia imaginar. Quando voltamos para o Rio, papai teve outra vez landolé, por causa do serviço dele. O carro, a vitória puxada pelos cavalos não existiam mais pra o nosso uso. Tinha sido, tinham ido para Petrópolis. Bem, depois apareceram outras marcas. Quem tivesse muito dinheiro tinha um bonito Packard ou então, como Paulo Magalhães, tinha uma baratinha Packard preta, que naquela ocasião era o que podia se imaginar de mais bonito, mais elegante e mais caro. Eu também achava muito bonito. Hoje não, já, já perdeu completamente a, a, a ma... o feitio, o ... Mas era realmente um carro muito bonito. E outras marcas que vieram, por exemplo, havia o Buick. Carro muito caro. Propriamente o Cadilack apareceu quando eu já estava na escola Normal, não me lembro quem tivesse, mas me parece que era os Dias Garcia que tinham, que tiveram o primeiro Cadilack aqui, não tenho certeza, porque eu não me lembro, nesta ocasião não, não tínhamos carro. Eu andava era mesmo de bonde.
D
 Só uma coisa, a senhora podia falar da evolução também da moda feminina e masculina?
L
 A moda da época é muito fácil de se identificar, porque eu me recordo que os meus primeiros vestidos de mocinha são muito parecidos com os vestidos que eu vejo hoje. Eu, eu encontrei uma época que se chamava a melindrosa, os vestidos de cintura baixa. Eu recordo-me que se fazia, mandava fazer saias plissadas e a costureira dizia que a minha saia tinha quarenta e cinco centímetros. Eu juro que não era minissaia, era pelo joelho. Era tão pequeno o plissê, porque a cintura era muito baixa, mas se usava a, o vestido na altura do joelho. A moda dos homens era muito engraçada. Os homens usavam ternos brancos, tanto aqui como no nordeste, colete, palheta, sapato branco, gaspeado de preto ou gaspeado de marrom ou gaspeado de azul marinho, bengala e me recordo que meu pai trazia as bengalas dele, que não eram poucas, em muito boas condições. Bengalas de castão de ouro, bengalas de castão de prata, tudo muito bem trabalhado, muito bem cinzelado e contava-se, não sei, que uma certa família, que eu já não me lembro quem era, tinha uma coleção de medalhas, de bengalas todas cravejadas com brilhantes e com rubis. Não cheguei a ver essas bengalas, mas falava-se muito. Eu acredito que fosse verdade, porque eram pessoas que me mereciam crédito. Era muito engraçado o homem que chegou a um ponto de ser chamado almofadinha, porque usava a calça muito apertadinha, os sapatos, os sapatos muito compridos de bico fino gaspeados e a calça então ia aumentando um pouco pra cima, casaquinhos cintados e o céle... a célebre palheta, que caiu completamente moda. Depois encontramos a palheta muito engraçada na cabeça de seu (sic) Maurice Chevalier, era exatamente aquilo.
D
 Outra coisa é que a senhora quando mencionou essas lojas, essas que desapareceram, velhas lojas, etc. eu fiquei pensando que o que se podia comprar no Rio de Janeiro na época dessas lojas é muito diferente do que se pode comprar hoje, do que existe à venda hoje?
L
 O que as grandes lojas vendiam era principalmente artigo importado. Era caro realmente, mas não era mais caro do que hoje não. Havia por exemplo, as sedas puras, belíssimas, lindíssimas (inint.) fáceis de vestir, acho que difíceis de costurar, mas muito bonitas depois que estavam no corpo. Recordo que mamãe tinha para o teatro, mamãe ia ao teatro Lírico e ao teatro Municipal. O teatro Municipal não era muito, muito freqüentado, porque parece que ele foi terminado em seis ou sete, em mil novecentos e seis, mil novecentos e sete. O teatro mesmo bem freqüentado era o teatro Lírico, ali onde mais ou menos hoje é o largo da Carioca, perto do convento Santo Antônio. Então as lojas tinham cousas muito bonitas. Tinham, por exemplo, leques de sândalo, perfumes. Lá em casa mamãe usava Royal Begoniá (sic), a, a, e o papai usava a loção Fleur D'Amour, uma beleza, numa caixa vermelha de cetim e que mal chegava a loção, ficava-se a brigar, quem que teria a caixa de loção. Muito bonito. O vidro todo de cristal. Ah! Havia também um perfumista chamado Pivê. Caixas lindas de pó com violetas roxas. Havia também outro, ah, ta... também Pivê, com caixas vermelhas, ah, a marca Pompéia. Isso minhas tias, que eram solteiras e eram moças muito bonitas e moravam conosco, usavam. Havia também uma série de, eh, berloques de ouro, correntes de ouro compridas e passarinhos e, e ani... e, e outros pequenos animais, todos cravejados com brilhantes e, e pombinhas. Tudo muito bonito. Uns alfinetes que se pregavam nas blusas. E que lindas blusas que eram feitas de batista com rendas verdadeiras francesas, muito bonitas, rendas valencianas. Então as, os alfinetes eram feitos de porcelana, com pombinhas e gatinhos e íbis e flamengos. Muito bonitas. Então as saias acompanhavam também, muito bem feitas, muito bem talhadas, e as costureiras eram pessoas tão importantes no Rio de Janeiro. Olhe, mais importantes que os cos... costureiros hoje. Porque elas entravam nas casas das famílias, traziam, traziam as amostras, as, as senhoras escolhiam, porque não era muito moda as senhoras irem nas lojas comprarem não. As costureiras traziam, traziam os figurinos e que figurinos! Todos franceses. Então se escolhia à volta das mesas. Mamãe dizia, papai dizia, titia dizia, todo mundo dava opinião e no fim era aquela coisa maravilhosa! No dia de ir ao Lírico, ah, como as crianças ficavam enamoradas da mãe, do pai, da tia e que pena que não pudessem ir, porque era um espetáculo como as senhoras se vestiam e que jóias maravilhosas! As senhoras usavam jóias nos quatro dedos da mão. Não essas joiazinhas de hoje, de, feitas de aço, feitas de metal, não! Bonitos brilhantes, cravejados, principalmente um anel chamado chuveiro que muita gente conhece. Então mamãe tinha chuveiro em rubi, tinha chuveiro em safira, tinha mais o anel de professora, tinha mais outro anel com três pedras. De... e que dedos houvesse, porque jóias não faltavam não.
D
 E hoje existe um outro hábito das pessoas saírem para fazer suas compras (ruído/inint.) e havia naquele tempo esse hábito de sair para fazer refeições fora, tomar chá (sup./inint.)
L
 (sup.) As casas, as casas eram muito bem servidas por empregados. Os empregados eram bem diferentes dos de hoje e custavam na verdade muito barato. Mas havia o hábito de às vezes, principalmente aos domingos, ah, em casas em que a, a, as senhoras saíam, minha casa por exemplo, que minha mãe era professora, nós tínhamos o hábito de (inint.) se a semana tinha sido boa, quer dizer, se nós tivéssemos nos comportado, que nós éramos três diabinhos. Se os diabinhos tivessem se comportado bem, papai premiava com almoço aos domingos. Então nós íamos. O, a, o lugar mais elegante era na verdade a Colombo, a Colombo da rua Gonçalves Dias então funcionava aos domingos e fazíamos as nossas refeições lá. Havia outros, outros lugares que nós íamos também. Mas realmente eu não me lembro. Parece-me que no Passeio Público havia um restaurante também. Não sei se eu era tão pequena assim, ou se eu já era mocinha, mas que nós íamos também ao restaurante e me, e recordo-me que papai dizia sempre assim: não é mau, com os amigos, não é mau comer num restaurante tal ou tal, porque se não fosse muito bom eles não tinham freguesia. Realmente nós achávamos a comida diferente da comida da nossa casa. Encontrávamos muitos amigos nesses lugares, não como hoje à noite que você vai a boate para jantar, para dançar não. Era assim uma cousa tão familiar, era quase como se fosse um piquenique público, em que as pessoas mais ou menos se conheciam, trocavam impressões e aquilo era assunto pra semana toda, conseqüente e subseqüente, porque era uma festa pra todos, principalmente pras donas de casa e também pras empregadas que tinham folga nesse dia, porque a classe média tinha uma cozinheira, uma arrumadeira, uma babá pras crianças, uma passadeira, como muita gente hoje ainda tem.
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 Uma coisa, dona Sofia Lira tem um livro chamado "Rosas de Neve", em que ela analisa, eh, o subtítulo do livro é "As mulheres do começo do século", e numa passagem do livro ela conta que havia o hábito de nas festas as moças terem uma espécie de código, então, eh, usavam flores no vestido e essas flores tinham um significado pros rapazes.
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 Nas festas o mais interessantezinho era o que nós chamávamos o 'carnê-de-bal'. Havia então uma verdadeira relação: valsa para seu (sic) fulano, polca para seu (sic) sicrano, xote para seu, seu (sic) beltrano (inint.) bom, depois veio o fox, quando veio o fox acabou o carnê. O fox matou completamente o carnê. Quanto às flores, usava-se as flores que a, os admiradores mandavam, então pra se mostrar que havia gostado muito, costumava-se trazer as flores. Mas acontece que lá a horas tantas as flores já estavam tão murchas, que era melhor tirar as flores, mas tirar as flores não era assim uma coisa tão delicada, então voltava-se pra casa com as flores murchas, botava-se a toda pressa dentro dágua, pra no dia seguinte poder se dizer, porque naquela ocasião já, já havia telefone, pra poder-se dizer: olhe, sua rosa, sua, sua orquídea, sua margarida, seu buquê de violetas, principalmente, estão muito bonitos aqui em cima da minha jarra. Às vezes estava no lixo, mas dizia-se: elas estão muito bonitas, muito viçosas, que eu mal cheguei a casa, despreguei do vestido e botei dentro dágua. O que o camarada ficava contentíssimo, mas às vezes era uma vastíssima mentira.
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 Como era a corte naquele tempo? Os rapazes faziam às moças? (sup.)
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 (sup.) A corte?
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 Sim.
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 Bem, a corte da... naquele tempo era uma coisa muito engraçada, muito delicada, para citar problemas de família, casos de família, eu teria a dizer que quase todas nós nos casamos da seguinte maneira: íamos à rua ou de ônibus ou de automóvel ou a pé e havia sempre uma pessoa que estava parada ou estava andando e que vinha atrás e que acompanhava até a casa. Chegando a casa, esta pessoa tocava, se sa... procurava o número do telefone, tocava o telefone e tinha a desfaçatez de dizer assim: eu sou aquele moço que estava em tal parte assim, assim. E a moça de cá, farta de saber que era, dizia assim: não, eu não vi moço nenhum. E ele dizia assim: aquele que estava assim, com essa roupa. Não senhor, o senhor me desculpe, eu vou desligar. Desligava o telefone. Não adiantava nada, porque o camarada telefonava, três, quatro vezes. Para lhe dizer, na minha família, sete moças se casaram com problemas semelhantes.
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 E depois como é que era o primeiro encontro? Porque as famílias impunham dificuldades (sup./inint.)
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 (sup.) O primeiro encontro depois pessoal era muito engraçado. Houve um caso, por exemplo, houve uma, uma for... uma colação de grau de uma moça que se formava em engenharia. E esta moça era conhecida, tinha uma grande amiga que convidou e, e o rapaz que tocava o telefone e que não se apresentava, avisou à moça que telefonava, que iria também a esta festa. Com grande surpresa este moço, que só falava por telefone, apresentou-se muito bem fardado, era um bonito oficial de marinha e que causou uma grande surpresa, um impacto na moça do telefone. A primeira providência foi desmanchar o namoro pelo telefone, porque tinha sido uma alta traição ele não ter se declarado logo um oficial de marinha e, e naquela situação. Mas deu em casamento. Um casamento felicíssimo. Quase todas as moças conheciam seus noivos em festas também. Porque a festa era uma coisa obrigatória, moça que não fosse a festa se considerava a mais infeliz do mundo. Quanto à classe submédia me parece que os encontros fortuitos de bonde e de rua, era os que predominavam e que levavam ao casamento. (sup.)
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 (sup.) Terminamos, não? Espera só mais um instantinho. Em mil novecentos e vinte e dois a senhora morava no Rio de Janeiro. A senhora se lembra da exposição (sup.)
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 (sup.) Exposição (sup.)
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 (inint.) Eu queria (sup.)
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 (sup.) A exposição (sup.)
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 (sup.) Um instantinho. Porque eu tenho a impressão que com essa exposição alguma coisa, alguns prédios foram criados, não é verdade? Eu queria que a senhora falasse um pouco (sup.)
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  (sup.) A exposição do centenário foi uma das coisas mais bonitas da minha infância passando pra juventude. Todos os países estrangeiros que se puderam fazer representar construíram ali na, em Santa Luzia, prédios muito bonitos. Há dois ainda até hoje que eles nos doaram ou, ou compramos, não sei bem. Um deles é o antigo ministério da Agricultura que era belíssimo, chamava-se o Palácio das Jóias. Este não era estrangeiro não. Esse parece que foi brasileiro. A cúpula era toda feita de pedras de cristal, então brilhava como se fosse um grande diamante. O outro prédio é o que está ocupado hoje pela Academia Brasileira de Letras. Era, era chamado o "Petit Trianon", porque era a cópia do Trianon francês. Houve também o que foi Tribunal de Recursos feito pela Inglaterra, muito bonito, muito bem feito. Houve o pavilhão da Noruega, que era uma beleza. Um andar só, eh, marrom, mais ou menos cor-de-chocolate, com estatuetas brancas, quase tamanho natural, belíssimo! Ou o pavilhão de Portugal, também muito bonito. Eu não posso deixar de lembrar uma coisa que não foi do meu tempo, mas foi mais ou menos ano em que eu nasci, um pouco antes. O palácio Monroe, que foi da exposição também. Foi feito em Paris e foi transladado pra cá. Muito bonito, que parece que está em vias de demolição, porque me parece que ele não está tombado.