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PROJETO NURC-RJ

Tema: "Família"

Inquérito 0210

Locutor 246
Sexo feminino, 60 anos de idade, pais cariocas
Profissão: professora de biologia
Zona residencial: Suburbana

Data do registro: 30 de abril de 1974

Duração: 40 minutos

Som Clique aqui e ouça a narração do texto


D
 Vamos começar? A senhora quer contar (inint.) da sua família para nós (sup.)
L
 (sup.) Da minha família? (sup.)
D
 (inint.) falar da sua família?
L
 (inint./riso) fica comigo (riso/inint.)
D
 Eu vou orientar a senhora (sup.)
L
 (sup.) Falar sobre o quê? Sobre o (sup.)
D
 (sup.) Sobre a sua família, assim, como se constituiu, como é, relacionamentos.
L
 Bom, minha família é muito pequena. Eh, atualmente meus pais não existem, é raro, é claro, que eu já estou com essa idade, né, sessenta anos. Eu vivi com eles, eu fui a última que fiquei, fiquei solteira, fiquei, cuidei, fiquei cuidando deles, cuidando e, e, enfim, ah, primeiro morreu meu pai, com oitenta anos, depois morreu minha mãe, seis anos depois, mais ou menos há, há uns dez anos, morreu minha mãe e eu fiquei. Era solteira, eu que mantinha, essa coisa toda, e (sup.)
D
 (sup.) E a senhora é sozinha ou tem irmãos?
L
 Eu tenho meus irmãos, tenho cinco irmãos, mas todos são casados, todos casaram. Eu sou, eu sou, eu fico no meio.
D
 Fica no meio?
L
 É. Sou a quarta.
D
 É a quarta, então?
L
 É.
D
 São todos homens?
L
 Não. Tem a mais velha é mulher também mas foi a primeira que se casou e depois foram casando os outros. Casaram primeiro os dois mais velhos que eu, depois casaram os dois mais moços que eu, e eu fiquei. Aí, eu fiquei cuidando dos meus pais ... Estudei. No meu tempo estudo era muito difícil, né? Mulher estudar, principalmente assim, no subúrbio. Os pais, o meu pai era muito austero. Ih! Mulher estudar era um acontecimento fora do, fora de série (riso) mesmo. De forma que foi uma dificuldade. Então eu ainda passei, depois de nós ... Nós naquele tempo fazíamos um primário de quatro, de seis anos, né? Eram seis anos de primário, estudava-se muito no primário, aquelas coisas. Ah, os professores, coitados, ganhavam muito pouco e tinham aquelas, compromissos e correção de trabalhos, diariamente, quando não era de, de uma, de um assunto era de outro. De forma que eu estudei durante seis anos. Eram seis anos. Mas no, no sexto ano nós estudávamos assuntos que hoje se estuda no ginásio, né? No terceiro de ginásio, de juros, máxima aritmética. Não se estudava, não se estudava matemática. Estudava uma parte só, aritmética, um pouquinho de geometria, mas álgebra não, álgebra a gente começou no secundário. Depois eu tinha muita vontade de estudar, eu tinha assim, sabe, que eu, eu tinha assim um, eu achava que não me casava. Eu disse: bom, se eu estudasse eu tenho um meio de vida, de garantir uma, a minha vida. Ah, mas meu, ahn, os, os, papai, os pais antigos não gostavam, né? Minha irmã já tinha se casado naquela (inint./sup.)
D
 (sup.) A senhora achava que não casava, por quê?
L
 Não sei. Eu achava que não. Porque sempre me dediquei assim a mamãe. Mamãe sempre foi muito doente, não sei, eu achava que, que não dava, não ia poder mesmo, era coisa que não ia funcionar. Aí, eu ainda estive, estive quatro anos em casa, sem estudar. No fim, no fim de quatro anos, eu já estava com dezoito anos, aí eu fui estudar, aí eu fui estudar, formei-me.
D
 E pra estudar, como era? A senhora resolveu que ia estudar. Como é que foi?
L
 Bom, aí, eu ... Foi interessante. Minha mãe teve uma crise muito forte de doença, aí veio morar com uma ir ... Nós nos mudamos pra Cascadura, pra perto da irmã dela. Meu pai achou que assim talvez ela ficando perto da irmã, da irmã que ela ... Eram as duas só, também. Minha mãe e minha tia. Então nós viemos pra Cascadura, e viemos ... Era perto do Arte e Instruç~ (inint.) hoje é colégio, né, Arte e Instrução. Naquele tempo era ginásio Arte e Instrução. Aí, nós, aí nós viemos morar perto. Meu irmão já estudava lá, meu irmão mais moço. Não sei se as senhoras conhecem. Ele tem uns livros publicados, de história, professor B.
D
 B., né?
L
 É. Ele já estudava, ele estava fazendo, estava fazendo admissão. Aí eu disse: ah! eu também vou fazer admissão, vou estudar, porque a gente está aqui perto. Aí, comecei a estudar. E foi muito bom, porque eu estudei, me formei, servi de apoio aos meus pais, né?
D
 Como é o relacionamento da senhora com seus irmãos quando era criança (inint./sup.)
L
 (sup.) Era bom. Quando era criança?
D
 É. E depois, quando (sup.)
L
 (sup.) Quando eu era criança, nós fomos criados, nós fomos, fomos criados, quer dizer, até oito anos, eu fui criada até oito anos, num sítio, quer dizer, ambiente de sítio, ambiente ... Meu pai era muito austero, ele gostava muito que a gente vivesse assim ... Brincasse. Ele dava muita, ampla liberdade pra brincar. Eu brinquei muito, muito mesmo! Eu tive uma, eu tive uma infância, uma infância completa, quer dizer, considerando infância isto, não sei, porque hoje, é tudo, eh, a criança não há, não há criança, né? É uma espécie de, é uma precocidade extraordinária, né? E as pessoas, as, a criança pequenininha já está com uma atitude de adulto, fala de adulto, comportamento de adulto, veste-se como adulto. Nós não, no meu tempo não, nós éramos realmente crianças, infan... infantis, mesmo. Brincávamos de roda, brincávamos de boneca, enfim ... Brinquei muito! Ainda no outro dia eu estava falando lá pra minha vizinha. Minha vizinha, minha ... O marido dela é mais ou menos da minha idade e então, ele está doente, muito desanimado. Eu disse: mas, meu Deus, nós, sempre tivemos a nossa infância, né? Brinquei muito! Tive uma infância completa! Mas brinquei, brinquei, mesmo! Tive o apoio, a proteção de meu pai, de minha mãe. Papai nos, nos protegia de todo jeito. Porque hoje, imagina, a... eh, algumas, algumas pessoas acham que isso é prejudicial. Eu acho isso excelente, acho isso excelente. Eu tive a proteção de meu pai, de minha mãe. Principalmente meu pai. Era um homem muito, muito forte, muito ... Como é? Resolvido, quer dizer que me dava uma proteção segura. Tive a proteção de meu pai. Depois, tive a minha, minha juventude também bem longa, não é? Eu estudei, eu, eu com, eu, graças a ... Hoje eu estou com sessenta anos. A senhora viu, eu estou com sessenta anos. Eu dou aula, dou aula lá em Campo Grande. Vou pra lá, vou de trem. Eu tenho carro (inint.) tenho carro, mas vou de trem, é mais rápido, não me aborrece. Eu vou de trem, volto e dou seis aulas, podia, dava até mais. Em pé, dando aula, dou aula prática. Não sinto, não sinto ... Volto pra casa, faço o serviço de casa. Nós não temos empregada. Quer dizer que eu faço meu serviço. Eu estou conservada. E a minha juventude foi assim também. Eu com, eu era forte, era conservada. Quer dizer, tive minha infância boa, tive minha juventude boa, longa, estudei, me formei. Não estu... não me formei naquilo que eu pretendia. Quando eu comecei a estudar, eu queria ser médica. Não havia ainda a faculdade de Filosofia. Nesse tempo não havia. Eu comecei a estudar com a intenção de ser médica, mas o meu estudo era um, meu estudo foi um pouco sacrificado. Meu pai não estava em boa situação e houve a eletrificação da Central, em trinta e, em mil novecentos e trinta e sete. É. Em mil novecentos e trinta e sete que eletrificaram a Central. Então nós faziamos uma viagem muito difícil, não havia ônibus. Naquele tempo não havia ônibus de Bangu à cidade, nem a Cascadura. E eu tinha que viajar de trem e bonde. Havia os bondes, que eram lentos. E nós passávamos, pra, pra eu ter aula, assistir aula sete e meia ... Nesse tempo a gente fazia cinco anos de ginásio e dois do complementar. Era complementar que eles criaram. Então a gente escolheria o complementar de acordo com o que nós fôssemos estudar. Eu estudei, era ... Havia uma grande flexibilidade, que não existe hoje. Engraçado, hoje, com toda essa evolução! Naquele tempo havia assim: se estudasse pra direito, a senhora escolhia o complementar de direito, dois anos, se estudasse medicina, escolhia, escolhia o complementar de ... A área médica, né, medicina, farmácia, biomédica: medicina, farmácia, odontologia. Aí, ia fazer complementar pra essas, pra essas a... atividades. Aí, eu fui fazer medicina. Era anexo à escola. Nesse tempo quando fundaram, nós traba... nós estuda... nós éramos alunos da faculdade, fazendo complementar, mas era, era um curso anexo à faculdade de medicina. Aí eu fui. Mas era muito sacrificado, porque eu saía de Bangu, de trem, eletrificando a Central, os trens mo... morosos, porque não pararam. Foi uma coisa, foi uma coisa formidável, né, quer dizer, eletrificaram a Central sem parar a rede: isso que é uma coisa formidável! E, e eles ... Mas nós ... O trem vinha, parava, andava, parava . Nós levávamos às vezes três, quatro horas, de Bangu até a Central. E muito desas... havia muito desastre. Comigo nunca houve. Sempre tive sorte. Aí eu chegava lá na Praia Vermelha. Pra sair de Bangu pra estar sete e meia na Praia Vermelha, eu tinha que sair de Bangu quatro horas, três e meia, que eu saía, da manhã.
D
 Agora (inint.) a senhora falou que as crianças hoje são muito diferentes do, do que eram antigamente. Também a senhora disse que aproveitou bastante a sua juventude. Como era o seu pai com a senhora, quando a senhora era jovem (sup.)
L
 (sup.) Nã... (sup.)
D
 (sup.) Em questões de divertimento? De amizade (sup.)
L
 (sup.) Não (sup.)
D
 (sup.) Na relação com outras pessoa?
L
 Meu pai, com relação ... Meu pai era um pai da época, um, um pouco austero. Mas, em compensação, minha mãe era, era extremamente meiga, accessível, boa demais, equilibrava com a austeridade de meu pai. Se ambos fossem austeros, ou se ambos fossem também sem, sem ... Como se diz? Se ambos fossem também muito mão-aberta, vamos dizer, né, nós ficávamos prejudicados. Que eles equilibravam, eles equilibraram muito bem. Então, papai, natural... papai, como era comum na época, e havia aquele, aquele (inint./ruído de avião) nesse ponto, eh, eu acho que eles estavam muito certo. Havia muito rigor, havia um rigor excessivo no sentido de liberdade da gente, de passear, freqüentar, ah, partic... freqüentar ... Podia, podia ir a um ... Havia em Bangu um clube, que eles consideravam um clube familiar. Falava-se assim, agora não sei (inint./ruído) atuais. Então a gente ia, mas acompanhado pelos pais ou pelo menos da mãe. Era sempre assim. Isso era hábito da época. Eu não estou falando que essa época esteja errada, nem, nem a minha, a minha que seja a certa, não. Isso é uma ... Natural! É a evolução da época, cada época, é a sua época. É a época ou a gente é da época e tem que viver, vive se aquela ocasião. Eu não podia viver naquela ocasião com hábitos de agora, é claro, como não posso viver agora, com hábitos de de antigamente. Eu não, eh, não abracei, não assimilei, nem posso, tudo. Não posso viver inteiramente como agora, mas procuro viver mais ou menos como agora, entendeu? Quer dizer, eu, eu não digo que seja errada a época antiga, mas é diferente.
D
 (inint.) o que que a senhora acha assim mais diferente, digamos, no comportamento de uma criança, atualmente, de um adolescente, hoje em dia, no sentido assim de família, de relacionamento com os pais, se é diferente?
L
 É diferente.
D
 Que que a senhora acha mais marcante assim como diferença?
L
 Não, como diferença mais marcante, eu acho, não são todas, mas eu acho as mães, principalmente a mãe, muito preocupada com a vida fora de casa, pondo essa vida fora de casa em primeiro lugar e deixando interesses muito mais importantes, por exemplo, a, a, os filhos, a vida dos filhos, a vida dos filhos, problemas de filhos, eh, a... abandonando mesmo esse lado e sentindo-se às vezes, às vezes elas acham, acham que por dar aos filhos ... Por exemplo, eu tenho colegas que saem seis horas da manhã. Ah, M., eu saio seis horas da manhã, entro meia noite em casa. Os papos: ah, mas eu tenho, tenho filhos criados, tenho filhos adolescentes, mas tenho filhos, eh, já em ginásio, em escola primária. Quer dizer ... Mas se eles têm essa importância? É bobagem, cada um tem a sua babá, eles têm tudo, ainda, ainda ontem eu dei pro ... (inint./ruído externo) que tem um filho que já, que era crescido: eu dei um casaco pro meu filho, custou quinhentos cruzeiros, custou mil cruzeiros. Será que o filho ... É isso que satisfaz o filho, ter um casaco de mil cruzeiros, de quinhentos cruzeiros, um casaco até de ouro, coberto de ouro? É isso? Talvez. Não, eu acho que não. Eu pelo menos, eu acho. Eu acho que em primeiro lugar está a casa. Naturalmente que a mulher hoje ... O, o casamento antigamente, a mulher de antigamente tinha no marido um, um ponto ... Era pequena, tinha pai. O pai era apoio, não é, um apoio. Quando casava, quando ca... depois, casava, tinha o marido e já sabia que tinha apoio moral e econômico pra toda a vida, não é? Hoje, nós não temos. Hoje, nós ... Por exemplo, vocês, né, já sentem uma dificuldade. Ainda há casamentos es... estáveis, bons, que encontram no marido um apoio, um companheiro, mas a maioria é isto assim, sem personalidade, sem responsabilidade, quer dizer, são casamentos que a gente não conhece o marido ... Qual deles, né? Então fica isso aí (inint.) sofrido (inint.) vai experimentando (inint.) bom, nesse vaivém, quem é que sofre? Infelizmente elas têm filhos na, na maioria das vezes, então a criança é que sofre. Pelo menos nós antigamente, não tínhamos esse problema. Tínhamos pai, tínhamos mãe.
D
 E em relação assim à criança, quando a criança nascia, eh, os cuidados com a criança. E hoje, há diferença também? Desde a idade (inint.)
L
 (sup.) Eh, cuidados morais, cuidados assim (sup./inint.)
D
 (sup.) Cuidados nos dois aspectos.
L
 Não sei, eu acho que elas não têm muito tempo de dar cuidado. A atividade fora de casa é tanta que uma mãe não tem muito tempo de dar, de, de, de rodear seus filhos de cuidados, eu acho.
D
 (inint.)
L
 Agora, mas está sempre fora de casa. Será que tem cuidado?
D
 (inint.) tem uma fase que ela, ela tem de parar (inint.) nasce o neném, não é? Como é que ela resolve (inint./sup.)
L
 (sup.) Espera aí (inint.) bom, isso é um problema. Isso aí eu não sei. Pois é isso que eu estou te perguntando. Será que ela tem tempo pra dar cuidados, pra, pra, pra ter cuidado com os filhos, pra dar atenção aos filhos? Quando ela chega em casa, consumida, cansada, deu não sei quantas aulas lá fora, ou trabalhou no escritório, ou cheia de atividades no escritório, e vem cansada, e vem, o dia todo escrevendo à máquina ou atendendo telefone, qualquer outra atividade que a mulher tem hoje no escritório ou no consultório como médica ou no consultório como dentista, será que ela tem tempo de voltar, de ... Quando chega em casa? Se, se ela tem tempo, não, se ela está descansada que possa dar atenção aos filhos, ao marido?
D
 E antes?
L
 Antes?
D
 Eu gostaria que a senhora (inint.)
L
 Pois então, eu tive, eu tive toda a assistência de meus pais, de meus pai, de minha mãe, de meu pai. Nesse tempo que eu era pequena, meu pai era, era pobre, bem pobre. Eu tive toda assistência. Basta dizer que com toda essa assistência eu venci na vida e, e sob todos os aspectos. Sou saudável. Se eu sou saudável é porque tive uma infância boa. Quer dizer, isso é essencial.
D
 (inint.) eu estava querendo mais assim ... O, a descrição. Suas irmãs casaram, tiveram filhos ...
L
 Uma, uma irmã só (sup.)
D
 (sup.) Tiveram filhos (sup.)
L
 (sup.) Uma irmã.
D
 Uma irmã. Tiveram filhos. Como é que foi isso? Como é que ... Coisas assim: quando souberam que estavam esperando neném, qual é o comportamento, como é que foi?
L
 Comportamento em que sentido? De (sup.)
D
 (sup.) Em relação à vinda do neném (inint.) os cuidados.
L
 Esperaram com toda, com todo prazer e com todo cuidado consigo mesmo. Inclusive o, o meu, o meu cunhado tinha muito cuidado com minha, minha ... Só tive uma, só tenho uma irmã, né? Com minha irmã, como meu pai também. Meu pai tinha muito cuidado com a minha mãe, muito cuidado, zelava muito. Não havia essa, tanta assim, tanta, tanta ... Como é? Visita a médico e pré-natal e não sei o quê, isso não havia. Mas eu não sei, as crianças eram tão fortes. Eu tenho sessenta anos, raciocino perfeitamente, meus irmãos todos. Quer dizer que somos todos fortes e a senhora sabe muito bem que de uma infância boa é que sai uma pessoa sã.
D
 E, mas as, e os cuidados para fazer uma criança forte?
L
 Os cuid... Em que sentido? Nutrir-se bem, nutrir-se bem (sup./inint.)
D
 E (sup./inint.) o que era que se usava? Porque era diferente antigamente, não é? Uma mãe ...
L
 Ah! (sup.)
D
 (inint./sup.) nasceu e agora (inint.) a atenção que a mãe dava antigamente ao filho que nascia e a que é dada agora (sup.)
L
 (sup.) Bom, a alimentação das crianças (sup.)
D
 (inint./sup.)
L
 (sup./inint.) mais concreta. A alimentação. Eu, quando eu era criança, quando nasceram meus irmãos todos, nós morávamos num sítio. Sob o ponto de vista de alimentação, muita fartura, tudo bom, não é? Não é isto que existe hoje. Inclusive lá em casa sempre teve leite, quando não tinha vaca, tinha cabra, e minha mãe ... E nós tivemos leite materno, né, até quando não precisava mais. Depois passava à alimentação, uma alimentação ... Aí ia passando de... devagarzinho, uma, uma, uma sopinha, depois passávamos a nos alimentar como um, como qualquer criança. Quer dizer, não tinha essas, essas, essas comidas com esses rótulos, essas comidas assim que existem hoje. Não tinha nada disso. Isso, não tinha na minha época, não havia.
D
 E (inint.) amamentação (inint.) hoje em dia? A senhora nota mudança?
L
 Noto. Porque não há tempo de uma, de uma senhora ... Inclusive a gente, a gente estuda essa, a gente estuda, né, sobre isso. O leite materno, se a mãe, o mamífero, tem, a mãe mamífera tem leite, as glândulas produzem leite para nutrir seu filho, seja qualquer animal mamífero, é porque esse leite é que é necessário para a nutrição dessa criança, não é? Durante certo período, de acordo com a espécie. Ora, se nós, se a mãe tem essa, tem esse, tem isso, é porque é necessário, porque só a alimentação desse filhote tem de ser feita por esse, por, dessa forma. Agora uma mãe que trabalha, há, há o dir... As leis trabalhistas protegem, né, mandam ficar em casa e tudo. Aqui nós temos, parece que dois meses, três meses, sei lá. Não sei, porque nunca fui mãe. De forma que, mas a mãe que trabalha tem direito. Mas o fato é que elas habituam-se à vida fora, trabalham fora e fogem mesmo disto, de alimentar os filhos. A mãe foge. Hoje em dia é muito difícil e a mãe foge. Eu sinto, ainda noutro dia, na televisão, não sei se as senhoras viram um médico falando sobre isso, que as mães se preocupam ... Ele falou li... ligando isso à vaidade, né? Eu acho que não é, é sempre uma questão de comodidade. Que, que a mãe fica deformada, pensa que fica deformada e não amamenta os filhos. Então vêm as (inint.) então ele dizia: nenhum leite substitui o leite materno. Nenhuma, nenhuma alimentação substitui o leite materno porque o leite é para os filhos, para o filho, é próprio pra alimentar o filho. Então a mãe deve alimentar o seu filho e não pense que vai ficar deformada porque, eh, porque ela não ficará deformada. Ela já é mãe, a obrigação é essa, ela deve dar alimentação ao filho. Agora eu acredito que muitas ... Acredito não, muitas fogem inteiramente disso. Não dão. Nisso, já a criança fica, já a criança está, está sentindo, sentindo a falta disso, dessa ... Sente a falta porque no fato da mãe alimentar o, o filho, é interessante isso, a mãe alimenta o filho, ela está, ela está concorrendo para a sua formação física, não é? Morfológica e tal. São os órgãos da alimentação e nutrição. Mas ela es... estabelece, ela prolonga um pouco aquele ... Ela, ela está fazendo uma, como se diz, uma, uma passagem daquele contato tão direto que ela teve com o filho quando o filho estava no seu ventre em si, e o filho quando vai se afas... se transformar e se afastar mais dela ainda quan... e ser uma pessoa e ser realmente independente dela. Mas nessa, essa, essa, esse período de amamentação é um período intermediário, em que a mãe está fazendo uma passagem. Então, e estabelece um, uma preparação pra criança. Eu acho, sinto assim, não sei se é um pouco, um pouco sentimentalista. Estabelece assim prepa... Como se preparasse a criança pra ela ser um indivíduo, uma pessoa inteiramente independente da mãe. Inteiramente não, mas mais, quer dizer, uma pessoa isolada das demais, entendeu? Quer dizer, no útero ela estava ligada à mãe, bem ligada, depois ela vai se desligar da mãe, mas entre esses dois, esses dois pontos, essas duas partes, essas duas, esses dois pontos da vida de uma pessoa, há a fase intermediária, que é a fase da amamentação, em que está se preparando para se desligar da mãe.
D
 (inint.)
L
 Eu acho assim (sup./inint.)
D
 (inint.) antigamente não havia uma facilidade (inint.) quando uma mulher não tinha leite suficiente pra amamentar o filho, utilizar (sup.)
L
 (sup.) Uma outra senhora?
D
 Sim.
L
 A mãe-de-leite?
D
 É?
L
 É. Isso havia muito. Mas a senhora vê que até hoje há os bancos de leite, né?
D
 Exato.
L
 Mas eu acho que os bancos de leite não funciona, porque as mães não, não dão leite, não querem, ou não produzem, né? Não sei, não sei. Eu acho que o, os, o leite ... Antigamente, havia ... Era muito comum porque o, a mãe ... Isso é natural: a mãe produzir o leite. A mãe do ma... a mãe mamífera tem de produzir o leite, ela teve o filho, produz o leite, é normal. Ela se for, biologicamente falando, certa, perfeita, ela, ela vai produzir o leite e o leite suficiente pra manter o seu filho. Seja qual for, uma vaca ou uma cachorrinha, qualquer coisa, qualquer mãe mamífera. Mas acontece o seguinte: às vezes, pode não ter, não ser, uhn, biologicamente perfeita e não produzir leite suficiente pra manter os filhos. É doente, vamos dizer. Então ela não vai produzir leite suficiente pra manter o filho, ou vai produzir leite, mas não em qualidade suficiente pra manter o filho. Mas aí, aí é outro, aí nós temos de encarar sob outro aspecto. Aí ela deveria zelar para conservar a saúde. Se ela vai ter um filho, quer ter um filho saudável, ela deve zelar para produzir, para alimentar esse (inint.) essa criança bem, porque a criança bem nutrida será um adulto forte, em todos os aspectos. Mas ainda pode ... Se, caso não tenha, na ... Antigamente, quando havia esses casos que a mãe não podia manter o filho, havia as mães-de-leite. No meu tempo ainda havia, sim, mães-de-leite. Meu pai mesmo teve. Meu pai tinha uma senhora, que eu ainda conheci, nós chamávamos de vovó, uma preta que era mãe, que foi
 mãe-de-leite de meu pai. Foi a mãe-de-leite de meu pai. Eu ainda conheci essa senhora, chamava ela de vovó. Ela, ela dava, amamentava o filho e amamentava meu pai. Quer dizer, tinha leite pra dois, quando vocês sabem que, num parto normal de ... Nosso, é um parto simples de uma pessoa só, né? Mas ela nutria dois e nutriu perfeitamente. Meu pai era um homem forte, morreu com oitenta e dois anos, teve câncer aos sessenta, curou-se, morreu aos oitenta e dois, mas não morreu de câncer, foi acidente.
D
 A senhora não falou no ... A senhora falou no seu pai, na sua mãe, nos seus irmãos, e, os outros elementos da família?
L
 Meus tios?
D
 Hum, hum! E outros também.
L
 Eu espero ... Não conheci a... avós. Isso eu não conheci não, nem paternos nem maternos. Mas meus tios, conheci, meus primos ... Hoje estão cada um, cada um sumiu, cada um seguiu sua vida e separou e afastou, e essa vida moderna muito agitada, a gente não tem tempo de nada, né? Não se tem tempo de procurar, de procurar ninguém, porque chega domingo, a gente trabalhou a, a semana toda, quando chega domingo, até sábado, esse ano é que eu não trabalho sábado mas até o ano passado eu ainda trabalhava sábado. Dava aula lá no, no Sara Kubitschek. Esse ano é que eu disse: ah! eu esse ano eu vou me aposentar, vou fazer trinta anos e quero um, um (inint.) mas a gente ficava sem tempo de procurar os parentes, né? Mas nossos, nossa família, nossos primos ... Agora, nós éramos mais unidos era com o lado de minha mãe, meus primos maternos, meus tios maternos. Meus tios paternos eram os mais vizinhos mas não éramos muito unidos não. Isso ... Não éramos muito unidos. Esses ... Meus tios todos morreram. Só existe uma tia, paralítica, é a, a única que eu tenho. E meus primos todos já são, já são, já têm bisnetos, né? Tem primos com bisnetos, inclusive minha, minha irmã. Minha irmã já tem bisneto, já tem um bisneto crescido.
D
 Sua irmã já tem bisneto. A senhora se lembra ... Porque é muito diferente atualmente a, a relação, o relacionamento entre um homem e uma mulher. Quando sua irmã, eh, pra ela casar, o relacionamento dela com o marido, desde, desde o começo, desde quando eles se conheceram (sup.)
L
 (sup.) Que que tem? (sup.)
D
 (sup.) Até o próprio casamento, qual a diferença, né, naquele tempo havia toda uma (sup./inint.)
L
 (sup.) Bom, ah, é. Era porque havia aquela, aquele ... Mas já havia uma, uma escolha pes... (inint.) da pessoa, pessoal. Não era mais ... No meu tempo ainda, já tinha ultrapassado aquele, aquele, aquela escolha feita pelos pais, né? No meu tempo, já, minha irmã já casou com quem ela quis. Inclusive meu pai até não fez muito gosto. Meu pai era muito religioso, muito católico, nós somos católicos. Religioso, meu pai era muito religioso e minha irmã fez ... E ele era espírita, né, o moço, o meu cunhado. Ainda é. Ele é vivo ainda. Ele está com oitenta anos. E era muito mais velho do que ela também. Isso foi outro, outro, outro, outra causa que o meu pai achou também que ela, que ele era muito mais velho do que ela, tinha o dobro da idade dela. Ela tinha dezoito anos e ele tinha trinta e seis. E ele era viúvo e tinha três filhos. Aí meu pai achava que isso era ... Que ela ia (inint.) começar a trabalhar muito, com três crianças, ela uma moça muito inexperiente, as três crianças pequenas e tal. Mas, casou. No princípio, como todo casamento, primeiro ano é de adaptação, né? Dois anos, mais ou menos, é de ajustamento. E, mas depois no princípio, naturalmente ela sentiu e, e tal, mas não deu o braço a torcer, porque tinha casado (inint.) meu pai disse: você quer, está bem, você casa, mas eu sou contra. Ela casou e ... Mas houve aquele, como se diz, aquela burocracia, não é?
D
 Como era?
L
 Aí, em casa, lá em casa, ali... aliás, ele era, já era conhecido, era um pouco conhecido, mas não tinha acesso lá em casa. Então, a família conhecida nossa e dele levou em casa, não houve aquele ... Mas havia, no meu tempo havia conversa em portão, né? A gente namorava, eh, namorava, sim. Conhecia, às vezes numa fes... num baile, numa festa ou na rua, e conversava-se no portão. Se, se via uns temp... assim, um, uns dias e tal, depois, a mãe ... Nunca era o pai, nunca era o pai, né? Porque o pai era zangado. Então a mãe é que, a mãe é que chamava a atenção: olha, seu pai não está gostando de você estar conversando com aquele moço no portão e tal. Nesse, nessas alturas, os irmãos e, às vezes, até o pai já tinha procurado saber quem era o moço. Porque nós, porque eles acha... eles achavam que a gente não ... Era criancinha, criança, né, não tinha assim uma personalidade pra julgar, pra saber. Então se era pessoa conhecida, está muito bem, todo mundo conhecia, mas se era pessoa desconhecida, procurava-se saber, né? Aí, aí, aí, eu, a gente falava com ele: olha, minha família (inint.) aqui e tal, você vai lá em casa? Se ele tinha, nesse tempo a gente dizia boas tenções (sic). (riso)
D
 Boas tenções (sic)?
L
 É. Quer dizer, tinha vont... queria se casar. Ele ia, né, lá em casa, ele ia lá. Aí, ia lá, freqüentava uns tempos, como namorado. Mas já se conversava, se sentava no jardim, já se sentava no portão, porque lá pro subúrbio é comum isso, né? Já se passeava na rua, já se ia, né, passeava até a estação e tal.
D
 De mãos dadas?
L
 É, de mãos dadas. Toda época é isso mesmo. O amor é de toda época, é sempre a mesma coisa, como é de todas as idades. A mesma coisa. Depois, no fim da história, aí, pedia em casamento. Pedia em casamento ao pai. As famílias se, se aproximavam, né, as famílias se aproximavam de um e outro lado e pra se conhecerem mutuamente. Inclusive a família do marido também, do rapaz, também procurava saber quem era a moça. E fazia objeção também quando encontrava alguma coisa que não agradasse. Às vezes até ... Isso é que era o errado. Porque a... antigamente havia muita coisa errada. Igual a hoje, né? Em todas as épocas há coisas certas e erradas. O bom é a gente, se a gente pudesse juntar todas as coisas certas (inint.) a época atual também há muita coisa boa. Então essas famílias, a, a família ... Que que eu estava falando? A família ...
D
 Da moça, do rapaz (sup.)
L
 (sup.) Do rapaz também procurava saber, né? Então, se tudo acertava e se tudo ... Às vezes a moça in... insistiam e às vezes as famílias não queriam e as moças, aí, como se dizia, isso até hoje existe, fugiam, né, fugiam. Às vezes os pais largavam, não queriam mais saber da moça, outras vezes a família da, do rapaz fazia o casamento, outras vezes eles mesmos faziam o casamento entre eles. Havia nesse tempo ... Ainda outro dia eu estava falando com a minha filha. Eu tenho uma filha de criação. Eu, eu, eu, eh, no, no, na famí... ha... havia a questão da polícia, né? E a moça ... Dava-se parte à polícia e fazia o casamento pela polícia. Quando... Que hoje, hoje a moça ... A questão de virgindade é uma questão secundária. Naquele tempo não, era uma questão muito, muito importante, né? Eu também não acho assim uma coisa ... Havia medidas muito drásticas, no sentido de ... Com essas moças. Quer dizer, hoje é um ... Praticavam uma coisa que é um ato de sexo, dentro do amor, não é, da casualidade, da, eh (inint.) eles hoje falam em biologi... biológica, necessidade biológica, não sei, não sei bem se é isso, se for esse o termo (inint.) mas o negócio é que o, a, a polícia intervinha no casamento (inint.) e a moça ... Havia muita falta de caridade com certas, certas moças que tinham a infelicidade de não se casar. Isso é, eu acho até uma falta, uma falta de caridade mesmo. Tratavam desumanamente uma moça que se perdia, eles diziam que se perdia, né? Então essas moças ... Nesse tempo não havia muito trabalho pra mulher. No meu tempo de moça porque era... O trabalho, o trabalho pra mulher foi, começou depois da guerra de mil novecentos e dezoito, né? Eu sou de mil novecentos e treze. Quer dizer, o trabalho começou mais ou menos na minha época, que a mulher começou a trabalhar fora. E havia muita sanção no sent... A moça que cometesse um erro desses, no sentido de moral, quando se considerava isso um erro, uma mulher perder a sua virgindade, era um erro. Uma coisa! Então essa mulher, se não tinha cer... se ficasse ... Se às vezes a família acomodava a situação, ninguém sabia de nada, continuava e tudo, ficava feliz lá ou, não sei. Mas se ela, se os pais, eh, ela não se casava e os pais botavam na rua, era uma mulher, era uma infeliz, uma desgraçada, condenada. E todo mundo ... Era marcada. Isso era uma coisa horrível! Isso é um atraso! Isso é uma coisa (sup.)
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 (sup.) E hoje, a senhora acha que há uma tolerância (sup.)
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 (sup.) Acho, acho, acho. Isso eu acho tam... isso eu acho formidável! Quer dizer, isso eu acho uma coisa ... Considerar uma mulher ... Não ter ... Eu acho uma coisa mais ou menos natu...
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 (inint.) liberdade?
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 Não, não. Excesso de liberdade, não. Mas aquelas medidas drásticas, rigorosas demais, tornasse uma mulher, porque ... E o homem? O homem não era tratado assim. A mulher era. Uma mulher marcada (inint.) a gente não podia fal... Eu me lembro. Quando acontecia isso, papai ficava ... A gente não podia nem cumprimentar. Eram as mulheres perdidas, da vida. Quer dizer, isso é uma coisa completamente desumana, né, desumana! E não tinham acesso a lugar nenhum, nem a trabalho. Isso é que é pior, que elas não tinham acesso ao trabalho. Inclusive no, o meretrício começava era daí, né, era formado da, da, das, das, dessas infelizes que acontecia, uma coisa que acontece, num momento, é uma coisa de instante. Ela conheceu um rapaz que gosta e acontece. Mas às vezes era uma moça muito distinta, muito séria, não é? E que acontece um fato desse num momento, numa, numa oportunidade, numa coisa, e fica ... Não tem aquela ... O rapaz não casa por isso ou por aquilo, às vezes até ele gosta dela mas, acontece qualquer coisa, não casa, tornava-se uma mulher infeliz, desgraçada, marcada.
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 A senhora estava falando do casamento da sua irmã e disse que seu cunhado não conhecia a família, foi uma família amiga que apresentou?
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 Não, conhecíamos, mas não muito. E a, a (sup.)
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 (sup./inint.) eu só queria saber como foi, eh, como, coisa assim (inint.) oficialmente como é que, como é que ficou resolvido o casamento, os detalhes da própria cerimônia, a senhora não se lembra não?
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 Isso era uma coisa tão simples, tão natural. Eles de ... A família interviu, essa família que já nos conhecia, conhecia ele, esse rap... esse senhor, interviu junto à mã... sempre é a mãe, né? A mãe que é a casamenteira, a, a mãe, inclusive a minha mãe era muito boa, minha mãe era um, uma, muito boa mesmo, era um gênio assim que precisava de, de ... Muito ingênua, muito amiga, sabe? Então sempre a mãe é que (inint.) sempre era a mãe que era a intermediária entre o pai e os filhos, porque nesse tempo os filhos e a mãe ... O pai, o pai fazia questão, era um outro erro da minha época, o pai fazia questão de ser o bicho-papão da família. Então ficava, tratava sempre ... Os pais, o pai, pai, o elemento masculino, era zangado, pra impor respeito, e a mãe era sempre a, a, a que acomodava. Inclusive nesse tempo, no meu tempo, no meu tempo de moça, no meu tempo de criança e de moça, a, o pai ... Havia ainda, o casamento ainda era daquele tipo antigo, né, e o pai ... Havia realmente amizade, havia conversa, havia uma, uma compreensão entre marido e mulher. Havia casamentos, casais muito bonitos, muito compreen... que eram amigos mesmos, mas sempre o marido era o, uma espécie de dono, né, de dador das ordens, né? Isso era no meu tempo. Isso mudou muito. E mudou muito rápido. Hoje não, hoje, a mulher, eh, e o marido são realmente companheiros e um, quando vai fazer uma coisa ... Mesmo nos casamentos, nos casamentos cem por cento, né, a mulher e o marido são dois companheiros que se entendem e que, quando um vai fazer uma coisa se entende com o outro, quando o outro vai fazer, também se entende, quer dizer, há uma, uma associação mútua, uma simbiose verdadeira. No meu tempo não. No meu tempo, o, o, o marido era o dador das ordens. Então, quer dizer, mas a mãe era acomo... Era o pára-raio da família, entendeu? Era o pára-raio.
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 E depois que oficializava a situação?
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 Bom, aí, aí, a mãe dizia: olha, ele vem aqui tal dia. Mas a gente ... Isso era ta... Isso era ... A filha quase sempre não sabia. A gente devia, ah, quer dizer, eu nunca tive, não, eu nunca tive noivo, eu nunca tive noivo. Minha irmã foi que foi noiva. Foi noiva duas vezes. Então: vem aqui, olha, vem aqui fulano tal dia, ele vem falar com você. Mas, quando vinha, não pedia em casamento, mas pedia permissão pra entrar em casa. O rapaz, o rapaz, esse, nesse caso era um senhor, pedia permissão, né, pra entrar em casa, freqüentar a casa, explicando ao pai que, que ele não podia casar no momento, mesmo porque não conhecia ainda, mutuamente ainda não se conheciam, precisavam ter um período pra conhecimento e que, e também ele não estava em condições, se não estivesse, nesse caso ... Não era o caso de meu cunhado. Meu cunhado já tinha casa, já tinha tudo. Aí, aí, falava ... Aí ia falando e tal e etc. E meu pai, e coisa, depois aí era o período de namoro, de conhecimento entre os dois e de conhecimento também ... Enquanto isso, as famílias, de um lado e de outro estavam fazendo as suas pesquisas.
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 E a preparação da mulher (sup.)
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 (sup.) Bom, depois (sup.)
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 (sup.) Para o casamento? A mulher se preparava (sup.)
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 (sup.) É . Depois no segundo (sup.)
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 (sup.) Toda para o casamento, né? (sup.)
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 (sup.) Depois vinha o noivado. Ainda no período de namoro não era muito de preparação, porque era um período instável, né? O noivado sempre, o noivado era, era um período de, mais de, de, de mais, mais sério, de mais responsabilidade. O noivo que desmanchasse o casamento, já era uma coisa mais séria, sabe? Inclusive havia casos até de pessoas ficarem, como é, constrangidas moralmente. Achavam que as filhas feriam a moral desmanchando o casamento. Lá em casa não, mamãe achava que não. Depois ... Aí, vinha o período do noivado. Aí pedia o casam... pedia em casamento. Sempre dava uma festa no pedido de noivado, no noivado e tal. Era, era ocasião de festa, festa. Porque as festas públicas a gente quase não freqüentava, né, as festas, se freqüentava sempre em casa de família. Era batizado, casamento, aniversário, sabe, essas coisas, casa... sempre nas casas tinha piano, as casas, tocava e a gente, às vezes tinha muita gente de fora e conhecia gente ali. Ou então, quando tinha festa assim, grande, era só (inint.) as amiguinhas da moça iam. Pedia em casamento. Aí, sim, aí que vinha o período de preparação. Preparação de parte da mãe, eh, eh, sobre o que ia encontrar do marido, né, ou sobre a (inint.) ato sexual. Essas coisas, lá em casa, minha mãe sempre explicava, sim. Explicou lá, né, minha irmã e tudo. Minha irmã ... As moças antigamente não estavam muito por dentro dessas coisas não. Nos próprios colégios, a gente não estudava isso. Mesmo, a senhora sabe, quando eu lecion... comecei a lecionar, eu comecei a lecionar em quarenta e, quarenta e, quarenta e seis, a senhora sabe que nos colégios ainda, nos colégios de freiras era proibido falar sobre reprodução? Sim, senhora. Em quarenta e seis. Outro atraso, né? E não se podia comentar essas coisas. Crianças ainda vinham de ... trazidas. Pra criança dizia que a, o bebê ainda era trazido, né, e deixado na (inint.) deixava na porta, deixava não sei aonde, aquelas coisas. Aqueles atrasos que isso está errado, isso está muito errado! Não se preparava a criança pra essas coisas, a criança tinha uma decepção. Inclusive até na religi... até na igreja, a gente se decepcionava depois, mais tarde, com certas coisas da própria igreja, né, que não esclarecia bem. A gente ficava assim decepcionado. Bom, mas, as mães mais assim explicavam à filha. Não explicavam com essa clareza que hoje as mães explicam, dado aos costumes e também à educação, à instrução, ao conhecimento, que as mães não tinham, né? Antigamente as mães tinham o quê? Primário só, né? E sobre isso ... Nesse lado, sobre questão de reprodução, de evolu... de embriologia, essa coisa toda, ato sexual, isso elas, elas conheciam o que, o que empiricamente, o que faziam e o que o marido dizia e, às vezes, uma amiga ou outra comentavam assim, às vezes até errado, né? Quer dizer que ... Mas, dentro de, de suas possibilidades elas sempre, minha mãe explicou. No dia, quer dizer que ela foi, não teve surpresa nenhuma, não teve ...
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 E as coisas que levou?
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 Ah, e outra coisa (sup.)
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 (sup.) Porque sempre que a moça casava, ela preparava coisas, não é?
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  Ah, sim, preparava. Ah, isso, minha irmã, desde que mocinha, ela começou. Ela tinha muita vontade de se casar. Minha irmã tinha uma vontade louca de se casar. Aliás, todas as moças antigamente tinham muita vontade de se casar. Eu também tive vontade de me casar, tive vontade de me casar. Era da era, natural da era. Hoje não, hoje, né, uma moça tem mais ou menos, mas não tem aquela ... Porque o casamento era uma coisa normal, era uma, era uma, uma fase. A gente, criança, nascia, crescia junto dos pais, tinha o pai e sabia que o pai ia morrer e que a gente teria um marido pra nos apoiar, moralmente e economicamente, sob todos os aspectos. Então a gente já sabia que aquilo ia acontecer. Então minha irmã, minha irmã é muito, muito, como se diz, muito ... Tem muito jeito pra, pra trabalhos, costura, bordados, crochê, tudo isso ela faz muito bem, muito, muito direitinho e tal. Então minha irmã tinha, tinha ... Nesse tempo usava uns baú, uns baú de folha. Até quando se viajava levava aqueles baú de folha. Havia, havia já as malas, mas havia também os baús, bonitinhos, assim, com uma alcinha. Então, ela tinha um bauzinho assim, cheio de crochê. Crochê e bordadinho que ela fazia. Especialmente crochê. Minha irmã foi juntando, juntando. Depois ela começou a namorar o primo, né? Que sempre era o primo, que o primo é que tem mais convívio dentro de casa. Então vinha, então começou a namorar o primo. As duas famílias fizeram muito gosto. Mas ele não fez. Aí desmanchou. Chegou a ser noiva dele, ficaram noivos mas ele desmanchou. Depois ficou noiva da min... desse moço, mas esse ... Aí vem o preperatório do enxoval, aí, sim. aí, elas faziam questão. O bonito era a mulher, a noiva fazer o seu enxoval. Nada comprado. Então fazia. Comprava aquilo que fosse, que, que ela não soubesse fazer, não é? E principalmente coisas assim que fosse usar no dia ... Faziam muita questão de, de colchas e, e roupa que fosse usar no dia, muito bonita e tudo, né? Então se ela tinha jeito pra fazer, ela fazia, se não tinha, aí, comprava, mandava fazer com ... Aí era assim. (riso).