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PROJETO NURC-RJ

Tema: "Animais e rebanhos"

Inquérito 0237

Locutor 283
Sexo masculino, 69 anos de idade, pais cariocas
Profissão: médico
Zona residencial: Sul e Norte

Data do registro: 14 de agosto de 1974

Duração: 40 minutos

Clique aqui e ouça a narração do texto


L
 Falava com o cavalo e ele me atendia. Essa égua, então, era formidável, eu soltava no pasto e de manhã ia apanhá-la. Tinha que sair de manhã, por exemplo, pra apanhar. Chamava-se Campolina. O pastinho tinha um, uma lombada, ela não estava. Eu então gritava: Campolina, está na hora do trabalho. Nada. Campolina, você não está ouvindo? Ela aí vinha e botava a cabecinha lá de fora e se escondia. Levava assim uma brincadeira delas. Bom, você não quer vir, então eu vou-me embora, vou montar noutro cavalo. Ah, pra quê! Ela vinha correndo, descia e batia com os peitos na, na, na cerca. Era uns paus atravessados que eu tinha. Então, aí, eu: ah, você resolveu vir, não é? Ela vinha bufando, então tirava os paus e ela vinha atrás de mim, aonde tinha os arreios pra colocar, mas antes disso, eu enchia uma, assim uma, como se chama? Patre... Como é o nome que a gente dá a isso?
D
 Uma tigela?
L
 Bacia, bacia, que no interior havia banho de bacia, né? Então enchia uma bacia de, eh, fubá com água. Ela aí comia aquele fubá com água, né? E aí eu ia botando os arreios nela e tal, pronto. Quietinha, quietinha. O, a última coisa que eu botava era o freio. Tinha que botar o freio pra conduzir.
D
 Mas o senhor mesmo punha os arreios?
L
 Eu mesmo botava. Eu aí montava e (sup.)
D
 (sup.) Como é que eram esses arreios?
L
 Heim?
D
 Como é que eram esses arreios?
L
 É, arreio de couro, é um selim, pequeno selim de couro, eh, tem que se botar sempre uma manta, por causa do suor do animal. Esse, essa manta é de aniagem, esse pano de aniagem. Então botava-se embaixo, e tem o que se chama barrigueira. Você passa por baixo da barriga do cavalo e aí aperta, mas eu tinha pena, não apertava muito, mas se eu apertasse pouco o selim corria, mas não tinha problema, nunca houve problema, nunca caí do cavalo, (risos) da égua, era uma égua. De maneira que botava, e depois tinha o que se chama o cabeçalho, que é um conjunto de couro, onde se prende então o freio. Aquilo é pra prender na cabeça com o freio e as duas rédeas que é pra conduzir, e nunca dei uma, nunca levei uma varinha pra bater nela. Digo: Campolina, vamos andar mais depressa. Ela andava mais depressa. Era engraçado. Parece mentira mas é verdade.
D
 Onde que era isso?
L
 É norte de Minas.
D
 Norte de Minas?
L
 É.
D
 Quanto tempo você passou lá?
L
 Passei lá dois anos e um bocado.
D
 E assim em termos de interior, que mais que o senhor viu assim que se refere a animais e (sup.)
L
 (sup.) Animais é que vinham às vezes me fazer presentes, e de veado, onça, (risos) eu dizia: volta. Só fiquei com um veadinho, o veadinho eu quis, mas morreu de diarréia, porque eu tinha um quintal grande, ele morreu de diarréia, o veadinho. Mas aí, eles vinham trazendo bichos, queriam agradar, né? E não tinham dinheiro, então, queriam trazer isso, trazer porco, eu digo: Deus me livre, vai, leva, leva, não quero nada não! Só fiquei com esse veadinho, que era tão bonitinho o veadinho, eh, eles chamam veado-catingueiro, vem de caatinga. Não dá em mato, né? Pequenozinho, não é grande não, era um, ele era novinho, mas deu lá uma diarréia que, pronto, foi embora. Na car... (sup.)
D
 (sup.) Que que ele comia?
L
 Heim?
D
 Que que ele comia?
L
 Ele come erva, erva. Folhas, né, é o que eles comem, né? Tod... aliás quase todos esses, eh, ruminantes comem folhas, né? Girafa, hipopótamo ... Não, hipopótamo que que come? Come, né? Não, mas hipopótamo não é ruminante. Cavalo é ruminante, boi é ruminante. Todos eles comem o quê? É capim, não é?
D
 Mas o senhor tinha assim um local onde tivesse capim plantado?
L
 Tinha, né, tinha uma, uma gramazinha, tin... tinha lugar, mas tinha à volta ali à vontade, à vontade, aquela era uma cidade aberta, né, cidade aberta e nessa cidade, eu fiz lá, imagina você, que eu fiz uma praça na cidade, quer dizer, (risos) achei tempo pra fazer isso. Que era um pessoal, esse pessoal do norte, do interior, que era tudo baiano, sabe? Você é baiana? Então deixa eu me ajeitar aqui. Eu vou perguntando logo que é pra eu saber qual é a posição que eu vou tomar. De maneira que, eh, eles são muito ociosos, muito preguiçosos, quer dizer, e moravam lá já há uma porção de tempo. Eu te disse, né? Era tudo baiano. As crianças que estavam nascendo é que passaram a ser mineiras. Estavam nascendo em Minas porque era norte de Minas, perto da cidade de Montes Claros. E eles baianos, todos baianos, mas era tudo ótimo. Tinham não sei quantos mortes nas costas um, o outro tinha o pé todo cheio de, de buraco de faca, buraco de, de, de rev... e matava-se lá com a maior facilidade, volta e meia me chamavam pra ver um atirado, né, era o nome que eles davam, atirado. Era chumbo grosso, era chumbo fino, era, era o diabo.
D
 E o senhor costumava caçar também?
L
 Não, eu não gosto.
D
 Não? (sup.)
L
 (sup.) Não gosto de matar.
D
 Mas na, na área as pessoas caçavam?
L
 Caçavam. Lá matava-se com a maior facilidade.
D
 O quê?
L
 Gente.
D
 Só gente?
L
 Matavam mais gente do que bicho. É a política lá, política braba. Imagina que nesse lugar onde eu fui, o chefe político era um médico. Mas o médico era um dipsomaníaco, quer dizer, ele tinha a mania da bebida, só dormia bebendo, com uma garrafa de cachaça, e mandava matar, dizia: olha, chamava lá os matadores, são pagos para isso, vá matar fulano, quero ele morto hoje. E aí o matador ia lá pra encruzilhada por onde ele costumava passar e ficava esperando e atirava calma e tranqüilamente. Depois ia buscar o dinheiro. Dez mil réis, era quanto custava a matança, dez mil réis. Uma vez eu fui ver um, e eu que fazia autópsia e era pra poder enterrar, aquela coisa toda, mas volta e meia tinha isso lá, volta e meia. Um, eu fui lá, o sujeito estava dentro de uma vala com formiga, daquela formiga raivosa, cheio de formiga, eu digo: não posso nem mexer nesse cara pra fazer autópsia, pois se ele está cheio de formiga eu vou deixar elas me morderem? (risos) Tira ele daí e leva lá e dá um jeito de botar inseticida, qualquer coisa nele. Coisa bárbara, mas como se matava, só vendo.
D
 E assim em termos de insetos?
L
 Hum?
D
 Em termos de insetos, havia muitos?
L
 Havia, inclusive o barbeiro era uma, aí né, né, havia uma região onde havia mal de Chagas em quantidade, não é o mal de Chagas que há aqui no Rio de Janeiro não.
D
 Tem diferença?
L
 Heim?
D
 Tem diferença?
L
 Não, não, o mal de Chagas aqui do governador, não se chama mal de Chagas?
D
 Ah! Hum, hum. E lá? Como é que é?
L
 Lá é, é, é uma moléstia, chama-se mal de Chagas, mal chagásico, é um parasito, né, que vai ao sangue transmitido pelo barbeiro, um inseto que dá nas frestas dessas casas de pau-a-pique. E assim, se insinuam lá e depois, à noite, eles mordem a pessoa e aí transmitem esse, esse (sup.)
D
 (sup.) E como é que é esse inseto?
L
 Heim?
D
 Como é que é esse inseto?
L
 É um inseto desse tamanho. Ele é avermelhado, ahn? Aqui é difícil a gente ver coisa parecida, porque ele é desse tamanho. O nome dele é barbeiro, triatoma megista (sic), é o nome técnico. Agora chama-se barbeiro não sei por quê, nunca soube por quê, e à noite é que ele pica as pessoas, quer dizer, ele está com o germe no seu sangue, circulando, e aí injeta na pessoa, transmite a moléstia assim, entendeu? Ele é um hospedeiro intermediário.
D
 E assim o senhor teve outras moléstias, outras coisas na região causadas por animais, insetos (sup.)
L
 (sup.) Tem, tem, malária, malária. Lá também tinha a malária, eu tive ... Quando eu cheguei nesse lugar estava havendo uma epidemia de tifo, tifo: ah, doutor fulano, ah, está morrendo gente aí. Quer dizer, eles não sabiam o que era. Ah, eu disse: isso é tifo.
D
 Mas tifo também é inseto que causa?
L
 Heim? Não, tifo, tifo não. Tifo é pela água, né, pela água, mas eu digo, eu, chegando lá, fui logo batizado com aquela epidemia de tifo. Logo depois, teve uma epidemia de meningite cerebro espinhal, numa localidade de quinhentas pessoas, mais ou menos, em que nos três ou quatro primeiros dias morreram vinte e cinco. E eu, o tratamento naquela época era sulfa, que se fazia, né? Era sulfa. Hoje tem um tratamento mais eficaz que é a penicilina intra-ratecal (sic), mas não muscular e venosa, não adianta, tem que fazer dentro da, da raque, né? Aí é cura imediata. Hoje cura se com penicilina, não é, a, a meningite cerebro-espinhal, que é epidêmica. Agora as moléstias transmitidas por, por bicho era esse, era o mal de Chagas, que é pelo barbeiro, a malária, que é pelo mosquito, a febre-amarela silvestre, que é também o mosquito e a, aquela outra que é transmitida pelo caramujo. Ele não é inseto, caramujo não é inseto, mas é também transmitida por um outro bicho, que é a leishmaniose, né, que é transmitida, que é, como é o nome da (inint.) esquistossomose também. De maneira que essas moléstias são transmitidas por esses bichos, né, e as outras por mosquito. Agora, havia lá nessa região, eu vi (sup.)
D
 (sup.) E havia problema assim, de pessoas andarem descalças e (sup.)
L
 (sup.) Não, descalça é a verminose, né, que entra pelo pé, não é?
D
 O que que era assim mais comum em termos de (inint.)
L
 Heim? O anquilóstomo duodenalis (sic) entra pelo pé, não é? Eh, como pode também entrar pela comida, né, pela comida mal lavada, mal limpa, não é, mas há, há esse que entra pelo pé, aqueles trabalhadores naquela, naquela lama tem o, a larva que entra pelo pé, a larva (sup.)
D
 (sup.) Mas o senhor falou que pra tifo era a água?
L
 Heim?
D
 O senhor falou que tifo era a água?
L
 É, transmitido pela água, pelos alimentos, né?
D
 Por quê?
L
 Heim?
D
 Na água, eh (sup.)
L
 (sup.) Água poluída, é claro.
D
 E o que que era assim fator de poluição dessa água?
L
 Não, uma água em que possa dar vida a esses germes, né, não é, ao germe do, do tifo, né?
D
 Mas havia uma, uma fonte disso, né?
L
 É, pois é, né? Qualquer água pode transmitir, desde que ela esteja poluída e que lá se infestem o germe, né?
D
 Quer dizer, era uma área assim de água bastante poluída? (sup.)
L
 (sup.) Ah, era , era, era doentia, doença, doença, você via tudo só do... todo mundo era doente. (tosse)
D
 E os animais, havia criação lá? (sup.)
L
 (sup.) O quê?
D
 Havia criação de animais lá?
L
 Criação, é porcos, só, criavam porcos. Lá só, eh, criavam porcos e plantavam abóbora. Depois é que começaram a plantar, eh, algodão. Algodão lá, uns ficaram mais animados, aí plantaram algodão.
D
 Vocês cruzavam os porcos? (sup.)
L
 (sup.) Agora, é uma zona que tem muito é pedra, né, pedra, cristal de rocha, por exemplo, tem muito lá, que eles iam até na guerra passada, iam buscar de avião, de helicóptero, cristal de rocha numa cidade próxima de onde eu estava, chamada São José do Rio Pardo, que era justamente de cristal de rocha, era, eles andavam em cristal de rocha. Uma outra cidade, lá tinha um outro tipo de pedra grão-mogol, eh, de onde saiu até um, um nome por causa também de cristal de rocha, essas e (tosse) que tinha aquele, aquele diamante na cabeça daquele pontentado árabe, né, Grão-Mongol (sic). Então puseram o nome nessa cidade de Grão Mogol. Tinha um tipo de pedra lá curiosíssimo, colorida, uma pedra colorida, e que saía facilmente cortada em placas. Então eles calçavam as ruas com essas placas coloridas, era tão interessante, parecia só a, aquele país da Alice, toda colorida a estrada, sabe? Então, e as casas todas de pedra, os muros de pedra, igreja de, tudo era de pedra, que ali há, há (tosse) fartura de pedra, porque de um modo geral Minas, você vê, o nome está dizendo, Minas Gerais, né? Quer dizer, são as minas, mas já, mas a terra plantando dá, você sabe que o negócio é esse, né?
D
 Agora, eu tinha curiosidade de saber numa cidade pequena, parece que numa área pobre, não é (sup.)
L
 (sup.) Essa, essa, essa é paupérrima, paupérrima (sup.)
D
 (sup.) Como essa, é, o tipo de criação, devia ser meio caseiro.
L
 Não, o tipo de criação é dentro de casa, é, misturado. Seria. (sup.)
D
 (sup.) Que que eles criavam?
L
 Heim?
D
 Que que eles criavam?
L
 Porco.
D
 Só porco?
L
 Só porco.
D
 Não tinha assim ave nenhuma nem (sup.)
L
 (sup.) Tinha lá um ou outro, tinha essa galinha crioula pra comer, mas pra criar ovos, você, era difícil você encontrar ovos pra comer nesse lugar. (tosse)
D
 O senhor acha que os porcos contribuíam pra (sup.)
L
 (sup.) Heim? (sup.)
D
 (sup.) Pra que houvesse maior número de doenças, essa criação?
L
 Não, não, não. O porco, o porco também tem a transmito... é transmissor pela, é, de, como se chama? É um parasito também, o cesticerco (sic), né? É transmitido pelo porco, né? Pela carne do porco. Quer dizer, muita gente no interior que contém esse cesticerco (sic) e o cesticerco (sic) ataca o coração. Tem essa, não é? Mas era raro, era raro. A moléstia lá era malária, a malária, como eu disse a você, onze, dez pessoas, onze tinham malária.
D
 E assim proteção (sup.)
L
 (sup.) Não (sup.)
D
 (sup.) Pra isso nenhuma (sup.)
L
 (sup.) Tinha nenhuma. Eu ... Tinha esse médico, que era o político do lugar e eu fui pra lá porque não tinha médico nenhum no lugar. Ah, eu estava querendo, eh, fugir de mim mesmo, estava fugindo de mim. Então fui pra esse lugar assim longe, e é pra fazer alguma coisa, e eu trabalhava sem parar, trabalhava sem parar mesmo. Mas é uma zona, vamos dizer, inabitada, inabitável. Era uma zona inabitável.
D
 Agora o senhor teve ocasião, por exemplo, em viagens pelo Brasil, de ver assim áreas de criação?
L
 No, em Santa Catarina, ah, aí, aí é uma beleza.
D
 Como é que é?
L
 Criação de lá de ... Eu fui a uma fazenda, num lugar chamado Itoupava. Eu sou de origem holandesa, por parte de meu pai. Mas lá do ano de mil e seiscentos, né? Quer dizer, uma índia e um holandês, é a origem da minha família.
D
 Invasão daquelas (inint.)
L
 Pois é, a minha avó é alagoana, a mãe de meu pai, mas, eh, em Santa Catarina eu fui a uma fazenda, num lugar chamado Itoupava, e cujo o fazendeiro, nesta ocasião, era bisneto do que fundou a fazenda, que era um holandês. Era, o nome dele era Jorge Sen... Jorge Sensen, é filho em holandês, né? É filho de Jorge, não é? Não, era de João. Janisem, é, Joanisem, Joanisen (sic) filho de João, né? É, esse já era o tataraneto dele. Ele era de um navio, o navio aportou lá nesse lugar e ele fugiu. Eles faziam muito disso, esses imigrantes. Eles vinham assim de navio e largavam a tripulação.
D
 E a fazenda, como é que era?
L
 Heim? Bom, a fazenda tinha até uma coisa curiosa que eu vou dizer a você, toma nota disso. A fazenda tinha criação de búfalos e eles exportavam búfalos para o Amazonas. Essa é formidável. Búfalo é próprio da ilha de Marajó, sabe disso, né? Pois ele criava búfalos e exportava búfalos. Tudo inseminação artificial. Gado holandês, todo inseminação artificial. Aquilo é fazenda moderníssima. E eles aproveitavam tudo, tudo do gado. Eles tinham lá uma empresa que vende aqui no Rio, que se chama Frigor. Eles faz... Do boi, eles tiravam tudo do boi. Faziam salame, faziam presunto, faziam lingüiça desse tipo, de outro tipo, de vários tipos, né, manteiga, tudo que era possível tirar do, (tosse) do boi. Criação de porcos, uma beleza. Porcos de raça, uma, umas, umas porcas que pareciam uns hipopótamos. E no dia que eu cheguei lá na fazenda, uma porca estava tendo filho, eu nunca tinha visto, como se, aquilo sai, sai como se fosse broto, brotando, está brotando. Era uma atrás da outra. Já tinha nove de fora. Aquela 'big' porca e os porquinhos desse tamaninho (sic) e eles todos a, sabe, saíam de lá da porca, iam direto pra maminha, não errava um. (risos)
D
 E assim em termos de fazenda moderna, o senhor (sup.)
L
 (sup.) Essa é moderníssima (sup.)
D
 (sup.) O senhor achou por exemplo diferença na forma de criação de porcos aí da, da de lá de Porteirinha? (sup.)
L
 (sup.) Aí, bom, aí é, é uma coisa evidente. É como água pro vinho. A outra é coisa rudimentar, é a coisa mais esdrúxula que você possa imaginar, né?
D
 Como é que é?
L
 Mais rude, quer dizer, criado dentro de casa, misturado com as pessoas. Os porcos eram soltos, andavam pela rua, eh, comiam lá o que eles queriam.
D
 E na fazenda? (sup.)
L
 (sup.) E era só pra matar, pra comer, tirar, fazer banha, banha e comer carne de porco, é, era a alimentação dessa gente no, nesse nordeste todo, é carne de porco, carne de porco.
D
 E lá em Santa Catarina?
L
 Não, lá não, lá eles comem de tudo, lá é outra gente.
D
 Mas havia assim todo um (sup.)
L
 (sup.) Lá é outra civilização. Você tem impressão que está na Europa (sup.)
D
 (sup.) Não, não, eu falo para a criação de porcos.
L
 Ah! Eles tinham uma alimentação apropriada: galinhas de raça com toda aquela carnarina (sic) e cálcio. Toda aquelas coisas que eles davam aos animais, os animais, eh, tomando remédio, vitamina, é uma coisa formidável, uma fazenda espetacular essa, uma beleza mesmo. E inclusive eles tinham o banco deles na cidade. Eles tinham só na parte, eh, administrativa, eles tinham lá seiscentos funcionários, só na parte administrativa. E tudo bem organizado, que beleza, os frigoríficos, tudo funcionando como se estivesse numa grande cidade.
D
 E essa parte de gado, eh, eles tinham assim o gado, eh, desde que nascia até que (sup.)
L
 (sup.) Tinham maternidade, entendeu? Então a vaca quando estava engebada (sic), quer dizer, ela era cuidada como se fosse uma pessoa, uma pessoa. Cuidada com todos aqueles requisitos da maternidade, quer dizer, fazendo pré-natal, aquela coisa. Depois ia ter o (inint.) na maternidade (sup.)
D
 (sup.) O senhor tem idéia de como que era o pré-natal de vaca? (risos)
L
 Não, não, tenho não. É imaginável, né? (risos)
D
 Como que era, eles tinham assim (sup.)
L
 (sup.) Ué, o cuidado da vaca. A vaca não pode ir, ir pra, pra lugares onde tenha acidentes, elas ficam num lugar justamente plano perto da maternidade e elas dão aquele passeio, são vigiadas, né? Muito interessante aquilo. E com uma alimentação própria também. Alimentação própria e, e, e a reprodução lá é, é artificial, né, inseminação artificial. Eles tinham tudo isso preparado, uma beleza, só você vendo. Com tudo, eh, separado, laboratório pra fazer a, a guarda do sêmen e ver se o sêmen estava, eh, eh, bom e produtivo, gente especializada, né? Uma coisa formidável essa fazenda.
D
 Quer dizer, especialistas e (sup.)
L
 (sup.) Especialista, ué (sup.)
D
 (sup.) Que tipo?
L
 Veterinário, veterinário, formado direitinho e com prática. Não era qualquer um não e um grupo grande. Como também na parte da, de, dos alimentos, no frigorífico. Esses alimentos feitos do, da carne e das outras vísceras de boi, eh, também da mesma forma, com veterinário, tudo aquilo examinado, o bicho era examinado, eh, depois que era sacrificado, pra poder ser consumido ou não.
D
 E o senhor tem idéia assim quando nasciam? O senhor me falou que eram búfalos e, e (sup.)
L
 (sup.) É. Eles tinham gado holandês (sup.)
D
 (sup.) Gado holandês? (sup.)
L
 (sup.) A criação de gado holandês, é. A ga... a raça de porcos é uma raça, é, eu creio que é 'duroc`, é uma raça de uns porcos enormes e claros, né? Lembro muito bem. Tinham criação de galinha legorne, tinham criação de 'baaman` (sic), tinham criação de Rhode Island, tinham várias criações de galinha. Tinham criação de patos, de tudo, mas tinham uma, eh, uma variedade incrível de, de, de animais. E, e daí, e tudo separado, separado, cercado, cercas perfeitas, tudo não, não podia... E os búfalos, os búfalos tinham um lugar todo apropriado, com árvores enormes. Coisa engraçada, coisa ... Que preparo bonito o dessa fazenda. Bonito mesmo, nunca tinha visto. Eu já tinha visto muita fazenda por aqui por perto, estado do Rio, fazendas boas, dos Gueiros mesmo são umas fazendas muito bonitas, mas essa suplanta todas elas. Eu nunca tinha visto uma coisa tão bem feita. E num meio lá no interior, eh, acima de Blumenau, acima de Blumenau, no caminho que se vai pra um lugar chamado, onde fazem essa louça, eh, como é que se chama essa louça muito conhecida lá de Santa Catarina? Pomerode, o lugar chama-se Pomerode. É, e lá eu vi uma coisa curiosa, nessa, nesse lugar, Pomerode. A gente, você vê como a gente vai, vai divagando, eh, tinha uma jaula com um leão. Quem tratava da, desse zoológico era uma velhinha de oitenta anos.
D
 Zoológico ou de um leão?
L
 Heim?
D
 Era um zoológico ou um leão?
L
 Não! Ela ... Eu vou me referir à jaula do leão. Quer dizer, a velhinha que cuidava dos bichos todos. Ela quem lavava, fazia tudo lá, varria, ela tomava conta. Ela era não sei o que desse primeiro. Ela, ela, é, ela vinha a ser contraparente desses fazendeiro também. E ... Que eles casavam lá entre eles. Tudo quase de origem holandesa, né? É, como é o nome da, uma louça tão conhecida. Vocês não conhecem uma louça que é de Santa Catarina, tão famosa aí?
D
 Não, não me lembro não.
L
 Não é Hering não. Tem um cristal lá nessa zona, Hering, tem aquelas coisas, gaitas Hering. Mas não, é um outro nome. Bom, não vem ao caso. Então a jaula do leão tinha um placar do lado de fora: Cuidado que o bicho é perigoso. Não entre na jaula!
D
 (risos)
L
 Foi a velhinha que botou isso lá. (risos) Eu achei tão engraçado.
D
 Que é mais que tinha nesse zoológico?
L
 Heim? Tinha aves e outro bichos lá. Tinha um, essa jaguatirica, essa oncinha, não é? É, é, tinha aí aves, aves é que tinha muito. Um jardim zoológico pequeno, né, pequeno. Assim, ah, pouco maior do que a Praça Saenz Peña, não é? Coisinha pequena, não? Para velhinha cuidar, uma velhinha de oitenta anos, tinha que ser uma coisa reduzida, né? E ela, ela , só se trabalha de dia, né? Sol saiu, vai dormir, sol saiu, acordou, começa a trabalhar.
D
 E assim em termos de eqüinos, de, em geral, havia também?
L
 Também, também, também. Eles tinham, eh, o que é que eles tinham? Eh, cavalos, tinham cavalos, mas cavalos mais para uso mesmo, não é? Quer dizer, eles cuidavam do cavalo para que o cavalo fosse aproveitado na fazenda, pra montaria, né, porque o resto tudo era motorizado, tudo é motorizado (silabado), caminhões, (tosse) tratores. A fazenda é um, uma maravilha de fazenda.
D
 Agora, e havia assim, já que era tão cientificamente técnica (sup.)
L
 (sup.) Evoluída (sup.)
D
 (sup.) Evoluída, é, produção de híbridos também entre animais, o senhor chegou a observar isso?
L
 Como? Eu não entendi bem.
D
 Animais híbridos?
L
 Bom, lá não tinha nenhum, porque o híbrido é, é muar geralmente, né? É o muar, que é, é uma mistura de cavalo com, com burro, não é, com a besta. E que às vezes sai híbrido, outras vezes sai ... Mas o mu de um modo geral é híbrido. De um modo geral é híbrido. Mas lá, não, eles não cuidavam disso. Eles queriam coisa que produzisse. Eles, eh, ele me disse numa ocasião o quanto pagavam de, como se chama, de taxas que ele pagava lá, era uma coisa fabulosa. Eu me esqueci, não vou dizer porque não me lembro. Mas era negócio de milhões, que ele pagava, milhões, uma coisa fantástica mesmo.
D
 Você fala impostos?
L
 Heim?
D
 Impostos?
L
 É, impostos, essas taxas, impostos, e sem falar em imposto sobre a renda. Pagamentos de dívida e de, de contas municipais, estaduais e federais, sem o imposto sobre a renda. (tosse) Ele, este homem que me atendeu, eh, em primeira mão, era, era um homem de setenta e poucos anos, mas, e a senhora também. Na casa dele, era uma casa tipo alemã, tipo casa européia, né, chalezinho, cheia de coisa, e ela fazendo trabalhos de casa, né? Então, na porta, na saída, tinha um, uma coisinha dizendo assim: você foi muito rec... bem recebido e nós ficaremos mais contentes quando você for embora. Que vergonha!
D
 (risos) E quanto tempo o senhor ficou lá? (risos)
L
 É, é, quando eu, quando eu vi que tive ... Eles queriam que eu ficasse mais, não, eles queriam que eu ficasse mais. Eu digo: não, mas eu já li quando eu entrei aqui, (risos) eu vou (inint.) que aquilo era uma brincadeira, é claro, né? Mas eu já tinha lido na entrada, eu passei os olhos, então deixei pra oportunidade de dizer, foi nessa ocasião que eu falei: não, vou-me embora por causa daquilo que está escrito lá na ... (risos)
D
 Agora o senhor falou (sup.)
L
 (sup.) E eu era um estranho, eu era um estranho. Depois então é que ele me apresentou ao neto dele, que é o que toma conta. O neto dele é um engenheiro-agrônomo, o neto dele, engenheiro agrônomo. Esse é que foi me mostrar a fazenda. Ele foi só ali na entrada.
D
 (inint.)
L
 Ele só não tem estrada de ferro dentro da fazenda, mas é um mundo de, de terras, sabe? De terras, você vê. Você vê isso que eu disse que é uma coisa original: criar búfalos, exportar búfalo pro Amazonas.
D
 Como é que é búfalo? Eu nunca vi um búfalo.
L
 Nunca viu um búfalo? O búfalo é, vamos dizer: touro. É um touro, é uma espécie, em que eles são curtos na parte traseira e têm um peito enorme, essa parte da frente dele é enorme. E eles têm um chifre muito grande e curvo. Muito grande e curvo. E são brabos.
D
 Quer dizer, esses que tem aqui, não sei se o senhor já viu, no jardim zoológico aqui na Quinta, não deve ser esse tipo não, né?
L
 Não. Búfalo? Eu não sei se tem búfalo aí. Sinceramente eu não sei (sup.)
D
 (sup.) Eu achava. Parece que tem.
L
 Têm uns pequenininhos, o iaque.
D
 É diferente?
L
 Um peludinho.
D
 Ahn.
L
 Esses tem na Quinta. É um búfalo é, é uma espécie de búfalo (sup.)
D
 (sup./inint.)
L
 (sup.) Não, é pequeno. (risos) Ele é asiático ou africano, iaque, chama-se iaque. É também de chifre, mas é um chifre curtinho, mas também tipo de búfalo e ele também tem um peito grande, a parte, essa parte dianteira dele é grande (sup.)
D
 (sup.) Mas eu tenho impressão que esse de criação e de (sup.)
L
 (sup.) Não, o que ele tinha era o búfalo brasileiro. É o búfalo brasileiro, búfalo da ilha de Marajó. Eles mandaram buscar e criaram e recriaram e mandaram pra lá depois. Eles ficavam sem búfalos.
D
 E é aproveitado pra quê, o búfalo (inint.)
L
 Heim? Ah, não sei, não sei pra que é. Eu não sei se a carne de búfalo come. Eu não sei mesmo. Na ocasião, se eu perguntei, eles me responderam, mas eu esqueci.
D
 E cavalo de raça, não havia? (sup.)
L
 (sup.) Heim? Quê?
D
 Criação de cavalos.
L
 Não, cavalo pra uso só da fazenda, né? Eles tinham criação de cavalos lá, cavalos muito bons, mas só pra uso de, de montaria lá pra treinar e depois eles mandavam, o que sobrava eles mandavam embora, né? (tosse)
D
 O senhor começou (sup.)
L
 (sup.) Agora é tudo motorizado, tudo motorizado.
D
 E o senhor começou falando (sup.)
L
 (sup.) Na Bahia, eh, na Bahia, aqui na Bahia, sim. Aí, nesse lugar onde eu estive, havia um lugar chamado Salinas onde o forte lá é criação de éguas. Eram todos baianos, Almeida, família Almeida, em Salinas, tudo baiano. Só andavam de terno de linho HJ l20, chapéu-de-chile e sapato de duas cores, camisa de seda, só vendo a pose deles. Eles tinham cinema. E nessa ocasião que eu passei lá levavam aquele filme da Rita Hayworth, "Gilda". Cinema atapetado, só você vendo que bacana o cinema, bonito o cinema lá, e, nesse lugar, Salinas, plantado lá no norte de Minas, perto da fronteira, um pouco longe da fronteira da Bahia, né? Mas tudo baiano. Inclusive o, o, como se chama, cunhado, é um rapaz, Borja Portela, médico, que tomava conta da parte médica lá. Tinha até um pequenino hospital, né? E tudo montado por eles e eles eram importadores de tudo, fazenda, de tudo. Importavam tudo e vendiam pra aquela gente toda lá, eles viviam a custa disso. Mas andavam assim de linho, impecavelmente branco.
D
 Agora o senhor reparou nessa área de interior de Minas e sul da Bahia, norte de Minas, que eles utilizam muito animais assim pra transporte, pra carga.
L
 É, usam o, o burro mesmo. O burro e há nessa zona toda aí do norte de Minas esse burro pequenininho que eles dão o nome de jegue, é um burro pequenozinho, coitado, que ele carrega esse outro mundo nas costas. Um burro pequenino tem uma resistência fabulosa aquele bichinho. Parece um burro anão. Eles dão o nome de jegue. Não sei por que que ele tem esse nome, o burrinho. E o interessante que há, ah, você já ouviu falar no rio Jequitinhonha, né?
D
 Hum, hum.
L
 Pois é, o rio Jequitinhonha, a gente atravessa de um lado pro outro numa balsa feita com pranchas de madeira, pranchas de madeira, e que um camarada com um varejão, quer dizer, uma vara enorme, vai empurrando e forma uma ferida. Primeiro forma uma ferida, né, porque ele corta aquela vara e vai empurrando pro barco ir andando, vai, vai, até o fim do barco, volta outra vez, volta varejando e assim pra atravessar o rio. E eles fazem, muito interessante. Por exemplo: os pontos são assim, um aqui desse lado e outro do outro, né? Numa linha reta. Então o que eles fazem? Quando eles saem com o barco, com essa balsa, (tosse) eles fazem um esforço grande contra a maré, contra a correnteza. Quando chega no meio, aí eles vão deixando, deixando, vai certinha lá no lugar. Quer dizer, eles descrevem um ângulo, não é, pra poder chegar certinho lá do outro lado. E eu me encontrei nessa região aí, é um lugar chamado, ou chama-se Almenara, porque quando veio aquele código de telégrafos, não é, não podia haver duas cidades no Brasil com o mesmo nome e lá, essa cidade chamava-se Vigia. Havia Vigia no Pará que era mais antiga. Então, essa eles puseram um nome árabe que quer dizer a mesma coisa. 'al` é o, 'menara` é vigia, quer dizer, o vigia, ou a vigia, que tanto pode ser masculino como feminino. O 'al` em todas as palavras árabes, álgebra, alquimia, tudo que tem 'al` é o, é o artigo, né? E de maneira que eles puseram, escolheram um nome que significa vigia, mas em árabe. E é a travessia feita assim. Então vi rapazinhos de quinze, dezesseis anos, já com aquele bruto calo ferido. Quer dizer, já deixou de ser ferida, o calo, de empurrar aquela balsa pesada, carregando carro, eu estava com o carro e o carro foi carregado (inint.)
D
 E nesse rio ani... animais assim do rio.
L
 Heim?
D
 Animais de água doce assim, o que o senhor conheceu lá? (sup.)
L
 (sup.) Ah, é, esses, esses peixes comuns aí, piracanjuva e dourado tem lá em quantidade.
D
 O senhor gosta de peixes?
L
 Peixes, heim?
D
 O senhor gosta de peixes? O senhor já teve assim (sup.)
L
 (sup.) Gosto. Gosto de peixe de água salgada (sup.)
D
 (sup.) O senhor já teve assim ... De água salgada? O senhor já teve assim oportunidade de ficar à beira-mar e (sup.)
L
 (sup.) Eu gosto muito do mar, sempre morei na beira-mar.
D
 É? O senhor morou na Ilha do Governador, estou vendo aqui (sup.)
L
 (sup.) Na Ilha do Governador e na avenida Atlântica, durante muito tempo.
D
 Em termos assim de, até de alimentação, o que o senhor gosta assim desses (sup.)
L
 (sup.) Tudo, tudo, menos polvo e lula, né, e arraia.
D
 Tudo o quê?
L
 Heim?
D
 Tudo o quê?
L
 Heim? Com quê?
D
 Tudo o quê?
L
 Tudo o que há no mar.
D
 Sim, mas vamos ver as coisas, quais são.
L
 Peixe, camarão, lagosta, mexilhão, ostra, qualquer coisa menos lula, lula, eh, polvo e arraia.
D
 Por quê?
L
 Acho, não sei, não gosto.
D
 Como é que é arraia?
L
 Ah! Nunca viu uma arraia?
D
 Não.
L
 Tem dois tipos de arraia. Tem uma, que é uma arraia, ela forma, tem um formato assim, tem uma calda e tem as, as na... as, essa, essa parte da frente dela que ela movimenta para andar. E tem uma outra, que é uma quase, eh, vamos dizer, quadrangular, é arraia jamanta. Tem até arraias do tamanho desse tapete aqui, desse tapete aqui, enormes, né, há arraia-jamanta e há essa arraia pequenininha que eles chamam arraia-manteiga. É uma arraiazinha assim, o feitio é esse, forma um rabinho aqui, quer dizer, e essa parte é que faz elas nadarem. E tem aqui os dois olhinhos e a boca, né? Bom, tem que ter boca, né? E eu não gosto.
D
 E a lula, como é que é?
L
 A lula é um molusco. Como é o polvo, né, o polvo. Aliás o polvo, não, é, é aquele que tem a perna na cabeça, né? Por isso é que ele tem esse nome de, eh, eh, encefalópodo (sic). Encéfalo, cabeça, podo, pé, pé na cabeça. Incrível, né, é o nome do, do polvo. E o polvo, aqueles tentáculos tem uma porção de ventosas, nunca viu? Você nunca viu um polvo?
D
 Já. Já.
L
 Ele agarra na gente. Eu, eu gostava de, de apanhar o polvo. Pegava aqui a gente, depois a gente tirava, virava. Ele tem uma carapaça, um capucho, ele agarra assim então você pegava o capucho, virava o capucho ao contrário e ele perdia toda a força e largava.
D
 E o senhor costumava pescar também?
L
 Heim?
D
 O senhor costumava pescar e (sup.)
L
 (sup.) Pescar, pescar. Eu gostava de pescar, mas isso é quando eu era garoto.
D
 Mas como é que era, conta aí?
L
 Com caniço.
D
 Sei.
L
 Pescava com ca... carapicu, cocoroca, esses peixinhos pequenininhos.
D
 Hum.
L
 E eu mesmo fritava e comia lá na Ilha do Governador.
D
 Sei e como é que o senhor fazia? Que que precisava pra ir pescar?
L
 Pescar. A varinha, o arame, o anzol e a isca. A isca era a baratinha que andava lá, pegava a baratinha, enfiava a baratinha, botava lá, a baratinha ia mexendo e o peixe pegava e pronto.
D
 Tem uma porção de tipo de iscas, né? Que que a gente usa?
L
 Bom, tem isca com camarão. Esses pescadores de, de classe, de molinete, de não sei o quê, que não pesca nada, às vezes. Eu uma vez fui com dois colegas, morava na Ilha e, eles eram pescadores, iam pra, tinham, como se chama, iate, uma lancha, né? Iam pescar em Cabo Frio, molinete, aquelas trapalhadas toda e então eles queriam pescar na Ilha e falaram com outro companheiro e eu digo: bom, eu não tenho barco, eu posso pedir a um pescador aí um barco emprestado, eu me dou com ele. E pedi um barco emprestado. E saí com eles. Eu não levei nada e os dois foram lá de molinete. Ambos eram médicos da Caixa Econômica. Lá pra ilha dos Ferros, porque disseram que lá tinha muito peixe. Eu estou quietinho, do meu jeito, lá, dirigindo a lanchinha, ah, ah, do pescador e lá: bom, a ilha dos Ferros é essa. Então saltaram. Aí começaram aquele (inint.) aí tinha um garoto e eu disse: escuta, não tem um canicinho aí, não? O garotinho: tem, sim senhor. Então me dá lá. E eu vi que tinha baratinha, né? Pá, pá, botei, era um canicinho pequeninho (sic). Cheguei lá nas pedras, botei o caniço, pá, canhanha, pá, canhanha, só dava canhanha. Eu digo: ué?
D
 O que que é canhanha?
L
 Canhanha é um peixinho grande, maior, sabe, gostoso. Aí eu digo: taí, vocês com esse negócio não pescam nada. Mas, também, pescar mais arraia, peixe e esse se come. Cadê, o que vocês pescaram? Nada. Eles ficaram encabulados com a história.
D
 E agora o pessoal que mora lá, eh, há uma colônia de pesca (sup.)
L
 (sup.) Há. Na Ilha do Governador há várias (sup.)
D
 (sup.) A subsistência é em termos assim do que eles apanham no mar, não é? O que eles costumavam pegar e ...
L
 Eles pescam peixe em rede, né, rede. É taínha que tem muito aí na, na Guanabara, né, e na Ilha tem. É robalo também. E tem um peixe lá também que existe muito, é a corvina. (tosse) Corvina, robalo e uns outros peixes pequenos: o badejete, a garoupeta, né? Mas o forte é, é a tainha.
D
 E conta aquela historinha do peixe outra vez. Como é que era? O peixinho que o senhor tinha?
L
 Ah, o peixinho que eu tinha era um peixinho desse japonês vermelhinho, desse tamaninho (sic) e ele ficava dentro do aquário, tinha um, uma separação da sala pra, pra ante-sala e eu botava o aquário aí em cima. Quando eu abria a porta ele começava a pular dentro do aquário: plá, plá, plá, mas pulava mesmo, sabe? Aí eu chegava perto, e aí ele ficava dentro do aquário, corre pra lá, corre pra lá, eu estou quieto, ficava olhando. Aí ele subia, depois de fazer aquelas manifestações de simpatia e agrado, né? Ele aí vinha com a cabecinha na tona dágua, aí eu coçava a cabecinha dele. Ficava coçando, coçando, né? Aí ele, eu parava de coçar, lá ficava ele, rodava, rodava feito cachorrinho quando a gente brinca, corre pra ali, corre pra aqui, era exatamente isso. Representava uma brincadeira de cachorrinho assim. Aí voltava outra vez, aí eu coçava outra vez. (risos) Ficava bastante tempo quando eu chegava da rua, né, a hora que eu chegasse. E aí eu depois botava uma comidinha pra ele.
D
 Qual é a comidinha de peixe, heim?
L
 É, é uma comida própria que a gente compra, né?
D
 À base de quê?
L
 Heim?
D
 À base de quê?
L
 Eu acho que é pão, não sei, eu acho que é pão, um negócio meio, farinha de trigo. Eu não garanto muito não, mas eu acho que é isso. É uma comida própria, né?
D
 E o senhor já teve assim outros animais assim em casa?
L
 Tive. Não. Tive um cachorro, um foxter (sic) que também era a mesma coisa. Esse parecia que tinha radar.
D
 (risos)
L
 Quando eu estava em São Paulo. Eu não tenho hora de chegar, sempre foi assim, nunca tive hora de chegar. Quando, quando eu vivia em família, né, que agora eu não vivo mais em família. Agora eu sou família, pouco família. (risos) Então o que acontecia? É, eu chegava sete horas, oito horas, nove ho... eu não tinha hora pra chegar, o cachorrinho estava quieto. Quando, e eu de carro, quando eu chegava no alto da rua, na avenida Paulista, em São Paulo, pra rua onde que eu morava que chamava-se Eugênio de Lima, era uma ladeira, o cachorrinho ficava em cólica e ia pra porta. Então a mãe dizia: olha, o seu pai vem aí. Eles não acreditavam. Dois, três minutos estava eu chegando com o carro na porta pra botar na garagem. Aí o cachorro vinha, pulava, pulava, pulava, pulava, pulava, fazia uma festinha nele e ele ficava quietinho. Sabia, quer dizer, a hora que eu chegava, ele sentia. Quer dizer, que eu não tinha hora certa, porque se fosse hora certa não é problema, não é? Mas eu chegava, a hora que eu chegasse, ele sabia que eu chegava. Pois bem, eu depois saí de São Paulo. Quando eu saí de São Paulo, é, foi que eu fui para Minas, né, pra esse tal lugar em Minas. Eh, o, o cachorrinho morreu atropelado, ficou alucinado com a, quando eu saí. Coisa engraçada, né? Esse cachorrinho conviveu comi... comigo aproximadamente dois anos, foi o tempo que eu estive lá em São Paulo (inint.)
D
 Como era o nome dele?
L
 Heim?
D
 Como era o nome dele?
L
 Rex. Chamava-se Rex. Depois, em Copacabana, eu tive uma cadelinha, chamava-se Frufru. Frufru é aquela de Paris, né, Frufru.
D
 Que raça?
L
 Você sabe, eu ia com ela, atravessava a rua, a avenida Atlântica, movimento, n'e? Eu chegava: Frufru, olha pra um lado, olha pra outro pra ver se vem carro, não vem carro, então pode atravessar. Ela prrrrr, olhava pra mim e atravessava correndo. Eu não di... eu não batia, não gritava, só falava assim como estou falando: Frufru, olha pra um lado, pra outro pra ver se vem carro. E olhava pra mim. Não vem carro, então pode atravessar. Ela prrrr.
D
 Que raça era?
L
 Era foxter (sic) também.
L
 Ah, foxter (sic) também. Como é que é foxter (sic)?
L
 Heim?
D
 Como é que é foxter (sic)?
L
 Foxter (sic)? Ué, não conhece? Fox-terrier, aliás o nome é esse, a gente chama foxter (sic) mas é, o nome é fox-terrier. É, um cachorrinho, eh, de pouca gordura, esguiozinho, preto e branco geralmente, e às vezes tem umas manchas amarelas também. É um cachorro muito bonitinho e esperto, espertíssimo. Essa cachorrinha fez três operações, teve um câncer, câncer de útero, coisa curiosa. Na noite em que ela morreu, ela estava sofrendo de dores, olhava pra mim como quem diz assim: você não tira essa minha dor? E morreu naquela madrugada. Fiquei com ela até de madrugada, fui embora e ela morreu. Coisa curiosa esse, essa coisa que existe entre, entre as pessoas. Essa égua, por exemplo, que eu, que eu clinicava com ela, montado, eh, eu falava com ela.
D
 E os passarinhos?
L
 Heim?
D
 Os passarinhos?
L
 Os passarinhos, não, era dos outros, eu nunca (sup.)
D
 (sup.) O senhor estava contando aquela história dos passarinhos, o quemquém (sic) (sup.)
L
 (sup.) Pois é, não, mas aí, é o quemquém (sic). Foi numa casa que eu fui ver um doente, né, um passarinhozinho e o passarinhozinho acompanhava o dono da casa como um cachorrinho também. Agora, o, o, a coisa mais bonita que eu vi nesse lugar, Porteirinha, o rio de lá, pra você ver o que era o lugar, o rio chamava-se Mosquito. Por isso é que tinha a malária lá, a dar com pau. Pois bem, (risos) eu ia atravessando, o rio quase não tinha água, quando eu vou atravessando sozinho, eu ia ver um doente, vou atravessando, tinham dois bichinhos na beira, dentro dágua, só com os pezinhos dentro dágua. Um absolutamente preto e o outro absolutamente branco, e todos dois da mesma altura. Sabe o que era? Uma garça e uma graúna. Pareciam que estavam batendo um papo os dois. Bom, eu fui de cavalo, cheguei perto, fiquei olhando. Eu digo: mas que pena, não tenho máquina. Não sou turista, estava trabalhando, que era pra tirar fotografia. E era um dia de sol, bonito. As duas pareciam que estavam lá dialogando qualquer coisa. Tão engraçadinho.
D
 Agora, uma coisa assim, geralmente as pessoas, tem certos animais que as pessoas têm uma certa aversão.
L
 É, é, os animais têm. Os animais (sup.)
D
 (sup.) Não, as pessoas.
L
 As pessoas?
D
 Tem certos animais que têm assim toda uma tradição de que as pessoas não gostam, têm nojo.
L
 É, não. Eu sei é de aversão que os animais têm pelas pessoas. Os animais, quer dizer, quando eu vejo uma animal ter aversão por qualquer pessoa, eu digo: bom, esse não deve ser bom caráter mesmo não. Animais bons, né, quando os animais são bons, eles têm aversão mesmo, quer dizer, não querem absolutamente qualquer ligação com aquela pessoa. Pode classificar e dizer que é mau caráter.
D
 Há muita superstição assim em relação a, a animais, no interior, em relação à cobra, por exemplo.
L
 Cobra, eu tenho pavor de cobra, eu fico todo arrepiado quando vejo cobra.
D
 Mas tem outros também.
L
 (tosse) Escorpião. Na casa onde eu morava tinha escorpião, tinha aranha-caranguejeira, tinha tudo isso. De vez em quando caia um do teto assim: pá! Aquela bruta aranha-caranguejeira. E nessa ocasião eu estava com um filho pequeno, que tinha nascido lá. Quando eu vi aquela ara... Sabe desses ferros de cavoucar chão, ferro com aquela ponteira? Custei a matar a aranha, porque aquilo é duro, é coriáceo aquele negócio. Custei a matar a tal aranha caranguejeira, que é pior do que o escorpião, a aranha caranguejeira. E o escorpião é pequenininho. Escorpião, eu fiz brincadeira com o escorpião, botei fogo à volta e ele ficou correndo pra lá, pra cá, pra cá, pra cá e acabou morrendo, ele mesmo, eh, tocou o ferrão nele, porque ele queria pegar o fogo, não pegou, acabou, eh, furando a própria cabeça dele. O escorpião, sabe o que é o escorpião, né? Ele tem uma cauda comprida e na ponta da cauda tem um aguilhãozinho que a bolsa de veneno fica ali, quer dizer, ele introduz, quer dizer, ele com as duas patinhas dianteira, ele pega, por exemplo, a carne da gente e faz isso. Ajeita, quer dizer, e aquela, aquilo vem pela, por cima da cabeça dele e aperta lá e inocula com uma rapidez tremenda, né? E há um escorpião que é venenoso e pode matar e, mas há outros que não, apenas dói, como a lacraia, né, a mesma coisa. Conhece a lacraia centopéia, também morde e também dói muito, mas não mata. E já a aranha-caranga... caranguejeira não, a tarântula, ahn, uma mordida daquilo é um inferno.
D
 E assim em termos de, por exemplo, de répteis em, em água essa coisa, o senhor tem assim lembranças de (sup.)
L
 (sup.) Não, a única, bom, é, é, cobra, ofídio, né, cobra é que tinha muito lá. Cobra, né? Aonde tem réptil em quantidade é aqui na lagoa de Marapendi, se você quiser ver jacaré vai lá, tem em quantidade. Conhece a lagoa de Marapendi aqui na Barra?
D
 Conheço. Tem a reserva (sup.)
L

  (sup.) Tem jacaré lá em quantidade. E na reserva, reserva biológica, se você for à, à reserva biológica, entrando lá, você vai ver um tanque cheio de jacarés apanhados lá. E que vão procriando lá, porque jacarezinho que coisa engraçada, a senhora já viu, jacaré, com a jacaroa (sic), com o jacarezinho. É tão engraçado. (risos) É tão engraçado.