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PROJETO NURC-RJ

Tema: "Vegetais e agricultura"

Inquérito 0224

Locutor 265
Sexo masculino, 65 anos de idade, pais não-cariocas
Profissão: advogado
Zona residencial: Suburbana

Data do registro: 31 de maio de 1974
Duração: 47 minutos


Clique aqui e ouça a narração do texto


L
 Posso? Bom, eu tinha uma chácara, não chegava a ser sítio, um, uma chácara em Campo Grande, lá na zona rural de Campo Grande. Esta, esta chácara era usada por mim e minha família para a criação de pequenos animais, galinhas, patos, perus, porque nós cultivávamos também uma horta e tínhamos um pomar. O pomar, no pomar predominava a laranjeira, as laranjeiras de vários tipos, principalmente a laranja-lima, laranjeira-lima, todos apreciavam mais. Mas nós tínhamos laranja-baía, tínhamos laranja-seleta, tínhamos outros tipos. E uma grande parte delas foram enxertadas por mim, que eu quando criança havia aprendido com meu pai, que também gostava, apesar dele ser funcionário público ele gostava de, dessa atividade rural, não é? De maneira que era com prazer que, que eu conseguia transformar um limoeiro, limoeiro bravo, em, em uma laranjeira para produzir a laranja-baía, a tangerina, a laranja-seleta.
D
 Como é que o senhor fazia isso? (sup.)
L
 (sup.) Como?
D
 Como é que o senhor fazia isso? O senhor plantava? Onde é que o senhor adquiria assim essas plantas? (sup.)
L
 (sup.) Bom, eu plantava, plantava a laranja-da-terra em caroço ou limão que o povo chama aí de limão-cravo ou limão-galego e depois que ele adquiria, essas mudas adquiriam um certo desenvolvimento, então nós fazíamos o enxerto. Aliás, tirávamos a muda do, dum recanto da chácara que costuma-se dar o nome de viveiro, o lugar onde se faz nascer as, as mudas, e levava para o lugar definitivo, depois daquela muda se adaptar ao, a, a, à mudança de local, então fazia-se o enxerto. Eu não era grande especialista no enxerto, eu s... só sabia fazer, só gostava de fazer o de mergulho.
D
 Como é que é?
L
 O enxerto de mergulho. O enxerto de mergulho ele ... Conhece? Já viu como é? Procura-se a laranjeira que se quer fazer o enxerto, encontra-se nessa laranjeira um galho que tenha a mesma grossura, não é, a mesma espu... espessura do, do que vai servir de cavalo, quer dizer, do pé que vai surgir dali. Então, num ponto onde há um olho onde vai sair um broto, tira-se ali a casca num pequeno retângulo, no fei... no feitio de um pequeno retângulo, não é? E tira-se igual na laranjeira que vai servir de padrão. Depois levanta-se a casca da que está sendo enxertada, o cavalo, e coloca-se a outra, amarra-se com embira-de-bananeira, que é o mais usado, em geral coloca-se também uma folha da própria laranjeira cobrindo aquele enxerto, mas sem evitar, sem impedir a entrada de ar. Aquilo é pra, no caso, o orvalho ou a chuva se, se chegar, não melar, não prejudicar o trabalho. Quer dizer, e no fim de um certo tempo, no fim de uns, uns dez, quinze dias, se aquele, se aquele enxerto estiver com vida, então corta-se a parte superior do, da plantinha que deu origem, o que nós chamamos de cavalo e aguarda sair o broto, só se deixa sair o broto ali da, daonde se fez o enxerto. Então ali está a laranjeira . A partir daí, eh, nós não vamos mais obter limões ou laranjas-da-terra e sim aquilo que se quer obter: a tangerina ou a laranja-seleta, etc. E é um sistema, parece que é o sistema mais fácil, né?
D
 Mas depois disso tem uma série de cuidados também, né?
L
 Bom, a laranjeira o cuidado que nós temos que ter por exemplo é não deixar sair brotos do cavalo.
D
 O senhor sabe como é que ... Tem um nome pra esses brotos que saem do cavalo?
L
 Tem, mas eu não estou lembrado não (sup.)
D
 (sup.) Não está lembrado não (sup.)
L
 (sup.) Não estou lembrado não. Aqueles brotos eles têm que sair, têm aliás terão que ser retirados que senão vão enfraquecer o enxerto, não é?
D
 Ham, ham.
L
 Porque isso faz parte do trabalho de proteção do enxerto, que se nós deixarmos aquela porção de brotos que saem em volta embaixo, o enxerto vai, talvez não saia ou vai sair fraco, não é? Agora a terra tem que estar sempre limpa para bater o sol e a ventilação na, na base da laranjeira, inclusive as raízes absorverem também o sol e o ar, não é?
D
 Essa região é uma região boa pra esse cultivo? (sup.)
L
 (sup.) É, Campo Grande é uma região própria, tanto que já foi até exportador de, Campo Grande já foi até exportador, numa época em que a Guanabara e o estado do Rio eram os maiores produtores de laranja do Brasil, antes dessa segunda guerra havia uma exportação grande. O estado do Rio e a Guanabara exportavam para o exterior muita laranja.
D
 Mas o senhor sabe o que houve assim, por que teria ... Eu digo assim (sup.)
L
 A queda da, da, na produção? (sup.)
D
 (sup.) A queda e o desaparecimento, eh, da produção de cítricas na região.
L
 Bom, na minha opinião, foram duas razões: a primeira, porque a guerra do, a, a, com a guerra, que durou seis anos, parou a exportação. Então economicamente a... aquelas terras deixaram de ter valor, não é? Não havia mais necessidade nem possibilidade de cuidarem dos laranjais e não havia dinheiro, não exportava, quer dizer, não havia rendimento, não havia rendimento, o proprietário da terra teve que abandonar os laranjais. E uma outra razão é que passaram a adotar o critério de, de loteamento, lotear as terras, não é? Com o loteamento das terras também desapareceu o interesse pela agricultura e eu também acho que as autoridades não têm dado muita atenção a essa parte agrícola aqui na Guanabara. Considerando que a Guanabara é considerada, ou considerando que a Guanabara é tida com uma "cidade maravilhosa", era a capital até há pouco tempo e talvez eles achassem que tornava-se desnecessário por essa razão ela ter agricultura, não é? Mas eu discordo disso porque há uma quantidade imensa da população nessas regiões, na zona rural da Guanabara, que seus antepassados viviam disso.
D
 E nessa área que que é cultivado?
L
 Atualmente não é cultivado quase nada. Tem alguns sítios, algumas plantações, mas a maior parte das terras estão abandonadas.
D
 Eh, por exemplo, em caso de laranja, tem que obedecer a uma série de critérios também pra, pra plantação, não é? Não pode chegar e ir plantando de qualquer jeito.
L
 Não, não, tem que, tem que, em primeiro lugar a terra tem que ser apropriada pra isso, né? Em se... além disto, ela tem que ser limpa, tem que ser, eh, espaçosa, porque as laranjeiras devem es... estar cinco metros no mínimo uma afastada da outra. Se a área não for grande, não, não, não está adaptada a uma plantação econômica da laranjeira. Nós podemos ter na nossa casa uma ou duas, dez laranjeiras, não é?
D
 Eu acho interessante, era uma coisa que eu gostaria que o senhor me explicasse o que que ... A gente passa às vezes assim na estrada e vê, por exemplo, as laranjeiras plantadas, essa área aqui de estado do Rio quando a gente vai a Rio Bonito por aí, a gente vê muito (sup.)
L
 (sup.) Sei (sup.)
D
 (sup.) Ainda, laranja atualmente estão replantando, então em vez de, de irem assim em linha reta, faz umas, umas, umas, como é que se diz? Não é uma linha, não são linhas retas, a gente vê que eles seguem um processo de plantar, mas aquilo é meio sinuoso. O senhor teria idéia de por que que eles plantam assim?
L
 Não, não, eu penso que eles procuram plantar no sentido reto, mas como o terreno é elevado, a impressão que nós temos, visto de longe, é de que a plantação está no sentido curvo, não é?
D
 É.
L
 Eles plantam em sentido reto mas a, a laranjeira ela acompanha a ondulação do terreno, são morros, não é, as plantações são, essas plantações que a senhora (sup.)
D
 (sup.) É (sup.)
L
 (sup.) Está se referindo são em morros, não é? (sup.)
D
 (sup.) Ham, ham (sup.)
L
 (sup.) De maneira que eu, a minha idéia é de que as, eh, as laranjeiras continuam sendo plantadas em linha reta, agora a nossa visão à distância, entendeu, e con... e levando em conta a ondulação do terreno é que parecem estarem sendo feitas em linhas curvas ou onduladas (sup.)
D
 (sup.) Por exemplo, outra coisa, eh, geralmente há um empobrecimento da terra muito explorada.
L
 Certo.
D
 Então há assim coisas que são usadas pra revigorar, digamos assim, essas terras.
L
 Bom, antes eu queria me referir a, a, a um outro assunto que deu causa também à, à terminação desses laranjais. Foi uma praga que apareceram, apareceu aqui nessa região, me parece até que em todo o Brasil e não procuraram combater essa praga. Na nossa chácara usamos muito inseticidas, inseticidas apropriados pra eliminar essas pragas. De maneira que para revigorar a terra o que nós temos que fazer é colocar o adubo, adubar, adubá-las, não é? Mas eu penso que no Brasil ainda não se adotou, ainda não se adota o critério de adubar as terras para os laranjais. A laranjeira é uma, é uma, é uma árvore tão dócil, tão maravilhosa, ela exige tão pouco da terra que apesar das terras cansadíssimas elas continuam sendo aproveitadas e as ... Sem se adubar, entendeu? Agora, a senhora (sup.)
D
 (sup.) Que tipo de adubo é usado assim mais comumente?
L
 Eu não, não conheço porque nunca usei nem nunca ouvi falar em adubos aplicados nos laranjais, entendeu? Mas eu tenho impressão de que o adubo é o mesmo usado em outras agriculturas: o adubo fosfatado, uma base de cálcio e fósforo, e fosfato, aliás.
D
 Agora, o senhor já falou também em horta, né? O senhor tinha uma horta (sup./inint.)
L
 (sup.) Uma horta pequena para o consumo.
D
 O que que tinha nessa horta?
L
 Couve, chicória, alface e repolho, tínhamos também legumes, chuchu, jiló, quiabo ...
D
 O senhor mesmo cuidava dessas coisas?
L
 É, eu cuidava, mas era ajudado também por uma outra pessoa, uma outra pessoa que vivia também lá na casa e que de acordo com a minha orientação fazia o trabalho mais pesado, o trabalho mais importante, entendeu?
D
 A horta, por exemplo, deveria requerer algum tipo de tratamento da terra diferente.
L
 Bom, a, a horta sim. Ela, ela exige a preparação dos canteiros, não é? A terra tem que estar acima do nível do solo e bem fofa, para que o ar e o oxigênio penetrem através dos poros da terra e para que isto aconteça ela tem que estar bem adubada e o adubo que se usa, a senhora sabe, com certeza tem sítio, o adubo usado nas hortas é o adubo de origem animal, não é?
D
 Hum.
L
 O adubo do, do gado, do boi de preferência ou então das galinhas.
D
 E, e isso chama adubo mesmo?
L
 É adubo. São as, são as fezes desses animais.
D
 Qual é o nome assim que se costuma dar? É de adubo?
L
 É adubo mesmo. Essas fezes são colocadas num lugar apropriado num canto do quintal e deixa-se ficar um certo tempo para curtir, não é? Apanhando chuva. Quando a época é de estiagem então costuma-se molhar de vez em quando, aquilo depois que fica bem curtido então é colocado misturado com a terra. Sem isto a planta não, não produz, a não ser que a terra já esteja adubada pela própria natureza, não é? Que a terra tenha uma, uma proporção de, de elementos vegetais apropriados para ... Por exemplo em Bangu, próximo do, do presídio, aliás, dos presídios, que ali funcionam vários presídios, as terras ali são fertilíssimas. Aquela gente planta sem adubo, sem colocar adubo. É uma pena até nós vermos áreas enormes abandonadas que poderiam estar sendo utilizadas no cultivo, como era antigamente, das verduras, legumes e frutas. Ainda encontramos lá alguns que fazem pequenas hortas e também árvores dos tempos antigos, de preferência mangueiras, mas não há um trabalho atual de aproveitamento da terra. É a tal coisa, nós imaginamos o Rio de Janeiro, todo ele, como sendo uma cidade, nos esquecemos de que uma grande parte dele não é cidade, não é? E possui terra, alguns lugares com terras muito boas e que precisavam ser cultivadas, não só porque ia melhorar o abastecimento daqui como também para dar trabalho a dezenas de milhares de descendentes de agricultores.
D
 Outra coisa que me interessava saber por exemplo, eh, em termos de horta, o senhor podia descrever como é que fazia desde o princípio até colher?
L
 Bom, eu não sou técnico, eu (sup.)
D
 (sup.) É exatamente ... Eu também não sou, mas eu só quero saber como é que o senhor fazia.
L
 Eu, eu era ... Eu era um curioso e fazia pela prática, não é?
D
 Por exemplo, o senhor queria plantar uma determinada, um determinado tipo de legume ou de, de, de um vegetal qualquer. Como é que o senhor fazia pra poder encontrar esse vegetal?
L
 Bom, a primeira coisa que se tem que fazer é obter a semente, não é?
D
 Certo. Como é que o senhor fazia pra obter a semente?
L
 Bom, a semente nós, o governo fornece essa semente através dos órgãos do ministério da Agri... da Agricultura ou então nós compramos nas casas especializadas, não é? Quando é grande quantidade, o governo fornece de graça ou pelo custo e para pequenas quantidades nós compramos nas casas especializadas. Agora, depois de ter a semente, temos que ter o adubo, em seguida preparar o canteiro ou os canteiros. O preparo dos canteiros, escolhe-se um lugar exposto ao sol porque nenhuma planta poderá sobreviver sem o sol, não é? E depois limpa-se bem o terreno, às vezes ele está tomado por determinadas plantas, por determinada vegetação. Por exemplo um capim que é muito comum aqui no, na Guanabara em, ou em outros lugares também do país, chamado tiririca, já ouviu falar, não é? É um capim teimoso que se não cavarmos profundo tirando a última batatinha que ele tenha lá por dentro da terra, ele vai nascer outra vez e vai prejudicar a, a, o trabalho do agricultor. Então depois do terreno bem limpo, revira-se bem a terra, então mistura-se aquela terra com o adubo e faz-se o canteiro. O canteiro tem que ficar no mínimo um palmo acima do nível, daí um pouco, pode ser um pouco mais. Depois disto então planta-se as sementes. Agora este trabalho todo deve ser feito em épocas apropriadas. Por exemplo, aqui na, nessa região quente da Guanabara e, e adjacências o, a época mais apropriada é o começo do outono. Outono e inverno. Primavera e verão, principalmente o verão, já não é próprio. Pode-se plantar, mas à custa de um sacrifício muito grande. O cidadão tem que cobrir os canteiros com, com determinadas folhas, por exemplo, folha de palmeira que deixa filtrar, passar um pouco do sol, mas abranda a intensidade dele. Mas a época mais apropriada para o cultivo das hortaliças aqui na Guanabara e nas regiões quentes próximas é o outono e o inverno. Quer dizer, feito isso, aguarda se a colheita e pronto. Não há mais nada (sup.)
D
 (sup.) Mas, eh, tem um lugar próprio pra botar essas sementes, assim ou é (sup.)
L
 (sup.) Não, essas sementes não.
D
 É posta cada uma num lugarzinho? Como é? (sup.)
L
 (sup.) É colocada ... Também costumava-se fazer o viveiro. Costuma-se fazer às vezes um canteiro de, de viveiro para determinadas, determinadas hortaliças, por exemplo, alfaces, certos tipos de couve, eh, planta-se no viveiro e depois da mudinha alcançar um certo desenvolvimento, aí é colocada no lugar definitivo. Agora outras não, outras as sementes já são colocadas a granel no canteiro, proporcionalmente à área do canteiro. Ou então três ou quatro sementes espaçando-se, não é, e deixa-se nascer e crescer ali mesmo e pronto, está bom. Não é um (sup.)
D
 (sup.) E como é que sabe que está na hora de colher?
L
 Bom, pelo tamanho da planta, pelo desenvolvimento dela e no mais é prática, pela experiência, nós sabemos que se, depois que ela alcança um, um certo desenvolvimento, um certo tamanho é que está própria. Porque se deixar também passar de um certo desenvolvimento a folha endurece e não serve mais para, para alimento.
D
 Agora pra fazer isso tudo deve haver assim uma série de utensílios, de ferramentas (sup.)
L
 (sup.) Ah, bom, isso há (sup.)
D
 (sup.) O senhor lembra assim que que usa (sup.)
L
 (sup.) Bom, nós no nosso trabalho de curiosos não dispúnhamos de, de todas as ferramentas, não é? Por exemplo usávamos o enxadão, o enxadão é uma, é uma enxada estreita que, alta, ela é usada pra penetrar fundo na terra pra ir buscar a raiz do tiririca ou de outras plantas prejudiciais, não é? Agora depois da terra revolvida, bastante revolvida, passa-se o anch... ancinho pra tirar tudo aquilo que não, não, não sirva, os resíduos. Depois a enxada, a enxada é que vai modelando o canteiro, não é? Agora, depois do canteiro pronto, em geral ele fica um, um certo, um peq... um período, eles costumam dizer, os lavradores na sua linguagem rústica, para descansar. Deixa a terra descansar um pouco. Agora na ocasião de se semear, aí usa-se uma, uma pequena colher, pequena colher apropriada para fazer pequenas cavidades na terra e aí colocar as sementes. Quer dizer, as ferramentas que eu usava eram estas: era o enxadão, a enxada, o ancinho e uma pequena colher. Usávamos também às vezes uma pequena enxada, uma pequenina enxada também para fazer cavidades maiores.
D
 E para cortar esses pedaços de (sup.)
L
 (sup.) Para a poda? (sup.)
D
 (sup.) Laranjeira (sup.)
L
 (sup.) A poda nós usamos uma tesoura, tesoura de poda.
D
 É sempre tesoura?
L
 Sempre tesoura. É uma tesoura própria pra isso, tem um feitio especial. Chama-se mesmo tesoura de poda.
D
 Agora, outra coisa que interessava era que o senhor falou também que, eh, esse interesse seu veio da sua infância, né?
L
 É, na minha infância, porque meu pai ... Eu sempre vivi aqui na zona rural, além disso meu pai, eu devo ter herdado também um pouco dele, porque ele foi, viveu em fazenda no começo da vida dele e meu avô foi fazendeiro, meus antepassados foram fazendeiros.
D
 O senhor conheceu essas fazendas?
L
 Não, não conheci não. Não conheci não.
D
 De que que era?
L
 Era fazenda de café.
D
 Café ...
L
 Mas sabe que uma fazenda naqueles, tempo, no tempo dos escravos, tinha o café que era um meio de vida para venda, para exportação, mas eles tinham tudo mais. Eles plantavam a cana pra produzir o, o melado ou o açúcar, eles plantavam a verdura, para o consumo, o legume para o consumo ou para os porcos, não é? Tinham também o, uma pequena quantidade de gado para abastecer a fazenda de carne ou então de leite, não é? O gado por exemplo que toda fazenda ainda hoje costuma ter é o, o vacum, quer dizer, a vaca pra produzir o leite, o boi para puxar o arado e também às vezes pra carne, não é? E o porco. Em geral, por exemplo em Minas Gerais, eles, eles usam mais a carne do porco, porque é produzida com mais rapidez, o porco cresce com mais rep... rapidez, não é, e é mais barato, é mais econômico. De maneira que nessa fazenda do meu pai, aliás do meu avô, deveria ser assim. Aliás deveria não, porque meu pai dizia que era assim. Inclusive eles tinham escravos, tinham escravos (sup.)
D
 (sup.) Agora, eh, o senhor falou que o, o seu pai já tinha esse gosto por (sup.)
L
 (sup.) É, ele tinha esse gosto porque ele foi criado, tanto que quando ele veio de Minas, ele veio viver primeiro pouco tempo ali na, na zona de Nova Iguaçu, aqui a cidade de Nova Iguaçu, que não existia nessa época. Aquela região onde é hoje Nova Iguaçu que tinha o nome de Maxambomba, Maxambomba. E ele tinha um sítio. Mas depois não deu certo o sítio, o, o, por qualquer motivo ele ... Ou me parece que ele arranjou um emprego e veio pra cá para o Rio de Janeiro (sup.)
D
 (sup.) Então essa primeira infância o senhor deve ter passado algum tempo lá (sup.)
L
 (sup.) Ah, sim (sup.)
D
 (sup.) Tem, assim, lembranças, memórias (sup.)
L
 (sup.) Não, não, eu não passei nesse sítio não. Mas quando morávamos em Terra Nova, passamos a infância, eu passei minha infância na Terra, em Terra Nova, aqui próximo dos Pilares. O terreno era muito grande e tinha um laranjal, tinha horta e meu pai adotava o critério que os pais antigos adotavam, a criança quando completava sete anos começava a ajudar alguma coisa em casa ou no quintal, entendeu? Uns tratavam dos cães, outros tratavam dos porcos, outros, outros tratavam das galinhas e inclusive tinha que picar o milho para os pintos porque naquele tempo não se comprava. Pelo menos aqui na zona rural, tudo era comprado na cidade. Tinha que comprar tudo na cidade, aqui não tinha nada no, no subúrbio. Então comprava, tinha o milho, o milho comum, então ele comprava o milho inteiro e nós em casa, os garotos, tínhamos que picar o milho pros pintos. Então fazia sete anos tinha que começar a trabalhar. Eu fui a maior vítima, ou melhor, não foi vítima porque com isto eu obtive um grande fator educacional que é o trabalho, não é? Porque o homem deve se instruir, o homem deve, deve procurar se realizar em tudo e adquirir todos os conhecimentos. Mas eu penso que aprender a trabalhar é fundamental, não é? É fundametal. De maneira que os pais naquela época, a maioria sem cultura, sem grande experiência, sem a técnica e a ciência de hoje, mas eles já usavam, usavam esse sistema que os técnicos atuais estão introduzindo no ensino, não é? A criança começar a aprender na escola a realizar pequenos trabalhos, ver a sua vocação e aprender a trabalhar, não é?
D
 E nesse ponto, há uma coisa que interessava, o senhor falou que trabalha com presidiário e o senhor sabe informar se eles têm assim um setor de cultivo de terras e se eles aprendem técnicas agrícolas nessa área de ... Parece que existe uma (inint./ruído de trânsito)
L
 Bom, o presídio de Bangu, de homens (inint.) o nome é Instituto Penal Esmeraldino Bandeira. Ele foi colocado lá pelo governo estadual com a finalidade de encaminhar os presos, pelo menos uma parte deles, para o aprendizado e o trabalho agrícola, entendeu? E eu penso que é feito mas não é, não é feito assim com um certo método. Parece que o governo não conseguiu ainda, eh, completar essa orientação, entendeu? De maneira que, que não é, não tem um sentido ainda organizado, pedagógico. Estão lá os presos que gostam de agricultura, aqueles que já têm tendência pra a agricultura, entendeu? Aliás, nesta questão de trabalho havia, havia não, há também uma oficina, uma grande oficina lá em Bangu e com máquinas e carpintaria, marcenaria, tornos mecânicos e máquinas de vários tipos, também com a finalidade de ensinar os presos uma profissão. E essas, essas oficinas, essas máquinas funcionam com maior ou, ou menor regularidade, de acordo com, com a, a capacidade, a capacidade e o amor que o administrador tem sobre o assunto. Por exemplo: nós tivemos lá um diretor que funcionou lá no presídio durante uns, um ano e dez meses, mais ou menos. Um sujeito fabuloso. Ele era professor, é professor de relações humanas, talvez por isso é que ele tenha sido um grande administrador. Ele vivia lá dentro com a família. Adotou um critério que nós achávamos de grande valor. Ele ... Os presos lá viviam separados, os irrecuperáveis, considerados como irrecuperáveis e os me... de melhor comportamento, os recuperáveis. Ele juntou todos e passou a ado... a seguir a seguinte orientação: nós não vamos ... Aqui não há maus nem bons, há homens que cometeram delito, prejudicaram a sociedade e que vieram pra cá e precisam se recuperar, não é? Nós temos, vamos fazer um regulamento interno para o nosso trabalho. Aqui ninguém ficará durante o dia na ociosidade. Vamos organizar cursos, essas oficinas irão trabalhar, entendeu? O fato é que ele, enquanto organizava, ele não permitia mais o preso, durante o dia, dormindo ou tocando música, tinha que estar jogando futebol, basquete ou vôlei, fazendo qualquer coisa. Agora, também tinha ... Ele obrigava o preso, por exemplo, enquanto as ati... ele não havia organizado para o trabalho, de acordo com o gosto dos grupos, ele ... Por exemplo, futebol, eles teriam que planejar torneio. Então eles iam jogar dentro daquele planejamento. Tudo escriturado, anotado, com ficha, com controle, fazia um, um torneio. O outra, o outro grupo era de vôlei, de basquete ... Até que com o tempo ele criou lá vários cursos. Tinha curso de desenho técnico, que inclusive funcionários do ministério do Trabalho foram lá durante os vá... os dois anos que ele esteve como administrador, como diretor da penitenciária Esmeraldino Bandeira, ele ... Foram lá, durante os dois anos, diplomar rapazes que tiraram o curso de desenho.
D
 Eh, e, eh, essa parte de agricultura também não foi pra adiante (sup.)
L
 (sup.) Bom, foi cuidada a parte de agricultura (sup.)
D
 (sup.) Mas aí não foi, não foi adiante?
L
 Bom, não foi porque o tempo que ele ficou foi pouco. Ele depois foi convidado pra ser administrador regional de Bangu, eu vou dizer o nome dele. E não me lembro o nome dele todo, que é uma falta grave, porque um homem desse tipo não se pode esquecer o nome dele, mas o primeiro, o, o, o primeiro nome é Javan. Ele é, ele é administrador regional de Bangu. Deve estar fazendo uma boa administração, porque é um homem dinâmico. Um homem, um homem dinâmico! Fabuloso! É uma pena aquele homem ter saído de lá. Eu acho que aquele homem, para sair de lá deveria ter sido colocado como chefe de um serviço geral, entendeu, nas penitenciárias. Talvez, por exemplo, diretor do sistema penitenciário, não é?
D
 Agora, eu vou mudar um pouco de assunto, mas ainda dentro dessa área de vegetais, pra gente saber se o senhor tem idéia assim, do tipo de vegetação e de cultura vegetal que é feita no Brasil, quer dizer, de sul a norte. Se o senhor teria assim uma idéia da diversidade de, de plantas que nós encontramos. Que que o senhor lembra que existe assim de característica (inint.)
L
 Bom, este assunto eu não estou muito por dentro, como se costuma dizer, porque não tenho viajado, não é? Agora, mas o que nós sabemos (sup.)
D
 (sup.) Por informação (sup.)
L
 (sup.) É, o que nós sabemos é que, por exemplo, no sul do Brasil predominam os campos, não é, e também no sul do Mato Grosso. Por esta razão é que essas regiões são aproveitadas para o, a criação do gado, não é? Os maiores rebanhos do Brasil estão no sul do Mato Grosso, na região do Pantanal e no Rio Grande do Sul, nos campos do Rio Grande do Sul. Agora nos, floresta, floresta hoje em dia nós poderemos dizer que infelizmente nós só encontramos numa pequenina faixa do estado do Espírito Santo e a amazônica. São florestas tipo tropical, não é? Onde predominam as árvores de grande porte e por exemplo o pau-ferro, a maçaranduba, o jequitibá, o cedro, o jacarandá, pau-brasil, a castanheira, a seringueira, isso na região amazônica. Agora na Bahia também ainda há uma pequena região, pequena proporcionalmente ao tamanho do estado, nós sabemos, em que encontramos muita madeira preciosa, por exemplo o jacarandá. Este jacarandá que nós estamos usando e abusando. Tudo é feito hoje de jacarandá, já há alguns anos e inclusive a ex... uma intensa exportação de jacarandá vem da Bahia, de preferência da Bahia. E eu penso que sem a, os cuidados, as precauções que o brasileiro tem, que o brasileiro não é previdente. Então eu acredito que as florestas da Bahia onde predominavam as madeiras preciosas e principalmente o jacarandá estão se esgotando, né?
D
 O senhor tem notícia assim de como está sendo feito essa, esse desmatamento?
L
 Bom, a notícia que nós, que eu tenho é a que todos nós também temos conhecimento. É através ... O corte é indiscriminado. O cidadão compra a área, arrenda a área ou compra a madeira e corta e está acabado. O governo tem tido um, uma preocupação muito grande, dos governos e este de um modo especial, o atual, para impedir isso. Mas ... Inclusive obrigar a replantação, não é? Mas a questão é que o nosso país é um país muito grande, os recursos são pequenos relativamente a nossas necessidades, não é, e o governo encontra dificuldade em aparelhar os órgãos adequadamente para fazer uma vigilância constante. Porque por exemplo precisariam de aviões, de helicópteros, não é, navios, de uma porção de outras máquinas caríssimas para, como no, por exemplo, nos Estados Unidos, que o cidadão, o menor abuso, o menor desrespeito às leis que regem por exemplo o problema da conservação das florestas, ele instantâneamente ele é visitado por um, uma, um órgão da fiscalização. Mas aqui não há ainda recursos para isso. Isso tem prejudicado bastante, não é? Agora nós temos também uma floresta muito importante que a senhora deve conhecer, todo brasileiro conhece, é a floresta de araucária, ali na, no Paraná, onde predomina o pinheiro, não é? O pinheiro e outras, por exemplo, o gonçalo-alves e outros tipos de madeira que eu já conheci todos eles (inint.)
D
 Como é esse gonçalo-alves?
L
 Como é o gonçalo-alves? O gonçalo-alves é uma madeira clara com desenhos, com desenhos um pouquinho mais escuros, dá uma idéia do jacarandá, dá uma idéia do jacarandá, mas é uma madeira de menos valor, menos resistência.
D
 E a árvore?
L
 A árvore também é frondosa. Agora, no Paraná predomina o pinho. O pinheiro, não é? O que abastece o Brasil de, de madeira para as construções, que é o pinho, vem do Paraná. Também um, uma pequena parte do, do norte do Rio Grande, mas principalmente do, do Paraná e um pouquinho também de Santa Catarina. No mais eu acho que a vegetação é constituída de, de uma mata rala, não é, porque as florestas já foram quase que totalmente destruídas. Nós temos ainda uma vegetação que é muito conhecida dos brasileiros lá no nordeste, eh, que é também uma mata rala que não exerce nehuma proteção ao solo e que nós até damos a denominação especial de caatinga, não é? Aquilo também não tem valor menhum econômico.
D
 Agora, em termos econômicos assim pra terminar, que que a gente está produzindo no Brasil, cultivando pra alimentação, pra exportação, pra ... Em termos de agricultura mesmo.
L
 Bom, em termos de agricultura, o Brasil já se abastece, não é, porque nós temos, nós somos grandes produtores de, de todos os cereais, não é? De todos os cereais: feijão, arroz, somos grandes produtores do milho, grandes produtores da soja, não é? Aliás, até a soja está sendo impor... exportada em grande quantidade para o, os Estados Unidos, para o Japão e outras partes do mundo. De maneira que ... A batata, a batata nós já produzimos em grande quantidade para o consumo. Eu penso que nessa, neste problema da agricultura, embora nossa agricultura não esteja de acordo com o desejo dos brasileiros, mas ela já dá mais ou menos pras nossas necessidades. Agora havia a necessi... havia a ... Deveria haver interesse em se cultivar o trigo, porque o Brasil gasta na importação do, do trigo, uma, uma grande parte dos dólares que consegue com o sacrifício do seu trabalho em outros setores, não é? Então nós deveríamos ter um, uma agricultura grande do trigo. Nós temos o, o, uma agricultura do trigo no Rio Grande, mas não dá para o, suprir as nossas necessidades. E eu penso que é fundamental, porque um país, um país que quer ser independente e quer se emancipar do jugo econômico de outros, ele precisa ter principalmente independência na parte da sua alimentação, não é? Ele precisa ter o trigo, é preciso o próprio país ter o domínio total, por exemplo, da carne. Nós vemos, por exemplo, o Brasil tem um grande rebanho, mas ainda não é propor... quer dizer, rebanho do, para a carne, mas ainda não está de acordo com as nossas necessidades. Tanto que há pouco tempo o governo precisou exportar a carne e houve falta da carne aqui, para nós, não é? Porque é preciso ter o gado com os devidos cuidados para não diminuir a proporção do rebanho, abastecer a população e exportar. Então havia necessidade de se crescer mais o rebanho e também uma outra coisa que deve ser de preocupação do governo é o problema dos frigoríficos. Os frigoríficos quase todos estão na mão de, de entidades poderosas que prejudicam às vezes a orientação do governo nessa parte. O governo quer às vezes tomar certa medidas e encontra determinadas dificuldades, porque ele não ... Por esse motivo, não é? De maneira que há necessidade de, de nós termos um, um rebanho muito maior, o domínio total sobre a carne, ter o cultivo do trigo em proporção para o nosso consumo e até para exportar. No mais eu acho que nós ...
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 Já houve um progresso grande, né, porque (sup.)
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 (sup.) Já houve um progresso grande, não é? (sup.)
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 (sup.) Nós vivíamos em termos (inint.) básica de café (sup.)
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 (sup.) É. É exato, é. Porque houve época em que o Brasil só cuidava da lavoura do café. Agora mesmo o ministro da agricultura atual, é um moço vindo de Minas, ele foi secretário de agricultura de Minas, não é, e me parece que ele, que ele tem grandes idéias, grandes planos. Porque, vamos falar com sinceridade, nós aqui, nós aqui somos brasileiros que queremos o Brasil como ele pre... vai ser um dia: grande país, pacífico e forte economicamente, não é? Nós queremos. Qual o brasileiro que não quer isso? Então eu sempre quis, desde pequenino, desde que comecei a me entender, quanto mais agora, que nós estamos vendo que o Brasil cresceu, contrariando as idéias de muitas nações importantes que pensavam, porque a nossa origem era uma origem de pouca cultura, não é, de pouca experiência, nós somos originários de, de uma mistura de povos pobres, fracos e incultos, não é? Então, baseado nisso e considerando ainda o nosso clima quente, que não é brincadeira o cidadão trabalhar e estudar com quarenta graus de calor, é preciso ter, não é, é preciso ter fibra. Então, baseado nisso, determinados filósofos, cientis... cientistas achavam que o brasileiro nunca seria um povo que prestasse e que o Brasil nunca seria um grande país, não é? E no entanto, nós estamos mostrando a eles que não é verdade este fato. Isso tudo é secundário, não é? Porque o Brasil vai ser um grande país, então nós temos que falar com sinceridade: a nossa agricultura, desde muitos anos, ela vem crescendo, mas não tem recebido uma atenção nossa como precisava receber. E eu estou sentindo que este ministro agora ele está querendo colocar a agricultura num plano proeminente.
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 O senhor tem notícias, assim, de quais são as providências, as medidas que ele está tomando pra isso?
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  Não, eu não tenho, porque eu disponho de pouco tempo até pra ler os jornais. às vezes eu compro jornal, por exemplo, do Brasil aos domingos que é um jornal muito informativo, não é? Eu fico com ele aí quinze dias, um mês, pra poder ler aquele jornal. Mas, às vezes um, uma reportagem assim da televisão, rápida que se ouça, nós verificamos, por exemplo, que ele está falando em dar uma assistência técnica à agricultura, maior e melhor financiamento e intensificar a produção de determinados, eh, alimentos ou matéria-prima que a agricultura fornece e que tem tido uma certa carência ou não tem tido um crescimento adequado às nossas necessidades. De maneira que, pelas poucas palavras que eu tenho lido pela imprensa e ouvido pela televisão, eu penso que ele vai, se ele encontrar, que eu penso que vai encontrar, apoio das au... do governo federal e recursos, porque tudo precisa também de recursos, não é, eu acho que ele vai dar um, um desenvolvimento grande à agricultura, que a agricultura tem que ser básica, que a própria indústria, uma grande parte da indústria vive em função da matéria-prima produzida pela agricultura, não é?