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PROJETO NURC-RJ

Tema: "Vida social e diversões"

Inquérito 0151

Locutor 171
Sexo masculino, 58 anos de idade, pais cariocas
Profissão: advogado e antropólogo
Zona residencial: Sul

Data do registro: 24 de abril de 1973

Duração: 40 minutos

Clique aqui e ouça a narração do texto


D
 (inint.)
L
 De conversar de assuntos, eh, extraculturais como futebol, hábitos de vida em Copacabana, com os moradores de lá, habituais freqüentadores de cafés, eh, e de esquinas, possa influir alguma cousa, né (sup.)
D
 (sup./inint.) nós estamos, como tema pra entrevista do senhor, vida social, diversões. Então, vida social, tudo que o senhor acha que se relacione, nas suas atividades (sup.)
L
 (sup.) Sei (sup.)
D
 (sup.) Com grupos sociais de um modo geral.
L
 Diversões, né?
D
 Diversões, esporte (sup.)
L
 (sup.) Pois não (sup.)
D
 (sup.) Tipo de atividade.
L
 Bom, eu sou um tipo muito intelectualizado, de modo que não participo de toda a variedade de experiências que se adquirem em grupos, eh, sociais de nível social desigual, eh, de modo que a minha, o meu tratamento é, é, é sempre com pessoas de nível cultural mais elevado, eh, não convivo assim com jogadores de futebol, com esportistas, eh, dedicados inteiramente à sua atividade, nem com gente de rádio, televisão, que tenham, eh, seu linguajar próprio. Eh (sup.)
D
 (sup.) Independente disso ...
L
 Sim.
D
 Por exemplo, o senhor gosta de futebol?
L
 Gosto.
D
 Então, como é que o senhor vê o futebol? O que que ... Quais são suas atividades ligadas a futebol?
L
 Bom, quase sempre é através da televisão, porque para mim a locomoção até o estádio, não tendo automóvel, é difícil. Mas eu me interesso, eh, me interesso muito, eh, pela leitura de jornal e pelas fotografias, tanto que até um dos temas de trabalho que eu dei aos meus alunos na universidade foi "O futebol na cultura brasileira contemporânea" e recentemente, indo ao Peru, fiz uma palestra sobre "O futebol e a antropologia no Brasil", que de certo modo eu, saiu interessante, eu procurarei até desenvolver em artigo para publicar, onde eu examino diferentes aspectos da, (fala paralela) examinarei diferentes, examino a relação do futebol com diferentes aspectos da cultura brasileira, como por exemplo magia, música popular, não é, e comunicação de massa. Então eu examinei mais detidamente esse problema da comunicação de massa, mostrando quanto o futebol, através da, eh, do simbolismo das bandeiras, eh, no Maracanã, tem, eh, servido para, eh, produzir na multidão efeitos de entusiasmo, de uma verdadeira histeria coletiva que se está desenvolvendo cada vez mais, incentivada pelo rádio, pela televisão, como forças de (sup.)
D
 (sup./inint.)
L
 (sup.) Sim (sup.)
D
 (sup.) Do Maracanã (inint.) descrever todo um clima assim que se instaura na cidade no momento assim de um jogo decisivo (sup./inint.)
L
 (sup.) De um grande jogo, decisivo? O que tem que fazer é (sup./inint.) me interesso muito, muito, me interesso muito por isso (sup.)
D
 (sup.) Podia descrever em termos de como é a coisa?
L
 Sim, sim. Eu vou às vezes, freqüento às vezes o Maracanã, mas não habitualmente assim como uma diversão, eh, permanente. Agora as vezes que eu freqüento eu procuro observar muito o comportamento da multidão. Me interessa muito o comportamento da multidão e o que me chamou mais a atenção foi o desenvolvimento nesses anos recentes, sobretudo depois de sessenta e seis pra cá, esse entusiasmo coletivo que é produzido pelo simbolismo das bandeiras e das cores como fatores de comunicação, eh, coletiva, pelo simbolismo que elas encerram, não é?
L
 Só pelo espetáculo ou tem preferência assim por um determinado clube?
L
 Não, não, eu vou mais pelo espetáculo. Não tenho preferências, eh, de clubes não (sup.)
D
 (sup.) Nenhum?
L
 Nenhum, nenhum. Talvez mais pelo Botafogo e pelo Flamengo ou pelo Fluminense, né? Demais, não grande entusiasmo, porque eu mesmo fiz críticas muito sérias nesse último trabalho, eh, ao comportamento do Botafogo, de um modo geral, no, no campeonato e como mudou a atitude do público em geral e (sup.)
D
 (sup.) Qual foi esse comportamento?
L
 Quê? O comportamento? Eu acho que o Botafogo, eh, vendendo seus principais jogadores, eh, perdeu a homogeneidade e, perdendo a homogeneidade, perdeu também o seu lugar entre as grandes potências do futebol carioca, embora a sua torcida procure manter ainda a imagem do grande clube que ele foi há cinco anos atrás por exemplo. E eu acho que ele perdeu consideravelmente em eficiência técnica e também, eh, como em popularidade, tanto que não é mais convidado para, eh, excursões ao exterior e, eh, desceu de um modo geral na escala dos considerados grandes clubes cariocas que há, e brasileiros, que há dez anos atrás por exemplo ele possuía. A imagem do Botafogo de um modo geral se reduziu, ao que me parece, em virtude de ele ter descido na escala de eficiência perante os outros clubes que, eh, entre os quais habitualmente ele se destacava. E me parece que esta foi a principal alteração, assim como o Santos também está perdendo aquela imagem de clube invencível, imbatível, que tinha, eh, conseguido formar no espírito popular e que dia a dia perde prestígio e se reduz também, à medida que outros clubes, como o Palmeiras por exemplo está se firmando cada vez mais num conceito popular. Esta é a minha idéia de observador, eh, participante, até certo ponto, do futebol, mas não um verdadeiro fanático. Mais um observador crítico do que um participante entusiástico. (risos)
D
 (inint.) as posições em que os diversos jogadores atuam.
L
 Sim, sem dúvida.
D
 E das regras básicas do jogo?
L
 Também, também. Creio que tenha, não profundamente, né, mas (sup.)
D
 (sup./inint.)
L
 Como que é? Bom, eu acho que muito importante atualmente é o centro do campo, eh, eh, o chamado centro do campo. No tempo que eu era menino e que, e adolescente, e assistia as partidas de futebol, tudo se resumia em ataque. E quanto mais gols eram feitos, maior era o nosso entusiasmo, eh, juvenil e adolescente, e adolescente de um modo geral. Eh, agora as defesas se trancam e o meio-de-campo é que é o fator decisivo, e daí a redução por exemplo no número de gols que são conseguidos em cada partida, eh, em virtude da importância que tem, eh, que assumiram os jogadores que jogam nas posições centrais, como Gérson, Rivelino, Dudu, Ademir e outros e que de certo modo dão a esses jogadores um relevo maior sobre os defensores propriamente ditos e até mesmo os atacantes, a não ser as exceções do Pelé, do Jairzinho, que contrariam a regra geral. Mas os grandes jogadores que são mais estimados no consenso público me parece que são aqueles que ocupam as posições do chamado meio do campo, da distribuição do jogo [fala à parte (sup./inint.) quem é?] da distribuição do jogo, da articulação entre o ataque e a defesa. Então, com predominância da defesa, daí não deixar o adversário fazer gols, daí a centralização das jogadas se fazer em torno de jogadores que ocupam essas posições e o relevo que eles ganham em relação a, tanto aos atacantes propriamente ditos e aos defensores da retaguarda, por sua vez, né? Eu acho interessante porque o ... Em geral a imagem popular é de que o jogador que faz gols é o mais estimado, é o mais apreciado, é o que mais, eh, se destaca no noticiário de jornais, nas seções esportivas. Mas não obstante parece que a chave do futebol brasileiro está na, no meio do campo e na defesa que se apóia sobre este meio do campo. Os jogadores atacantes constituem como que pontas-de-lança e só eventualmente eles, eh, fazem os gols que antigamente eram o objetivo principal da partida de futebol. Os escores são reduzidos, os escores são reduzidos, não é? E ra... a não ser casos individuais, como eu disse, do Pelé, do Jairzinho e de, do Paulo César, eh, em geral, as figuras de maior relevo no futebol brasileiro dos últimos anos têm sido os jogadores que jogam e ocupam essas posições do meio-de-campo: Gérson, Rivelino, Dudu (sup.)
D
 (inint.) por trás dela há todo um mecanismo (sup.)
L
 (sup.) Sim.
D
 Há todo condicionamento a ela, decorrente de toda uma experiência (sup.)
L
 (sup.) De toda uma experiência. Eu acredito que seja a modificação do sistema, eh, inglês clássico, de um, eh, arqueiro, dois beques ou zagueiros, eh, três da linha média e cinco atacantes, que evoluíam no sentido do chamado sistema quatro dois-quatro: quatro zagueiros na retaguarda, dois no centro do campo e quatro na linha dianteira, com a possibilidade sempre desse, eh, quarto jogador da linha de frente voltar a auxiliar a defesa e então se constituírem três no centro do campo, e com os quatro da retaguarda formarem sete. E a tal modo que as, a antiga linha de frente de cinco atacantes praticamente ficou reduzida a três, e com isso houve a redução também concomitante dos chamados goleadores, daqueles que faziam gol com maior facilidade. De modo que fortaleceram-se as defesas e enfraqueceram-se as linhas de ataque. (risos)
D
 Tem-se falado muito que esse tipo de organização do jogo, eh, leva a uma violência muito grande, no jogo em que, que (inint.) espetáculo de futebol. Concorda com isso? O que que o senhor (inint.)
L
 O problema da violência, da agressividade, talvez seja em virtude da repressão que as defesas mais numerosas provocam sobre, eh, provocam nos atacantes, em menor número, que tentam romper aquela barreira defensiva, mas, mas (sup.)
D
 (sup.) Não nota assim uma diferença entre o tipo de falta que havia antes no futebol e o, as atuais?
L
 Sim, tipo de falta? O, os chamados 'fouls', ham, são mais freqüentes realmente. Talvez por maior cuidado, eh, maior, eh, zelo da parte dos, eh, juízes, dos árbitros que querem impedir a todo custo esta maior violência. Mas me parece que ela é decorrente do próprio sistema de organização, da mudança no próprio sistema de organização em campo, em que, eh, as defesas se tornando cada vez mais de difícil penetração, hum, dificultam aos atacantes essa, eh, o, a obtenção dos gols, a obtenção da vantagem numérica. Então daí o esforço que eles fazem para romper essas defesas maciças e então, e em decorrência disso a violência ter crescido como uma espécie de repressão que eles sintam maior no seu propósito de obtenção de, de gols que assegurem a vitória aos seus clubes. E, por sua vez, os outros da defensiva, se julgando em superioridade numérica, eles procuram, ah, de todo modo evitar a penetração desses atacantes em menor número e então eles apelam para todos os recursos, inclusive o da violência, de machucar propositadamente os jogadores para reduzir o poder ofensivo deles, né?
D
 (inint.) acompanhar toda uma evolução de adaptação de uma terminologia do futebol de língua estrangeira para a língua portuguesa (sup.)
L
 (sup./inint.) portuguesa (sup.)
D
 (sup.) O senhor podia dar uma idéia (sup./inint.)
L
 (sup.) Sem dúvida. Eu noto perfeitamente que, do tempo que eu era menino e freqüentava o, os campos de futebol ao presente, a terminologia inglesa caiu completamente.
D
 Por exemplo.
L
 Ah, já não se diz mais, eh, 'keeper', não é? Já não se diz mais 'back', já não se diz mais 'center-half'. Já não se diz mais 'forward', não se diz, eh, córner, dificilmente, mas com mais freqüência, córner. Pênalti ainda se diz, né? Porém de um modo geral toda a terminologia que se usa agora, agora se usa, eh, (risos) escanteio, se usa zagueiro, se usa ponta-de-lan,ca, se usa meio-de-campo, todas essas expressões que substituíram as expressões inglesas legítimas do futebol inicial, não é? De modo que me parece que à medida que o futebol se abrasileirou toda a terminologia correspondente também se abrasileirou, no sentido de ... E diversamente do português de Portugal, em que, eh, o, o arco, a, a meta é chamada de moldura, né? A bola é chamada de redonda, não é? Também assumiu no português de Portugal outra terminologia própria, peculiar à língua, em, em desfavor da terminologia inglesa original. Eu noto que inclusive entre o português do Brasil e o português de Portugal uma diferença co... completa, que quando lemos os jornais portugueses rimos constantemente com a mudança de termos lá empregados e aqui, né?
D
 Sem sair dessa área de esportes (inint.) que que tem mudado também no aspecto assim de organização dos clubes para o desempenho (sup./inint.)
L
 (sup.) Esse foi, esse foi um termo (sup.)
D
 (sup.) Uma organização que está por trás (sup.)
L
 (sup.) Sem dúvida. Eu acho que a mudança de futebol, no futebol brasileiro essencial foi que com a implantação do profissionalismo, em mil novecentos e trinta e três, o clu... os clubes passaram a ser considerados não em termos de associações de caráter afetivo, esportivo, eh, na sua essência, mas de empresas comerciais. De tal modo que o que caracteriza hoje a organização do futebol brasileiro é exatamente o clube como empresa que aufere lucros, que visa lucros, eh, através da compra e venda de passes, que, eh, faz investimentos, quer imobiliários, quer investimentos em jogadores que são considerados, eh, promissores e que depois se tornam realmente, eh, atrações para a massa. De modo que o clube como empresa organizada em termos racionais, com uma contabilidade determinada, um sistema de prêmios, eh, eh, variando de acordo com (sup.)
D
 (sup.) Como se chama esse sistema de prêmios, popularmente?
L
 Bicho. Bicho, né? (risos) O bicho, né? De modo que tudo isso contribuiu para a transformação completa do clube, que antes era uma associação recreativa, recreativa é bem o termo, para se tornar uma empresa comercial de fins, com fins de lucro.
D
 Isso estendeu por exemplo a responsabilidade da formação de uma equipe a outras pessoas que não apenas os jogadores?
L
 É claro. Os dirigentes passaram a ter um papel muito importante, e a prova disso é que o Santos, enquanto foi dirigido por um, uma diretoria de banqueiros e grandes homens de negócio, como Modesto Roma e outros cujos nomes me escapam agora, atingiu a um nível técnico e de eficiência, eh, inigualável. Foi a grande época da década de sessenta pro Santos, em que, em virtude, me parece, da sua organização racional como empresa dirigida por homens de negócio, ela, ele, eh, o clube, Santos, também, eh, assumiu um caráter de uma organização, eh, tanto quanto per... possível, perfeita nas suas linhas ofensivas e defensivas, no, no seu técn... no seu técnico, nos seus preparadores físicos. Racionalizou de tal modo a sua produção, que se tornou a equipe mais eficiente do Brasil e representativa do futebol brasileiro. Eu acho que o Botafogo também teve isso em dado momento, mas desde o momento, desde que substituiu a direç~ao de homens práticos, homens de empresa, organizadores, eh, por, eh, figuras tradicionais, eh, devotados ao clube, às antigas tradições, ele perdeu também esse caráter de organização racional e perdeu (sup.)
D
 (sup./inint.) dentro de cada clube também tem um nome popular ...
L
 Os cartolas, mas cartola no sentido pejorativo, eh, me parece de que, eh, se coloquem a uma posição muito elevada e que, eh, sejam de certo modo, eh, desligados da grande massa de torcedores, de freqüentadores habituais do clube, que constituem mais gente da classe média e das classes, sem falar a grande massa de freqüentadores dos jogos, que s"ao das classes populares propriamente ditas, né? Então me parece que a denominação de cartola contém um elemento pejorativo assim no sentido de, ou pelo menos depreciativo da parte daqueles que sentem uma distância social muito grande desses dirigentes, que ocupam em geral lugares destacados na sociedade em geral e nas suas atividades profissionais, quase sempre tiradas dos quadros dirigentes da economia e da vida empresarial de um modo geral, né?
D
 Saindo, passando pra outra, outra aspec... outro aspecto dentro desse assunto, eu queria saber se o senhor tem muitos amigos, o seu relacionamento com esses amigos, como, se vocês se freqüentam, onde?
L
 Não, eu não sou homem de muitos amigos não. Pelo meu feitio pessoal mais introvertido eu não sou homem de grandes amigos, mas sou de profundas amizades. Aqueles a quem eu, eh, me dedico e com os quais eu convivo mais habitualmente são meus amigos assim, eh, estrei... intimamente ligados e a quem eu confidencio muitas coisas e procuro, me ligo afetivamente, de um modo mais profundo. Eh, isso não quer dizer que eu não tenha também de certo modo alguma, não digo facilidade, mas alguma sensibilidade a outros de diferentes, eh, proveniências e de diferentes camadas sociais. Eu sou, de um modo geral me considero um sujeito acessível, não sou, eh, fechado em demasia, mas também não sou de muito fácil contato, de muito fácil comunicação não. Só me comunico em geral com aqueles que, eh, com os quais eu convivo, em razão das minhas atividades ou por interesses intelectuais, ou então interesses assim de querer, compensatórios, vamos dizer, de querer compensar uma vida excessivamente intelectualizada com uma vida, eh, mais, eh, participante do restante da vida social, como por exemplo o caso do futebol a que eu me referi agora, que pra mim representa como que uma compensação num pólo oposto àquele que eu em, em geral, de preferência, tenho, que é o intelectual, né, o da leitura, o do, da constante leitura, do trabalho e da elaboração intelectual interior, né?
D
 Esses amigos que o senhor tem, que são poucos mas são profundos, o senhor costuma se encontrar com eles, estar sempre com eles ou não? Onde exatamente? Se freqüentam a, as casas uns dos outros? Como é que faz, se faz o contato?
L
 Não, não. Não nos freqüentamos muito não, e eu mais freqüento a casa deles do que eles a, a mi... minha. Eh, em geral eu busco ... Ainda hoje eu tive um convite para jantar fora na quinta feira. E em geral eu busco mais esses amigos do que eles vêm a mim, comprendeu? Mas, eh, com fre... Não estou me exprimindo bem. Não é bem esse o pensamento que eu queria traduzir, eh, quer dizer, eh, eu sinto um extremo prazer em estar com esses amigos íntimos, que eu considero mais ligados, mais chegados a mim e, e sinto quando não sou procurado, de modo que, eh, eh, quando, eh, eu recebo convite para ir às casas deles, eu tenho uma satisfação íntima muito grande, tenho uma satisfação íntima muito grande. Mas raramente a iniciativa parte de mim, de convidá-los à minha casa. Essa é a diferença que eu noto, não é? E talvez seja por isso que eu não faça grande número de amigos, por ser, eh, por achar a casa mais um reduto privativo do que propriamente um ambiente social em que eu, eh, reúna amigos, embora eu sinta prazer também com isso. Mas não é tão intenso quanto a solicitação que, da parte dos outros em relação à minha pessoa. Não sei se consegui traduzir bem.
D
 (inint.) quais são as atividades (inint.)
L
 As atividades? Bom, quase sempre, eh, são atividades intelectuais. Quase sempre. Mas eu gosto muito quando elas não são exclusivamente intelectuais. Eu gosto muito quando, eh, se fala de assuntos, quando se tratam de assuntos variados, como música, o próprio futebol, (risos) a que nós nos referimos inicialmente, eh, atividades artísticas. É uma que eu, eh, ia omitindo que é importante. Eh, por exemplo eu gosto muito de ir a, com amigos, e com freqüência os convido, a ir à inauguração de, hum, exposições de pinturas, exposições de pintura, está compreendendo, a concertos musicais também, né? De modo que esse, essa é a minha parte social: exposições de pintura e de escultura, concertos (riso) musicais, em que nós vamos, eh, em geral em grupo. De modo que essa é a minha ponte assim de contato, de relacionamento com esses amigos, mais do que no ambiente caseiro propriamente dito, né?
D
 O senhor não teve, eh, curiosidade, há dois grupos importantes que estão ou já estiveram aqui no Rio, de dança, de balé.
L
 Balé.
D
 O senhor não teve curiosidade de ir ver?
L
 Tive, tive curiosidade, mas não fui. Ah, neste momento a minha curiosidade está deslocada noutros sentidos. Eh, eu ia muito ao balé do ... Vi a Margot Fontain, ao balé russo, ao balé do Senegal, esses eu freqüentei há uns anos atrás. Mas esse meu interesse pelo balé deve ter decrescido, não sei em virtude de quê, eh, eh, porque ultimamente temos tido outros grupos importantes aqui e eu não freqüentei, não fui a nenhum desses grupos. De modo que houve uma alteração de uns cinco anos pra cá, nesse sentido, nesse interesse, nesse interesse. Mas eu já freqüentei o Municipal até cinco anos atrás, com um desejo vivo do balé, do balé russo, do balé do Senegal, como eu disse. A Margot Fontain eu vi, eh, com muito interesse. Ultimamente eu tenho acompanhado pelos jornais, pelo noticiário a visita desses grupos de balé estrangeiro e não obstante não tenho tido interesse assim intenso em torno deles, né?
D
 O senhor disse que, que fre... que freqüentou muito o Municipal para participar de concertos (sup.)
L
 (sup.) Sim, de concertos.
D
 O senhor gosta de música erudita? E música popular, o que é que o senhor acha?
L
 Música popular? Música popular não é todo gênero que me agrada. Eu acompanhei e fui ao Maracanãzinho durante anos, ver o festival, ver e ouvir o festival da Canção e (fala paralela/risos) o festival da Canção, e talvez por revolta aos prêmios que eram conferidos, às músicas escolhidas, eu passei então a não freqüentar mais o festival da Canção, embora acompanhe pelo, hum, pela televisão, e acho que o nível decaiu sensivelmente nos últimos anos. Parece-me que a música popular brasileira está numa fase de regressão, no sentido de que, eh, pelo menos pela minha formação, eh, tradicional, eh, os gêneros novos que têm sido, eh, vulgarizados e que se tornam mais populares, eh, não correspondem àquilo que para mim constituem os padrões, eh, realmente renovadores e realmente criadores de uma música popular brasileira autêntica, né? Me parece que a influência estrangeira, a influência do 'show music' (risos) tem deturpado bastante esse caráter que eu sentia mais íntimo, da, do tempo da "Carolina", da "Travessia" (risos) do, aquele rapaz que foi para o estrangeiro, como é o nome dele? O Vandré, né? Vandré, né, que me pareciam que tinham maior autenticidade do que esses autores e compositores que atualmente estão mais em evidência. Mas este é um campo em que, eu digo com sinceridade, eu não tenho conhecimento técnico suficiente pra falar com a mesma disposição que em outros terrenos, né?
D
 O que a gente gostaria de saber era exatamente a impressão pessoal, o seu gosto. O que o senhor acha dos cantores, eh, que estão em atividade ainda, compositores. Existe um grupo baiano, não é? Existe um, um grupo carioca que se pode falar, a música popular que está sendo feita agora.
L
 Do grupo baiano eu gosto de algumas cousas, não da totalidade, compreendeu? De algumas cousas, né? No meu conhecimento não dá para discriminar tanto assim por nomes e autores, né? Mas o Caetano Veloso, capaz de fazer uma cousa que me pareceu interessante, como "Aquele abraço", (risos) né, que me causou na ocasião muito boa impressão, eh, me parece que após ter se tornado mais, eh, conhecido e ter permanecido na Inglaterra e no estrangeiro durante, eh, tanto tempo, eh, perdeu algumas daquelas características de espontaneidade que ele tinha no início e que me levavam a estimá-lo muito. Do mesmo modo Gilberto Gil, também, me parece que à medida que se tornaram mais e... eruditos, vamos dizer assim, entre aspas, (risos) se perderam, eh, qualitativamente para mim.
D
 Agora quais são essas raízes autênticas e populares que o senhor valoriza mais?
L
 Eu acho que seriam raízes folclóricas de caráter até inconsciente, né, de origem até inconsciente, que tenham sido, hum, bebidas, que tenham sido, eh, adquiridas, eh, na própria vivência deles, nos ambientes em que eles se criaram e se formaram, né? (sup.)
D
 (sup.) Isso envolveria, assim, algum instrumento (sup.)
L
 (sup.) De mudança, de relação (sup.).
D
 (sup.) De relação de instrumentos específicos ou é a temática só?
L
 Eu acho que é mais a temática que mudou. Parece que a temática mudou, né? No sentido de que, tornando-se mais, eh, habituados à música internacional, eles perderam em autenticidade. O que eu noto também no próprio Chico Buarque de Holanda que, eh, de início, ah, me parecia, eh, um poeta muito mais livre, muito mais criador do que atualmente. Me parece que ele está se repetindo. Não falo com conhecimento de causa suficiente, mas que não está produzindo atualmente o que há anos atrás ele era capaz.
D
 Há pouco o senhor falou que foi convidado pra um jantar (sup.)
L
 (sup.) Sim.
D
 Hoje?
L
 Não, quinta-feira. Fui convidado hoje para um jantar quinta feira.
D
 É na casa de alguém ou o senhor costuma freqüentar locais públicos pra jantar, almoço?
L
 Bem, eu não costumo freqüentar lugares para jantar, mas, eh, mas amigos, eh, que, eh, eu fiz recentemente, esses são os dois casos, eh, convidaram-me. Um deles foi um conhecimento até muito recente e outro um conhecimento antigo que estava interrompido durante anos. Eu o julgava até ausente do Rio, o que me surpreendeu, porque eu telefonei à casa dele e ele espontaneamente, eh, me convidou muito efusivamente pra jantar na casa dele sexta-feira. De modo que, eh, ambos os convites me sati... me contentaram muito, me satisfizeram muito, porque eu pensei para mim: afinal de contas eu não sou tão fechado, não vivo num círculo tão hermético como eu julgo, né, uma vez que eles têm (risos) prazer em me convidar, e com isso, eh, me proporcionar a oportunidade de sair daquele círculo fechado em que mais ou menos eu convivo, não é, dos, da roda de amigos intelectuais e da roda de amigos assim de, ocasionais, de, de conhecidos mais ocasionais com que lá em Copacabana eu freqüento umas rodinhas para falar desses assuntos diversos de futebol, música popular e outros assim, que não sejam estritamente intelectuais. De modo que esta parte do convívio social propriamente dita eu recebo com muita satisfação. Eu, e não é que eu busque propriamente, a não ser em alguns casos, que eu telefono e, eh, sou, hum, correspondido, no sentido de, eh, ser rapidamente convidado para freqüentar a casa deles. De modo que, (telefone) eh (interrupção). De modo que, eh, não sendo social, no sentido de reunir gente na minha casa, eu o sou no sentido de, convidado, freqüentar com prazer a casa dos outros. Acho que agora consegui ser entendido.
D
 (inint.) convívio social, eh, há toda uma experiência assim familiar de criança e adolescente, de reuniões de família ...
L
 É exatamente o que ocorre comigo porque, pela idade que eu tenho, e pela diminuição, eh, crescente do meu círculo familiar, ocorreu que a minha casa não é freqüentada por crianças e por adolescentes e só por gente (sup.)
D
 (sup.\inint.) adolescentes, como é que era?
L
 Como é que era? Já nessa ocasião ... Não, na minha vivência infantil eu era muito social. Eu era muito social sempre (sup.)
D
 (sup.) Havia festas na sua casa para comemorar datas (sup.)
L
 (sup.) Na, na minha casa não havia, não havia porque ... A, a não ser no círculo familiar muito estrito. Nós morávamos no Lins de Vasconcelos, conforme eu referi nos dados pessoais, e o círculo da vizinhança era reduzido. Não, não, não era hábito naquela ocasião se dar, se darem festas, eh, de crianças e de haver, eh, participação assim na vida familiar direta. Os vizinhos falavam mais, eh, na rua, se falavam mais. As crianças, nós, crianças, brincávamos mais na rua propriamente dita. De modo que não havia, como hoje, o que eu acho uma grande cousa para as crianças, essa sociabilidade intensa das comemorações de aniversário, das comemorações dos dias dos pais, dos dias das mães, etc., eh, no meu tempo de criança não se, não se praticava com intensidade isso. Daí, com certeza, eu não ter, né, em chegando à idade adulta, esse desenvolvimento, (fala paralela) eh, não ter esta, esse hábito de freqüentar a, a casa dos outros e de trazer para a minha casa aqueles que eu realmente estimo.
D
 E aquelas brincadeiras de criança de rua quais eram?
L
 Bom, já eram naquele tempo o futebol, o futebol e as brincadeiras de ... Eu nunca fui muito, por motivos muito especiais da, de, da, da minha vida, eu nunca fui muito de, eh, participar de brincadeiras violentas com os companheiros, não tive a oportunidade, não tive a oportunidade de brincar com os companheiros, no sentido de, eh, praticar cousas que os outros garotos da minha idade já praticavam por exemplo, como roubar frutas dos vizinhos, quebrar vidraças, eh, hum, eh, destruir cousas que, eh, para os outros, os adultos, eh, têm valor mais considerável, como gramados, como arrancar árvores, etc. Eu nunca fui dado a essas violências, a essas atitudes assim destrutivas, agressivas, né (sup.)
D
 (sup.) Havia jogos?
L
 Havia jogos, né?
D
 Por exemplo, o senhor podia contar para nós?
L
 Jogos? Minhas recordações são fracas neste ponto, né? Eh, eh, as brincadeiras de criança, eh, eu tenho duas irmãs mais velhas do que eu, e os garotos da, da, da minha rua, eh, que eu morei, eh, eh, tinham brincadeiras, eh, que, também comparadas com as de hoje, eram muito mais reduzidas, porque a, a liberdade era muito mais reduzida que a atual, não é? De modo que praticamente que eu me lembre mesmo era o futebol e as correrias que se faziam, (risos) eh, pela rua, disputas de corridas e atravessar um rio que havia no final da, da rua em que nós morávamos, eh, de modo que ... Escalar um morro vizinho para apanhar balões, (risos) essa era uma brincadeira a que eu me dedicava intensamente, eu me lembro perfeitamente, fazer balões, soltar papagaios. (risos) Agora sim, agora começo a me recordar de, da, da infância que já vai tão longe. (risos) Soltar papagaios, eu era louco por papagaios e balões. Isso eu me lembro perfeitamente, né? Fazer papagaios, cada qual maior e mais enfeitado. Havia uma verdadeira disputa entre os garotos em torno disso e na ocasião de são João, nas festas juninas, havia também uma competição muito grande para aqueles que faziam os balões mais bonitos, mais enfeitados, etc. Então eu me valia de um senhor, pai de um amigo meu íntimo, o N., que depois, com o curso da vida, se afastou completamente, mas nessa época era meu mais íntimo amigo. Então com a ajuda dele nós fazíamos os balões-estrelas que eram muito apreciados pelos, e invejados pelos garotos da vizinhança que às vezes vinham (fala paralela). E então essas eram as brincadeiras habituais: futebol, correrias, travessia de rio, não é, travessia de rio, fazer e soltar papagaios, inclusive caçar os papagaios alheios com os nossos, né? (risos) E (sup.)
D
 (sup.) Tinha todo um mecanismo pra fazer isso, né?
L
 Todo um mecanismo, sem dúvida.
D
 (inint.)
L
 Bom havia alguns, eu não usava desses recursos, que passavam, eh, cola com vidro moído, né, pra cortar as linhas, né? Mas eu nunca usei porque em casa era muito controlado e minha mãe e meu pai criticavam muito como um recurso desleal. Então eu preferia embolar, como se di... era o termo que se dizia, laçar os outros, eh, as outras linhas no ar, desde que não fossem vidradas, que não fossem também cortantes, para, ah, puxarmos os papagaios dos outros garotos. E o outro divertimento, que esse era uma época mais reduzida do ano, era dos balões de são João, que naquele tempo e no bairro onde nós morávamos, o Lins de Vasconcelos, eram muito freqüentes, muito abundantes. Agora eu vejo isso tudo a uma distância já muito grande, porque depois, tendo me transferido aos onze anos para o Flamengo, eu perdi contato com aquela vida suburbana ainda semi-rural, vamos dizer, que representava na época o bairro do chamado Cabuçu do Lins de Vasconcelos. Então eu passei a conviver num ambiente de praia, num círculo completamente diferente de amigos, de relações, em que as brincadeiras eram outras: banho de mar, compreendeu, banho de mar e outras cousas próprias da beira de praia (sup.)
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 (sup.\inint.) brincadeiras caseiras, jogos, cartas.
L
 Pouco, muito pouco. Mais na, na, na primeira infância assim até, vamos dizer, eh, até mesmo os doze anos, que eu e minhas irmãs em casa usávamos jogos de carta e colecionar figurinhas de artistas, jogadores de futebol que vinham nas balas e fazer essas coleções, né? Acabou?