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PROJETO NURC-RJ

Tema: "Família"

Inquérito 0212

Locutor 248
Sexo feminino, 37 anos de idade, pais cariocas
Profissão: nutricionista
Zona residencial: Sul e Suburbana

Data do registro: 03 de maio de 1974

Duração: 45 minutos

Som Clique aqui e ouça a narração do texto


L
 Bom, vocês querem que eu fale sobre a família?
D
 (inint.) família, ciclo da vida, então, assim desde constituição da família e desenvolvimento, etc.
L
 Bom, a minha família é uma família muito pequena. Então eram três pessoas: pai, mãe e eu. E meu pai morreu eu tinha seis anos. Daí a minha mãe casou-se.
D
 Tinha filhos?
L
 A minha mãe casou-se a segunda vez quando eu tinha sete, quando eu tinha seis pra sete anos meu pai morreu, quando eu já estava com treze pra quatorze minha mãe casou-se a segunda vez e daí eu tenho um irmão. Então ficamos quatro na família durante algum tempo, até que eu me casei. Me casei com vinte e dois anos e tenho dois filhos agora, dois meninos, estão atualmente com doze e quatorze anos. Então (inint.)
D
 E os outros elementos da família, além de seu pai e sua mãe, seu irmão?
L
 Bom (sup.)
D
 (sup.) Os, os outros elementos também de uma família, no sentido mais amplo?
L
 Tias, avós? Bem, mi... com a minha avó, eu ainda morei muito tempo depois que meu pai morreu. Minha mãe ficou com minha avó, mãe dela e nós moramos ainda algum tempo. Na mesma casa moravam alguns meninos, primos meus, filhos de minha tia, morávamos todos numa, numa casa só, uma casa grande. E então a única menina era eu e eu no, naquele bando de meninos, a gente sempre pega um pouco do jeito deles, né? Aprende a soltar pipa, jogar bola de gude, subir em árvore, ah, todas aquelas brincadeiras de menino, assim as brincadeiras mais violentas. Depois então é que já maiorzinha eu fui do colégio interno e no colégio interno, de freiras, só de meninas eu fiquei três anos. Saí de lá já no curso de admissão e fiz o ginágio em Campo Grande. Agora vale dizer que saí do colégio interno e quem fez a matrícula no curso de admissão fui eu, sem participação da minha mãe a não ser com a, o dinheiro pra pagar a escola. Ela só foi conhecer a escola quando eu terminei o curso científico, então, ela sabia que a escola era em Campo Grande mas não conhecia a escola, não, nunca tinha ido à escola. Ela foi no dia da formatura, foi me dar um abraço. A missa de formatura que era em fren... era, a, a, a igreja era em frente à escola, né? Mas sozinha. Daí então eu fiz vestibular. Na ocasião eu pretendia fazer o curso para professora de matemática, física e matemática mas eu fiquei em francês e fiz nutrição na mesma época. Eh, tinha só uma queda pra nutrição mas não achava que seria o meu forte não mas depois comecei, aí currículo me agradou e eu nunca mais pensei em outra coisa.
D
 Como era o relacionamento entre a senhora e seus pais?
L
 Bom, eu (sup.)
D
 (sup./inint.)
L
 Ah, sim, é porque como era a minha mãe e eu, depois da morte de meu pai, nós tínhamos um, uma confiança muito grande uma na outra e com isso, como ela trabalhava, não tinha muito tempo pra es... pra perder com escola, com, com coisas muito pequenas, quem tratava de tudo era eu. E então eu fiz a matrícula, sabia qual era a escola, sabia quanto tinha que pagar porque eu dizia, também não alterava nada, dizia o certo mesmo, ela confiava, achava que estava dentro do normal e foi assim até o curso científico. Mas não por relaxamento dela, não era bem isso, era mais por confiança que ela tinha e deixava que eu tomasse a iniciativa e providenciasse as coisas que eu tinha necessidade.
D
 E na parte assim de, eh, divertimento seu, como é que ... Se ela interferia ou não?
L
 Bom, interferia porque eu fui criada à moda antiga. Namorado não podia dar a mão (riso) eh, cinema, só com ela e baile era com, com uma tia mais velha ou então ... Ela mesma nunca foi comigo. Mas muito pouco, saía muito pouco. Eu consegui conhecer as coisas depois de crescida já. Tanto que zona sul fui conhecer, eu já era moça e praticamente não conhecia a zona sul. Eu tinha, eh, uma visão assim muito limitada de cidade porque eu chegava até o centro da cidade mesmo, aquele lugarzinho onde a gente faz compras, a rua do Ouvidor, avenida Rio Branco, só até ali.
D
 E a senhora nota, assim, uma diferença muito grande, por exemplo, pro seus filhos que são adolescentes hoje e (sup.)
L
 Em parte, em parte porque eu, eu achava que como eu tinha liberdade, eles devem ter liberdade também. Naquela ocasião eu talvez não conhecesse essa parte de, eh, esse outro lado talvez até que é a zona sul, por falta de oportunidade, que eu não tinha o que fazer do lado de cá. Praia eu tinha lá, cinema eu tinha lá também, então eu não sentia necessidade de vir aqui, a não ser pra conhecer e pra ficar com cultura geral porque eu não tinha necessidade, não sentia necessidade. Agora, com meus filhos, eles têm também essa mesma liberdade, só que a coisa agora está um pouco mais ampla e eles com os trabalhos da escola, por exemplo, eles se viram sozinhos no sentido de colher material pra, pra trabalhos quando eles ... Agora, há pouco tempo fizeram um trabalho sobre o Japão. Eles foram à embaixada japonesa, foram, saíram por aí a catar material, conseguiram filmes. Fizeram também um outro trabalho sobre o Brasil. Eles estiveram conversando com alguns, esses, esse pessoal que trata mesmo de filme de propaganda de Brasil, por aí.
D
 Uma coisa eu queria saber: depois a sua mãe casou de novo, a senhora morava com ela?
L
 Morava com ela.
D
 E, eh, a senhora sentiu muita diferença? Como é que foi?
L
 Bom, é diferente você morar numa casa grande, com uma porção de gente. Embora sejam primos, tios e tudo, o que é da gente é um pedacinho muito pequeno e quando a gente casa ou a mãe, no caso a minha mãe casou e eu fui pra minha casa, então eu me sentia parte dona da casa com ela também, né? Aí o terri... meu território era muito maior, era um quarto só pra mim (riso) pra estudar eu podia estudar na sala, então eu não tinha aquele limite que eu tinha quando morava em casa da minha avó porque meu mesmo tal... acho que nem a cama era minha, que eu tinha que dividir com ela, com a minha mãe, porque um quarto pra quatro pessoas, cabiam três camas, eu tinha que ficar com a minha mãe de qualquer maneira, não tinha condição e nós não podíamos morar sozinhas, o que ela ganhava não era suficiente, né? E aí na casa dela mesmo, depois dela casada, a coisa ficou bem diferente. Era uma casa pra nós duas praticamente. Meu padrasto saindo pra trabalhar, o território era nosso.
D
 E o se... seu marido como foi que você conheceu?
L
 Bom, meu marido era (sup./inint.) hum, ah, nós, nós come... nós começamos, nós nos conhecemos muito cedo porque meu marido ele chega a ser primo assim em segundo grau, um pouco longe, de meu padrasto. Nós nos conhecemos eu acho que eu tinha doze anos e aconteceu uma coisa muito interessante. A primeira vez que eu o vi, eu devia ter doze pra treze anos e ele cinco anos mais velho que eu, eu olhei e disse: eu vou namorar esse cara. Não sei como não, mas eu vou namorar esse cara. Aí alguns, alguns anos depois, acho que uns dois anos depois, ele mudou-se pra perto da minha casa. Na, na ocasião em que nós nos conhecemos, ele morava no Méier e eu morava em Realengo mas quando ele mudou-se pra lá, ficamos assim como amigos. Primeiro porque che... éramos meio parentes, né, e depois porque essa, ah, a diferença de idade não era muito grande e eu precisava de alguém mais ou menos da minha idade com quem eu pudesse conversar, com quem eu pudesse dividir os meus problemas, as minhas preocupações, então, como ele morava ali perto, estava freqüentemente na minha casa, era com quem eu conversava, com quem eu trocava idéias de escola, de trabalho de escola e as coisas que vin... vinham aparecendo naquela ocasião, né? E pra namoro, não demorou muito e pra casar um pouco também. (interrupção) O namoro foi aparecen... foi aparecendo com o tempo, né, porque a gente começa a conversar, depois começa a sentir falta de outra pessoa. Mas (inint.) começa a achar que tem outras coisas que se devia falar, então vai falando, vai aproximando, vai aproximando, quando a gente pensa já está namorando, já está conversando outros assuntos que não aqueles da escola e acaba que vira namorado mesmo, né? Quando o, com, com o tempo passando nós achamos que nós já estávamos já começando a ficar noivos. Não teve noivado, não teve nada disso. Mas aí, quando, quando os meus parentes falavam comigo já perguntavam por ele, ou quando eles falavam com ele ou alguém da família dele falava com ele já perguntava por mim.
D
 Não houve assim um momento em que se oficializasse o noivado?
L
 Não, não houve, não houve um, um momento. Momento, se houve, se é que, que a gente pode chamar de oficializar o noivado, foi na véspera do casamento.
D
 Hum, hum. Como é que foi?
L
 Bom, eh, nós começamos a conversar no portão (sup.)
D
 (sup./inint.)
L
 Não, já nós ... No início da conversa era no portão, ficar em pé no portão conversando, ficava enjoado, né? Às vezes os assuntos eram muito compridos e conversa só no portão não dava. E a mãe da gente começa: olha esse negócio no portão, olha esse negócio no portão. Então, sentamos na varanda. Senta na varanda e ela diz assim: até dez horas, até dez horas, olha a hora! E daí ela já, já ... Essas, essas conversas, eh, freqüentes já dá aquela idéia de namoro e era, né, realmente era. Bom, como foi passando o tempo, eu disse: bom, vou fazer o enxoval porque de uma hora pra outra a gente precisa casar, vou juntando as coisas de melhor que eu tenho. Então, já disse, nessa conversa já tinha levado uns seis pra sete anos, talvez até oito, não sei, nunca faço a conta. Eh, eu já tinha roupa pra mim, alguma coisa, um pouco, pouca coisa, não muita, mas que desse pra levar como enxoval e, e então já começamos a pensar em casamento. Pensar em casamento implicaria na, na situação econômica do casal. Eu j'a trabalhava em nutrição e ele, na ocasião, fazia engenharia, então trabalhava e estudava engenharia na PUC. Daí, eh, apareceu uma oportunidade com a mãe dele que mudou-se pra Botafogo. A casa era muito grande, esse casarão tinha cinco quartos, duas salas, copa, cozinha, três banheiros e ainda um barracão nos fundos que servia (inint.) de material de limpeza, enceradeira, que naquela época não tinha sinteco, então enceradeira, aspirador de pó, essas coisas todas que a gente sempre tem que ter um lugarzinho pra guardar. A casa era muito grande. Ah, pra pagar a casa a mãe dele achava um pouco pesado também pra ela e isso talvez tenha, eh, eh, como é, acelerado um pouquinho mais essa situação, né, de casamento. Então nós resolvemos casar e trabalhar pra ajudar a sogra. Aí eu disse: olha, a gente tem que casar, mas não vai ficar feio casar sem ficar noivo. Então resolvemos ficar noivos na véspera do casamento. Esse, esse noivado, um noivado assim, muito ... Se é que a gente pode chamar de noivado, né? Só pró forma, só pra usar a aliança na mão de lá (ruído de telefone). Você quer ir atender ?
D
 (inint.)
L
 E depois passar, no dia seguinte passar a aliança pro outro lado porque (sup.)
D
 (inint./sup.) andar, primeiro andar (sup.)
L
 (sup.) pouco tempo mesmo.
D
 Mas o casamento mesmo, a cerimônia como é que ...
L
 A cerimônia do casamento? Bom, na época, eh, causou espécie em muita gente, porque naquela ocasião todo mundo casava de véu, de grinalda, tudo arrastando, igreja, etc. e tal. Pra começar nós achávamos que tudo isso era uma besteira, então nós casamos no civil apenas e festa de casamento não houve. Nós não fizemos convite de casamento, apenas os padrinhos e os pais ou, e as pessoas que se consideravam nossas amigas e que compareceram a esse casamento, nós convidamos na hora pra um almoço que eu previamente já havia marcado num restaurante, então saímos da pretoria e fomos almoçar. Gozado é quando saímos da pretoria pra ir pra casa fomos de lotação (riso) não tinha formalidade comigo. Não tenho mesmo. Aí fomos de lotação pra casa. Em casa nós trocamos de roupa e fomos passear. Aí sim, aí passear, fomos a São Paulo, fomos a Pati de Alferes uma, primeiro, no início aqui perto, depois nós fomos até São Paulo passeando, de férias. Na volta ficamos na casa, no tal casarão grande e morando com minha sogra. Mas festa mesmo não houve. Na, acho que na véspera mesmo, no dia anterior ao casamento, nós tivemos um bolo que a minha madrinha fez e levou lá em casa, bolo, bolo da noiva. E em casa nós tomamos com uma champanhe que também tinha do tempo que meu, de meu pai, então essa, essa garrafa de champanhe estava lá, era da, fazia parte dos guardados de meu pai. Então ficaram esses anos todos guardada lá em casa. Naquele dia minha mãe resolveu abrir porque achava que já estava guardada há muito tempo, era uma oportunidade boa pra abrir. Não que ela fosse assim de muito boa qualidade não, mas só, ela só tinha um valor estimativo, né, que tinha sido ainda da época dele e é só.
D
 E assim o que antigamente, não sei se ainda fazem, mas as noivas faziam certos preparativos, roupas especiais pro casamento.
L
 Bom, naquela ocasião eu achei por bem ... Não que eu considerasse o branco, eh, como algum, alguma coisa especial ou, ou querendo simbolizar pureza, lá o que fosse, não. Isso, nada disso me interessava. Eu tinha feito um vestido branco porque o branco me ficava bem, diziam que eu fico bem de branco e me casei no verão, estava queimada de praia, então o branco caía bem, fiz um `tailler' branco. Agora os preparativos pro, pro dia do casamento foram uma graça porque sempre o dinheiro curto, né? Eu não trabalhava na ocasião, então um deu a fazendo do vestido, outro deu a costureira, a outra tia deu a bolsa, a, uma colega muito minha amiga me deu o sapato e cada um deu uma coisa. Então (inint.) como eu já disse, não houve, então presentes de parentes eu não tive. Eu acho que nessas ocasiões é que a gente pode perceber o que essas coisas significam. Um casamento com, com aparato, com igreja, com gente cantando isso tudo é muito bonito mas toda aquela gente que comparece, comparece como a uma formalidade, uma obrigação, que eles respondem a um convite de casamento, então eu pude ver claramente os meus amigos de verdade, quem, quem procurou, me procurou pra me abraçar, quem chegou à minha casa e disse: ó, fulano, eu trouxe umas flores pra você. Tudo aquilo foi, foi coisa de dentro assim, não foi nada superficial nem formalidade não, era gente que, que ia porque gostava mesmo, sabe?
D
 Mas vocês fizeram, porque também existe uma tradição das pessoas que vão casar, vocês fizeram alguma festa? Ou a, às vezes o noivo faz separado da noiva, ahn, cada um faz uma festa.
L
 Não, nós nunca fizemos nada disso. Primeiro porque o noivo era muito ligado na noiva, não sabe? Como é até hoje. De modo que nunca planejamos nada assim separados e naquela ocasião não existia muito essa, essas festas assim não. Hoje é que a gente vê o chá-de-panela, eh, cho... esses chopinhos que se toma, a rapaziada toma em homenagem ao noivo mas naquela ocasião não havia isso, isso ainda, assim com essa freqüência que há hoje. Mas não houve nada disso.
D
 (sup./inint.) meninos?
L
 Nada. Dos meninos? Ah, os meninos foram uma graça. Os meninos, o primeiro neném nasceu depois de nove meses e um dia de casada, o primeiro filho e (inint.) e com muito carinho e eu acho que, por isso, eu nunca vi meu filho chorar quando acordava, nunca. Eles podiam chamar, a... acordava e chamava lá da, da caminha deles, eles chamavam. Mas nunca vi meu filho chorar de manhã ao, ao acordar, nunca. Nunca fizeram um bate-pé, assim, aquelas, aquela malcriação assim de bater pé, de fazer manha, nunca. Hoje eles acham estranho que outras crianças façam isso. Eles às vezes até perguntam por quê, porque nós nunca demos oportunidades a eles deles fazerem isso. Não que a gente cercasse de excesso de zelo, de carinho, de nada não, é a atenção. Eles de manhã se chamavam, chamavam por algum motivo, então esse motivo a gente sempre descobria qual era.
D
 E nessa parte assim, quando eles estavam pequenos, de alimentação?
L
 De alimentação, os meninos i... inicialmente eles tiveram algum problema porque eles não aceitavam bem a alimentação normal de criança não. Eles, no primeiro ano foi um pouco difícil, mas não sei se porque eu já havia estudado um pouco de nutrição, eu aplicava um pouco aquilo que sabia. Não forçava quando não devia forçar e, eh, contornava ou arranjava um meio de mascarar o leite que geralmente a criança enjoa. Os outros alimentos que eles tinham dificuldade de aceitar, eu conseguia mascarar também, então aqueles preconceitos de não dar sorvete pra criança, toda vida dei. Eu entendia de, da necessidade deles e da, do que poderia causar a ele qualquer daqueles alimentos que muita gente negava. Então tinha esse problema sempre.
D
 E logo, logo assim que eles nasceram?
L
 Bom, logo que eles nasceram o problema é com o, com o, o leite materno eu tive algum tempo porque eu não tinha muito leite. Então, depois dos três meses, eu já tive mesmo que passar pra alimentação artificial.
D
 E durante esses três (sup.)
L
 Durante os três meses ele ... Era leite materno mesmo. Algumas vezes, já no final, já completando porque o leite não era muito forte. Mas, ah, eles não aceitavam bem no início as farinhas, então eu tive dificuldade de acertar a farinha que ficaria bem com, com ...
D
 Eles não aceitavam (inint.)
L
 Eles vomitavam. Eles tinham (sup.)
D
 (sup./inint.)
L
 (sup.) É, eles tinham ... Eu dava maisena, aceitavam e o intestino prendia. Aveia soltava o intestino mas engasgava com aquela, aqueles residuozinhos de, da maise... da aveia. Não existia ainda essa farinha de aveia fina como tem agora, então eu fui tentando todas as farinhas e a variedade não era tão grande quanto agora. Mas até que eu encontrei fécula de batata, então com a fécula eles se deram bem, todos dois eu tive esse problema. Eles se deram bem e só que aquilo ficava um grude, né? Sabe aquele grude feito cola de balão, que fi... estica e não corta, estica, faz aquele fio, sabe? Aí o intestino funcinava bem, o estômago aceitava bem e, e o menino comia . Tanto que o primeiro ano deles, eles não eram, não eram crianças enfraquecidas porque não ficavam doentes freqüentemente, mas não eram gordos. Eu procurava equilibrar, quando eles não aceitavam bem, com outros alimentos em que eu tivesse cálcio, tivesse proteína pra compensar o leite que eles não estavam aceitando mais por causa da farinha. Porque o pediatra dizia: dá mingau, o leite tem que ser engrossado. Porque a gente fica entre a cruz e a caldeirinha, não sabe se, se faz aquilo que a gente sabe e, ou aquele instinto que a gente tem ou se segue o doutor que estudou tanto tempo, né? E às vezes até fazem a gente de cobaia, mas nessa dúvida eu procurava sempre, sempre seguir a minha intuição. Então eu ia contornando, tanto que não eram enfraquecidos, como eu disse, eles não tinham doenças freqüentes.
D
 Ah, outra coisa assim, durante o tempo que estava esperando neném tomou assim algum cuidado?
L
 Bom, eu (sup.)
D
 (sup.) Teve algum problema na gestação (sup.)
L
 (sup.) Não. Gestação eu não tive praticamente nenhum. Não tinha enjôos, não tinha vômitos, não tinha inchações, não tinha nada assim que pudesse caracterizar uma gestação complicada. Gestação normal sem, sem atropelos, sem, sem nada que pudesse prejudicar (sup./inint.) sem desejos, sem nada, normal.
D
 E o nascimento foi (sup.)
L
 (sup.) O nascimento foi (sup.)
D
 (sup.) Foi normal?
L
 O primeiro deu um pouquinho mais de trabalho. Eu acho que todo, todo primeiro filho dá um pouco mais de trabalho e acho que comecei a perceber que eu, a criança ia nascer seis horas da manhã e ele só nasceu às nove da noite. Então eu fui pro hos... hospital às sete horas da manhã e fiquei o dia inteirinho em fase de trabalho de parto. Ele só nasceu mesmo às nove da noite. Com isso eu assisti a várias outras parturientes que também estavam em trabalho de parto. Entravam na sala, tinham seus bebês e saíam, entravam na sala, tinham seus bebês e saíam e eu ficava lá, né, olhando, preocupada sem saber quando ia chegar a minha hora. Mas, na hora mesmo do parto, parto normal, embora tenha sido com uma pequena cirurgia, mas isso é normal, não tem ...
D
 (sup./inint.) não foi artificialmente feito?
L
 Não, não foi artificialmente feito. O segundo deu um pouco menos de trabalho, né, o tempo foi reduzido. Mas o segundo eu já estava preocupada porque o dia marcado já estava sendo ultrapassado, então eu achei que talvez eu não fosse ser ainda pra aquele dia porque o dia marcado já estava sendo ultrapassado (interrupção/inint.) segunda-feira, naquela ocasião tinha um teatro que ... Tem agora ainda alguns membros desse, desse, dessa equipe que fa... que formava esse teatro, era o teatro ... "Teatro dos Sete" e que, eh, eles levavam ao ar, na televisão um, programas muito bons de peças, eh, completas, tinha Sergio Brito, eh, aquela Montenegro, eh, como é o nome dela?
D
 Fernanda.
L
 Fernanda Montenegro, um grupo fabuloso, e eu gostava muito de assistir aquele, aquele "Teatro dos Sete" e era naquela segunda feira, era dia, sempre muito tarde e eu pra ficar acordada (interrupção). Quando eu vi que, que não ia nascer mesmo: bom, agora eu vou tomar um bom banho e vou fazer uma experiência. Liguei o chuveiro bem quente, deixei cair água em cima da barriga, bem quente. Aí já, que eu entrei em trabalho de parto aí, então ele de manhã já estava nascido, já nasceu ... Eu saí de noite, três horas da manhã, mais ou menos, sete horas já estava nascido, o segundo.
D
 (inint.) quem é que tomava conta dela, das crianças?
L
 Bom, no início tinha a avó de meu marido que morava ainda com a gente. Nessa ocasião ela ainda era viva e podia controlar a babá e ela, durante o dia, tomava conta deles e orientava a babá no sentido de fazer mamadeiras, trocar a roupa, mas o menino passava sempre, o dia inteirinho, perto dela. Depois (interrupção) a ba... a bisavó morreu e aí eles ficaram entregues à babá. Mas nessa ocasião, o segundo, pequeno ainda, mas um ano, não, um mês, foi pra minha casa uma senhora, essa senhora, tinha acontecido um caso muito triste com ela, em que ela havia sido abandonada pelo marido e estava sozinha com um filho de cinco anos. O marido dela era assim meio parente porque ele era filho de criação de uma tia, então ela, essa senhora se considerava meio parente também e como ela precisava de ajuda financeira, no caso, e eu precisava de ajuda, uma pessoa de confiança com quem eu pudesse deixar meus filhos, ela então veio pra minha casa. Na minha casa ela ficava inteiramente à vontade porque pra isso ela era da família e eu também ficava inteiramente à vontade porque eu sabia que eu podia confiar. Ela ficou comigo oito anos e só saiu da minha casa quando o segundo já estava com oito anos. Ela foi pra lá numa ocasião ruim pra mim, em que os, o recém-nascido estava com, como é aquela doença que dá muito em criança? É ... Ora, uma doença de estômago, não me lembro bem esse nome não mas é quase assim como uma desidratação e então ele precisava de soro de cinco em cinco minutos, pra não fazer a ligação de soro via venosa, esse soro era, eh, dado, eh, às colheradas pela boca, então ele, ela me ajudou muito porque tinha que ser mesmo de cinco em cinco minutos, dia e noite. E nós nos revesávamos contando o tempo com o despertador. Então, eh, foi uma fase difícil pra mim e também pra ela, que estava, tinha sido recentemente abandonada pelo marido, em que nós duas nos encontramos assim e pudemos nos auxiliar uma a outra. Uma dava o ombro pra outra chorar, né? E ficamos nesta história oito anos.
D
 As crianças não tiveram outra, outras doenças que são comuns?
L
 Bom, essas comuns, catapora, sarampo e caxumba, isso eles se encarregaram de adquirir na escola, né? Mas isso é normal de criança, toda criança tem e é bom que tenha porque já fica resolvido o caso.
D
 Não tiveram também vacinas?
L
 As vacinas, as periódicas que a gente tem, em qualquer tabelinha de vacina você encontra com que idade fazer cada vacina, né? E eles então seguiram essa tabelinha que eu fa... fazia questão de cumprir.
D
 Você lembra como é que era essa tabelinha (inint.)
L
 Bom, a tríplice me parece que nos primeiros meses de vida, ah, o, BCG, logo que nasce, a varíola, de varíola na época da es... da escola, no pré-primário. Que mais? Sabin.
D
 Eles chegaram a tomar? #L
 Chegaram a tomar, mas já mais crescidinhos. Eu acho que só, né?
D
 Agora a tríplice tem idéia assim de, pra que que é?
L
 A tríplice? É tifo, difteria e tem outra coisa. Não me lembro bem, eh, ti... tifo, tifo, difteria e uma outra que eu não lembro o que é.
D
 E a evolução assim das crianças, as modificações, as fases por que eles vão passando, como que foram crescendo?
L
 Bom, os meninos, eh, começaram a estudar perto de casa, no ... Eles não fizeram maternal, eles fizeram jardim mas já na idade própria de jardim.
D
 Isso ligado com a, com as modificações físicas, inclusive?
L
 É. O pré-escolar com o, o jardim da infância. Depois, então, o primeiro ano que naquela ocasião ainda era primeiro ano, segundo ano, terceiro ano. Eles seguiram sempre na escola pública, que o jardim já pertencia ao governo e eles apenas cumpriram o, a ordem natural que seria continuar na mesma escola e terminaram o primário. Do primário automaticamente eles foram, passaram pro ginásio, também do governo, e continuam até hoje, o mais velho está quase terminando. E assim físicas ...
D
 Não (inint.)
L
 Nada a ver.
D
 Vão passando (inint.)
L
 Eles vão passando, é.
D
 Por exemplo, dentição ou coisas do tipo.
L

  Bom, dentição? Dentição foi normal, o que não foi muito normal foi a palavra, o uso da palavra, que eles custaram muito pra falar. Eles entendiam tudo, andaram muito cedo, com nove meses, todos dois andaram cedo, todos dois andaram com nove meses mas falavam pouco, entendiam tudo e falavam pouco. Talvez por preguiça, embora a gente insistisse pra eles falarem, não atendia quando eles não queriam falar, a gente pra obrigar a falar, mas eles falavam pouco, todos dois. Eu tinha medo até que ... O mais velho tinha a língua um pouco presa, não, não presa assim no, no sentido assim da palavra não, mas a, a, o órgão mesmo, a língua não vinha pro lado de fora da boca, então eu achava que ele não falava por causa daquilo. Levei ao especialista, ele disse que você estava maluca, que o menino só não falava porque não queria. (riso) Era preguiça, sabe? Era preguiça mesmo. Mas depois começaram a falar e quando resolveram falar, falaram mesmo, né? Falaram ... O mais, o mais novo falou errado muito tempo e o mais velho não. O mais velho começou a falar direitinho, falou no, no princípio com um pouco de erro mas depois ele começou a falar direitinho. Mas o mais novo, ele falava, trocava, troc... ele invertia as letras, ele não falava boi, falava bio (sic), sabe? Ele trocava, ele queria, não sei se pra recuperar o tempo que ele levou sem falar, então ele resolveu falar depressa e aí invertia tudo. Professora, perfessora (sic), vassoura (sic), ele tro... trocava tudo também. Mas eu acho que isso foi só no princípio, depois eles voltaram, né? Tem um fato que nós costumamos contar, é que nós numa ocasião fomos tomar sorvete e eu gostava de perguntar sorvete de quê, eles queriam. Então o mais velho disse logo o que que ele queria, coco, sei lá, uma coisa qualquer. Eu pedi o meu e o menor nada de dizer o que ele queria e eu perguntava: filhinho, sorvete de quê, que você quer? E ele dizia: macudá (sic). E eu não entendia de que era o sorvete que ele queria, então eu insistia com ele pra ele repetir o sorvete e ele insistia dizendo: macudá (sic). E eu não entendia. Aí eu pedi ao mais velho que conversasse com o menor pra ver se ele conseguia descobrir o sorvete de quê. E ele perguntava: diz pro, diz pro irmãozinho, sorvete de quê, que você quer? E ele tornou a dizer: macudá (sic). Aí o mais velho disse: poxa, mãe, você não entende? Maracujá, não é? (risos)