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PROJETO NURC-RJ

Tema: "Animais e rebanhos"

Inquérito 0189

Locutor 216
Sexo masculino, 40 anos de idade, pais cariocas
Profissão: professor de matemática
Zona residencial: Suburbana

Data do registro: 14 de novembro de 1973

Duração: 40 minutos

Clique aqui e ouça a narração do texto


L
 E até que por acaso é bom, o problema do, da, dos peixes porque é um bom sinal, né, de uma, de uma, de uma boa pessoa gostar de peixes, gostar de animal, é um bom traço.
D
 Você já teve algum animal em casa?
L
 Não, no tempo de solteiro, nós tínhamos lá cachorros, mas hoje não, morando em apartamento não dá, né, não há condição, nem, nem eu queria, eu não queria incomodar os outros, né, mas eu sempre achei (inint.) e desenvolvi, principalmente desenvolvi isso nas crianças e elas cresceram naturalmente sem essa tendência. Aqui eles vivem conversando a gente pra, pra arrumar cachorro, pra arrumar gato, às vezes passarinho, peixe, vivem pedindo, mas fica mesmo limitado ao zoológico, né? (pigarro)
D
 Quando o senhor morava lá em Cascadura, o senhor morava em casa?
L
 Certo, lá em Cascadura era em casa, onde nós vivemos trinta anos e, e de, e muito, muito (inint.) e naquela época com quintais com, com terreiros e com frutas, que é outra, outra coisa interessante, as crianças hoje não conhecem, né? Não conhecem mesmo, fico impressionado com os meus, como eles, eles não conhecem frutas e não querem provar, é um caso a gente fazer provar uma fruta, eh, e nem banana, banana aqui rola, é uma coisa. Mas lá não, havia muito quintal, muito terreno, além de, de subúrbio mesmo e com, com frutas e com, e roubar as frutas do vizinho, era uma beleza. E, e, e o meu pai sempre gostou muito de bichos, tinha muito assim galo de briga e passarinho, houve época de se ter lá em casa o quê, umas trinta e tantas gaiolas. A mamãe ia cuidar daquela bicharada toda. (pigarro) Conhece passarinho?
D
 Conheço pouco, né, conheço pouco (inint.)
L
 Ah! Os curiós, os sabiás?
D
 Eles criavam passarinho.
L
 É, ele tinha muito passarinho. E canários e bicudos, hoje até quase não existe mais também, né, a gente vê muito dificilmente. E os cachorros que sempre, sempre, haviam muitos lá, bassês, conhece?
D
 Hum, hum.
L
 Bai... esse baixinho que, com as pernas tortas, orelha comprida, até hoje ainda tem lá, mas os gatos não, os gatos a gente tocava de lá naquela época, né? Agora as crianças hoje ficam sem os bichos, né, só no jardim zoológico e, e assim mesmo uma vez ou outra porque às vezes eu não deixo.
D
 E que tipo de animal doméstico, talvez gato, cachorro, assim que o senhor conhece que, que se costuma criar em casa, quintal, quando se tem uma casa grande.
L
 Lá em, nós, nós tínhamos muito, nós temos ainda muitos parentes em Campos, no estado do Rio, conhece?
D
 Conheço.
L
 É de lá, não, né?
D
 Não, não, fui lá muitas vezes.
L
 E, mas lá nós gostávamos muito de ver os macacos e eles tinham ... Agora, até pouco tempo, da última, na última vez, eles estavam criando jacarés, incrível, que não, não, não, não tem aquele cercado, cabem o quê, uns cinco ou seis jacarés mas toda vida eles tiveram manias por, mania de bicho, bicharada, e era macaco, era, era, era pavão, era pombo, era tudo quanto era raça de ... E as crianças hoje, as minhas quando vão lá gostam de ver aquela, aquela, aquele mundo diferente.
D
 Mas lá tem muitos animais, que tem assim, por exemplo, um quintal grande, ele tem, corre risco de ter animais perigosos dentro de casa sem saber, né?
L
 Eu vi uma vez, lá em Cascadura apareceu um, um, é uma coisa que eu guardo muito, eh, a lembrança, eh, e uma vez apareceu um porco-espinho, já viu?
D
 Não.
L
 De perto?
D
 Não.
L
 Não sei como apareceu no, no quintal lá da nossa casa, em Cascadura apareceu um porco-espinho. Então foi uma confusão, porque, porque nós conseguimos, eh, prender numa casa do, do cachorro, num cercado do cachorro, mas ninguém conseguia chegar perto, né, porque quando a gente chegava perto ele soltava aquela língua de espinho, e solta mesmo, aquilo voa como, como uma agulha.
D
 É um animal selvagem, o porco-espinho?
L
 É, é, é, não, acho que não chega a ser selvagem propriamente não, mas é difícil de encontrar em, aqui no Rio eu acho que eu nunca vi falar nisso.
D
 É, eu nunca vi um de verdade, nunca vi.
L
 É, e ainda mais quando ele, quando ele está acoado, ele se, se, se fecha todo e arrepia aquela língua e lança, lança aquela nuvem de, de, de espinho, é muito interessante o bicho. Mas até isso, né, na nossa roça lá em cima apareceu.
D
 E quais as espécies de animais que existem, eh, existem animais selvagens, né, esses que vivem soltos por aí.
L
 Agora, agora a gente tem tido muito, muito contato com, com animal em uma casa de praia, que eu tenho uma casa fora, então lá as crianças brincam muito, porque é cabrito, é, é, é carneiro, volta e meia aparece e, e de vez em quando acontece, outro dia peguei uma cobra, né, foi um acontecimento também. As crianças ficaram doidas lá atrás da cobra, é venenosa, não é venenosa, até se apurar. (pigarro)
D
 Vocês conhecem os, os tipos de cobra que existe, porque existe um problema quanto ao veneno, né, as pessoas que conhecem, por exemplo, o formato (sup.)
L
 (sup.) É (inint.) dizem que, que a cabeça tem um formato triangular e o pescoço também que, que não se afina, né, não há essa, é uma, é uma, é uma, é uma grossura só, é um diâmetro só de, de, eh, na, na, na, na união da cabeça com, com o corpo. E, e também a calda, né, dizem que a cobra venenosa termina com a, com a, com a calda grossa, porque não faz aquela, aquela, aquela ponta comprida que normalmente acontece com, com essas ca... cobras, cobras não venenosas. Mas lá em cima aparece muita cobra.
D
 E que tipo de cobra que aparece?
L
 Não, não são grandes não, uma coisa média, né, mais ou menos trinta a quarenta centímetros. Mas hoje, agora eu falei, quer dizer, eu me lembrei das (inint.) ontem na televisão, você não deve ter ouvido, uma fulana no Paraguai, parece, arrumou lá uma, uma crian... um, um homem com trinta centímetros vivendo, vivendo isolado, trinta centímetros.
D
 Como? Encontraram um homem disse (sup.)
L
 (sup.) Não, não, uma pessoa que diz que viu numa fazenda do Paraguai uma, uma, um, uma pessoa de, de, de, um homem já com trinta centímetros e, e, mas vivendo vida animal.
D
 Impressionante, né?
L
 Comendo carne crua e ficaram todos impressionados.
D
 Ahn, deve ser marciano ou qualquer coisa assim.
L
 (pigarro) Mas voltando aos, lá, ao, aos animais, eh, hoje, foi, foi criado no, no, no, no, no jardim zoológico um, não sei se leu também, uma, uma seção de animais domésticos (sup.)
D
 (sup.) Ah, que gracinha.
L
 Acho que criaram no fundo, no fundo do jardim zoológico, no, no fundo do jardim, uma parte só de animais domésticos exatamente pras crianças que não têm oportunidade de ver um pato, um ganso, um, um, um, cachorro, na vida de hoje que eles não têm, né, então ... E que era a sensação do, do, do zoológico que as crianças estão indo lá pra ver isso, não estão mais inte... interessadas em ver hipopótamo, rinoceronte, nada daquilo, eles acham muito mais engraçado mexer com os bichos domésticos.
D
 E o senhor já levou seus filhos ao jardim zoológico, né?
L
 Já, aqui no Rio, já umas duas ou três vezes. Mas a respeito do jardim zoológico, eu vi uma vez, impressionante, uma cidade de Santa Catarina, deixa eu me lembrar, eu acho que era Brusque, um jardim zoológico pequeno, mas onde os, os, os, os, ah, zeladores, era um casal, era um casal acho que de, de, de alemães ou austríacos, alguma coisa assim e tão entusiasmados pelo jardim zoológico que eles criaram dentro do jardim zoo... zoológico, na casa deles que era no, numa parte do jardim, um outro jardim particular, um zoológico particular onde eles tinham só uma seção de ji... de jibóias, mas impressionante. A senhora era, nessa altura era uma velhinha, ela entrava lá e sentava no meio daquelas cobras e as cobras vinham e enrolavam nela, mas enormes, coisas assim (inint.) uns quinze centímetros de diâmetro. Piranhas, foi aonde eu vi piranha também, já viu piranha?
D
 Não, eu nunca vi.
L
 Umas piranhas num, num, num aquário, umas piranhas assim de dez, quinze centímetros.
D
 E que formato tem? Como são essas (sup.)
L
 (sup.) É um peixe normal, agora dizem que ela vai, cresce até trinta centímetros, no máximo quarenta centímetros, mas essas eram um pouco menores. Agora, impressionantemente, ávidas de, de, de alimento. De maneira que a gente encostava com o dedo por fora do vidro elas vinham alucinadas, juntavam todas. Agora interessante como é que elas não se comem umas as outras, né (inint.) mas não, elas vinham (sup.)
D
 (sup./inint.)
L
 (sup.) Vinham direto no, no, no vidro do aquário pra pegar e de vez em quando ela, a senhora ia lá e jogava um, em geral, um inseto, um negócio assim, mas era uma, uma loucura lá dentro, elas, aquelas, aque... aquelas piranhas todas. Mas muito interessante e com umas aves muito bonitas também e os tipos de, de, de não, não sei o nome, uma ave branca com, com uns penachos, com umas coisas, muitas delas num jardim na, na casa deles, não era no, no, no, no jardim.
D
 E a casa deles era uma atração também?
L
 Pois é, no fim, eh, mas eu acho que eles não levavam muita gente lá não. Volta e meia, eh, provavelmente quem se interessava mais e tal, eles aí pegavam e levavam, mas isso foi, acho que foi Brusque mesmo. Agora aqui no Rio a atração é uma, são os macacos, né, as crianças ficam alucinadas. Eu gosto muito da seção daquelas, da, da, da seção de aves e principalmente dos pássaros, logo à direita que você entra.
D
 Hum, hum.
L
 Tem, tem uma, uma parte grande de pássaros, talvez aí a influência do velho ainda, né, que gostava muito.
D
 É o seu pai?
L
 É, ele gosta muito de passarinho, quer dizer, hoje ele não liga muito, mas gostava muito e a gente com isso se interessava e, e meu avô também tinha um viveiro muito grande e mais esses pássaros de, de, de, de enfeite mesmo, era saíras, era sanhaços, um negócio desse, periquitos ou ... Um passarinho que há, há muito tempo que eu não, eu não vejo mais um, um pássaro pequeno que se chamava bico-de-lacre, eu me lembro (inint./sup.)
D
 (sup./inint.)
L
 (sup.) É um, é um, é um pássaro pequeno, cor-de-rosa assim pra avermelhado e com um bico vermelho, mui... muitos, muito pequenininho e nesse viveiro tinha muita quantidade, eh, muitos, muitos e eles estão sempre muito, muito agarrados, se beijando e, e sempre, eh, parecendo, né, eu não sei se é, mas parecendo assim muito carinhosos uns com os outros, muito, é um papo muito interessante (pigarro). Mas vamos lá, e que mais?
D
 E as aves, as outras que o senhor disse que gostava de ver lá no jardim zoológico?
L
 Naquela parte lá do fundo tem muito, tem muito faisões, tem muitos, muitos desses pássaros médios, dessas aves médias muito e de penas muito coloridas, uns azuis, uns, muito bonito, lá no fundo, não sei se conhece?
D
 Eu já fui lá algumas vezes, mas poucas.
L
 Nessa parte do final tem muita, tem muito, tem muita codorna, tem muito inhambu, pássaros, eh, aves médias, né, já não são pássaros de gaiola mas   E, mas essa parte as crianças não gostam muito não, o programa deles é mais, é elefante, é carneiro, é, é urso e principalmente os macacos, um, um gorila bem grande que tem no início e as feras também eles gostam, leão. Mas, escuta, e a nossa, mas isso necessariamente tem que ser de quarenta minutos?
D
 É, está cansado? (risos)
L
 Não, é que é difícil arranjar, isso tudo pode constar também, né?
D
 Não, não tem problema, a gente vai conversando e naturalmente você vai lembrando. Mas conta como é que é uma visita, por exemplo, o senhor no jardim zoológico quando o senhor leva os seus quatro filhos? Os quatro não, porque o menorzinho ainda não foi.
L
 É, o menor não, ainda não foi. Bom, normalmente a gente já tem problemas de tempo, né, porque eles querem ver tudo e, e correr todas aquelas dependências e, e levar um tempão olhando isso, olhando e olhando os macacos, olhando ... De forma que já, já tem o problema de divisão de tempo e de, de, senão não se consegue ver. Até pouco tempo nós estivemos, há pouco tempo estivemos lá com, com um senhor amigo, tinha vindo do sul e esse senhor nunca tinha ido ao jardim zoológico, com oitenta anos, então ficou entusiasmado, parecia mais criança do que as crianças, às voltas lá com ... Então, tirou retratos comigo e com os elefantes e com as zebras e girafas e, e as crianças minhas é que vinham mostrar um, pro velhinho de oitenta anos, tudo, sabe, parecendo mesmo que já conheciam e que já tomavam conta de tudo. Mas assim se faz a ... Agora veja lá, você sugere outros?
D
 Quer dizer que do jardim zoológico os seus filhos só gostam do elefante, do cabrito?
L
 É.
D
 (inint.) não se ligam mais em nenhum outro (inint.)
L
 Não, go... gosto, em geral é desse dos, desses grandes e, e urso, agora cobra é uma coisa que já não tem muito interesse mesmo porque elas quase não aparecem, né, e aquelas, os flamingos e, e (inint.) isso também cus... quem quer, tem que olhar à distância, não podem brincar, gostaram muito dos pingüins também, por sinal eu ouvi outro dia que o último já, já tinha morrido.
D
 Hum.
L
 É, não resistem a, a nossa lua, né?
D
 É, depois lá no jardim zoológico tem um, houve uma época em que saiu muitas notícias sobre maus tratos de animais nocivos, visitantes.
L
 É.
D
 Não é?
L
 Dizem que as crianças judiam um pouquinho deles, né?
D
 (risos/inint.)
L
 É e eu acho que mais ainda, mas sabe que de uma dessas vezes que eu estive lá até me impressionou muito um oficial, disse ele que era major e parecia, que há anos e anos todas as tardes ele ia lá, e eu acho que é fato porque certos, certos animais, um, um, um dos macacos, daqueles grandes, atendia e, e também um daque... um jaguar, parece ou, por ali, uma daquelas feras também atendia muito a conversa dele, ele coçava a cabeça e, o, o bicho ficava totalmente manso, depois na saída ele me disse isso que, que há anos, durante anos ele freqüentava todas as tardes, já era rotina o, trabalhava num dos quartéis ali por perto, então saía com o carro, ia lá, parava e já nem paga ingresso, já é conhecido de todo mundo, inclusive dos bichos e que, aliás, a gente volta àquela história inicial, né, um bom traço, eh, ele parecia ser uma pessoa muito boa mesmo, e já na maior intimidade com os, com os bi... com os bichos.
D
 Agora, existem outros animais, mas não sei se eu posso chamar exatamente de animais, de certa forma sim, que não podem realmente ser bem tratados, né, por exemplo, certos animais daninhos que a gente tem dentro de casa.
L
 É, da família da barata, do rato, né?
D
 É, podia falar um pouquinho sobre os prejuízos que eles causam.
L
 Não, mas sabe que até não é propriamente desses, desses danosos não, mas os gatos, eu na minha, é uma das coisas que eu, que eu hoje me arrependo muito é de ter cuidado dos gatos, mas isso deve ter sido um pouco transferido, meu pai não gostava de gato, então nós fomos acostumados desde cedo a, a, a sentir o gato como inimigo, então, e eu que era muito atirado, dei fim a mu... a muitos deles. Normalmente quando nascia, um tio lá, quando eles não gostavam de cachorro, volta e meia encostavam os gatos e, e, e as gatas apareciam com aquelas ninhadas, cinco, seis, e eu então é que me encarregava de dar sumiço nos gatinhos, né? Até isso eu hoje escondo dos meus, porque fiz muito e me arrependi, matei muito gato. Levava pra um, naquela época havia uma obra lá, lá perto e havia um, eles tinham aberto vários poços. Então eu fazia assim, eu amarrava o gato na pedra e jogava.
D
 (risos)
L
 Matei muito gato assim, mas hoje eu acho que eu não teria coragem não, sabe, na, mas naquele ... Mas vejam como, como, como são as coisas, naquela época eu achava sinceramente que estava procedendo uma boa ação, porque estava, estava condicionado pra sentir o gato como um animal nocivo, quando na verdade a coisa não era bem assim, né? Mas matei muito, matei muito rato, matei, agora, esses então, barata, esses eu acho que não tem nenhum (sup.)
D
 (sup.) E é só a barata que perturba, não tem mais nenhum (sup.)
L
 (sup.) Mosca, né, bicho insuportável, mosquito.
D
 Em apartamento é menos comum, né, mas o senhor perguntou se tem (sup.)
L
 (sup./pigarro) É, mas nós lá em cima tínhamos muito mosquito, e agora na casa de praia tem muito também. Mosquito até que nem tanto, mas mosca, mosca ... E eu, e eu me distraio muito lá matando com os meus, com os meus cartões, já vou, já vou armado de, de cartões pra matar os ... Mas em geral eu gosto de bicho, eu não sou (sup.)
D
 (sup.) E o senhor (sup.)
L
 (sup.) Mas, umas fixações. Eu por exemplo era muito perseguido por marimbondo. Conhece marimbondo?
D
 Conheço, conheço.
L
 Marimbondo ... Eu lá em Campos, na, numa temporada fomos pra uma fazenda, também é uma das coisas que eu me lembro muito é a quantidade de mordidas de marimbondo, de picadas de marimbondo que eu peguei por lá, mas vivia a, às voltas com eles, né, derrubando casa e houve uma ocasião em que eu derrubei uma casa mas paguei caro.
D
 Derrubou uma casa de marimbondo.
D
 De marimbondo.
L
 E paguei caro porque parecia até que eles sabiam que eu que tinha derrubado a casa e me pegaram, eh, uns quatro ou cinco, um pegou aqui na vista, aqui em cima, eu passei uma semana, inchou de fechar o olho, mas eu também perturbava muito a vida deles. E aqui também eu matei, matava muito marimbondo, nós fazíamos muito, e hoje eu estou dizendo, as crianças não conhecem, nem brincam, não têm oportunidade, e nós fazíamos muito disso e isso eu acho que nem você conhece.
D
 O quê?
L
 A gente pegava o marimbondo vivo e derrubava, pega... (inint.) o negócio era pegar o bicho vivo e tirar o ferrão, então a gente prendia com um pau, com uma pedra e tirava o ferrão. Bom, tirou o ferrão não tem mais problema nenhum, ele é um, um bicho inútil, né? Aí (inint.) no lugar do ferão, volta e meia a gente amarrava uma linha e então ficava de posse daquele marimbondo, soltava ele voava, voava até agüentar com o peso do bar... da, da, da, da linha, quando ele não agüentava mais caía, a gente puxava de volta.
D
 (risos)
L
 A distribuição era essa com os marimbondos, né, já viu que de vez em quando, dessa faina toda a gente levava uma ferroada. Agora as crianças (inint.) têm medo, é incrível, não têm infância, ainda mais nessa vida de apartamento, né?
D
 É, tem, tem, essa grande desvantagem, a pessoa se afasta muito da natureza, né?
L
 É, a pessoa não conhece nada, não, não, não, não, não, eles não têm oportunidade de, de, de ... Aqui, nesse prédio, que é ainda um prédio com, com uma área onde eles brincam, mas o que que eles podem fazer nessa área? É jogar futebol, é andar de bicicleta, mas a natureza aí não entra, né?
D
 É, não (inint.)
L
 Enfim, essa vida com, com, com os bichos, essa vida com, com, com as, com as árvores, com as plantas, não existe.
D
 (inint.) que mora ou no subúrbio mesmo atualmente já está modificado, né, ou quem tem casa (sup.)
L
 (sup.) Casa fora.
D
 Fora do Rio.
L
 É. Mas mesmo fo... mesmo casa, essa casa que nós temos na praia não tem muito terreno, quando nós compramos já era toda cimentada, já era toda fechada, de maneira que não tem muito contato, inclusive eu estou já desde que compramos fazendo assim, botando árvores, plantas, plan... pra, pra haver esse contato maior, porque senão (inint.) só pedra, só concreto, é só cimento, não dá. Mas, e isso faz afinal um contato com a natureza, com, com o vegetal e com o animal, né?
D
 Agora, e na alimentação de vocês, vocês, que tipo de, de carne vocês costumam consumir?
L
 Bom, eu gosto muito de peixe, as minhas crianças também, agora é, basicamente é carne, né, carne de vaca. Com muita pena da vaca e, e dos bois mas (sup.)
D
 (sup.) Mas e, e esses peixes?
L
 Mas aí, talvez a gente não sinta, né, acontece que, que numa vida de cidade assim a gente acaba perdendo a consciência de que essa carne é de um animal, né?
D
 É.
L
 De um animal que foi sacrificado. E é a, a, a, essa vida de cidade por outro lado também traz isso, né, e realmente a gente não tem essa consciência de que alguém, de algum, de que algum animal está sendo sacrificado. Aliás, eu me lembro, eu me lembrei agora de um fato também muito interessante, eu toda vida em solteiro tive, eu que cuidava, eu que gostava muito de, de, de, de ter, eh, criação de, de galinha, de pato, eu é que cui... que gostava disso lá em casa. Então eu que cuidava do galinheiro, cercava e, e, e, e botava pra chocar e cuidava dos pintos, fazia aquela, umas casas bonitas, umas coisas arrumadas, mas aí trazia sempre um problema, que eu não deixava, não deixava se comer e nós tínhamos em casa galinha só pra ovos, porque ... Uma vez, eu me lembro, já estava trabalhando, eu trabalhava fora do Rio e, e tinha nascido lá numa, numa ninhada uma, uma, uma franguinha com um defeito numa perna e eu acompanhei a bichinha, tratei, cuidei e ela ficou já grandona. Em uma das viagens pra trabalhar em Angra, que eu trabalhei sete anos no colégio Naval em Angra, numa dessas viagens houve um problema lá e, e a mãe precisou matar um deles. Então ficou naquele problema, lá escolheu a minha aleijada.
D
 (risos)
L
 E matou a minha aleijada e quando eu cheguei, mas criei um caso, eu acho que foi uma das, das poucas vezes durante a minha vida em que eu fiquei com raiva da minha mãe, porque ela foi exatamente buscar a bichinha aleijada, quer dizer, ela com certeza raciocinou ainda em termos de, de, de, de seleção, né, pegou a, a franguinha aleijada, com defeito na perna e comeu, e matou. Mas eu não deixava, então quando chegava, quando precisava de galinha, aí comprava, comprava pra poder matar, exatamente porque as que estavam lá eu já tinha criado amizade, criado afeto por ela, não, não queria que matasse.
D
 Mas atualmente você não come galinha tranqüilamente?
L
 Não, hoje não, primeiro eu, eu não gosto muito realmente e além disso eu tenho pena, eu não gosto de, ah, bem, se dependesse de, de, de matar em casa, mas aí é, outra vez chega ao meu problema, talvez seja isso, é difícil passando numa, num, numa caminhonete dessas, numa kombi dessas encontrar um bicho que está todo despedaçado ali, né, não, não, não, quer dizer, não é pelo fato de eu comprar que vão, que vai, vão sacrificar mais alguma. Quer dizer, a gente não sente muito a morte física do, do bicho e assim deve ser com a carne também.
D
 Agora o senhor disse que vocês comiam peixe, que o senhor gosta de peixe, agora que tipo, existem várias especialidades de peixe?
L
 Bom, agora, o peixe também é assim, não pescado, eu por exemplo, se depender de mim pra pescar, eu, eu acho insuportável aquela dor do bicho, aquele sofrimento do peixe pra ... Das poucas vezes que vi, fiquei horrorizado de ver a agonia do bicho a se debater, se debater, se debater, aquela morte lenta, né? Mas, agora, comprado assim morto já, realmente a coisa muda de figura, mas eu gosto muito de um linguado. Conhece peixe?
D
 Olha, eu como mas não sei os nomes e (sup.)
L
 (sup.) Mas também, e não faz (inint.) e não faz as diferenças deles?
D
 Eu acho o gosto muito parecido de um pro outro (inint.)
L
 Não, mas não é não.
D
 Não? Então me explica aí mais ou menos.
L
 Não é não. Ah, não, não é nem no gosto e nem na, nem e nem na forma da carne. O, o peixe fino, robalo, um badejo, um linguado, a própria pescada, quan... quando frita, a carne fica em gomos e quando a gente vai partir ela sai assim em, em pedaços, ela sai, qual seria o termo? É, é, é coisa assim mais, é em gomos mesmos e ela sai e ... Já o peixe de segunda, o cavala, o cação, eh, uma tainha, um peixe mais, mais grosseiro, a carne é uma carne massuda, ela não, ela não sai assim, quando você, quando você parte é como, como uma, uma carne de, de, de vaca, que não, não, ela co... você corta onde quer, quer dizer, sai aquela, aquele, o pedaço que você quer e o peixe não. O peixe fino, ele sai naturalmente em pedaço, aqueles pedaços são todos, são todos, eh, a carne não, não é uma coisa compacta, massuda. E, e o gosto, e o gosto também, em geral o peixe mais, mais inferior é um peixe mais gorduroso, é um, talvez seja até melhor pra saúde, não sei, é um peixe que tem um gosto, um gosto mais forte, um gosto de maresia, um gosto de, de, de coisa do mar mesmo. O peixe mais fino não tem, a carne talvez seja mais, mais sem sabor, sem, sem sabor muito acentuado, que são coisas que o peixe tanto quanto mais (inint.) não sei se já comeu o que se chama, como que chamam o bacalhau brasileiro? Algum tipo de bagre, uma coisa assim que tem, tem gosto assim, um gosto, ah, pronunciado, um gosto forte de, de, de, de salmoura mesmo, uma coisa muito forte. E o peixe, o peixe mais fino tem um gosto menos, menos acentuado de coisa do mar e a carne é muito diferente também.
D
 Que outros, outros animais ou outras, outros seres que vivem no mar e a gente come?
L
 Camarão, né, camarão é bom, né? Lagosta, né? Não é? Dizem, dizem que, eu ti... eu, eu tive vontade de comer já uma, um que se chama ermitão, já viu?
D
 Não.
L
 Conhece? Não?
D
 Não, não conheço.
L
 O ermitão é um tipo de, de, de, deve ser da família da lagosta, ou coisa assim, mas ele tem uma, uma, uma, uma característica, ele não constrói a casa, ele é da família da lagosta, mas a lagosta é que constrói aquela carapaça que protege, aquela coisa dura, né? Agora ele, o ermitão não, ele tem partes do corpo muito vulnerável, então ele vive tomando conta das, da, da, da, do, dos caramujos, da carapaça do caramujo. Ele expulsa o caramujo e se mete ali. E o interessante é que ele, como cresce muito, ele volta e meia tem que está arranjando uma ca... uma, uma, uma carapaça maior, então ele vai expulsando sempre os caramujos, se adaptando a, ao, ao tamanho da, dos cascos. E esse também dizem que é muito in... muito gostoso, esse não, não, não, não, não tive a oportunidade de comer ainda. Nem a tartaruga que dizem que também é muito bom, né? Já comeu?
D
 Tartaruga, não.
L
 E a tartaruga tem uma coisa im... impressionante, que eu não sei se você conhece, que é: ela tem qualquer coisa nervosa que, eu nunca comi mas já vi matarem, eu já vi matarem, não, já vi morta, assim com meia hora a carne ainda está mexendo. Então ela está espedaçada, está completamente já, eh, pronta pra ser feita, mas partida em pedaços pequenos e a carne ainda está tremendo. Eh, e dizem que é (inint.) de elétrico, não sei bem o que que é. E ela tem qualquer capacidade, qualquer coisa, ahn, reação na... nervosa do, da carne que ... Eu vi uma vez, acho que já estava com mais de uma hora, na geladeira, assim em pedaço picado na geladeira e a carne mexendo ainda.
D
 Quer dizer, se o senhor for no restaurante, pedir tartaruga e a carne vier parada é porque está velha, né? (risos)
L
 Não, eh, aí não, normalmente não, porque aí não vão mostrar a carne ainda, né, mas é, é, se tiver parada é porque já tem muitas horas. É barbara a morte da tartaruga.
D
 E por quê?
L
 Porque eles tiram aquela, aquele casco com ela viva ainda, aque... aquele, quer dizer, ela não tem pele ligada, ela não tem a parte interna com uma pele e depois aquela carapaça, aquela carapaça dela já é a pele e normalmente eles tiram aquilo com ela viva.
D
 Então é bem (inint.) mesmo, né?
L
 Então, ela, ela, eh, à medida em que vai saindo aquilo ela está sangrando, viu, e, e, e, e viva, imagina, deve ser uma coisa horrível, né? Deve sentir uma dor tremenda, se é que eles sentem dor.
D
 E que outros, outros animais o senhor, eh, não consome habitualmente em casa, mas, por exemplo, o senhor vai num restaurante as opções são maiores, né?
L
 É, mas normalmente eu, eu, eu ali, fora, fora desses normais, porco, eu, eu comi já uma vez um coelho, eu achei (inint.) não é dos piores mas também não é nenhuma especialidade e comi gato uma vez, né, também não é, confunde (inint.) meu gato.
D
 (inint.)
L
 O gato depois de pronto ninguém diz que é gato. A carne é, é muito branca, a carne do gato é como a carne de pato, de galinha, muito, uma carne branca e a única coisa que eu achei diferente é que ela é muito cartilaginosa, eh, assim perto do osso, pronto ela já, perto do osso ela tem aquela, aquela, aquela gelatina, aquela, é cartilagem mesmo que, que depois que cozinha fica, fica ... Que que é, estamos encerrando já?
D
 Não é que nós já estamos com o tempo certo.
L

  Já com quarenta minutos?