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PROJETO NURC-RJ

Tema: "Terreno"

Inquérito 0207

Locutor 243
Sexo masculino, 60 anos de idade, pais cariocas
Profissão: historiador
Zona residencial: Sul

Data do registro: 01 de maio de 1974

Duração: 50 minutos

Clique aqui e ouça a narração do texto


D
 Certo. Então vamos começar por aí (sup.)
L
 (sup.) Está bem. Bem, eu nasci na rua do Catete e vivi no começo da minha vida sempre no Catete. Depois fui transferido, meu pai mudou-se para a Glória na rua, na rua Cassiano, hoje é chamada Hermenegildo de Barros, que era um ministro do Supremo Tribunal. E lá vivi quase toda a minha mocidade. Era um menino muito levado e brigava muito na rua e me lembro muito também daquele, do ministro, o ministro era uma figura es... muito especial porque ele morava lá em cima, até hoje a casa dele existe, eu até, eh, já tive ocasião, tive muita vontade comprar a casa desse ministro porque a casa ocupa uma posição privilegiada no Rio de Janeiro. De qualquer parte do Aterro atual você vê a casa, ele está na colina da rua Hermenegildo de Barros. Então ela divisa todo o panorama da baía do Rio, tem portanto uma posição ... Ela é em frente da atual casa do Pascoal Carlos Magno. Ele mudou, pintou, e ela é em frente da casa. Então eu toda a infância passei ali, eu fui aluno, no começo, do colégio Santo Antônio Maria Zaccaria que fica ali em frente da Andrade Pertence e era um colégio de padres, né? Como é até hoje, né, e depois fui também aluno da escola Deodoro que fica exatamente ali na esquina da Conde Lage com a rua da Glória. De modo que a minha vida toda se tem, se desenrolou entre a Glória e a Lapa e o Flamengo, o Flamengo (sup.)
D
 (sup.) É muito diferente essa área, né? (sup.)
L
 (sup.) Foi nessa área exatamente em que eu vivi toda a minha mocidade. Eh, a Lapa eu já menino, eu ia fazer algumas compras pra minha mãe na Lapa, ia comprar pão, aprendi a comprar, a conhecer bem pão porque comprava pão. Por exemplo eu noto que as pessoas, por exemplo minha mulher não sabe comprar pão porque não aprendeu desde cedo, eh, o pão bom, quando está bem cozido, essa coisa (sup.)
D
 (sup.) Sim.
L
 De modo que depois mais tarde rapaz eu me distraí muito na, na, na Lapa, né? Era ponto de reunião, de rapazes, essa coisa. E, e também o Flamengo onde comecei, eu fiquei, eu era uma, uma pessoa muito franzina, muito doentia porque sofria das amígdalas, depois fiz operação de garganta e o médico aconselhou que eu fizesse natação. Então eu comecei a ir nadar e ia para a praia do Flamengo e fazia, comecei a nadar muito, fazia natação e à noite, eh, havia aquilo que se chamava aquele passeio pela calçada do Flamengo. Então a gente passeava por ali, via as meninas ali, namorava, fazia ... Tudo era feito, não havia esse movimento de hoje e ali havia aquele 'footing' de noite, como havia também especialmente nos domingos. Os rapazes ficavam por ali, as moças passeando como qualquer cidade do interior. E você hoje só vê no interior, quando havia isso no Rio de Janeiro. Então, eh, eu conheci, não é, o Rio nessa fase assim de, era realmente agradável andar na rua, você conhecia as pessoas, você conversava, você saía pra tomar um cafezinho, e isso eu tenho sentido muito ultimamente a diferença do Rio. Eu me lembro que quando comecei a namorar minha mulher e fomos uma vez pela avenida Rio Branco ela ficou extremamente surpreendida porque eu quase que cumprimentava todo mundo na, na avenida, parava pra conversar com uma por... com uma porção de pessoas. Como ela era uma pessoa vinda de fora, vinda de Minas aquilo era uma surpresa, como é que eu podia numa cidade que para ela era uma cidade enorme, eu conhecer tantas pessoas como eu conhecia. E realmente eu hoje passeio nessa, no Rio de Janeiro não conheço mais ninguém. E esse fenômeno foi um, é um fenômeno muito interessante porque eu me lembro que há dois anos passados quando eu fui exatamente ... Eu estou falando muito rápido?
D
 Não (sup./inint.)
L
 (sup.) Eu fui para a Colúmbia por exemplo, para a universidade de Colúmbia, em setenta, eu, eh, hum, vi a, o mesma coisa, um rapaz Ralph de la Cava, de origem italiana, professor de assuntos de história do Brasil, autor até de um livro muito bom, nessa época ain... o livro ainda não tinha saído e ele era, ele, eh, ele tinha exatamente aquela posição que eu tinha na, há alg... alguns, vamos dizer, há uns trinta anos no Rio de Janeiro, quer dizer, ele foi passeando comigo pela Broadway, na altura da universidade, não a Broadway no centro da cidade, mas a Broadway no, na altura da universidade e ele cumprimentava pessoas, mas não pa... não parava, andando comigo cinco minutos, porque de cinco em cinco minutos ele parava pra cumprimentar uma pessoa, pra bater um papo, pra conversar. E inclusive pessoas do outro lado que ele também cumprimentava com a maior, eh, satisfação como se fosse um grande amigo. Isso foi uma transformação muito grande, quer dizer, o Rio para mim na época da mocidade foi esse centro, eu não tenho exp... muita experiência de fora do Rio, mais de, de, de outras áreas, eu não freqüentava as áreas de, do, do, nem da zona norte do Rio nem mesmo Copacabana, pra aqui pouco vinha. O máximo que eu atingia era Botafogo mas, eh, a minha, eh, área de, de vida no começo da minha, na minha moci... na mi... na minha mocidade, na minha infância, no meu, na minha mocidade se circunscreveu a essa área de Lapa, eh, Glória, Catete e o largo do Machado, o largo do Machado que foi muito importante, o Lamas em que eu, como estudante também freqüentei, conheci, eu ia todas as noites pro Lamas, todas as noites eu ia pro Lamas. De modo que viagem pra fora eram muito poucas, meu pai, eh, nós éramos uma família relativamente grande, que fomos oito irmãos, morreram três logo no começo e ficamos cinco, então, eh, nós não podíamos fazer assim muitos, muita viagem, ele tinha seus recursos limitados, de modo que passeávamos sempre nas férias, mas o que íamos era pro saco de São Francisco do outro lado da baía que era uma zona relativamente, eh, modesta (sup.)
D
 (sup.) O senhor poderia descrever o saco de São Francisco? (sup.)
L
 (sup.) Para as suas possibilidades. O saco de São Francisco era também uma praia e eu tenho ido lá agora e ela está completamente modificada, mas era uma praia ainda em estado, eh, rudimentar, primitivo, uma praia com pouquíssimas casas, com a, havia um pequeno hotel e ali nós nos hospedávamos e passávamos o dia, um dia de praia, mas era, eh, ainda bastante primitivo, muito mais do que é hoje certas praias que existem ainda em Niterói como essas praias que agora, ora, um tipo aproximado do que é Itaipu hoje, Itaipu, a praia de Itaipu. Naturalmente tinham que ... O Lago de São Francisco é menor em proporções. Também freqüentávamos, no... eh, Friburgo, uma vez ou outra íamos a Friburgo. Eu não tenho muitas recordações de Friburgo, tenho recordações mais modernas lá, mais recentes, ainda há poucos anos houve um, um congresso de metodologia da história que eu compareci, mas também completamente modificado. A única coisa que eu me lembro é do, assim de momento, é uma viagem que fizemos e quando chegamos em Friburgo chovia tanto que foi um desastre a nossa chegada lá e a própria casa que tínhamos e papai tinha alugado era uma, estava também ameaçada pela chuva e de modo que não tenho assim muitas recordações, quer dizer, viajei muito pouco, mesmo dentro da cidade muito pouco (sup.)
D
 (sup./inint.)
L
 (sup.) Não fazia muitas viagens. Havia uma tia que morava em São Cristovão que eu ia visitá-la, uma tia da parte de meu pai e eu às vezes ... Eu sempre freqüentei muito a minha própria família, procurava às vezes, sempre tive contacto, então eu ia visitar essa minha tia por minha iniciativa mesmo, ela me dava um dinheirinho sempre, é verdade (risos) mas eu ia visitá-la e ela no final, ela gostava de mim, me dava um dinheirinho aquilo me servia, me ajudava, né? Mas eu ia não por causa do dinheiro realmente mas ela me visitava. Também tinha um tio que morava, morou muito tempo, na, na, na Bento Lisboa, esquina de Bento Lisboa com Pedro Américo e ali eu ia muito procurá-lo, depois ele ganhou mais dinheiro foi morar no Jardim Botânico, aí é que eu comecei a freqüentar o Jardim Botânico. Esse meu tio que era de origem, era pernambucano mas de origem portuguesa, ele tinha duas filhas, mas não tinha filho. Então ele gostava muito de mim, era como se eu fosse um filho dele, embora ele não fosse, ele fosse meu tio por afinidade porque era casado com uma tia, então este meu tio foi quem pela primeira vez começou a me levar a futebol e eu ia todos os domingos pra casa dele pra irmos ver o jogo do Flamengo, que ele era Flamengo, e eu que nasci no bairro e sempre achei que futebol é paroquial, é da paróquia, é da nossa paróquia, eu não poderia deixar de ser Flamengo, como fui sempre: carioca e Flamengo. Então, aco... acostumei-me a ir ao jogo de futebol e passei a gostar muito e até hoje é como minha distração, eh, verdadeira, a única coisa onde eu vou e eu esqueço todos os estudos e descanso mesmo é num campo de futebol, é o lugar que eu mais posso me distrair é num campo de futebol e, eh, naturalmente eu ia pra os campos pequenos, pra todos os campos porque naquela época não havia Maracanã, então eu ia assistir ... O primeiro jogo de, de futebol que eu assisti foi o, o campeonato sul-americano, em mil novecentos e dezoito, quando se construiu, tinha se acabado de se construir o, o estádio do Fluminense e eu vi pela primeira vez o estádio do Fluminense num campeonato, eh, sul-americano. E depois com ... E freqüentava muito o Flamengo, o Clube de Regatas do Flamengo não só a sede que eu ia, passei a ser sócio desde menino, então ia pra nadar, pra, também pra remar, remei e também passei a ver os jogos, que era na esquina da rua Paissandu com a Farani, aonde hoje tem uma porção de prédios, aquilo era um campo de futebol do Flamengo. Ali eu me distraía no início da minha, da minha, da minha infância muito porque o jogo era de uma intimidade que não existe mais hoje. A gente ficava na, ficava na ... Ou ia pra, pro lugar dos sócios porque meu tio era sócio mas, ou então ia para junto duma, junto da, da grade e conversava-se com os jogadores no meio do, no meio do, do jogo conversava-se com os jogadores e o meu tio que queria ganhar de toda maneira passava dinheiro pros jogadores, eu vi muitas vezes isso: ganhe o jogo! Ganhe o jogo! Juntava dinheiro e passava dinheiro pro jogador pra ele ver se ganhava e ele saía naquela satisfação. De paisagem eu realmente não sou bom guardador de paisagens, não guardo elas muito na memória, de modo que é muito difícil eu falar assim paisagem, mesmo porque a minha paisagem é muito urbana, não é uma paisagem de, de, de, eh, não é uma, uma, uma paisagem, eh, por exemplo, a par... parte toda, a, a minha paisagem é sempre uma paisagem do mar, da presença do mar e da montanha que é a cidade do Rio. De modo que isso é que eu tenho, é o que eu tenho guardado. Uma vez ou outra eu me recordo de um trecho, de um pedaço de paisagem de viagens que eu fiz mas eu não sou muito capaz de descrição, eh, mesmo como historiador que eu me dedico, eu o que me interessa muito mais é a parte humana do que a parte paisagística ou terrena.
D
 O senhor viveu bastante no Flamengo e eu, eu acho que uma época assim o Flamengo tinha outra, outra figura como o Rio todo. O Rio, o Rio de Janeiro está bastante modificado, não é, fisicamente, o próprio Flamengo desfigurado bastante também? O que que o senhor acha disso?
L
 Bom, isso eu acho que realmente há uma, uma modificação mas não é uma paisagem natural, né? Só que mudou a paisagem natural, é a paisagem urbana que mudou, né? De modo que a, a, as, o Flamengo não tinha quase que, não tinha edifícios de, não tinha apartamen... desses edifícios altos, não tinha edifício de apartamento, isso começou pela fase de trinta, depois de trinta, de modo que como eu nasci em treze até trinta estou com dezessete anos. Então, essa, essa paisagem que eu conservo do Flamengo é uma paisagem de casas, eh, são casas, não havia o aterro, era pa... praia, hum, eu, eu vi o campo do Russel quando come... quando se fez o campo do Russel, porque o, a praia, a Glória ia até onde está hoje o relógio da Glória, ali é o mar. Então eu já isto não me recordo bem, sei que ia, que me diziam que ia até ali, mas eu não cheguei a ver o mar batendo na, na, na, naquela encosta que existe hoje que faz aquele muro, não vi, eu lembro já do muro construído e embaixo o bonde passando. Me lembro então do aterro do, da praia do, do, do campo do Russel onde eu fui jogar muito futebol como menino, ia jogar futebol no campo do Russel, eh, a garotada jogava futebol ali. E aqui e fi... E me lembro da fei... da, da, do aterro do Rio, do aterro, se a construção do aterro, me lembro da destruição do morro do Castelo, mas já não morro, eu não me lembro do morro absolutamente, me mor... me lembro de quando o morro foi desfeito. Me lembro do começo da, da, da, do que se chama hoje a, aquela área da Cinelândia, a chamada Cinelândia. Isso eu me lembro na, ainda me lembro, hum, da esquina onde havia, quer dizer, quando acaba, tinha se acabado de destruir o morro, porque o morro vinha sem aquela ali, então tinha se acabado de destruir o morro e tinha aquela zona toda do morro abaixado e depois o aterro que se fez. E havia, ainda não havia aqueles edifícios também, era tudo muito modesto, pequenas casas, na esquina eu me lembro que havia uma, uma, uma, uma, uma espécie de, de, de, de, de, como é que se chama isso de divertimento, de, de, como há hoje, havia aqui na, na Lagoa, essa, essa pra divertimento (sup.)
D
 (sup.) Hum, hum (sup.)
L
 (sup.) Com uma porção, uma série de jogos e de brinquedos e, e, hum, coisas de circo, negócio desse tipo. A avenida Rio Branco também eu vi um pouco da transformação da avenida Rio Branco, ainda havia as árvores no meio da, da rua, depois essas árvores foram retiradas, mas, e também me lembro da construção da Cinelândia que fizeram uma coisa, pra nós era uma coisa longe. Quando eu conheci, sabia que alguém tinha ido morar lá achava muito estranho porque aquilo era, era uma parte inteiramente nova da cidade. A princípio se pensava que aquilo fosse só para moradia, mas acabou sendo uma, uma zona comercial. Hoje ela é mista porque existe gente que também habita ali. Eu conhe... conheci, inclusive Bandeira morou lá, Genolino Amado morou lá, eu hoje conheço um rapaz que, que é desenhista, cartógrafo e membro do Instituto Histórico, ele é cartógrafo especialmente como profissão e ele mora lá com a fa... com, com, com a senhora. De modo que muitas pessoas moraram na avenida Beira-Mar depois que ela foi construída. De modo que essa, essa paisagem do Rio, paisagem, eu acho que a transformação são duas: a transformação da paisagem urbana e a do mar, cada dia o Rio foi recebendo maior quantidade de pessoas, pessoas, eh, vindas de toda parte do Brasil, então foi crescendo a população, nós fomos nos tornando uns desconhecidos dos outros, tendo que fazer novas amizades que vinham aparecendo vindas de outras, de toda parte do Brasil e me lembro da transformação material, quer dizer, por exemplo, Copacabana era um lugar longínquo. A gente pra vir aqui em Ipanema era uma coisa, era uma façanha vir ao Ipanema ou Leblon, isso era um, uma espécie de uma viagem. E mesmo Copacabana, quando começou Copacabana depois de trinta e dois, depois de, de trinta, trinta e dois, começaram (inint.) trinta, trinta e dois começou a construção dos edifícios do aparta... de apartamento de Copacabana, na base de trinta, pós-trinta, mas ainda me lembro de casas, casas boas. Eu me lembro, por exemplo, da casa do, do ministro Afrânio Mello Franco que era ali pelo posto seis. Eh, me lembro de casas muito boas, havia muitas casas. De modo que a transformação do Rio se operou nesses dois sentidos (sup.)
D
 (sup.) Alguma coisa (sup.)
L
 (sup.) E para pior, né? Na minha opinião, naturalmente que eu sei que é muito difícil ... Eu, como historiador, acho que as coisas nunca mudam para pior, mas pessoalmente a gente sente que muda pra pior porque é o contato pessoal que no caso vale, não o que ela representa como transformação social, isso é um outro aspecto, de modo que deve ser distinguido o aspecto, vamos dizer, pessoal que você perde relações, perde amigos, perde uma, uma, uma, uma, uma cidade que se transforma que você está acostumado com ela, por exemplo, uma cidade que tinha o bonde que era uma coisa explêndida, e você, eu, eu, eu ia pra faculdade de, de Direito só podia ir a pé, eu hoje faço caminhadas grandes mas eu ia de bonde e até o largo do Machado e ia pra, pra, a faculdade de Direito funcionava na rua do Catete depois é que ela foi pra o antigo edifício do senado, que o, na rua, rua, ali perto da praça da República, né? Hum, mas de modo que o bonde era explêndido, a gente mesmo em viagens curtas você lia jornal, lia livro quando você fazia uma viagem a Copacabana vinha acompanhado de livro, vinha lendo. De modo que era um, era um verdadeiro passeio vir a Copacabana, você podia ir e voltar faz... lendo um ... Hoje você não faz isso de espécie nenhuma. Eu me lembro porque, por exemplo, eu uma vez, eu, eu quando vim morar aqui na zona do Leblon, na, logo a primeira vez que eu vim morar longe, eu quando ia pra cidade, eu já tinha carro, eu muitas vezes escrevia um artigo, quer dizer, não digo que escrevesse, mas eu arquitetava completamente o artigo conduzindo o automóvel, o que mostra a passividade com que se dirigia. Uma vez contei isso ao Carlos Lacerda e ele então me disse que exatamente acontecia a mesma coisa porque o Carlos Lacerda foi meu contemporâneo de faculdade, eu o conheço desde rapaz, era, ele é da minha idade, está fazendo hoje ou ontem sessenta anos, nós fomos companheiros de faculdade, embora ele não tivesse nunca se formado porque ele sempre largou as coisas pelo meio. Mas ele então, eu me lembro que eu falei isso com ele e ele me disse: pois, olhe, eu vou a Petrópolis e escrevo artigos inteirinhos guiando o automóvel. Isso significa o quê? Que a condução era muito fácil. Hoje você não pode se distrair o mínimo na direção de um automóvel que você bate. Não só pela quantidade de sinais, pela quantidade, pelo movimento, pelo trânsito, mas também pelo número de pessoas que conduzem mal. Então você tem que estar se desvencilhando daqueles que mal dirigem. Então é uma transformação, o barulho, por exemplo, o Rio não tinha barulho, o Rio, eu me lembro que onde eu morava na Glória você ouvia cantar galo, coisa que você só ouve no interior, mas você ouvia cantar galo, você ouvia sino de igreja, coisa que, vocês sabem, só ouve no interior. Então a cidade tinha um aspecto que, eh, perdeu completamente, essas peculiaridades da cidade que foram desaparecendo, essa movimentação toda. Hoje, por exemplo, eu acho intolerável vivermos parecendo, essa movimentação toda. Hoje, por exemplo, eu acho intolerável viver onde eu vivo, eu só vivo aqui porque a minha mulher não quer deixar aqui, eh, a, o, esse ponto, porque mora perto do pai, o pai está muito velho e ela então quer dar uma assistência pro pai, mas eu não moraria mais, nem no Rio de Janeiro não moraria mais, apesar de ser um carioca, no caso, pelo lado materno eu sou carioca quatrocentão, quer dizer, venho da, da parte da minha mãe eu sou Teles de Menezes, que o, que era ... O, o, o Teles de Menezes foi uma família muito poderosa no Rio, basta dizer que onde tem o paço, que era o Paço Real, onde hoje é, é o telégrafo, defronte que está hoje instalado aquele edifício tem lá o Arco do Teles, não sei se você conhece. Pois o Teles tinha um edifício enorme, é o Teles de Menezes, eles foram sempre o, eles tinham uma propriedade do juizado de Órgãos, mas era uma propriedade, era uma família de, de, de, de grande propriedade territorial no Rio, em Jacarepaguá, hum? Então eu pelo lado materno venho dessa família, quer dizer, eh, o Diogo Teles que foi o primeiro, primeiro Teles que entrou no Brasil, chegou em mil seiscentos e cinco, mas ele chegou ao Rio de Janeiro e casou-se com uma Vila Boas Silveira, que era uma família fun... de fundadores da cidade. De modo que por essa razão eu sou considerado, eh, descendente dos fundadores da cidade, tanto que em, em sessenta e cinco, quando houve o cen... o quarto centenário foi feita uma medalha que foi distribuída aos descendentes dos fundadores e eu fui, a minha família, todos foram contemplados com a medalha, apenas eu não fui recebê-la porque, eh, o governador era o seu (sic) Carlos Lacerda com quem eu já não me dava mais, mas acabei recebendo em casa a meda... a medalha. De modo que por esse lado eu sou carioca de quatrocentos anos, pelo lado materno, né? Embora no lado da minha mãe exista uma francesa, por exemplo, compreende, e do lado de meu pai tem, o mais próximo é porque é português, esse Rodrigues é de um, de um português que se, que se, que é muito recente, é bisneto, né, é av... Não, é avô esse Rodrigues já é avô, quer dizer, que tem um português muito próximo, mas do outro lado não. Mas eu não, eu realmente por essa parte de fazer descrição de natureza eu não sei (sup.)
D
 (sup.) Queria perguntar ao senhor uma coisa (sup.)
L
 (sup.) Só se vocês me perguntarem coisas (sup.)
D
 (sup.) Eh, o senhor poderia nos explicar por que que essa cidade se chama Rio de Janeiro, quer dizer, com a paisagem dela, né?
L
 Bem, o Rio foi pela primeira vez visto, primeira vez que se viu o Rio foi na primeira expedição, mil quinhentos e dois. Como sabem, os navegantes vinham, os navegantes portugueses vinham acompanhado de um calendário, então eles iam batizando de acordo com o nome do santo. Aconteceu quando eles entraram aqui, eles viram, quando eles entraram na barra, na, na primeira expedição, eles, eh, pensa... confundiram a entrada da baía com um rio, o que é possível que o português fosse o português da área mais ao norte de Portugal, a Galic... a Galicia onde há, eh, as vias e daí eles confundissem rio. Como era o mês de janeiro porque eles entraram no Rio pela primeira vez em janeiro de mil quinhentos e dois, então é possível que o nome seja originário disso: Rio de Janeiro porque foi visto no mês de janeiro. Agora o nome, o nome atingiu toda a, o que se chamou de, de princípio a capitania, quer dizer, é uma, é a segunda porção da doação feita a Martim Afonso de Souza que chegou aqui em mil quinhentos e trinta e três, trinta e quatro, na expe... na, na expedição de que se origina as capitanias hereditárias. Agora depois ela se transformou numa capitania real porque com a, a vinda dos franceses, em mil quinhentos e cinqüenta e cinco, que os franceses dominaram o Rio, foi uma missão oficial conduzida por Mem de Sá que veio então tomar posse e o Rio se transformou numa, numa capitania real e não mais hereditária, não houve, como é o caso de várias outras capitanias, como é o caso de São Paulo que se origina de São Vicente, como é o caso de Pernambuco, cujo donatário, eh, permaneceu por muitos anos o ... Mesmo na época da guerra holandesa ainda porque o último donatário passou-se pro lado espanhol, então ele poderia ter perdido a capitania, mas não perdeu. As disputas em torno das donata... das dona... hoje se diz donatarias, né? Porque antigamente eu sempre aprendi donatários, isso é outra coisa que eu tenho visto agora dizendo se donatarias, né, mas eu aprendi, quando eu aprendi, aprendi como donatário. Enfim, o Rio, esse é um assunto que me interessa muito que hoje está se discutindo essa questão da fusão, né, de modo que esse assunto me interessa muito, Quer dizer, quando um navegante, mesmo, por exemplo, um homem como Fernão Magalhães, eh, quando entrou no Rio, ele, eh, a, a maioria dos navegantes ao entrarem na barra, o, as correntes marítimas levavam para o lado esquerdo, daí a razão pela qual a cidade vai se localizar do lado esquerdo da baía e não do lado direito, daí o desenvolvimento do lado esquerdo e não do lado direito. E ao mesmo tempo porque pelo lado esquerdo se encontrava uma aguada de primeira qualidade que era o rio Carioca, o rio Carioca que descia das águas férreas, quer dizer, era uma água limpa e pura e que descia e que vinha desembocar exatamente entre na rua Paissandu e a rua Cruz Lima. Então o navegante chegava ali e armazenava água para a viagem que ele precisava. Sempre que ele vinha à busca de água ele ia encontrar água ali, o rio lançava-se no mar ali exatamente nessa zona. Hoje ele é subterrâneo, ele foi todo colocado subterrâneo, mas ele vinha das águas férreas, era uma água muito pura. Então, eh, já nos primeiros mapas do Rio, eh, mesmo mapas dos mais antigos, mapas seiscentistas, mapas do começo de mil e quinhentos, já aparece a palavra carioca, é uma palavra que parece significar casa de branco, quer dizer, dos primeiros brancos que um deles deve ser João Lopes Brandão, que foi aqui um dos primeiros que localizou aqui no Rio. Assim como a palavra também Guanabara, que também tem a origem indígena, que tam... e que deu nome à baía, não, se não à baía, e carioca seria ... Agora já a palavra fluminense, que tanta gente faz questão é o tipo da palavra erudita que não tem nada que ver com as origens da cidade. Então a, ca... a ci... a cidade fez sempre parte desse conjunto, por isso eu sou partidário da fusão, inteiramente partidário da fusão porque acho que é um território íntegro que foi desmembrado por ciumeira de políticos mineiros, paulistas, baianos e pernambucanos que queriam enfraquecer o Rio de Janeiro, queriam enfraquecer o Rio de Janeiro e não conseguiram senão em noventa e um, porque o Rio então aí ainda não tinha perdido o predomínio econômico mas vai perder o predomínio político. É uma, é uma coisa muito curiosa porque a partir desse momento o Rio, o Rio sofre a ameaça do des... do desmembramento que vem a ser efetuado em sessenta. Então não havia ... Porque quando foi criado o município neutro com o Ato Adicional de mil oitocentos e trinta e quatro, o Rio ainda era parte, ele apenas estava neutralizado como município neutro, a própria palavra está dizendo, ele era neutralizado politicamente porque ali era a sede do governo imperial, mas ele fazia parte, inclusive eleitoralmente o, o eleito... o candidato do Rio, da cidade do Rio de Janeiro fazia parte da representação da província, e como sempre o Rio foi um baluarte do liberalismo brasileiro, a cidade, a cidade foi sempre a sede da maior força do liberalismo brasileiro. O liberalismo brasileiro do sul, né, porque outra fonte é Pernambuco, que foi sempre também uma das tradições (sup.)
D
 (sup.) Seria político ligar isso, esse aspecto com o fato da cidade ser um, um (inint.) litorâneas?
L
 Não, não acho porque uma dos aspectos da colonização portuguesa é que ela sempre se localizou à beira-mar, ao contrário das, das, das cidades espanholas que foram sempre localizadas no alto da montanha. O português sempre ficou próximo do mar e sempre naquela, não sei se por razões puramente estratégicas ele, ele se colocou, quando ele se entrou no Rio e o português se colo... localizou, foi se localizar na Praia Vermelha onde ele ficava escondido e podia ver, e podia de defender, mas acho que é uma diferença entre a colonização espanhola e a colonização portuguesa o fato de que a colônia, o colonizador português sempre preferiu estar à beira-mar. Aliás o frei Vicente de Salvador, que é o primeiro historiador brasileiro na história do Brasil, ele diz que nós estávamos, nós vivemos arranhando a terra como, como caranguejos, quer dizer, nós não penetrávamos, as penetrações foram muito demoradas e elas partiram realmente de São Paulo que era uma zona do interior. E a penetração pra São Paulo foi feita de São Vicente, né, pelos jesuítas que subiram a serra e acabaram fundando lá. De modo que o, essa, essa, a existência de loc... de, de cidade em zonas altas o, eh, São Paulo é que é uma exceção, São Paulo que é uma exceção porque as outras que vieram mais tarde, os casos das cidades, como Friburgo, como Petrópolis, tudo isso é dos meados, quer dizer, Friburgo é de mil oitocentos e vinte, por suíços, não são brasileiros, são suíços, Petrópolis é porque, na verdade Petrópolis é um, é comprada por dom Pedro por causa da filha Paula que se... ficou tuberculosa e foi recomendado um clima especial, ela foi pra Correias. De modo que o vigário Correia era o grande latifundiário da área, então dom Pedro levou a princesa Paulina. Hoje existe, na cidade de Correias, uma avenida chamada Princesa Paulina, ela morreu tuberculosa, mas ela foi levada pra lá, quer dizer, desde o começo se soube que Correias, aquele clima seco que é considerado como um dos melhores climas de áreas semitropicais e de, de, de zonas secas e não muito altas porque relativamente é mais baixo do que Petrópolis, então dali, então se expande pra Petrópolis, mas isso, Petrópolis é fundada em mil oitocentos e quarenta e cinco, portanto é muito mais recente, quer dizer, toda a colonização portuguesa é à beira-mar. Os ca... casos de São Paulo é uma exceção. Eh, o, tudo, tudo, tudo desde o norte até o sul é tudo fundado na beira do mar, a penetração é sempre um fenômeno posterior.
D
 Como é que o senhor vê esse chamado plano de desenvolvimento da Amazônia e essa penetração para o interior que se recomeça com Brasília e agora (inint.)
L
 Mas isso é muito antigo no Brasil, sempre se pensou nisso, quer dizer, desde Tavares Bastos, alagoano, ele fez as cartas, foi ele quem defendeu, foi ele quem defendeu a abertura do Amazonas, né, numa luta enorme, né? Em livros, não só, não, não só o "Carta Solitária", mas em vários outros livros ele defendeu a abertura do Amazonas às nações. Foi até muito suspeitado de que ele tivesse ligações, ligações, super... ligações, eh, estranhas com americanos, com interesses americanos. Eu me lembro que quando eu fui tomar posse na Academia, como a minha cadeira era exatamente a do Tavares Bastos, eu para fazer o discurso, de repente me surgiu essa dúvida porque eu havia lido, eh, a correspondência de dom Pedro quando ele recebe o visconde do Rio Branco, que era a pessoa de maior confiança de dom Pedro, talvez em segundo lugar viesse um alagoano chamado (inint.) foi um homem que gozou de muita confiança de dom Pedro, dom Pedro II, né, que esse é que é o grande estadista, dom Pedro I é uma aventura com vaievéns, com uma alma dividida entre um libertário e um liberticida, como foi Getúlio e como têm sido gaúchos especialmente, que são os mais, os maiores liberticidas que existem no Brasil, são eles, dali é que surgem, eles se acostumaram com as ditaduras e são os únicos capazes de imporem ditadura no Brasil. Porque eu não acredito, a não ser dois alagoanos, Floriano e Deodoro, mas que são casos excepcionais também da história do Brasil e são golpes de estado, mas o próprio Deodoro não é um ditador porque dá o golpe depois ele se afasta, na primeira pressão que ele sofre ele se afasta, então fica só o Floriano, mas é uma exceção, ou fica o Bernardes que também é outra exceção, mas também diante de condições muito excepcionais. Mas não é a intenção deliberada de estabelecer ditaduras, que isto é uma coisa que a gente só vê no gaúcho, quer dizer, só o Rio Grande do Sul, por isso que o Capistrano escreveu um artigo que de vez em quando eu releio para minha inspiração, eh, cívica que se chama, é o, é o "Prefácio ao Livro da Colônia do Sacramento". É um livro que foi escrito quando os portugueses caminharam para a colônia fundando a colônia que foi um movimento, um movimento de integração do Rio Grande que é um movimento aí por volta do século dezoito. Eu estou falando muito em história, não sei se isso interessa pra vocês (sup.)
D
 (sup.) Não, não (sup./inint.)
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 (sup.) Mas o movimento de, de, do Rio Grande, só vou terminar rapidamente, mov... é um movimento assim de, de, de movimento que se faz por, por, de três pontos: de Laguna, em que os, os la... os lagunistas caminham para o continente porque Santa Catarina é considerado uma ilha, só seria Florianópolis, depois passa-se pra Laguna, de Laguna então se penetra no continente, o Rio Grande foi sempre chamado o continente porque vinha-se de fora do continente, vinha-se da ilha, por isso é que é continente, chamava-se o continente do dis... depois São Pedro do Rio Grande do Sul, que eu lastimo profundamente que esse nome tenha sido perdido porque era São Pedro, era Santa Catarina, era São Paulo, era São Sebastião do Rio de Janeiro, era tudo com nome de santo, o Brasil ficaria muito melhor. Na ... Há certas coisas que a gente lastima, por exemplo, eu, a maior lástima que eu tenho na história do Brasil é que a princesa Isabel não tenha conseguido chegar ao poder porque seria a primeira mulher na, em toda a história da América que teria sido a primeira chefe de governo de um país. De modo que o Brasil desde, de antes do, do, do coisa, nós teríamos sido muito mais feministas de que qualquer nação do mundo, que teríamos tido uma rainha que não tivemos, perdemos a oportunidade por um golpe de, desses militares. Um golpe, né, porque foi um golpe contra o povo, porque o povo não queria realmente a queda da monarquia. Isso foi um golpe militar (inint.) do ponto de vista de grupos insatisfeitos. Mas enfim, eh, de modo que o Rio é uma unidade, isso é que é meu ponto, é uma unidade, por isso deve voltar a ser uma unidade (sup.)
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 (sup.) Quanto à questão da penetração para o interior que já alcançaram várias ferrovias (inint./sup.) sobre a penetração da Amazônia, eh (sup.)
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 (sup.) Bem, seria a penetração do Amazonas, o que eu disse é isso, é que Tavares Bastos defendeu, defendeu isto, naturalmente houve uma, houve um grande interesse americano e inglês, porque eles estavam convencidos que a abertura do Amazonas daria uma oportunidade muito grande para, para o desenvolvimento do comércio americano e do comércio inglês, quer dizer, seria a abertura do mercado. Eles não conheciam absolutamente, pensavam que ainda havia possibilidade, mas as populações não só eram uma população muito diminuta, como também era um, era extremamente pobre, de modo que não havia nenhuma dessa, dessa, nenhuma possibilidade de um mercado comercial que eles imaginaram possuir. De modo que isso é dos meados do século a Amazonas, o Amazonas que se chamava Rio Negro, quando, quando houve a Independência, e foi um negro esquecimento para com o Rio de Janeiro. Parece aí que há algum problema de caráter psicológico porque quando o Brasil foi criado havia dezenove províncias na independência, e uma delas era o Rio, Rio, Rio, Rio Negro, que era o Amazonas. E o Rio Negro se fez representar nas cortes constituintes, foi aceito representante, foi eleito e foi aceito. Quando chegou em, na assembléia constituinte continuou existindo o Rio Negro, quer dizer, havia o Rio Negro, mas na constitu... na constituição de vinte e quatro desapareceu o Rio Negro, eles não botaram na constituição, então o Rio Negro ficou subordinado ao Pará. E o movimento da libertação do Amazonas só se fez em cinqüenta, foi um movimento que demorou de vinte e quatro até cinqüenta para que o Amazonas ficasse livre. Projetos de desenvolvimento do Amazonas e essas, essa questão de, de, de ligação, de abertura, isso eu, é muito conhecido por toda as, da historiografia brasileira, desses (sup.)
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 (sup.) E o projeto de subdividir Amazonas, Pará, Mato Grosso também estão falando, ao mesmo tempo que vai haver (inint./sup.)
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 (sup.) Bom, o Pará, será o Pará, o Pará eu acho que também ele poderá ser dividido como o Amazonas é necessário dividir. Eu, no caso do Amazo... no caso do Amazonas, eh, eu me lembro que há alguns anos o tio da minha senhora que foi o primeiro engenheiro calculista de edifícios, de edifícios altos no Rio de Janeiro, ele era de origem alemã de Santa Catarina, mas era um, um engenheiro de primeira categoria, ele era, foi o calculista dos primeiros edifícios do Niemeyer. Então esse homem era muito culto, muito inteligente, eu conversava muito com ele e ele me falava muito de uns projetos, que afinal foram projetos anteriores de Couto Magalhães, de outros que no Brasil tentaram as ligações, as ligações fluviais. Isso no Império se tentou muito, nunca se pensou em estrada de ferro, e naturalmente não havia de rodagem, mas, eh, a idéia foi sempre da ligação, da interligação fluvial, essa é que foi a maneira de penetrar, quer dizer, se faria a penetração através do Tocantins, Araguaia, se subiria até chegar às áreas amazônicas. Quanto a, à divisão, eu acho natural porque o problema pra mim, que eu aliás eu vou fazer uma conferência e tenho que pensar no assunto, é que todo o sentido da história do Brasil é um sentido de integração, é um sentido de incorporação, essa é que é o verdadeiro sentido, porque o Brasil é um país em permanente estado de descobrimento, o Brasil não foi descoberto em mil e quinhentos, mil e quinhentos é apenas o começo da história do descobrimento do Brasil, o Brasil permanece sendo descoberto. Então, a, a história do Brasil é uma história de incorporação. De modo que o desmembramento como se tentou fazer com o Rio de Janeiro é, tem um sentido ahistórico, é um movimento anti-histórico. Agora se dividirmos para melhor integrar é outra coisa, porque então aí nós estamos procurando corrigir irregularidades nascidas da distribuição das capitanias e depois o movimento bandeirante que foram os dois, os dois fatos capitais da distribuição territorial brasileira: primeiro as capitanias hereditárias, a história da divisão territorial brasileira nasce com a divisão das capitanias hereditárias e depois então com o movimento bandeirante, que descobre nov... novas áreas e elas, e, e, e surgem, e surgem estados gigantescos. Ora, se exis... se existem estados gigantescos que dificultam o processo de integração e o processo de desenvolvimento, então eu acho natural que dividam, mas o que eu não acho natural é dividir uma coisa que tem uma unidade de quatrocentos anos, então aí não é, é uma desintegração, é, portanto, um movimento ahistórico.
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 Agora, como o senhor vê em termos da conseqüência da possível destruição da natureza que esse, esse projeto de desenvolvimento da Amazônia realmente ...
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 Bem, eu não tenho nenhum, estudos especiais sobre isso, tenho apenas lido o que tem saído aí nos jornais e (sup.)
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 (sup.) As conseqüências para o mundo, da vida, né? (sup.)
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  (sup.) Há um estudo que eu vi publicado por um alemão sobre a Amazônia, eu possuo esse trabalho, já li, mas li há muitos anos, de modo que eu não me lembro perfeitamente dele. Mas ele defendia essa tese de que esse, esse movimento de abertura, de destruição da flora e da própria, e da própria, da flora mas também da fauna, e também do indígena, porque o movimento de destruição brasileira do indígena é um movimento permanente, né? Que começa em mil e quinhentos realmente nunca se pode acusar um governo de destruir os índios porque os índios foram sistematica... sistematicamente destruídos desde mil e quinhentos, quer dizer, nós tivemos, nós tivemos, eh, desde o primeiro momento em que Tomé de Souza, logo depois de empossado em mil e, mil e quinhentos e quarenta e oito na primeira revolta de ilhéus, ele para dar um exemplo de castigo aos índios que se revoltavam, ele botou um índio dentro da, dentro do canhão e o despedaçou, que era para servir de ... Sempre o imperialismo usou dos processos mais ... Que o imperialismo é um filho, é o, é um irmão gêmeo do colonialismo, como o absolutismo convive com o colonialismo. Toda vez que há colonialismo, toda vez que há absolutismo, há colonialismo. No Brasil hoje, como há absolutismo, há colonialismo interno e externo, porque eles são irmãos gêmeos, são processos iguais. De modo que a partir desse momento o índio vem sendo destruído, depois houve a famosa guerra dos (inint.) e dom João VI teve a audácia de decretar em decreto guerra ofensiva contra os botocudos, foi o único governador, vou chamá-lo de governador porque para diminuí-lo porque nenhum governador-geral ou capitão-geral teve a coragem de declarar oficialmente uma guerra ofensiva, só dom João VI, foi o único que declarou guerra ofensiva por decreto, que está publicado que a gente encontra na coleção de leis: guer... de... declara guerra ofensiva aos botocudos. Então o fenômeno de destruição do indígena é um fenômeno brutal que se verifica especialmente nos Estados Unidos e no Brasil. Qual a diferença? É que os Estados Unidos já recuperou, a população indígena do, brasileira é calculdada em mil e quinhentos, em mil e quinhentos, em um milhão e quinhentos mil habitantes, que é mais ou menos a população dos Estados Unidos. Os Estados Unidos hoje têm uma população maior do que essa porque ho... hoje um dos grandes movimentos de direitos ou de defesa dos direitos humanos que existe nos Estados Unidos não é mais o negro é o índio, no momento agora é o índio, é a defesa do índio. E no Brasil esse movimento é ainda muito prematuro e muito, e muito complexo, muito indeciso, sem uma, uma definição real de como defender o índio. De modo que nós estamos hoje, nós que tivemos uma população de um milhão e quinhentos, estamos hoje reduzidos a menos de cem mil anos, cem mil índios. Há alguns com, com contactos culturais e outros inteiramente sem contacto e outros completamente destruídos. Já num, no, já a, a população negra eu tenho a impressão ela, ela se identificou, se integrou mais do que a própria população ... Embora a população indígena, eh, tenha tido uma influência enorme, a cultura, na, na, na cultura como, no sentido antropológico não no sentido intelectual, mas ela teve uma influência muito grande na cozinha, nas, nas formas de vida, na rede, uma porção de coisas que são típicas. Nós até hoje comemos farinha de mandioca, todo mundo come e é de índio. Eu me lembro que uma francesa que era senhora de um, de um arquivista quando eu fui direitor do Arquivo, eu pedi auxílio para, para poder fazer uma melhor formação de pessoal, eu pedi de, da embaixada francesa, da embaixada americana, da embaixada portuguesa. A embaixada portuguesa nunca me deu resposta, não deu a menor importância, mas a embaixada americana mandou-me o maior arquivista americano, que veio aqui, estudou muito a questão e apresentou um relatório do que ele achava da situação e das medidas que ele achava que deviam ser tomadas. E o, os franceses mandaram um arquivista de interior, mas excelente pessoa como homem prático, ele não era um teórico, mas ele era um prático. E ele passou aqui e formou muita gente que ainda está hoje no Arquivo Nacional por causa da, da, da, da forma prática com que ele ensinava. Ele não dava aula propriamente, mas ele formava o grupo e ensinava como trabalhar em arquivo. Então a senhora deste francês um dia jantando, ela, eh, quando chegou tinha uma farofa e ela disse assim: ah, não, isto é a única coisa no Brasil que eu não tolero. Ham, ela não tolerava farofa e nós gostamos tanto de farofa, né? De modo que, de não po... e eu, por exemplo, não posso comer farofa, mas todas as vezes, que eu não resisto à tentação, que ela me faz muito mal, mas todas as vezes que eu posso eu não, não re... Há muitas vezes que eu não resisto à tentação, mesmo que sabendo que no dia seguinte eu vou passar mal mas eu como pelo prazer de comer a farofa. A farofa ou a farinha mesmo, a farofa ou a farinha. Enfim, esse movimento de, de, de, de, da, da, da, da Amazonas, da Amazônia em geral, ele, eu tenho lido, não tenho conhecimentos especiais mas tenho lido que ele representa um perigo nesse sentido, um perigo à flora, à fauna e aos grupos indígenas, especialmente. De modo que se o governo não for muito cauteloso nessa matéria ele pode provocar um desajustamento muito grande da, de toda aquela área.