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PROJETO NURC-RJ

Tema: "Terreno"

Inquérito 0215

Locutor 252
Sexo feminino, 37 anos de idade, pais cariocas
Profissão: professora de matemática
Zona residencial: Norte e Suburbana

Data do registro: 10 de maio de 1974

Duração: 55 minutos

Clique aqui e ouça a narração do texto


D
 Vamos, não quer começar comparando?
L
 Então, um assunto sempre que possível comparativo é mais fácil, né, da pessoa desenvolver. Por exemplo, eu acho que, eh, Brasília embora tenha, tivesse sido planejada, eh, seguindo logicamente uma série de, de requisitos que achavam indispensável, pra bom desenvolvimento, pra bom, eh, vamos dizer, concentração, eh, a topografia de Brasília, eu vivi lá quatro anos, senti um problema tremendo de, eh, eh, assim é monótona, entende? Então eu acho que isso em relação ao Rio é uma das causas principais de sistema nervoso abalado, de problemas neurovegetativos que inclusive eu tive e voltei com ele porque você sente assim uma, uma diferença de, eh, uma, uma imensidão, então você se sente sempre assim naquela, eh, como é que eu vou dizer? Assim uma extensão muito grande pra você deslumbrar, você se sente em repouso eterno, entende? Não há assim um morro, eh, eh, que te faça um anteparo qualquer que você tenha dificuldade de transpor um, que isso tudo é vida, né, você, você ter dificuldade de locomoção, dificuldade de atingir um outro lugar, você tem algum esforço você está pelo menos se movimentando. Em Brasília não, as, as, as distâncias ficam mais curtas porque você, eh, vê, mas não é que elas diminuam não, aquilo está longe mas está muito próximo ao mesmo tempo, porque aquilo é tudo reto, não tem um morro, não tem, então eu acho aquela topografia, aquilo me atacou o sistema nervoso tremendamente porque é tudo retinho, não tem um morro, você vê o avião que chega, o avião que sai, então você sabe a pessoa que está chegando porque não tem, não tem anteparo nenhum, eu acho a topografia de Brasília cansativa, monótona. O, o tipo de vegetação, aquela, aquela vegetação baixinha, aquele, entende, não tem aquela diversi... diversificação de nada, aquela monotonia. Já o Rio não, você vê a diferença, né, tremenda, você sente assim, não sei, parece que está mais, eh, as distâncias se aproximam mais, não sei, é diferente, você sente aquilo uma, uma influência tremenda. E eu acho um dos fatores principais de problema nervoso em Brasília é isso, é a topografia, eu acho que deixaram ... Bom, eu não sei se poderiam também influenciar, né, porque a topografia é um negócio meio, meio imutável, né, eles não podiam criar morro dentro da (sup.)
D
 (sup.) É, mas em Brasília houve assim toda uma tentativa de modificação desse meio ambiente (sup.)
L
 (sup.) É, mas eles esqueceram, eu acho que com, com a preo... (sup.)
D
 (sup.) Por quê, o que que eles fizeram (sup./inint.)
D
 (sup.) Não, eles estão, eles estão ... A preocupação de lá é justamente de embelezamento, mas ele ... O fato de ser planalto, de ser, de ser reto, ele não dá muita margem, então aquele tipo de, de esquadra, de superquadra, aquilo planejado, muito certinho, muito, entende, você, você entra assim numa espécie de uma, de um, de uma forma, de um, de um estandartizamento (sic), entende? Aquilo é tudo certo, então você mora naquela quadra, eh, aquilo já foi feito pra você, você não, não sente nada de você na, na, na construção de nada, você encontrou feito, você recebe, então aquilo é uma monotonia, não acho, não tem nada humano, você não sente aqu... aquela diferença, não é que a pessoa queira ser, eh, que o rico tem que morar melhor e o pobre, não é isso, mas você, em tudo que você faz você gosta de ver o esforço seu, lá não, você recebeu, então não tem mais nada. Eles se preocuparam muito em fazer coisas formas e colocar a pessoa humana, eu acho que essas pessoas saturadas e, e a topografia ajuda demais em Brasília isso. Você vai de um, da Asa Norte pra Asa Sul você anda por um caminho, só por aquele, volta da Asa, da Asa Sul pra Asa Norte tem outro caminho igualzinho, não mudou nada, a paisagem é a mesma, a plantação é a mesma, dá uma monotonia cansativa.
D
 Eles, eles criaram algumas coisas que não, não havia lá em termos de natureza, digamos, porque não é (inint.) terreno, né? (sup.)
L
 (sup.) É, transferiram, eles, eles, eles plantaram, né? Trans... botaram grama, transferiram terra, fizeram trans... transferência de terra de Goiás, trouxeram uma terra preta que lá não tinha, quer dizer, eles fizeram tentativas assim, mas aquela, eh, eh, continua tudo, o modo geral, a urbanização, ela, ela segue um plano, inclusive o Oscar Niemeyer ficou muito aborrecido porque andaram fazendo umas modificações, que ele queria aquilo que ele planejou e o que ele planejou é aquilo, então a pessoa muito pouco escapa daquelas, entende, daquelas normas gerais lá de Brasília, muito pouco escapa.
D
 E o aspecto assim em termos de água, de coisa, como é que eles, houve uma interferência nesse aspecto também lá em Brasília (sup.)
L
 (sup.) Hou... Não, lá a água foi, eh, acho, eu tenho a impressão de que foi uma das primeiras no Brasil que já eram tra... as águas, a água utilizada em casa era tratada, então diziam que se podia beber normalmente que era, não tinha problema nenhum já era água tratada, clo... e, e gostinho de cloro, está entendendo, nesse ponto de, nesse ponto de, de civilização chegou bastante, chegou bem rápido, né, porque foi uma cidade feita depois. Mas nesse aspecto, eu acho que (sup.)
D
 (sup.) No aspecto assim por exemplo do, do clima lá, porque é considerado muito (sup.)
L
 (sup.) É. Eu peguei, olha, em sessenta e dois eu peguei, agora já mudou, eu peguei um clima em sessenta e dois que de março a novembro não caía uma gota dágua, mas era a ponto de chegar quatro graus abaixo de, de zero e a quatro graus de umidade e no, não, chegava a oito graus de umidade e em comparação com o deserto do Saara é quatro. Então a gente sentia, parecia que estava enforcando, era um negócio de louco, chegava assim julho, agosto, ninguém agüentava mais, as cordas do piano arrebentavam, tóim, assim de noite a gente sentia aquele, tudo ressecado, quadro fazia assim, sabe, envergava na parede, era impressionante. As, as, a, a madeira rachava porque era, era uma secura total. Depois com transferência de árvores, então com o lago, agora estão en... enchendo um novo lago, quer dizer, o pessoal que mora agora já disse que a, a seca melhorou um pouco, eh, problema de umidade melhorou um pouco, mas continua sem chover, de março a outubro não chove, né, de março a novembro não chove, chove só de (sup.)
D
 (sup.) Lá tem problemas orgânicos, porque algumas cidades têm, algumas pessoas têm, né, quando vão pra lá (sup.)
L
 (sup.) É, pois é, e em função disso, problema de garganta era comuníssimo, criança, fila pra, pra operação de garganta no Distrital já tinha assim passado já assim pra cinco, seis, sete meses depois, porque toda criança tinha problema de garganta e asma também quem tem, quem é alérgico a poeira, né? Eu tive um problema, rinite alérgico, tive até operar, por causa da poeira. Porque quando levantava o que chamavam de lacerdinha que é uma poeira em círculo assim, em espiral, aquilo quando sobe, hum, entra poeira até dentro do bolso de roupa, dentro do armário, a gente cata aquela poeirinha. Agora com, com o gramado já melhorou muito, né, mas havia, quando eu fui, muito (sup.)
D
 (sup.) Lacerdinha (sup.)
L
 (sup.) É, chama lacerdinha porque na época o Lacerda era o governador daqui e era, e eles diziam que era, era, a camada que não gostava, a parte que não gostava, tudo era: isso é lacerdismo, isso é lacerdismo. Então como aquilo era muito chato em Brasília, então aquilo tinha o apelido de lacerdinha então. Era o lacerdinha de Brasília! (sup.)
D
 (sup.) Lacerdinha aqui no Rio (sup.)
L
 (sup.) Era aquele bichinho (sup.)
D
 (sup.) É (sup.)
L
 (sup.) Lá era esse vento, porque esse vento quando dava, quando subia aquela poeira em espiral, a gente via assim quilômetros de distância. Sobe assim, ó, mas vai lá em cima, carrega tudo que tiver, papel, sobe assim espiral, vai lá em cima e aquilo entra em tudo quanto é lugar, até dentro do bolso (sup./inint.)
D
 (sup.) A senhora ficou quatro anos lá (sup.)
L
 (sup.) Quatro anos lá (sup.)
D
 (sup.) Os arredores, a senhora (sup.)
L
 (sup.) Olha, a cidade, as cidades satélites, dizem, o pessoal achava que as cidades satélites por não terem sido planejadas justamente eram mais humanas, entende? Que saía daquela forma. Porque a cidade, por exemplo, eh, Tabatinga que era, Taguatinga que era mais, a mais desenvolvida, justamente porque não foi planejada a pessoa chegava e construía, então eles achavam mais, eh, próximas, eh, da imagem da cidade que estavam acostumados, então eles achavam mais humana. Quem morava em Taguatinga achava que vivia mais do que em Brasília, do que no plano piloto. Agora, era, era a única desenvolvida, o resto era favela mesmo, o resto era bem ... Agora já estão fazendo casas pra, pra proletários, casa pra industriais, eh, industriários, mas na época em que eu morei n~ao, saiu do plano piloto, Taguatinga já era ruim, as outras praticamente não existiam, era, era de candango bem, sabe, bem humilde (sup.)
D
 (sup.) E as outras cidades de Goiás a senhora não chegou a conhecer?
L
 Goiás fui, Goiás eu fui, Goiás é uma cidade, bom, uma cidade com aspecto de capital não muito adiantada, bonitinha porque é planejada também, ela é em círculo, né, círculo concêntrico.
D
 Goiás não, Goiânia.
L
 Goiânia, é! Uma espécie de, de círculos assim. Então começa, tem uns, o círculo menor, então tem os círculos principais, depois vai fazendo círculo, vai espalhando a, a construção. Mas é uma cidade (sup.)
D
 (sup.) É reta também como Brasília? (sup.)
L
 É, também é, também é. Lá pega (sup.)
D
 (sup.) Ah, é! (sup.)
L
 (sup.) Lá pega (sup.)
D
 (sup.) Agora (inint.) dos aspectos assim de paisagem que deve ser bastante interessante num local assim tão plano é de nascer e, e pôr-do-sol (sup.)
L
 (sup.) Isso, ah, uma, e, e uma (inint.) você tocar nisso. Olha, há pessoas que mudavam até a cama de lugar pra ver a aurora porque é impressionante, porque a gente vê mesmo, eh, com aquela imensidão, com a clareza a aurora e o crepúsculo em Brasília são impressionantes! E isso ainda tem uma influência, o maior índice de, de natalidade era em Brasília, inclusive pessoas assim com problemas, dez anos de casado que não tinham filho, iam pra lá engravidava, de trompa entupida, tinha vários casos engraçados até (inint.) fizeram uma pesquisa e disseram que era a luminosidade de Brasília. Ficou com... constatado de que o espermatozóide lá durava setenta e duas horas de vida, tinha setenta e duas e que normalmente, ou quarenta e oito, negócio assim, que normalmente é vinte e quatro. Então pes... mas era mesmo, foi constatado de que, porque, e inclusive havia fases, você chegava lá assim fase assim de agosto, quer dizer, eh, nove meses após uma determinada época, aí era uma, uma porção de gente tendo uma montoeira de criança nascida naquela época. Porque justamente a luminosida... a fase da luminosidade que não chove. E os médicos chegaram a essa conclusão de que a, o espermatozóide tinha muito maior horas de vida depois de, de expelido do que em ou... em outro local por causa da luminosidade. Então era comum dizer assim: fulano é filho da luminosidade! Porque casais que há muito tempo, é, dez anos sem filho, iam pra Brasília tinham filho, impressionante! (risos) Não sei se agora ainda está, mas na época que eu, inclusive eu tenho, eu tenho uma filha da luminosidade, a última (risos) que não estava programada pra, é aqui que nasceu. (risos)
D
 Mas descreve esse, essa, esse espetáculo de, de aurora, depois (inint.)
L
 (sup.) Olha, eu não sou muito romântica, primeiro eu não sou muito romântica, em segundo lugar, eu não sou muito ... (sup.)
D
 (sup.) O que que tornava isso assim tão marcante? (sup.)
L
 (sup.) Assim, isso me, isso me ... Principalmente crepúsculo. Eu sou muito agitada e gosto muito de vida em cidade, de gente, acho que foi por isso que, que Brasília me arrasou, porque eu gosto muito de vida agitada e de gente em volta, eu detesto solidão. Inclusive esses espetáculos assim de natureza repousante, contemplativo, isso não casa com a minha personalidade mas de jeito nenhum, entende, não sou disso. Mas o, o que é bonito é porque você vê com toda, com todo detalhe você vê o sol nascendo e o sol se pondo, entende? Com todo ... Porque não há anteparo nenhum, não há morro, então você vê ele nascendo assim aquele subindo com os raios, com a, com a ... É impressionante a, a, o nascimento (sup.)
D
 (sup.) E o colorido? (sup.)
L
 (sup.) E o colorido total em todos os nuances que você pode, possa imaginar, você vê lá refletido no lago, quem mora virado pro lago, vê aquele reflexo todo no lago, impressionante! É, é realmente um espetáculo bonito. É, é digno de ser visto o, a aurora e o, o crepus... a aurora e o crepúsculo lá em Brasília.
D
 E as outras cidades do Brasil que a senhora conhece?
L
 As outras cida... Manaus você quer em matéria de quê, de ... Bom, Manaus eu viajei no rio Amazonas, você quer coisa melhor do que isso? Viajei no rio Amazonas, é, é uma coisa assim fora do comum, você não vê o outro lado, a, a outra margem do rio, é um negócio que você sente assim, não sei, dá um negócio por dentro da gente ser brasileiro porque é, é, é um rio ... Quando eu estive no Japão e quando você anda, nos Estados Unidos mesmo eu fui à Disneylândia, quando você, quando eles mo... Eu sou muito brasileira, mas sou brasileira assim visceralmente, entende, eu sou fanática, eu chego ser chata, então não adianta me mostrar aí o estrangeiro: ai, que que coisa linda! Eu estou sempre comparando com alguma coisa que tem aqui que realmente aqui tem sempre melhor, não, não, não há, não há quem, quem me convença de que você vai a um país estrangeiro ver coisas diferentes, porque não vai. Você no máximo você vai a um país estrangeiro pra ver coisas que não foram exploradas, aí eu admito, mas coisa melhor você não encontra mesmo, você fica doida pra voltar, qualquer lugar que você vá você fica doida pra voltar. Então você chega assim no Japão, vamos ver ... Única coisa impressionante que eu vi no Japão foi um ma... um lago interior que é um negócio que não tem aqui, então realmente você sobe assim em espiral, você vai subindo, é uma montanha que lá em cima você vê pensa que não tem mais nada, você dá com um lago enorme, lá em cima da montanha. Realmente isso foi, porque aqui a gente não tem, né? Ah, vamos ver, eh, cachoeira não sei de quê! Ham, a gente compara com as daqui, com Sete Quedas, de repente filete dágua muito do, do pálido, quer dizer que, que o estrangeiro fica achando aquilo: que beleza! Acho que o brasileiro não tem motivo nenhum pra achar nada bonito em lugar nenhum que aqui a gente tem sempre melhor. E, e o Amazonas, se você chega no Amazonas você vê aquele la... aquela união das águas, né, o, a aproximação das águas do, do rio Negro com o rio Amazonas, que não, não se mistura, aquilo é impressionante, né? Você vê a faixa certinha, a água escura e a água clara, questão de densidade, deve ser, né, não se misturam mesmo, então você atravessa a faixa assim, é, é, é umas das coisas impressionantes (sup.)
D
 E assim a cidade (inint.) de Manaus, como é assim a cidade, o aspecto físico?
L
 Olha, o aspecto físico de Manaus, eh, era, era bem, era, era uma cidade bem acanhada, era, eu fui lá por duas, duas vezes. A primeira, não, meu marido foi antes, então disse que ainda estava pior, quer dizer, uns três meses depois eles asfaltaram tudo, então já quando eu fui deu um aspecto melhorzinho, mas o que desenvolve Manaus é a Zona Franca, a Zona Franca é Manaus inteira, a gente chama de Zona Franca não é dist... um peda... eu sempre pensei que Zona Franca fosse uma zona em que se vendia sem imposto, não é não, a Zona Franca é o comércio de Manaus, então é aquilo que desenvolve, mas é um comércio tipo rua da Alfândega, entende? Então, eh, Manaus está toda voltada pra aquele desenvolvimento, aquele comércio é que, é que, é que sustenta a vida de Manaus. É uma cidade, é comum e de ladeira, cidade tipo assim colonial, não é ti... não é tipo uma cidade moderna, não se tem aquela sensação de cidade moderna que se tem em Brasília não. É uma cidade acanhada.
D
 Por que a senhora fala em sensação de cidade moderna, o que que (sup./inint.)
L
 (sup.) Ah (inint.) de cidade ... Cidade moderna você encontra assim (inint.) ó, Brasília você parece, quer ver: você sai daqui passa em Ouro Preto, né, como nós fizemos da última vez, passamos em Ouro Preto, depois você chega a Brasília você parece que mudou de século totalmente, né, porque em Ouro Preto você pensa que Tiradentes vai sair de uma igreja daquela a qualquer momento, que você pensa que você parece que entrou nas páginas dum livro, já em Brasília eu acho um filme de ficção, eu acho realmente, eu acho o brasileiro, qualquer pessoa brasileira ou não, devi... deve conhecer Brasília porque é, é uma concepção totalmente à frente do que se tem até agora, tanto que se falar de Brasília sem, sem a pessoa ter ido ela não tem idéia do que seja Brasília. Realmente a, o tipo de construção, aquela praça dos Três Poderes é um negócio diferente, completamente diferente do tradicional. Então eu acho uma concepção extremamente moderna, então o Rio e São Paulo estão no meio, né? Porque há coisas intercaladas. Você vé construções coloniais, você vê mais ou menos, nem muito pra lá nem muito pra cá, e vê mais moderno. Brasília não, é toda ... Você já foi a Brasília? É toda, toda, então não tem aquilo que comparar, é toda, totalmente moderna e ultramoderna, é isso que eu falo que é concepção. Agora, Manaus, Manaus é uma cidade, uma cidade o quê? Olha, Manaus, Goiás, Goiás ainda é um pouquinho mais, mais moderna, Manaus não, Manaus é aproveitada, seria esses prédios relativamente baixos, entende, os prédios, os prédios ...
D
 E, e, por exemplo, no aspecto de Manaus teria tido influência a topografia do local?
L
 Bom, eu acho que em Manaus teria influência é o isolamento, né, deve ter havido há muito, muito tempo, né, difícil de comunicação, eu acho que isso fizeram com que eles, eles se resolveram com, com, com eles próprios, né? (sup.)
D
 (sup.) Como, como ... Onde que a cidade se localiza, podia descrever assim como é que a senhora chegou lá?
L
 Eu fui de avião.
D
 De avião, pois é, que impressão que a senhora teve quando chegou na cidade (sup.)
L
 (sup.) É um aeroporto, um aeroporto bem (sup.)
D
 (sup.) A localização da cidade? Porque não é como Brasília, né? A senhora falou que, eh, aquele aberto e tal (sup.)
L
 (sup.) Não, pois é, você che... Manaus o aeroporto, já pelo aeroporto você já tem aquela, aquela impressão de que é uma cidadezinha, que já vai encontrar uma cidadezinha, não é um cidade assim bem desenvolvida, depois as ruas, são os hotéis baixos, as casas baixas, você vai praquelas mas umas são ruas estreitas, entende, você tem aquela impressão daquela cidade, você já sabe ser uma cidade (sup.)
D
 Mas, eh, sobre isso, a minha pergunta é se isso a senhora acha que é em conseqüência do local, do terreno em si (sup.)
L
 (sup.) Não, não acho que seja conseqüência do local, eu acho que é conseqüência do isolamento, então a, a civilização custou mais a chegar, eu acho que seja característica de lo... de local com, mais difícil de chegar a civilização, entende? Então antes da Transamazônica essa coisa toda, Manaus estava ali, só tem comunicação por avião, né, então as coisas chegam muito, muito, é muito mais difícil de chegarem as, as, material, informação, era muito mais difícil até bem pouco tempo. Agora você sente que essas cidades todas que, eh, pecavam por esse problema, que tinham esse problema pra se desenvolver, já tomaram outro rumo, né? É o caso do Amapá, quer dizer, já tomaram outro rumo, porque (sup.)
D
 (sup.) Mas aqui no Rio, por exemplo, em relação a São Paulo quando a gente compara a gente sente que o Rio se constrói como cidade em função do local, do terreno, da topografia e que, e que São Paulo tem outro tipo de, de constituição porque (sup.)
L
 (sup.) É reto (sup.)
D
 (sup.) Pega exatamente o aspecto mais plano.
L
 Mas o, o, lá em Manaus não, né, lá em Manaus não é, não é problema disso não, Manaus eu acho isolamento mesmo, é por isso, a civilização cus... está, está custando, entende? Porque tem a Amazônia, né, que não era fácil antigamente, agora, quer dizer, eles estão, eles estão ali espremidos, isolados ali da, eu acho isso, mais isso, não é por causa da topografia não, ali dá bastante, tem, tem local, não ...
D
 E aqui?
L
 Aqui como?
D
 Aqui no Rio?
L
 Por quê? Você acha o quê, que não, não, porque não (sup./inint.)
D
 (sup.) Pelo aspecto topográfico.
L
 Não, eu acho que o, eu acho que o Rio está se desen... está se desenvolvendo. Agora, ele estava um pouco esquecido zona rural, né, ele agora está mais se alargando pra zona rural, quer dizer, estava muito conden... ele, ele se concentrava em duas classes, a classe abastada, bem, bem abastada se concentrava em zona sul, então aquela zona sul, zona sul, então você vê que, eh, que todos os, os grandes empreendimentos se concentravam em zona sul. Agora nós estamos mais, a classe média está mais, vamos dizer, mais trabalhada, então a classe média já está tomando uma posição diferente, então já se fala, eh, eh, vamos construir um, é, é o caso, comprei um apartamento de quatro quartos na Tijuca que era um negócio que era, custava demais, quer dizer, eles chegaram à conclusão de que pode-se morar bem e ser, era, era ... Esse papo de zona sul era sintoma de subdesenvolvimento, né? Agora nós estamos bem mais desenvolvidos, então conscientizados de que se pode morar bem num lugar sem ser o pseudogrã-fino, pseudo... né, porque as pessoas achavam principalmente quem, você veio do norte? Você vê que era ... Meu marido também é. Falar em qualquer pessoa de outro estado morar bem no Rio tinha que ser em Copacabana. Até bem pouco tempo era, era a meta, tinha que ser em Copacabana, porque senão podiam, quando escrevesse pra lá podiam pensar que estava morando mal. Se você dissesse assim, eu moro na Tijuca, escrevia pra lá: ah, a gente não sabe, né? Porque só se ouvia falar em Copacabana. Agora o Rio mudou, a pessoa já tomou, o Brasil todo já tomou uma outra consciência, né, então você pode ... Em função disso você vê que nós estamos construindo agora bem em vários locais, quer dizer, eu acho que isso, eu acho que não seja em função de, por causa de topografia não (sup.)
D
 (inint./sup.) seu marido é do norte?
L
 É baiano.
D
 Não é carioca não?
L
 Não.
D
 Então vamos continuar. Não, porque aqui está carioca, tem que retificar.
L
 Não, é baiano. Até eu falei. Uma, uma me perguntou por que que... não tem outras pessoas? Eu falei assim: meu marido também tem nível universitário. Mas, eh, aí uma me falou pelo telefone: mas tem que ser carioca.
D
 É, é isso mesmo. Depois a gente resolve (inint.) no Rio.
L
 O que mais?
D
 Sim, mas eu acho que eu insistiria, nessa idéia. Por exemplo, a zona sul fica aque... aquela tripa, né? Então é, é muito caracterizado.
L
 Em orla marítima, né?
D
 Em orla marítima e, e, e barrada do outro lado pelo aspecto assim de, de montanha, né?
L
 Barrada do outro lado como, que você fala? Por exemplo, eh, no alto da ...
D
 Por exemplo, Copacabana é uma tripa de seis quilômetros com, por um quilômetro, eu acho, né? Quer dizer, mar de um lado e do outro lado a montanha.
L
 Mas, mas por isso que ali se desenvolveu, você acha que ali, por isso é que ali se desenvolveu mais, ficou mais desenvolvida a ...
D
 Se formou o aspecto da cidade assim. É.
L
 Mas, mas você vê que depois de Copacabana não era explorado e agora está sendo, né?
D
 Hum, hum.
L
 Já estão tomando mais consciência de que existe ou... existem outros lugares dentro do Rio que se possa morar e que se possa morar muito melhor até. Bom, isso também, eh, varia em função direta também de chegar, eh, o aspecto de, de urbanização também nesses lugares, né, porque a Barra, por exemplo, não era um local, era um local abandonado. Agora que está sendo tratado, então as pessoas vão chegando nos lugares que estão sendo tratados, ninguém vai procurar desbravar sertão. Jacarepaguá, por exemplo, quando eu, quando eu morava perto ali do largo do Campinho, ali era, até ali ainda ia, mas depois não ia mais, agora já mudou totalmente o aspecto, essa Grajaú-Jacarepaguá já levou, leva ônibus até lá, quer dizer, as pessoas aí vão se acomodando melhor, né? Agora não, agora não se sabe se, se o tratamento chegou porque as pessoas foram primeiro ou se as pessoas foram porque o tratamento chegou, né? Aí tem um binômio difícil de se resolver.
D
 Agora, a senhora morou quanto tempo em Jacarepaguá?
L
 É desde que nasci até desde que casei, dezenove anos.
D
 Eh, muito mais assim o aspecto rural nessa época do que atualmente, né? (sup.)
L
 (sup.) Do que agora, do que o quê?
D
 Do que atualmente?
L
 Ah, sim! Já mu... já mudou bastante. Apesar de que conserva aquelas características, né, você sente que...
D
 Quais eram assim essas, essas atividades rurais, o que é que a senhora lembra (sup./inint.)
L
 (sup.) Não, eu não, a mim, aonde eu morei é perto, muito perto de Cascadura, perto do largo do Campinho, então não era ... Agora eu trabalhei numa escola, assim que eu me formei no Normal, eu trabalhei numa escola que era quarenta minutos de ônibus da minha casa dentro de Piabas, perto do Recreio dos Bandeirantes. Então aí que era interessante. Olha, vários casos interessantes eu tenho. As crianças, na época que eu trabalhei, em cinqüenta e cinco, as crianças não tinham sapato pra ir à escola, não, aliás não iam calçadas pra escola, então eu comecei a investigar por que é que eles não iam, era o fato de ter de subir morro e descer morro que não, calçado não, não prendia, né? O máximo que eles podiam calçar era tamanco, porque era subir morro e descer morro, tinha de ser, era o único que prendia porque o sapato escorregava. Então eles não po... A escola funcionava só no primeiro turno porque depois baixava um mosquito às quatro horas que não havia jeito. Piabas, isso Piabas perto do Recreio dos Bandeirante. Eu já passei por lá há pouco tempo e está totalmente modificado. As crianças não conheciam sinal de trânsito, não conheciam, chegava um jornal de vez em quando, não, uma vez eu trouxe aqui pra ver a parada de sete de setembro foi um negócio assim, parecia assim uma, eles não conheciam sinal de trânsito. Vê que isola... vê que isolamento que eles estavam em Piabas.
D
 E as atividades assim das pessoas nessa área ainda parecia (sup.)
L
 (sup.) Aí, eles, eles, eh, eles se limitavam ao quê? Campo, né? Inclusive não sabiam nem aplicar porque eles cultivavam, vamos dizer, eh, tomate, eh, batata doce, etc. Bom, aí vendiam aquilo, botava na estrada naqueles pontos pra quem passasse pra vender, comiam carne-seca com farinha. Não havia jeito deles, deles, não sabiam nem utilizar o que era carne-seca. O tomate tinha que ser verde, o maduro vendia porque dava dor de barriga, cheio de crendices, aquelas coisas. Quando ia, quando ia vacina. Eu uma vez fui buscar um, subi quarenta minutos no morro pra procurar um aluno que era o meu melhor aluno mas que os, o pai tinha dado ordem de que quando fosse vacinação que ele saísse correndo porque virava monstro. Então fui procurar o garoto morando debaixo de umas bananeiras, dum negócio assim em cima de um morro, fiquei quarenta minutos subindo, quarenta descendo pra poder trazer ele pra escola porque quando vinha vacina era aquela tragédia. Os pais, as crianças tinham ordem dos pais de sumirem da escola porque virava monstro, porque matava, porque ... Você vê, você vê, isso tem o quê? Onze anos, né? Não, dezenove anos. Agora não, não acredito que agora esteja mais assim não, agora você já chega em, em Freguesia, né, pela Grajaú-Jacarepaguá já vê totalmente, totalmente diferente.
D
 A senhora acha que existe alguma influ^encia no fato de uma cidade estar à beira do mar ou estar, ou ser interior, leva as pessoas da cidade (sup.)
L
 (sup.) É porque, é porque a, a beira do mar já é, é histórico que o desenvolvimento sempre é ligado à, à beira de mar, então veja que as zonas mais adiantadas são sempre zonas, cidades situadas tem faixa de terra e a parte da, que tem faixa de mar e a parte de faixa de mar é justamente a zona mais, sempre a mais adiantada, é balneário, é ... Isso é histórico, né? Aqui, eh, eh, Copacabana, zona sul, é a face da zona sul, um dos sintomas da zona sul, já a cidade do interior (sup.)
D
 (sup.) E Salvador a senhora conhece (sup.)
L
 (sup.) Conheço. Acho, acho, achei com esse prefeito ou governador não sei, esse último, um desenvolvimento ... Pelo menos meu marido achou um desenvolvimento do tempo que ele conhecia assim de uns cinco anos uma modificação total, que fizeram a parte nova, né, de Salvador.
D
 Mas o que que é a grande diferença no desenvolvimento de Salvador atual (inint.)
L
 (sup.) Não sei, eu só fui uma vez. Eu ouço falar (sup.)
D
 (sup.) A Salvador antiga é toda situada onde? Na parte assim alta, né?
L
 É, é cidade alta, cidade baixa, né, a diferença entre cidade alta e cidade baixa. Ele fez a, ele conservou a parte, eu não, não sei se aquela par... aquela parte baixa era abandonada, eu não sei, eu não tenho, eu não posso fazer comparação porque eu nunca estive, eu estive agora, tem dois anos.
D
 Sei. E o que que a senhora notou assim de, a diferença (inint.)
L
 (sup.) É uma diferença tremenda, eh, eh, consevaram o patrimônio histórico, aquela parte do patrimônio histórico que é, é como, como, como Ouro Preto, né, aquelas características de Pelourinho, de cida... aquelas igrejas e tudo e fizeram uma parte nova que você tem impressão daqui do, daquela, do aterro do Flamengo. Assim um aspecto bem parecido que é a parte de baixo, que é cidade baixa, né? Não, é o contrário, né?
D
 Não, é, é exatamente no baixo (sup.)
L
 (sup.) É no baixo (sup.)
D
 (sup.) Pega exatamente aquela parte (sup./inint.)
L
 (sup.) É, é aquela parte que tinha sido do Mercado Modelo pra frente, não é isso (sup.)
D
 (sup./inint.) dos vales, dos vales, né? (sup.)
L
 É, é que parece muito a entrada do (sup./inint.)
D
 (sup.) Dos vales. Porque eles fizeram, eh, alguns lagos e (sup.)
L
 (sup.) É (sup.)
D
 (sup.) E esse aproveitamento que a gente nota assim no, no tipo de terreno aproveitado?
L
 Grama, o grama... aqueles gramados, o tipo do ... Não, ficou parecido com o Aterro, né, inclusive tem aqueles, aquelas passagens tipo viaduto, bem parecido com o Aterro, aquela parte. Fizeram rampas e, e gramaram, quer dizer, dá a impressão aquela imensidão assim de, de, de civilização, já a parte, a outra parte não, é acanhada, aqueles prediozinhos, as ruelas, né, aquelas ruas estreitas e de paralelepípedo, a conservação mesmo do patrimônio histórico. Quer dizer, é uma diferença tremenda, são duas, praticamente duas cidades, né? De aspecto são duas cidades diferentes, a, a Bahia antiga, a parte antiga da parte moderna, mas eu não, não conheci antes daquilo não. Porque, eh, essa parte moderna é um pouco nova, né?
D
 Hum, hum.
L
 Bem, há uns cinco anos não tinha não. Era, foi esse gov... o último governador, sei que deu assim um impulso grande ao desenvolvimento lá.
D
 Agora eu vou passar pra um outro assunto. Há dois dias atrás, anteontem, né, que dia que foi? Na terça-feira a gente teve assim um, de repente uma mudança assim de temperatura e de (sup./inint.)
L
 É, baixa. Eu, eu perguntei a um professor de geografia meu colega por que é que aquilo estava acontecendo, porque achei um negócio assim esquisito.
D
 E o que que foi? Descreve aquilo (sup.)
L
 (sup.) Bom, ele, o que ele me explicou, a massa fria superior que se desloca ou se deslocou de qualquer lugar e que pegou a massa que estava estável aqui e que chocou com a inferior, então houve a precipitação, mudança de tempo brusca é precipitação, foi isso que ele me explicou.
D
 A senhora estava aqui em casa, como é que foi? (sup.)
L
 (sup.) Eu estava dando aula (sup.)
D
 (sup.) Como é que foi? (sup.)
L
 (sup.) Eu estava dando aula. Aí, de repente dá a impressão assim de, de mudança de clima de verão, né? Do ve... daquelas tempestades de verão. Eh, as crianças começaram: ê, vai apagar a luz, ê! Aquela confusão toda e a gente tem que bancar o, que está normal, só olhando assim (sup.)
D
 (sup./inint.) mas por que que os alunos ficaram assim? (sup.)
L
 (sup.) Um negócio esquisito, (riso) esquisito mesmo, né, porque ficou um, um (sup.)
D
 (sup.) Ficou como? (sup.)
L
 (sup.) Um aspecto ... Nossa! Um aspecto assim de catástrofe, de ... Eu olhava assim ... Pela madrugada!
D
 Mas por quê? Descreve.
L
 (riso) Escuro, de repente escuro, aquela, aquele aspecto assim de, de, de alguma enchente, de alguma catástrofe, de alguma coisa que estava pra acontecer. Mas eu não tenho, eh, se, se, se está querendo puxar se eu tenho alguma, al... algum problema de, eh (sup.)
D
 (sup.) O aspecto assim de descrição da coisa que me interessa (sup.)
L
 (sup.) Algum problema assim de medo ou de entrar em pânico (sup.)
D
 (sup.) Descrever o fenômeno. Não, não é (sup.)
L
 (sup.) Não, eu sou muito calma dessas coisas e não sou ligada a (sup.)
D
 (sup.) Não, o que está me preocupando é saber assim como foi, é a descrição das coisas.
L
 Eh, de repente, um aspecto assim de, de catástrofe iminente, de alguma coisa assim, eh, diferente, né, que estava pra acontecer alguma coisa assim catastrófica, que a, que a escuridão dá sempre esse aspecto, né? E aí agüentando a aula: não, que nada! Mas (inint.) olha o olho! Pra ver o que que estava acontecendo (sup.)
D
 (sup.) E aí (sup./inint.)
L
 (sup.) Aí começou a cair granizo, caiu granizo, né?
D
 Caiu?
L
 Foi. E aqui também! (sup.)
D
 (sup.) Nessa área aqui também? (sup.)
L
 (sup.) Também. Lá caiu de, de ter que afastar as carteiras porque caía pelo basculante lá em cima. Caiu sim, mas depois passou rápido também, não foi, não deu, mas também eu estava dando aula, não deu assim pra entrar em pânico e pra observar muito porque eu tinha que controlar o ambiente porque fica logo aquele, aquela confusão, né, e ao mesmo tempo com o olho assim e tal, mas deu pra ver que mudou a escuridão, de repente ficou escuro e ventava, mas não deu pra observar muito porque não estava nem em área aberta, nem com tempo pra isso e nem oportunidade, porque senão ia entrar em caos era todo mundo, né?
D
 E em épocas assim aqui no Rio, de, quando há essas chuvas de verão que dá uma série de problemas pra cidade, a senhora já teve oportunidade assim (sup.)
L
 (sup.) Se já peguei? (sup.)
D
 (sup.) De pegar? (sup.)
L
 (sup.) Eh, logo a primeira, em sessenta e seis quando eu vol... quando eu, assim que eu vim de Brasília.
D
 Hum, hum.
L
 Peguei com dias aqui.
D
 Eu queria uma descrição. São os fatos que estão me interessando, o nome das coisas, então (sorriso) é por isso que estou insistindo um pouco. Como é que foi isso?
L
 Bom, foi a noi... eh, foi à noite que eu comecei a observar, foi, foi à noite sim. As luzes apagam e as, eh, entra em pânico. Bom, eu acho o, o, o principal aspecto de, de qualquer, eh, coisa assim fora do normal é, é como a pessoa está vivendo o momento, né? Se a pessoa se sente, ela própria entra em pânico junto, então ela já acha, já, já descreve em, em sentido assim de: foi uma coisa horrível! Houve ... Mas eu, eu não, como eu não entro em pânico junto, entende, eu sou muito controlada nis... e, e tive uma educação assim de, de: isso não é nada, isso passa! Isso é ... Nunca ninguém, eh, fez confusão por pouca coisa, então eu também: ah, está chovendo! É. Ih, mas como vai chover! Quer dizer que eu fico nessa, não, não crio aquele clima assim de, de catástrofe não. Eu não, não me identifico muito com essas (sup.)
D
 (sup.) Em termos assim da cidade, de outras pessoas que moram na cidade, isso costuma criar uma série de problemas, né? Que problemas?
L
 Bom, foi carro estacionado, nós viemos, por exemplo, no dia da, lá de Marapendi, lá da Barra e ali por Botafogo na, no Aterro, naquela, naquelas, naquelas rampas do Aterro, via Kombis e Galaxys uns por cima dos outros, quer dizer, a fo... a chuva chegou a levar, colocar Galaxy em cima de Kombi, a, a, a força da água, né, que colocou. Aqui o Maracanã encheu, a água veio até o primeiro andar do edifício e o carro, meu carro, por exemplo, que estava estacionado, que era aqueles Buicks antigos, encheu dágua até o teto, foi preciso (inint.) quer dizer, quase que fazer outro, que conseguiu, conseguiu, aqui, aqui enche tudo. Então encheu até o teto mesmo, só ficou o tetinho aparecendo, cobriu tudo (sup.)
D
 (sup.) E essas enchentes eles explicam, né, há sempre umas explicações pra esse tipo de (sup./inint.)
L
 (sup.) De problema de escoamento de água da cidade. Bom, a gente fica sem ... Eu acho que de vez em quando além das forças, eh, vamos dizer assim, das forças técnicas, das for... existe certas, acontece certos fatos que vão, ficam sem explicação e vão ficar sem explicação e eu acho que, como eu não tenho religião nenhuma, então eu acho que ne... eh, diante dessas coisas é que, é que as religiões crescem, que as religiões se, se, se apegam e, e, e por cau... e em função delas é que elas se desenvolvem e sobrevivem. Porque a pessoa não encontra explicação, eh, por que boeiro entupido ... Acontecem coisas e vão acontecer periodicamente assim tipo catástrofes. Então uma vez eu escutei um padre dizendo que, que nessa, nessa época da, da enchente, dessa enchente mesmo, sessenta e seis, dizendo que não ficasse, que o povo não ficasse, não ficasse sem fé, porque também o formigueiro, achei uma comparação muito feliz mas que não me convenceu, também o formigueiro quando uma pessoa pisa as formigas também não entende por que foram pisadas, então nós éramos como uma espécie de formiga, né, na época e não se entendia por que que aconteceu aquilo tudo e crianças sem, sem, sem lares, sem comida, era um problema tremendo de energia e sem energia e tal, eh, então eu acho que essas coisas, eh, advêm de, independente de, de recursos, entende, elas têm que acontecer, de vez em quando acontece, ninguém controla, ninguém sabe por quê e no fim, por mais que, que encontre justificativa não acha e eu não sei também, eu também não sei por que que elas acontecem e devem acontecer. Uma coisa que eu acho interessantíssima, agora mudando um pouco só de assunto, dentro desse, mas um aspecto diferente, eu acho interessantíssima de, dessas horas são as pessoas darem, as pessoas bem sucedidas darem graças a Deus por não ter acontecido nada com elas. Eu acho isso o, o símbolo ou a, a confirmação do egoísmo humano. Porque eu jamais daria, eu, eh, olha, aqui nós vendo, vendo televisão, as reportagens em rádio, na e a enchente na maior, no maior auge da enchente e confusão e, eh, eh, o 'speaker' lá, o condutor lá do programa mandando que as pessoas rezassem, dando graças a Deus: as pessoas tem seus lares que não foram atin... atingidos, que dêem graças a Deus por não ter acontecido nada! Bom, eu então vou dar graças a Deus por uma coisa que não aconteceu comigo. E as outras que estão acontecendo, eh, as desgraças com todo mundo, por que que Deus foi achar logo que eu não merecia aquilo e os outros, por que que os outros merecem? Não entendo. Então uma das coisas que eu observo nessas horas é que eu acho que as pessoas nessas horas, eh, com (pigarro) eh, pensando que estão ajudando os outros, eh, acho que elas se enganam ajudando aos outros: socorre fulano! Dá uma esmola! Manda, manda donativo pra não sei o quê, pra enchente! Mas elas no fundo, no fundo elas se individualizam demais porque todo mundo dá graças a Deus de não ter acontecido nada com, com os seus, consigo e com os seus, repara só, esse é um aspecto que eu acho interessantíssimo nessas horas ou hora de qualquer problema de, qualquer catástrofe assim que envolve maior grupo (sup.)
D
 (sup.) A senhora, a senhora esteve no Japão, nos Estados Unidos, não, não (inint.) não aconteceu na... nada assim de extraordinário não, né (inint.) nessas ocasiões em que a senhora esteve nesses países?
L
 Não, só eu tive uma intoxicação (sup.)
D
 (sup.) Porque são países muito atingidos por esses fenômenos naturais, né? (sup.)
L
 (sup.) É, não, nada, nada. Ah, tive um terremoto mas muito ... Eu disse assim, estava num hotel do Japão aí eu disse assim: ih, acho que estou com o fígado meio atrapalhado que eu estou vendo as coisas rodarem. (riso) Aí era, no dia seguinte eles disseram: não, houve um terremoto de grau não sei o quê. Tem vários graus lá e foi bem fraco. A gente sente sim, já deu, deu pra sentir, quem não está acostumado dá pra sentir.
D
 Qual foi a sensação além das coisas rodarem? (sup.)
L
 (sup.) E eles já ... Não, só senti assim tremer, eh, treme, a gente tem a impressão de que está, está dando tonteira mas na verdade foi, tremeu mesmo. Agora eles fazem, a reação lá é assim: toda vez que há terremoto o, o oriental, eh, ele é muito ligado à casa, casa, a, a domicílio, casa, então eles fazem o seguinte, eles apanham todos os familiares e correm pras casas. Cada um na sua casa se segura, se amarra, assim, entende? A reação do Japão é essa, se hou... se houver alguma catástrofe eles correm ime... não encontra japonês em lugar nenhum, eles já pegam a família e se reúnem todos acho que pra rezar, não sei, mas se reúnem, primeira idéia deles é se reunir cada um nas suas casas.
D
 Mas essa área também é uma área que (sup.)
L
 (sup.) É, eles, quer ver uma coisa, um tro... uma coisa interessante no Japão? Os, por causa da, bom, lá, eh, tem coisa à beça pra dizer, o, a área pequena, né, então, população grande com área pequena, então as casas são, elas não têm, são meia água, é tão interessante as ... Saindo do centro que é onde tem os edifícios, mas entrando logo no comércio saindo daquela avenida (inint.) que é a avenida principal uma espécie de avenida, vamos dizer, Rio Branco, eh, que tem assim edifícios, aliás, lá não pode ter edifícios altos por causa dos terremotos e eles fazem edifícios sobre sapatas porque quando balança, eh, o edifício desliza, entende, então não cai. É uma coisa interessante lá, por causa dos terremotos os edifícios são construídos com sapatas embaixo, eles deslizam (sup.)
D
 (sup.) As casas também? (sup.)
L
 (sup.) Não, só edifício, porque casa é baixo, edifício que tenha mais de não sei quantos andares eles fazem sapatas, eles deslizam assim, eles têm uma construção embaixo que eles têm, que eles, eles têm que deslizar, eles não podem ser fixos embaixo.
D
 Mas as casas não são construídas já visando a (sup.)
L
 (sup.) É, mas as casas são baixas, isso que eu quero dizer, são, em virtude do, de pouco espaço elas são meia-água, tudo grudadinho, então a gente tem impressão de a parte comercial é bem ruim, sabe, parecendo assim, não sei (inint.) é diferente daqui, a casinha é pequena e tudo juntinho, juntinho, juntinho, não tem escoamento, interessante! Um país adiantado e que não, ali você tem impressão que não tem assim de, de, de educação sanitária, a parte sanitária, entende? Que tem que ter uma distância, ventilação, você não encontra isso, elas são unidas, unidinhas, eles constroem o mais possível unidas, fica parecendo um aspecto ruim nessa parte da cidade aí, mais afastada (sup.)
D
 (sup.) A senhora está falando desses problemas que atingem o japonês e a reação dos japoneses, é uma área que tende a ter periodicamente (sup.)
L
 (sup.) Sempre, ah, sempre, né? (sup.)
D
 (sup.) Por quê? (sup.)
L
 (sup.) Eu acho que tem problemas, problemas, problemas por causa, eles estão sempre apavorados com terremoto, sempre e é um povo, bom, é um povo que re... recebeu a influência americana mas que não se libertou ainda da, da, da influência oriental. E a gente tem uma idéia, o brasileiro tem uma idéia de, de desenvolvimento dum americano e do Japão totalmente diferente da realidade, porque eles vivem, nós, latinos, não sei se os latinos, mas os, pelo menos os brasileiros descendentes, que são descendentes de latinos, a gente vive sempre em função mais do bem, bem próprio do que o bem comum. Esses países superdesenvolvidos, que é o Japão, Estados Unidos, eles, eles, eh, vamos dizer, comprimem o bem próprio em função do bem comum, entende? Então, a classe média do Japão e a classe média do, americana não é a classe média brasileira que a gente, a gente vê esposas que, eh, ninguém trabalha, porque o marido ganha relativamente bem, então ela vai ao cabeleireiro, ela tem empregada, praticamente vamos dizer que ela não faz nada, que uma mulher que, que vive em casa, tem empregada, babá, ela não faz nada, ela não tem profissão, não faz nada. Então, você não encontra isso, o americano, o japonês, de jeito nenhum. Eu vi no aeroporto do Japão, no aeroporto de Honolulu mulher de gari e aquilo é a classe média não é a classe miserável não. A classe média lá trabalha, vai, ela vai de manhã, eh, durante a noite você vê em Hollywood, na avenida Hollywood mesmo você vê a, a esposa, a, a dona de casa vendendo sanduíche em quiosque e o garoto vendendo jornal, o filho dela vendendo jornal do lado e é classe média aquilo, não quer dizer que seja, aqui isso, um negócio desse era uma catástrofe, né? Lá é a nossa classe média, então a classe média de lá não tem dinheiro pra ir a cabeleireiro não, elas fazem em casa, por isso que a americana é tremendamente mal cuidada, né, tremendamente mal cuidada porque eles não, não, o dinheiro não é assim uma coisa que a gente possa ficar em casa dormindo porque o marido ganha dinheiro, não se tem essa idéia não (sup./inint.)
D
 (sup.) Esse problema no Japão que a senhora sentiu, essa experiência do terremoto e tal, a senhora sentiu também nos Estados Unidos em relação ao povo (sup./inint.)
L
 (sup.) Não, em relação ao povo não, em relação ao povo dos Estados Unidos era em relação à guerra na época. Me deu uma tristeza, um aperto, a juventude, uma juventude desencontrada, sem norte, vi, vi LSD anunciado em farmácia em Hollywood, na avenida Hollywood, eu vi escrito, anunciado em farmácia, vi, eh, aqueles inferninhos, uma espécie de inferninhos daqui na, toda a avenida, a gente empurrava a porta assim, aquela luz rodando, aquela luz prateada, luz dourada, luz escura, sei lá que é que eles chamam, e meninas, mas não é, é menina de doze, treze, quatorze anos assim. Inferninho mesmo, tipo inferninho e depois saíam pedindo dinheiro, quer dizer, uma juventude ... E o meu marido conversou com dois rapazes vindos, que tinham vindo do Vietnã, mas completamente desen... Eu fui na rua dos 'hippies', é verdadeiro gado porque não é 'hippie' sem-vergonha brasileiro que, que o pai é industrial não sei aonde, ele resolveu ser 'hippie', botar florzinha na cabeça, quer dizer, eh, é um vagabundo enfeitado, mas não é não, o 'hippie' lá é um 'hippie' desgostoso da vida, espécie assim, se dissesse pra você, você vai morrer amanhã, então você vai fazer hoje tudo aquilo que te passar na cabeça, você está de mal com o mundo, eles são assim mesmo, é gado. Você passa assim com, no meio da, da avenida eles se afastam assim, mas, eh, animal, aquele cabelo enorme todo sujo e mau cheiro, animais mesmo, 'hippies' de dentro pra fora, não é 'hippie' enfeitado não. Eu passei na rua, dá um aspecto, eu acho isso influência de guerra (sup./inint.)
D
 (sup.) E essa idéia assim de, de voltar à natureza e, existe?
L
 Eu não, olha, eu não sei se essa volta à natureza deles é uma válvula de escape, porque lá, sabe que o país, nós vamos chegar a isso, infelizmente nós vamos chegar a isso, né, quando nós chegarmos a superdesenvolvido vai acontecer, eh, que sabe que vai criar um filho e quando ele chegar à idade adulta pode ser que haja uma guerra e ele vá, quer dizer, ele está sempre naquela de não saber se o filho vai continuar vivo ou se vai pruma guerra. Então, eu acho que o americano vive assim, a mãe que cria o filho e o, e o pai, eles estão sempre naquela expectativa de o filho quando chegar nos dezoitos anos ter que ir prum exército tal numa guerra tal porque o americano está nas guerras sempre. Então eles, eu acho isso, eles, eles querem, não seria uma, uma espécie de compensação, então fica essas correntes todas de, de coisas assim meio (inint.) meio fora da, da, da época, vem sempre de lá, né, eu acho isso uma espécie de compensação, não é nada em função de natureza, não é nada não. Isso é uma compensação que eles acham de, de, ou, ou esquecer essa, essa idéia ou, eu não sei, eu, eu considero isso válvula de escape. Eu acho que uma pessoa uma vida normal, eh, na... naturalmente você gosta de ser civilizado, você gosta de viver numa cidade, você gosta das coisas modernas, ninguém vai pro campo, eh, eh, pegar na enxada e do jeito que eles vão, fazer, fazer, fazer reuniões completamente primitivas em matéria de conforto por livre e espontânea vontade não, aquilo é uma válvula de escape, eu acho que seja, uma válvula de escape (sup./inint.)
D
 (sup./inint.) tem idéia assim de como é que são essas reuniões e que que é esse primitivismo no campo?
L
 O quê?
D
 O que, o que que seria esse, eh, uma vida no campo (sup./inint.)
L
 (sup.) Eu acho uma fuga, eu acho que seja uma fuga deles (sup.)
D
 (sup.) Sim, é uma fuga, mas como é que eles fazem (inint./sup.)
L
 (sup.) Ah, eu não sei (sup.)
D
 (sup.) Não sabe.
L
 Não tive, não tive (sup.)
D
 (sup.) O tipo de vida que eles teriam (sup.)
L
 (sup./inint.) não tive, não tive, eu estive lá quinze dias, não tive, não ... Bem que eu andei conversando e tal, mas isso não, não cheguei a isso não. Eu achei que a juventude deve estar inventando coisas, entende, dando de fazer coisas completamente diferentes pra, uma espécie assim de fuga, de esquecer que é civilizado. Eu tenho a impressão, eu acho que isso tudo em função deles estarem numa imimente guerra e, e aliás, eles estão em guerra fria sempre, né? Você vai ver que nós vamos chegar a isso, nessa, sabe lá o que é criar um filho e estar sempre naquela expectativa de, de ter que ir prum exército aí, um exército lá, quer dizer, você no fim fica assim meio, meio confuso. Eu acho que lá seja isso, uma válvula de escape.
D
 Sim, mas a válvula, a natureza como válvula de escape também funciona pra nós e há muito tempo já, não é?
L
 É, funciona, mas não com, com a, assim como substituição, né, funciona como, eh, você vai passar um fim de semana, quer dizer, você vai se completar, você vai fazer um 'relax', quer dizer, é uma complementação, mas essa troca, essa troca, quer dizer, volta a, às raízes, vamos dizer assim, volta ao primitivismo, essa troca, eu considero que seja uma fuga da civilização, medo, medo de enfrentar a civilização. Inclusive tinha uma moça lá na, no, na, na embaixada brasileira pedindo pelo amor de Deus que nós trouxéssemos, arranjasse uma transferência pra ela pra aqui porque, eh, na lista de, eles estavam tão, não sei se materializados, não sei, na lista da filha dela do colégio de freiras, e na lista de material que ela tinha que levar, de objetos que ela tinha que levar pruma es... prum acampamento de sábado e domingo entrava as pílulas anticoncepcionais, então as... a menina de treze anos, ela estava num caos total pedindo pelo amor de Deus, porque ela disse que era comum ... Porque é assim você vê na rua, você tranqüilo passeando, você vê uma pessoa de chapelão dourado, com passarinho pendurado, com sapato dourado, aí você vê do lado a filha de sutiã com uma, com um shortezinho, sutiã mesmo, se cismar de sair de calça, sai mesmo, entende? Eles, eles não, eles têm (sup.)
D
 (sup./inint.) a senhora foi, foi verão?
L
 Fui época de verão, foi julho, lá é verão.
D
 Nunca teve uma experiência assim de ir pra nenhum desses países numa época de inverno (sup./inint.)
L
 Não, inverno, não. Inverno, não, no Japão também a estação era mais pra quente do que pra fria, não, no inverno não.
D

  Está bom, né?