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PROJETO NURC-RJ

Tema: "Casa"

Inquérito 0153

Locutor 173
Sexo masculino, 47 anos de idade, pais cariocas
Profissão: engenheiro-agrônomo
Zona residencial: Sul, Norte e Suburbana

Data do registro: 04 de maio de 1973

Duração: 39 minutos

Som Clique aqui e ouça a narração do texto


D
 Da maneira que for mais prática pro senhor.
L
 Ah, está bom. Então a casa, local que nós usamos para, para moradia, né, então para a pessoa ter uma casa é necessário naturalmente que a pessoa tenha dinheiro pra poder alugar ou comprar uma casa, né? Se a pessoa quiser alugar uma casa, naturalmente essa casa que a pessoa vai residir não será sua. Agora se a pessoa quiser adquirir uma casa, poderá adquirir uma casa ou a casa já pronta ou então a pessoa terá que planejar uma casa para si. Então nesse caso a pessoa procurará um engenheiro, um arquiteto, uma pessoa qualquer que faça um projeto, faça uma planta da casa e a pessoa irá dizendo como que quererá ter a orientação dos cômodos, do quarto, a sala, tudo direitinho, né? Uma vez essa planta sendo aprovada pela pessoa então irá ser feita a sondagem do terreno e uma vez feita a sondagem do terreno será delimitado o local da construção da casa, será feita a escavação do terreno para ser feito o alicerce da casa, né? Os materiais mais usados então na construção da casa, seja na fundação da casa, seja no levantamento das paredes, nós temos como os principais materiais das casas, digamos assim, que usamos nas cidades, né, eh, seriam o cimento, a pedra, areia, isso para fazer argamassa para os alicerces da casa e para juntar os tijolos da casa, né? Os tijolos teriam como finalidade o levantamento das paredes da casa e teríamos também a parte do madeiramento que seria feito na parte alta da casa, da cumeeira e caibros, ripas, outros tipos de madeira para sustentar o telhado, o qual naturalmente seria constituído de telhas, né? Teria também então o madeirame para as portas, janelas e tacos. Depois de tudo isso feito, né, a casa, naturalmente você teria o reboco interno, cimento, né, a casa seria então pintada, né, convenientemente de acordo com as tintas que a pessoa gostasse. Então uma vez pronta a casa, pronta a casa, ela estaria em condições de ser habitada. Agora quanto aos tipos de casas naturalmente elas variam muito. Existem casas de estilo colonial, casas de estilo mais antigo, casas de estilo moderno, casas com ... Que usam muitos vi... vidros, com varandas envidraçadas, casas com terreno grande que se pode fazer por exemplo outros alojamentos e piscinas, existem casas em estilo normando, com aquele telhado tipo que se usa na Europa pra escorrer a neve e finalmente existem modelos interessantíssimos, casas modernas e tem pessoas que têm muito cuidado e apuro em planejar a sua casa como se fosse inclusive muitas vezes um objeto de arte, né, tem todo um esmero não só na parte externa da casa, na sua apresentação, como em Teresópolis, por exemplo, tive oportunidade de ver casas muito bonitas, né, usando madeira, tipos de madeira envernizada, que lembra as casas européias e são casas muito agradáveis da pessoa ver, a própria pessoa que passa na rua, olha essas casas e vê elas assim numa, como se estivesse admirando mesmo assim um, um objeto de arte. Se a pessoa penetrar então no interior dessas casas, vai ver que o dono muitas vezes tem gosto então em decorá-la, em decorá-las e a decoração é a mais diversa possível. Pode ser muito sofisticada, pode ser mais singela. Existem muitas decorações singelas, simples mas que são feitas com bom gosto e chamam bastante a atenção. E afinal de contas quando a pessoa tem posse e bom gosto a pessoa sabe se cercar de conforto, nesse caso, e beleza ao mesmo tempo, podendo chegar muitas vezes aos requintes máximos do comodismo.
D
 O que o senhor chama de decoração sofisticada?
L
 Decoração sofisticada digamos assim são decorações, é um tipo de decoração que não é comum, acho eu, se apreciar numa casa normalmente. Por exemplo, a senhora chega assim numa casa vê, não sei dizer o termo técnico desses banquinhos pequenos ou de certos tipo de mesas, né, mas aí existem agora umas cadeiras, parecem uns cubos de vidro, de plástico, né, quer dizer, aí já é uma sofisticação tão ... Certos tipos de, de, eh, de, de móveis ultra-esquisitos, né, quer dizer, eh, assim, tornam-se mesmo uma coisa mais sofisticada, mesas de mármore, né, mármores Carrara, digamos, né, coisas mais, mais raras e mais caras, né?
D
 O senhor já morou em casa?
L
 Já, já morei.
D
 Muito tempo? Pouco?
L
 Eu já morei em casa, deixa eu me lembrar um pouquinho. Sim, já morei em casa em Santa Teresa.
D
 Como era a casa?
L
 Era uma casa numa travessa que tinha uma escadaria, travessa Santa Cristina. Essa casa tinha um sobrado, era a parte de cima e a parte de baixo, não me lembro bem a disposição dos cômodos mas naturalmente quase sempre a sala fica embaixo e os quartos ficam em cima, né? E era uma casa que, ligada a minha infância, né, me lembro pouco dela porque quando era muito criança. Me lembro mais da casa da Pedra de Guaratiba, também uma casa que nós morávamos e essa casa tinha um terreno grande, tinha uns aposentos muito grandes e era uma casa, digamos assim, com um estilo, digamos, mais ou menos, se eu entendo um pouco de estilo de casa, talvez colonial, né? Era uma casa agradável, bastante agradável, tinha um terreno grande, com diversas árvores frutíferas e em cima uma garagem com caramanchão de plantas, né, plantas assim ornamentais. Ficava perto da praia e já morei também numa outra casa muito singela mas que eu gostava muito. Essa casa por sinal era muito original porque essa casa ela ficava praticamente na beira da praia. Então era uma pequena elevação, digamos assim, de uns, talvez uns dez metros de altura, uma pequena elevação de terra sobre a praia e tinha uma escadinha que descia para um portão, esse portão abria, então era a praia, na Pedra de Guaratiba. E quando a maré enchia o mar praticamente encostava na, no muro de nossa casa, isso nas marés fortes, né, porque existem marés fortes, que o mar sobe muito durante certas épocas de ano, do ano, né, quando coincide a junção do sol com a lua, né, com a terra, né, então naquela casa praticamente vivíamos na, na praia, nosso quintal era a praia, né, e me lembro que várias coisas aconteceram ali, né, na Pedra de Guaratiba. Naquele tempo era muito comum uns temporais terríveis, né, ventos chamados sudoeste que varriam a região. E uma bela manhã quando eu procurei o portão de casa não encontrei, estava boiando lá longe no mar, né, eu tive que sair nadando pra apanhar o portão. Me lembro também que uma vez o mar avançou e derrubou todo o nosso muro de pedra, né? Quer dizer, era uma vida em contato íntimo com, com a natureza. Foi uma casa singela cujo chão até era cimentado, né, mas quando chovia muito, demais, né, a água entrava pela fresta debaixo da porta da cozinha, atravessava quase que a casa toda. E uma vez que deu uma ventania terrível lá na Pedra de Guaratiba eu me lembro que eu peguei uma cadeira, sentei, me encostei na porta com medo da porta ser arremessada pela casa toda, né? Então eu marquei o local, nós vivíamos em íntimo contato com, com a natureza ali perto do, dos pescadores, né, inclusive eu saía muitas vezes com eles ali, ali pra fora, pra, pra pescar. Naquela época até aconteceu um fato interessante: ganhei até um elefante marinho, um animal parecido com uma foca, numa cercada. Aqueles pescadores da Pedra de Guaratiba eles usam aqueles currais de peixe, né? Tinha um pescador amigo nosso que um dia quando foi lá jogar sua rede pra apanhar os seus peixes teve um susto terrível de ver um monstro daqueles dentro da cercada, né? Aí foi dado o alarme geral, né, e pronto, formou-se a confusão, então os pescadores deixaram de pescar, muitas pessoas foram de Campo Grande pra Pedra de Guaratiba. Os pescadores deixaram de pescar porque então tinham suas canoas e faziam frete com as canoas pra levar as pessoas para verem o elefante marinho, né? Então cada canoa comportava folgadamente umas seis pessoas mais ou menos ou sete, cada uma a vinte cruzeiros naquela época, não é, então eles disseram que seria muito mais interessante se Deus fizesse cair um elefante marinho por mês numa cercada que renderia muito mais que a pesca, né, deles, né, e afinal de contas tentaram tirar o animal lá de qualquer maneira, o animal não saiu. Durante três dias pelejaram arduamente, né, finalmente eles pediram auxílio ao estado, o estado mandou uma equipe do jardim zoológico, lá com equipamento especial, conseguiu retirar o animal, enfim duas canoas, né, com uma prancha no meio, chegou na praia, me lembro que nesse dia tinha um verdadeiro formigueiro de pessoas na praia, né, parececia que estava quase toda a zona rural do estado da Guanabara ali pra ver o animal chegando. Colocaram numa camionete, levaram pro jardim zoológico (inint.) durante muito tempo, mas o animal por falta de trato conveniente, como ele é um animal de região fria, né, acabou morrendo, né? De modo que essa é uma casa talvez a mais modesta que eu morei mas uma casa que me traz recordações muito grandes, né? Eu me lembro inclusive que naquela época quando eu era rapazinho tinha meus dezessete, dezoito, vinte anos, não sei precisar a idade, né, tinha lá uma vitrolazinha de corda, né, nós em noite de lua cheia a gente se juntava ali na, na areia da praia, né, pra, pra ouvir música, conversar e bater papo, né, e a praia parecia que era dia, onze horas da noite, né, também porque tinha um barco também que saía com meu barco que ia pra restinga da Marambaia que era ali perto, né, era uma praia maravilhosamente linda, selvagem, de modo que foi um lugar que eu trago recordações belíssimas, né, e devido a esse tipo de vida eu não me acostumo muito a ficar entre as quatro paredes de um apartamento, por causa disso então resolvi entrar pra sócio de um clube de excursionista, quase todo sábado e domingo eu saio, me embrenho aí no meio da floresta, vou fazer excursão. Aliás, quando eu era rapaz, quando não tinha companhia, eu mesmo ia sozinho fazer essas excursões, né? De modo que n~ao sei se eu esgotei o assunto que vocês queriam?
D
 O senhor falou nessa casa ...
L
 Certo.
D
 Que tem muitas recordações ...
L
 Hum.
D
 Que o chão era cimentado.
L
 É.
D
 Como era a cobertura da casa (inint.) energia?
L
 Bom, a ca... não tinha energia. A energia, eu estou rindo porque, pelo seguinte: nós antes alugamos uma casa no interior que a energia era ligada diretamente ao fio do bonde, que na Pedra de Guaratiba antigamente tinha um, um bond... um bondinho (inint.) que levava quase duas horas de viagem. Quando o bonde chegava na Pedra de Guaratiba praticamente absorvia quase toda a energia, as casas ficavam quase todas às esc... quase todas às escuras, né, então sabia-se que o bonde estava chegando quando as luzes das casas estavam quase todas se apagando, né? E depois a outra casa que nós mudamos, essa tinha energia normal da rua. O local melhorou muito depois, bastante, progrediu bastante, né? Agora a cobertura da casa era uma cobertura que chamam de telha, de telha-vã, não tinha forro, né, e tinha uma amendoeira ali do lado da casa que estendia sua copa sobre o telhado e nas noites de grande temporal era um bombardeio terrível daquelas amêndoas pesadas caindo em cima da telha, a gente aqui embaixo, estava dentro do quarto, ouvia aquele festival tremendo, né, era o mar quebrando na restinga, o vento uivando ali no meio daquelas árvores, né, o mar quebrando ali na, na praia, aquelas amêndoas bombardeando ali o telhado, relâmpagos e tudo, quer dizer, era um festival completo de, de sons que a gente tinha ali em volta, né? Então é isso que eu me lembro.
D
 A cozinha dela era diferente da ...
L
 Não, é ...
D
 Das cozinhas de apartamento?
L
 É. Não, a casa era uma casa toda de chão de cimento, né? A cozinha era uma cozinha, eh, aquilo ali era uma casa praticamente tão singela, digamos, parecia mais uma, quase que uma cabana de um pescador, só faltava ter um telhado de sapê pra ser isso, né, porque ela tinha telhas mesmo, né, mas ela era muito rudimentar, né? Isso aí, nós mudamos pra essa casa inclusive eu trabalhava em Campo Grande naquela época, né, e de modo que ficava perto do meu trabalho, trabalhava aliás na Fazenda Modelo e todo dia eu saía de manhã de bicicleta pro meu trabalho, quatro quilômetros de bicicleta, ia de manhã e à tarde voltava pra minha casa. De modo que os aposentos não tinham nada de mais, eram aposentos de forma convencional, uma sala no centro, quarto pra cá, quarto pra lá, cozinha, cozinha lá no fundo, né, e os ba... o banheiro era inclusive lá, lá fora. Inclusive, muitas vezes quando a pessoa tinha que escovar os dentes, tinha que enfrentar muitas vezes o temporal, a ventania, né? Eu me lembro que nessa época tinha programa de, de rádio, o Almirante, que era "Incrível, fantástico, extraordinário", contava casos de assombração e tudo, né, e eu me lembro que muitas vezes ia lá pra fora escovar os meus dentes e me assustava pensando naqueles casos que ele contava e tudo. É, são, são essas recordações que a gente tem.
D
 E o mobiliário da casa?
L
 O mobiliário da casa era um mobiliário também simples porque como se sabe o mar destrói tudo implacavelmente que está perto de si, né, em função da, da maresia. Uma casa daquelas naturalmente sendo uma casa singela ela não comportava mobiliário de luxo, tinha que ser um mobiliário simples, eram banquetas pra gente sentar em volta da mesa. Era tudo completamente simples. Quer dizer, uma vida totalmente ali, a própria casa estava em total harmonia com a natureza.
D
 Depois, quando você foi morar em apartamento ...
L
 Bom, que é que tem, quer saber o quê, quando eu fui morar em apartamento?
D
 A diferenç... as diferenças que o senhor percebeu.
L
 Bom, o negócio é o seguinte: eu saí da Pedra de Guaratiba quando me casei, né? Aí me casei e vim morar em Campo Grande, né? Então a pessoa quando casa naturalmente começa a enc... tem que encarar a vida sob outro aspecto. Aí já tem essa questão da responsabilidade, a pessoa a pensar no sustento da casa e tudo, né? Então essa ocupação mental que a gente tem, a gente faz uma ocupação mental muito grande, a pessoa se virar pra sustentar a, pra sustentar a casa e a família, naturalmente não dá muito tempo assim de ficar fazendo alguns considerandos sobre o lugar que a pessoa morou antigamente, né? Mas sempre a pessoa, quer dizer, está com o pensamento virado assim pra sua vida inicial de casado, esperando o primeiro filho, tudo é novidade, né? Então essa novidade inicial praticamente empolga assim a pessoa, quer dizer, toma conta da, da mente da pessoa, né, e a pessoa não vive tão, muito assim pra o lugar onde está morando porque é evidente que a pessoa casou porque gostou de uma pessoa, se a pessoa gostou daquela pessoa, ela vai morar num determinado local mas mesmo que o local muitas vezes não lhe agrade, tendo a proximidade da pessoa que ela gosta, ela já, já se sente mais, digamos assim, mais aliviada aí nu... numa possível tristeza de ter abandonado o uso do local antigo, né?
D
 Mas o senhor comprou essa casa?
L
 Não, não, não, não, isso não, não, essa casa alugada. Todas as nossas casas até agora foram casas praticamente alugadas, né, todas elas, né? Pra comprar o apartamento nós fizemos uma tentativa agora, cuja tentativa não surtiu muito efeito, né, que nós tivemos um certo prejuízo na, um certo prejuízo, quer dizer, né, retifico, muito prejuízo na Bolsa de Valores, né? Não só eu como infelizmente muitas outras pessoas, né? E, e cheguei a comprar um certo número de ações depois tive de vendê-las com bastante prejuízo e agora estou tentando recuperar mas acontece que a recuperação é mais vagarosa do que a subida do preço dos imóveis, né, de modo que é uma corrida pra tentar alcançar isso, né? Mas espero até o ano que vem, se Deus quiser, morar num apartamento e, digo, ter audácia de poder morar aqui nesse bairro, né? Naturalmente não ... Estou correndo de quê? De Caixa Econômica, de sociedades de previdência, beneficentes, né? A pessoa hoje tem que se virar, tem que dar um jeito qualquer pra arranjar um teto, né?
D
 Como é que o senhor alugou o apartamento para morar?
L
 Como eu aluguei?
D
 É, como o senhor fez pra alugar? O senhor simplesmente se mudou pra lá ou o senhor teve que tomar alguma ...
L
 Não, quando eu saí da Pedra de Guaratiba, fui para Cam... Campo Grande. Depois de Campo Grande, eu fui transferido para cá e nós viemos aqui para, para Ipanema. Aí nós andamos procurando, de um lugar pra outro, chegamos aqui na beira desse ed... na beira, na beira, beira da lagoa, né, que a lagoa está ali perto. Chegamos aqui perto do edifício, soubemos que aqui tinha um apartamento para alugar, aí conversamos com a proprietária, achamos o aluguel muito caro, naquela época ela pediu vinte e cinco cruzeiros de aluguel, né, vinte e cinco cruzeiros de aluguel desse apartamento há dez anos atrás, né, praticamente dez anos, né? E aí então ela disse que queria na certa um avalista, eu disse que era ... Porque tinha um concorrente também, né, aí eu pra botar meu concorrente fora da jogada, né, naturalmente tinha que lutar mas pra botar fora da jogada honestamente, né, aí eu disse a ela que eu tinha algo melhor que um avalista. Aí ela perguntou o que que era. Eu disse que era o desconto em folha, quer dizer, autorizava ao estado, do qual sou funcionário, a descontar mensalmente do meu ordenado na minha folha o aluguel e ela recebia. Em vista disso imediatamente o outro foi preterido, como se diz, passado pra trás, né, e eu fui contemplado com o aluguel do apartamento.
D
 Qual é o tamanho desse seu apartamento?
L
 O tamanho ...
D
 Como é que o senhor descreveria (inint.)
L
 Bom, esse meu apartamento aqui só descrevê-lo me deixa triste, porque muito tempo estou querendo sair dele, né, aliás, eh, desejo porque ele já está muito pequeno pra nós. Bom, mas vamos ao que se segue sem mais delongas. O apartamento compõe-se de uma, uma cozinha, né, um banheiro de empregada, de uma, uma sala pequena, né, corredorzinho aqui de entrada, um corredor de comunicação com o quarto pequeno e dois outros quartos no fundo, sendo que um quarto é o que se chama quarto reversível, um quarto muito pequenininho, né, tem um corredor aí já com reboco meio afetado pela infiltração de água, né, caindo um pouquinho porque esse nosso edifício é um dos edifícios mais antigos daqui do bairro, né, e a tubulação dele aí está toda furada de modo que de vez em quando há infiltrações por aí, né? De modo que esse nosso apartamento é um apartamento que eu acho que pra nós já não serve mais, é um apartamento muito pequeno, né, sala pequena e não tem acomodações e as coisas ficam todas amontoadas umas em cima das outras, né, não dá arrumação de espécie alguma, né? Bom, mas é a tal coisa, né, sempre podia estar pior noutro lugar, né?
D
 Quantos apartamentos são?
L
 Heim?
D
 (inint.)
L
 Bom, isso é difícil de dizer, acredito que esse apartamento assim, agora me pegou numa pergunta que me deixou assim na mão, sem poder responder, esse deve ter mais ou menos uns dezoito, dezoito, acredito que em volta disso, são seis andares, né, seis andares deve ter uns dezoito apartamentos mais ou menos, é (inint.) uma média de dezoito apartamentos, se for, é pouca coisa pra menos, pra mais acredito que não.
D
 Existe área pras crianças, área comum no edifício pras crianças brincarem?
L
 Bom, existe embaixo uma areazinha de, de terra mas que, pra começar, esse edifício aqui, criança mesmo assim em idade pequena acho que só tem a minha e uma menina em cima do, aí no quarto andar, né, de modo que edifício até que tem poucas crianças, né? E a área que tem é uma área embaixo que antigamente minha filha brincava um pouquinho e tudo, né, mas a área que em geral as crianças aqui do bairro preferem brincar é essa área contígua aí da frente do Jardim de Alá, né? É um jardim muito espaçoso, tem o miniparque ali do lado, né, aí as crianças brincam de manhã porque já à noite o aspecto dele é um tanto algo diferente devido às pessoas um tanto algo mal-encaradas que passeiam por aí, naturalmente viciados em maconhas aí e outras coisas aí porque aí é uma zona um tanto isolada e um tanto talvez despoliciada e como a nossa cidade está com a barra pesada ultimamente, né, cada vez mais, né, isso aí de noite talvez seja meio perigoso a pessoa se aventurar por esse jardim aí, né, mas de manhã as crianças brincam. Tem essa favela na proximidade, são dez prédios da fundação Leão XIII, não é (inint.) onde tinha a antiga praia do Pinto, né, e de vez em quando também vêm esses meninos por aí, ficam rondando por aí, que chamam pivetes, né, às vezes roubam, fazem alguns assaltos, né, às vezes tomam bolas das crianças aí no jardim, né, e perturbam um pouquinho, né? Mas de maneira geral dá pra levar as crianças aí pro jardim pras crianças brincarem um pouquinho, né? É um jardim bem amplo, por sinal, um jardim bem grande, né, e bastante, bastante bonito, né, porque o bairro é um bairro agradável porque tem inclusive uma natureza, o aspecto natural do bairro é muito bonito, né?
D
 Mas por que é que o senhor acha que , eh, Ipanema, o senhor disse que estava pensando em ter a audácia de continuar morando num apartamento ...
L
 Bom, porque só o sujeito sendo milionário, ou melhor dizendo, miliardário, porque miliardário é mais que milionário, né, porque os apartamentos aqui no bairro estão muito caros. O bairro valorizou-se de uma maneira extraordinária, né, e valorizou-se muito rapidamente de modo que nós temos aqui apartamentos principalmente na rua da praia, na avenida Vieira Souto, que se co... dissermos a uma outra pessoa qualquer mais desavisada a quantia, a pessoa não, não vai acreditar, porque tem apartamentos aí que estão pedindo, na, na beira da praia na Vieira Souto, bom, ali só mesmo pessoas de muita posse podem morar, né, setecentos milhões de cruzeiros antigos, oitocentos e tal, né, mas já cá um pouquinho mais para dentro já é mais barato. Chama-se apartamento barato aqui um apartamento na ordem de cento e trinta milhões, por aí, cento e quarenta, né, evidentemente. Agora é lógico que uma pessoa pra comprar um apartamento desses só pode comprar ou tendo muito dinheiro ou então se for uma pessoa da classe média e que arranje um financiamento, tendo uma economia qualquer pra dar uma entrada e fique depois com esse financiamento pagando como se fosse um aluguel, né? É, porque tornou-se de uma hora pra outra assim um bairro sofisticado, badalado, como se diz aí na gíria, né, muito badalado, né, e depois que apareceu aquela música aí "Garota de Ipanema" não sei o quê lá, aí todo mundo achou que era chique morar em Ipanema, não sei o quê lá. Mas esquece que muita gente mora aqui não porque é chique, porque é um bairro ...
D
 (sup.) Mas as contas do senhor não justificam isso, não?
L
 Como? Não entendi a pergunta.
D
 A maneira como são feitos os apartamentos de certo modo não haveria uma justificativa pro preço?
L
 Não, aqui exatamente há valorização do, do terreno, porque o terreno aqui no bairro custa extremamente caro, a unidade de área aqui, o metro quadrado não sei quanto custa, né? Se na própria Barra da Tijuca, que já é um tanto afastado daqui, São Conrado, os terrenos já estão custando verdadeiras fortunas, terrenos de cem milhões por aí, faça idéia aqui então que está muito mais, né, centralizado que na Barra da Tijuca, o preço não anda assim tão terreno, né? Então o terreno aqui, só o terreno custa uma verdadeira fortuna, né? Agora naturalmente aqui eles fazem às vezes prédios mais requintados, né, digamos assim no caso, porque em geral a população que mora aqui é do tipo da, da bê pra a, em geral, apesar de ter muita gente da cê por aqui, porque aqui na zona sul inclusive é onde havia maior concentração de favelas do estado da Guanabara. Nós temos a favela da Catacumba, tínhamos a maior, a maior favela de todo o estado aqui perto que é a Rocinha, né, e tínhamos a famosíssima, ultra famosa praia do Pinto aqui perto, né, que essa já desapareceu, né, ficou esse conjunto habitacional aí de dez prédios que é um conjunto onde mora gente pobre, né, e reduto de, da flor da marginalidade também aí, né, presente, né? As pessoas que moram ali são pessoas que algumas vivem praticamente num submundo, né, porque ali existem coisas inacreditáveis, existem pessoas que nos corredores têm galinheiros, têm porcos com chiqueiro e tudo, né, alguns tiraram os tacos do chão pra vender, vasos sanitários pra vender, ali é uma confusão tremenda, né, mas é a tal coisa, né?
D
 O senhor chegou ... Essas favelas que existiam por aqui, o senhor alguma vez chegou a ir a alguma delas?
L
 Bom, só se eu ...
D
 Eu queria perguntar como as pessoas viviam lá ...
L
 Hum.
D
 O local onde elas moravam, como era?
L
 Bom, só visitaria uma favela dessas, só, digamos assim ...
D
 Coragem (sup.)
L
 Se eu, se eu não me incomodasse assim de passar por algum susto assim mais violento, né, porque é lógico que numa favela dessas, né, a pessoa pode ir naturalmente não acontecer nada, como também pode passar numa rua aqui de luxo aqui ser assaltada. Mas é lógico nun... nun... nunca me interessei em ir porque primeiro lugar é uma típica construção de morro, de montanha que não me interessa subir morro em favela, né, até (inint.) se eu fosse uma assistente social, coisa que o valha, aí gostaria naturalmente de auxiliar a quem precisasse, né, mas é um perigo porque é um antro de marginais, elementos provocadores, né, e pra que a pessoa vai procurar barulho, né, à toa, né, melhor ficar quietinha no seu canto.
D
 Voltando aqui pro seu prédio, eh, as, as partes do prédio que são comuns, que todos moradores podem usar ...
L
 Hum.
D
 Essas partes são administradas por um, por um, por uma organização, por uma pessoa só ...
L
 Não, não, eh, o prédio, esse prédio aqui antigamente funcionava com uma organização tomava conta. Agora é o síndico, né, o síndico já está aqui há mais ou menos há oito anos e vem administrando o edifício com eficiência, né, e o que tem aqui de comum aqui no edifício, a garagem (inint.) essa, o resto aqui praticamente, ocorre tudo aqui normalmente praticamente todos aqui se dão bem, apenas vivem um pouco alheios um ao outro porque aqui no estado da Guanabara é uma coisa mais ou menos interessante: os moradores de edifícios da zona norte mais ou menos eles se conhecem entre si, se fazem amigos, aqui na zona sul é um isolacionismo, cada um pro seu canto, cada um não quer tomar conhecimento da vida do outro. Se a pessoa sai na rua toda esfarrapada, de tamanco, ninguém liga. Lá na zona norte, pelo menos quando eu morava lá, era assim, se a pessoa saísse com uma simples bermuda quase já, já era reparado, já era notado, quer dizer, ali na zona norte torna-se quase que um tipo assim de uma cidade do interior porque há aquela união fraternal entre os moradores, quase que fraternal, digamos, pelo menos aparentemente, né, mas aqui na zona sul tem muita gente que mora aqui, eu estou aqui há dez anos, nem sei nem o nome, não conheço e a pessoa entra no elevador sai, mal olha pra cara do outro, está entendendo, cada um vive a sua vida, não quer saber da vida do vizinho, conhece-se apenas o vizinho, sabe apenas que o vazamento de água lá de cima cá pra baixo, então tem que bater na porta pra conversar com ele, então os mais perto daqui de nós, né, que nós nos damos, né? Mas é interessante isso, isso é um tipo de vida um tanto diferente da zona norte, tudo ... Da zona sul, né, evidentemente.
D
 E, eh, a, as despesas comuns, porque muitas pessoas que moram em apartamento reclamam bastante, né, da despesa comum, da despesa além do ...
L
 Isso de fato é alguma coisa mais ou menos que se justificava reclamar. Naturalmente a pessoa podendo morar numa casa é o ideal. Agora uma casa atualmente não oferece tanta segurança quanto um prédio porque se os próprios ladrões têm a audácia de entrar num prédio de apartamentos muito mais então numa casa, né, e agora acontece o seguinte, que não tem as despesas de um condomínio: de vez em quando tem uma pintura externa a fazer, todo mundo é castigado no preço um pouco salgado, né, e tem o elevador pra consertar, porque agora o estado com certas exigências, todo edifício tem que ter a fachada nova, a fachada bem apresentável, não pode apresentar uma fachada imunda, né, e, e o elevador depois que houve uma série de acidentes com elevadores aí em vários prédios, que infelizmente algumas pessoas foram acidentadas, né, então a fiscalização obrigou então os edifícios a manterem elevadores de acordo. Então tudo isso que o nosso prédio é velho, talvez aqui fazendo concorrência lá com a arca de Noé no monte Ararat, né, bastante velho o elevador nosso, antiqüíssimo, de uma marca que não existe mais, Rádio, né, de modo que as modificações aqui têm que ser modificações drásticas, né? Nosso edifício tinha um aspecto horrendo, né, a pintura estava toda descascando no reboco, né, mas agora então praticamente com, com essas modificações todas melhorou, mas o pessoal gasta dinheiro, né? É água, imposto de água. É elevador, está consertando. É pintura do prédio, está entendendo, sempre aparece uma novidade ...
D
 E há funcionários no prédio? (sup.)
L
 Pra pessoa gastar dinheiro.
D
 (inint.)
L
 Funcionário existe. Funcionário existe um porteiro aí embaixo que aliás tem um defeito assim na, na perna direita, né? Esse é o porteiro que toma conta do nosso prédio aí, que faz a lim... eh, a vigilância, a limpeza de modo geral, né, tem pouca coisa que tem que talvez limpar, né, mas inclusive nosso edifício já passou aqui por alguns, algumas visitas dos amigos do alheio, né? (risos) Evidentemente, né, e os da frente também, né, isso aí de manhã, não foi a horas tardias não, pela parte da, da tarde mesmo nosso apartamento, inclusive nós estávamos em Teresópolis, foi, foi assaltado, né? Eles retiraram aquele seguro da porta, entraram aqui dentro e carregaram aí o que puderam carregar, né? De modo que é isso.
D
 Vocês estavam em Teresópolis? Você tem casa lá? (tilintar do telefone)
L
 Não. Teresópolis é o seguinte. Teresópolis foi o primeiro lugar que eu trabalhei quando eu me formei, né? Foi o primeiro lugar que eu trabalhei, foi uma cidade que eu sempre gostei muito (alguém falando ao telefone) de Teresópolis. Agora tudo que a gente gosta tem um motivo, né? Sempre gostei de Teresópolis porque Teresópolis é uma cidade que tem uma natureza extraordinariamente linda, muito bonita. Tem passeios belíssimos, tem locais maravilhosos. E como eu gosto muito de natureza, eu ficaria muito triste, por exemplo, se eu morasse num subúrbio, não por morar no subúrbio evidentemente mas pela falta de natureza. Eu gosta... preferiria morar, por exemplo, assim numa ilhota lá na, na Barra de Guaratiba que há natureza pra ver do que mesmo num local próximo aqui à cidade mas lugar feio, né? De modo que Te...
D
 Onde o senhor morava em Teresópolis?
L
 Teresópolis eu, eu trabalhava em Teresópolis e morava num hotel. Agora desse hotel depois eu aluguei um apartamento, que éramos três rapazes, né? Então nós já estávamos vendo que as despesas do hotel estavam grandes, nós três resolvemos alugar um apartamento, contratamos lá uma cozinheira pra nós, né, fizemos uma sociedade, compramos lá um armário pra guardar nossas coisas, né? Foi lá que começamos nosso trabalho, trabalhamos pro seu Joaquim Rola que era o dono do hotel Quitandinha e tinha uma companhia, uma série de, de terrenos em Teresópolis que estava loteando naquela época para vender, né, e nós começamos então a trabalhar. Esse foi meu primeiro trabalho, foi em Teresópolis, uma cidade que eu, que eu gosto muito de uma maneira extraordinária mesmo. Eu acho uma cidade muito, muito bonita, muito, muito linda, né? E como eu sou amante assim da, da natureza, né, acho uma cidade que tem uma natureza encantadora mesmo, fora do comum, tem locais de uma beleza extraordinária, né? Então por isso que eu gostei da cidade.
D
 O senhor vai de vez em quando lá ainda? Ou nunca mais foi?
L
 Não, a última vez que eu fui a Teresópolis foi a semana santa, né? Semana santa eu aluguei lá uma, uma casa porque nós tentamos mudar pra variar um pouquinho, todo mundo pra Teresópolis, pra essa região aqui perto de Araruama, mas ali as casas eram um preço proibitivo, né? Então nós ficamos em Teresópolis a semana santa e sempre que eu posso, há um, assim uma oportunidade, né, de ficar algum tempo assim, tem assim um feriado perto de um sábado ou domingo, né, posso emendar assim uns dias, né, eu procuro ir pra lá, né, gosto muito de lá. Agora a cidade já está perdendo um pouco aquelas suas características de sossego, né, e de paz, porque antigamente Teresópolis tinha duas conduções: era um trem que saía da Leopoldina às sete horas da manhã e outro às cinco horas da tarde. Chegava a Teresópolis, quando chegava, né (riso) o primeiro às dez horas e o outro às oito horas, né? Mas depois fizeram a estrada de rodagem. Teresópolis não tinha estrada de rodagem. Pra você ir a Teresópolis era necessário primeiro ir a Petrópolis e então era uma viagem muito longa, né? Então depois que fez-se a estrada de rodagem direta ligando o Rio a Teresópolis, a cidade tomou um impulso muito grande e agora a afluência de pessoas lá é uma coisa terrível, de modo que a pessoa, por exemplo, pra chegar a comprar um pão, entrar numa padaria, tem que entrar numa fila, entendeu? Pra andar de carro ali o trânsito está totalmente caótico, né? De modo que a cidade está começando especialmente na época de fim de ano, na época de festas, a perder aquela certa tranqüilidade que tinha, mas quem quiser procurar ainda tem muitos lugares ali em volta da cidade que ainda encontra isso, né, um pouco afastado, claro.
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  Está bom. Podemos então ...