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PROJETO NURC-RJ

Tema: "Vida social e diversões"

Inquérito 0130

Locutor 148
Sexo masculino, 52 anos de idade, pais cariocas
Profissão: médico
Zona residencial: Suburbana

Data do registro: 17 de novembro de 1972

Duração: 38 minutos

Clique aqui e ouça a narração do texto


L
 É uma coisa assim mais de, de bagunça mesmo, né? E aos domingos, não. Saio com a A. e com as garotas, né? E sempre levo uma, duas famílias comigo quando vou no meu barco, né?
D
 O senhor tem barco?
L
 Tenho, tenho uma lanchazinha, né?
D
 É grande ou pequena, como é que é?
L
 É boa, dá. Vinte e nove pés. Dá bem pra umas duas ou três famílias ali, umas quinze pessoas dá comodamente, né?
D
 E o senhor vai pescar onde?
L
 Eu pesco aqui por dentro da Ilha do Governador mesmo, né? Mas agora estou em vias de trocar a embarcação. Se eu vir a trocar mesmo, aí eu já quero me aventurar em, mais um pouco pra fora da barra, né? Mas essa lancha que eu tenho atualmente eu não confio muito porque é a gasolina e tem que ter uma série de cuidados aí que as de óleo não precisam, né? E eu então já estou em vias de trocar essa de gasolina por uma a óleo e aí eu faço mais viagens mais distantes, né? Aí a pescaria também é melhor, né?
D
 O senhor demora muito tempo (inint.) em cada pescaria? Passa muito tempo fora?
L
 Eu saio de casa quatro e meia da manhã, chego duas, três horas da tarde. Levo umas seis horas pescando, né?
D
 Como é que o senhor faz? O senhor já leva alguma coisa pescada?
L
 Ah, levo o ferramental todo. Já tenho uns amigos que levam isca. Tem outras iscas que já são conseguidas lá na Ilha mesmo, camarão vivo, né?
D
 É só essa isca que usa? Quais são as outras?
L
 Nós usamos camarão vivo, usamos sardinha e camarão morto. No momento só essas três. São as melhores mesmo, né? Pra pescaria comum, né? Não pescaria de grande porte não. Aí não, aí já são outras iscas especiais que eu até nem conheço, nunca, nunca pratiquei pescaria assim fora da barra, né? Já pratiquei na minha própria lancha fora da barra, mas usando essas iscas comuns, né?
D
 E o senhor leva o que pra pescar, sem ser a isca?
L
 Eu levo o isopor pra trazer o peixe no gelo, já levo o gelo, o molinete, anzol, linha e nada mais.
D
 Como é que se prepara assim o anzol, o molinete? Como é que se pesca?
L
 Bom, aquilo ali, já leva-se a mala com os apetrechos todos, né? E enquanto o barco está viajando pra chegar no lugar da pescaria a gente já vai preparando a linha, o, prendendo os anzóis, de forma que quando chega no lugar mesmo de pescaria está todo mundo pronto. É só jogar a linha dentro da água e esperar o peixe chegar, né?
D
 Pesca muito peixe?
L
 Dá pra, pra divertir, né? A finalidade ali, o dinheiro que se gasta não paga o peixe que se apanha, né? (risos)
D
 Qual é o peixe que normalmente o senhor pesca?
L
 Bom, lá mesmo na Ilha dá muito é cocoroca. Mas dá pra se tirar uns badejos e já saiu garoupa, pescada se pega freqüentemente, corvina, papa-terra, michole, xerelete, eh, guaibira, bagre.
D
 E sempre dá muito peixe assim?
L
 Não, tem semana que não. Ainda agora mesmo, no feriado, foi a melhor pescaria que eu já participei, né? Nós tiramos uns nove badejos, tiramos uma garoupa, umas, uma meia dúzia de corvinas e o resto, peixe miúdo, cororoca, bagre, né? Mas isso no feriado. Foi parece quinta-feira, né? Já chegou no sábado, dois dias depois, a pesca... a pescaria foi um verdadeiro fracasso. No entanto, no mesmo local de pescaria, no mesmo pesqueiro, né?
D
 O senhor só pesca assim de anzol e de molinete?
L
 É, de outro tipo eu não gosto não.
D
 Por quê? Quais são as outras possibilidades de pescaria que se tem?
L
 Bom, eu tenho amigos meus que em vez de usar o molinete, usam linha de mão. Mas eu não gosto. Primeiro porque a linha de mão tira o conforto de todo mundo que está pescando, né? Porque na hora de recolher a linha, a linha fica toda jogada pelo chão. A gente não tem liberdade nem de andar nem nada. Se eles tiram o peixe da, da água e, e botam no chão do barco pra tirar o peixe do anzol, o peixe ao se bater enrola a linha toda. Quer dizer, dá um trabalhão medonho e incomoda quem está pescando e aos outros que estão por perto, né? E já o molinete não. Se o peixe pegar no molinete, a pessoa à medida que recolhe o peixe, a linha automaticamente é enrolada. E eu acho muito mais esportivo mesmo até, né, pegar com molinete do que numa linha de mão. E nós por enquanto ainda estamos em pescaria assim de pequeno porte aqui dentro da baía, mas se for lá pra fora, na mão, certo tipo de peixe não se consegue puxar, porque a linha chega mesmo a cortar o dedo, né, da força que o peixe faz. De formas que eu prefiro com molinete. Mesmo na pesca de peixe pequeno eu só uso molinete, não uso linha de mão. Mas tem amigos meus que embora tendo molinete não dispensam a linha de mão. Chega ao ponto de ficar com as duas simultaneamente, né, com a linha de mão (sup.)
D
 (sup.) O que que é linha de mão?
L
 Linha de mão que eles chamam é a linha de varejo, é pessoa ficar com a linha na mão em vez de ficar numa, numa vara de molinete, de caniço (sup.)
D
 (sup.) Ham.
L
 Eles botam os anzóis e a chumbada na ponta da linha e jogam dentro dágua. Fica segurando na mão.
D
 A própria linha?
L
 A própria linha fica segura na mão. Eles acham que assim dá pra sentir melhor a mordida do peixe, que a sensibilidade é mais acentuada, né? Eu não gosto, eu prefiro o molinete. Não, nunca pesquei com linha de mão.
D
 E onde é que o senhor pesca? Assim é lugar calmo, tranqüilo?
L
 É, dentro da baía mesmo com, com vento, mesmo com o mar às vezes um pouco agitado, mas dentro da Ilha sempre é mais parado, né?
D
 Pescam de dentro do barco?
L
 Ficamos dentro do barco. Aportamos o barco, ancoramos ele num local lá chamado Teiguá. É próximo `a atracação de uns navios da Petrobrás que descarregam petróleo, né, daquelas refinarias, aqueles depósitos ali da Ilha do Governador. Então nós ficamos juntos lá do, do Teiguá. Mas às vezes vamos pra outros locais, mas tudo sempre aqui dentro da baía mesmo, né?
D
 E sempre ali pela Ilha do Governador?
L
 Sempre por aqui por dentro (sup.)
D
 (sup.) O senhor nunca chegou a atravessar a Ilha (sup.)
L
 (sup.) Já fui (sup.)
D
 (sup./inint.) Jacarepaguá (inint./sup.)
L
 (sup.) Fui, a primeira pescaria que eu fui, que me convidaram, que eu nunca tinha ido, eles justamente me convidaram por causa do carro, né, tudo rapaziada aqui do bairro, todos eles sem condução própria. E eles me chamaram praticamente como motorista, né? E foi quando eu fui pra Jacarepaguá lá na lagoa do Camocinho, Caborinho, Camocinho. Foi a primeira pescaria que eu fui na minha vida. Gostei e continuei indo, né? E comprei o barco e agora quero trocar. (risos/sup.)
D
 (risos/sup.) Há muito tempo? (sup.)
L
 (sup.) Nisso já vão pra dois anos e meio mais ou menos, né?
D
 Quer dizer que não é há muito tempo que o senhor ...
L
 Não, não pesco, mas também não perdi mais uma semana. A não ser que, quando viajo assim, né? (risos) Com qualquer tempo sábado eu estou pescando. Às vezes domingo não, porque depende delas aí também e eu sozinho não vou, né?
D
 Sábado o senhor vai sempre sozinho?
L
 Sábado eu vou sempre com os amigos, né? E domingo eu reservo pra família, né? (risos)
D
 (risos) Para não reclamarem, né? (risos)
L
 Exatamente.
D
 E o pessoal aqui no caso gosta de pescar também?
L
 A A. gosta muito, né? A S. também. A D. não liga muito não. Inclusive quando nós fazemos esses programas de pescaria assim aos domingos, que vamos juntos, e mesmo com outra família junto, a D. quase não pesca, ela fica lendo ou ouvindo disco na lancha, né, dormindo. Mas a A. não, a A. se ficar quatro, cinco, seis, oito horas sem comer sem nada, ela aceita bem. A S. também.
D
 E onde é que o senhor guarda a sua lancha?
L
 No Iate Clube Jardim Guanabara.
D
 O senhor já sai de lá pra ir pescar?
L
 Não, agora que eu estou com a lancha à venda e tentando fazer a troca, eu tenho alugado barco de pescador, não tenho saído com a minha embarcação, né? Ela está pronta pra vender e, como acontecia toda semana, quando já estava anunciando pra vender, eu saía dia de sábado, mas a turma fazia muita bagunça e, só homens, né, sujavam tudo. Chegava no domingo ia algum pretendente à compra, chegava lá até desanimava, né, o barco muito maltratado. Então eu parei de sair com ela. Ela está lá toda reformada, toda prontinha pra venda, mas eu não tenho saído nela já há mais de seis meses. Só tenho saído mesmo com barco de aluguel, que é de um pescador profissional lá na Ilha, né? Mas ele já ... Toda semana, sábado ele reserva o barco pra nós. Então nós saímos lá do, de onde ele atraca o barco durante a semana inteira, né? É na Ilha também.
D
 E esse pescador profissional, o que que ele pesca? Como é que ele pesca?
L
 Eles pescam com rede de arrastão, né? Camarão e ... Mas aos sábados e domingos ele costuma alugar o barco.
D
 O senhor (inint.) de rede não gosta?
L
 Não. Fiz uma pescaria de arrastão também uma vez, também convidado por estes mesmos garotos. Foi a segunda pescaria que eu fui, ou a primeira. Eu acho que foi a primeira. Também na Ilha, arrastando camarão. Mas é uma coisa que eu não vejo assim atrativo não. Aquilo não é, não é propriamente entretenimento, a pessoa faz muito esforço físico e essas praias aí muito sujas, cheias de detritos e caco de vidro, lata. E andar dentro dágua, de madrugada, no escuro e arrastando aquela rede, é muito peso e traz mais lixo do que camarão em cada rede que se puxa, né, e eu achei aquilo muito sacrifício e quando eu soube que já tinha os pescadores profissionais que vendiam camarão já prontinho, é só chegar e comprar ou reservar de antecedência, né, eu então nunca mais fui à pescaria de arrastão não.
D
 O senhor é que dirige mesmo o barco?
L
 Dirijo, sim senhora. Eu mesmo dirijo. Embora não tenha habilitação ainda, né? Mas dirijo. Saí com um marinheiro lá do clube, adotei um marinheiro. Nós saímos umas três ou quatro vezes, depois passei a sair só.
D
 É fácil, é, dirigir um barco?
L
 É, é relativamente fácil, é. Pra pescaria interna, aqui, pequena, que eu faço, né?
D
 Nunca o senhor pegou assim um mar muito forte?
L
 Peguei! Eu já peguei um sudoeste fora da barra, no dia sete de setembro do ano retrasado. Foi num dia que deu uma ventania aí tão forte, dizem que ventos até de oitenta a cem quilômetros horários, né? Arrancou até aquela lona do circo ali na praça Onze.
D
 (inint.)
L
 Eu estava fora da barra nesse dia e por sinal até foi o primeiro dia que eu saí sozinho, sem o marinheiro. E foi até motivo de (sup.)
D
 (sup.) Como é que o senhor se arranjou?
L
 Bom, eu tive que conduzir o barco de volta pro clube, né? Bastante preocupado porque tinha inclusive várias pessoas no barco que não sabiam nadar e todo mundo com a moral bem, (risos) bem abatida mesmo, né? (risos)
D
 E a pescaria? (sup.)
L
 (sup.) Mas vim sem novidades. Cheguei até o clube. Mas deu pra assustar. Estivemos pescando lá um certo tempo, mas foi até uma pescaria fraca naquela, naquele dia.
D
 O senhor acha que tem assim um tipo de época do ano em que é melhor pescaria?
L
 Bom, no verão sempre é melhor, né? Tanto que os campeonatos mesmo de pesca e os torneios são sempre na época do verão aqui no Rio, né? Que no inverno com água assim mais, mais fria, o peixe escasseia muito mesmo, né? Mas durante o ano inteiro dá. Alguns dias dá melhor, outros dias escasseia, mas sempre tem. E ali vale é aqueles momentos que a gente passa isolado, dentro do mar, né? A finalidade maior é essa, né?
D
 Como é que, o senhor sabe, assim, o molinete tem partes, se tem nomes, se o molinete, as partes do molinete?
L
 Não, eu só conheço pelas marcas e pelo tamanho, né, pela potência dele, né? Eu mesmo tenho uns quatro ou cinco molinetes diferentes (sup.)
D
 (sup./inint.)
L
 (sup.) Mas partes assim, manutenção, desmontar aquilo tudo eu nun... nunca me interessei não.
D
 O senhor usa de tamanhos diferentes pra quê?
L
 Bom, com molinete pequenininho, só pra peixe menor, né? E os de tamanho maior já aceitam peixes de maior tamanho, né, maior peso.
D
 Quer dizer que fora disso o senhor não gosta de sair de casa nunca?
L
 Não, a gente leva a semana toda muito atribulada, né? De formas que sábado e domingo eu sou muito preguiçoso. De segunda a sexta não, me considero bastante trabalhador, né? Mas sábado e domingo ou eu vou passar o dia no clube, vou com elas, ou então é pescaria. Fora disso, é raro eu sair de casa. Nem pra visitar parentes nem nada, eu não saio não.
D
 E (inint.) no clube o que é que o senhor faz lá?
L
 Quando não estou em função de pescaria, fico só andando por lá, passo o dia lá dentro, olhando aqueles barcos subirem, descerem pra água. Almoço lá, mais nada. Faço nada, nada, nada.
D
 E durante a semana? Assim de noite.
L
 Nada, também. Chego em casa sete e meia, oito horas, oito e meia, é jantar, ler o jornal, um pouquinho de televisão e cama.
D
 O senhor disse que esse negócio de pescaria é coisa mais recente. Então antes, quando o senhor era mais jovem, qual era o esporte que o senhor gostava?
L
 Não, antes, fora da minha vida de trabalho, era a vida de clube também. Inclusive fundou-se um clube aqui perto de casa, eu participei de algumas diretorias lá. De formas que fora do trabalho o tempo era usado ali no clube, na diretoria do clube, né?
D
 O que que o senhor fazia na diretoria do clube?
L
 Eu fui diretor lá de, desde a fundação e até uns quatro atrás. Participei de umas três diretorias, né?
D
 E quais são as funções?
L
 Eu na primeira diretoria, de fundação, eu fui diretor cultural. Na segunda fui diretor social e na terceira gestão eu fui presidente.
D
 E em cada uma delas o senhor tinha por obrigação fazer o quê?
L
 Bom, a primeira como cultural eu praticamente, eu fui inoperante porque não havia propriamente quase nada a fazer, né? Clube em formação, um bairro de poder aquisitivo relativamente pequeno, né? De formas que o departamento cultural praticamente não se chegou nem a se constituir mesmo, né? Agora já como diretor social não, aí já funcionei um pouco mais. Já fazíamos bailes e festas, conforme a época do ano, festa junina e época de natal.
D
 (sup./inint.)
L
 (sup.) É. Então já tinha um departamento assim mais em funcionamento, né? E como presidente dirigia os departamentos todos. Mas sempre um clube pequeno, em formação, como ainda é até hoje, né?
D
 Onde é que ele fica mesmo?
L
 Aqui mesmo no Lins, na rua Cabuçu. É transversal a essa aqui que nós moramos, né?
D
 E antes assim de o senhor casar, quando tinha maior disponibilidade, quando era rapaz?
L
 Bom, aí era cinema, bailes, né?
D
 E esporte?
L
 Só bola mesmo, mas em garoto, mas jogo assim, não de coisa organizada não. Jogo de praia, jogo de campo mesmo, assim perto de casa.
D
 O senhor gostava?
L
 Toda semana jogava. Mas nunca fui nenhum valor não. (risos)
D
 Mas tinha por hábito assim sempre participar de um jogo?
L
 Não, isso toda semana, lá quando eu solteiro, lá em Laranjeiras, nós jogávamos bola toda semana, né? Feriado, se tinha, também. Mas era só futebol mesmo e praia, né? Futebol também na praia.
D
 Outro esporte assim o senhor nunca praticou?
L
 Não, não.
D
 E o que que o senhor acha assim por exemplo em termos de esporte, assim diversão, eh, assim da sua época pra época por exemplo das suas filhas, agora? Acha que mudou muito ou continuam a ser as mesmas coisas?
L
 Mudou. No terreno do esporte?
D
 É, o que se faz mesmo assim como diversão, fora do trabalho.
L
 Bom, no meu tempo de colégio por exemplo, os colégios eu acho que davam mais apoio a isso, né, inclusive lá no colégio que eu estudava tinha ônibus, o pessoal ia pra basquete, pra vôlei e futebol mesmo, né? E tinha torneios intercolegiais, né? Coisa que hoje eu não sei se existe, mas eu pelo menos não ouço falar, né? A D. agora mesmo me falava um dia desse que ia ter um jogo do colégio dela com outro colégio e até chegou a pensar em acompanhar lá a turma. Acabou não indo, né? Mas eu acho que ...
D
 E ela (inint.) jogava (sup.)
L
 (sup.) Tem mais apoio. Não, a D. também nunca praticou esporte não. Nem S.
D
 Não?
L
 Não, não.
D
 Quando elas nasceram o senhor morava onde? Vila Isabel?
L
 Quando elas nasceram eu morava ... Não, a S. eu ainda morava em Laranjeiras. A D., eu já morava em Vila Isabel. Mas também nasceu em Laranjeiras, na maternidade Laranjeiras, todas duas.
D
 Mas o senhor acha que há muita diferença assim não só em termos de esportes, de diversão, mas na maneira da gente criar um filho atualmente?
L
 Bom, a maneira hoje é bem diferente, muito diferente mesmo, né? Em alguns pontos eu acho que mudou pra muito melhor. Porque eu acho que dá até inclusive campo para a criança melhor definir a sua própria personalidade, né? Eles têm muito mais liberdade de ação, de pensamento, de expressão, de formas que eu acho que mudou muito, né? No meu tempo não era tanto, mas no tempo anterior ao meu ainda a coisa era muito mais rígida, muito pior, né? A criança, principalmente a criança quase que não tinha liberdade de, de expressão, de ... Ficava com a personalidade tolhida, né? Não podia ... Hoje a situação é bem diferente mesmo, né? E eu acho que mudou pra bem melhor, né?
D
 O senhor sente diferença entre a maneira que o senhor foi criado por seus pais e essa que o senhor criou as suas filhas?
L
 Bem, é, é diferente, não há dúvida. Eu, embora não seja assim muito rígido, mas também não tenho por onde aplicar minha rigidez, né, mesmo que eu fosse muito rígido, porque as duas também não me dão trabalho, não preciso estar determinando normas e regulamentos porque elas mesmas se enquadram naquilo que eu gostaria que elas fossem, né? De formas que não me dão trabalho, não é propriamente uma questão de que eu crie diferente. Eu acho que já é da maneira de ser das duas. Eu não preciso propriamente estabelecer esquemas, né? Não saem de casa à noite, não conhecem ninguém aqui. Se conhecer, um bom-dia, um boa-tarde, mas não saem pra nada, não têm coleguinhas, não têm nada. Não imposto por mim, que absolutamente eu não ...
D
 Quando tinha seus quinze anos, etc. ela gostava de sair?
L
 Não, não (sup.)
D
 (sup.) Fazer assim por exemplo festa em casa.
L
 Não, não. Festas em casa nós fazíamos antes de virmos pra aqui pra essa, né? Mas isso era festa minha e da A. aí, aniversário meu, casamento dela, aniversário dela, das garotas mesmo, né? Quinze anos eu fiz pra todas as duas uma festinha mais aprimorada, né? Mas iniciativa delas mesmo de festa, só a S. fez uma, uma vez.
D
 Por quê? Elas não gostam assim ou ...
L
 Não sei, nós fazemos aqui, mas chamamos só parentes assim. Mas tudo iniciativa nossa, né? Delas mesmo não. A S. uma vez, sim, logo que mudamos aqui pro Lins, ela uma vez entendeu de fazer uma festinha e pediu à mãe que preparasse lá a, as coisas pra receber umas dez a quinze colegas. No fim, recebemos pra mais de cinqüenta entre rapazes e moças e ... (risos) Mas também foi uma vez só. E éramos novos aqui no bairro, não conhecíamos quase ninguém, né? E no fim quando comecei a ver a casa cheia, e muita rapaziada, ela só tinha falado em moças, né, deu pra assustar um pouquinho, mas correu tudo bem.
D
 E aí, desculpe perguntar, como é que o senhor viu isso? Achou bom?
L
 Não, eu naquela oportunidade realmente eu não gostei porque ela própria inclusive depois me comentou que a maioria dos rapazes ela não conhecia, né? É justamente uma das inovações da época de hoje, né? E ela mesmo conta já quando estava namorando, já do meu conhecimento, que volta e meia eles saíam assim andando pela rua, sem destino, e quando viam uma casa assim acesa com muito movimento, tudo aceso, eles logo entendiam que ali se realizava uma festa e eles chegavam na maior sem cerimônia e se faziam convidados, né? Entravam, dançavam, bebiam e comiam. Era a finalidade não era nem comer, nem beber, eles só queriam mesmo era dançar, brincar, né? (sup.)
D
 (sup./inint.)
L
 (sup.) Coisa que no meu tempo eu não faria, de maneira nenhuma eu como homem não faria, né, e elas hoje, como moças, fazem, né, tranqüilamente. (risos)
D
 (risos/inint.) e essas festinhas (ruído de água) sempre foram de aniversário assim?
L
 É, antigamente eu fazia muito, tinha muita brincadeira em minha casa. Tinha um almoço tradicional que até hoje os funcionários lá da empresa me cobram, né, mas que eu também parei de fazer. Não teve um motivo assim forte pra parar. Apenas parei, né? Mas eu todo ano por ocasião do aniversário natalício meu, eu recebia em minha casa só homens também: era meu pai, meus irmãos, os chefes de seção todos lá da empresa e alguns amigos, né? Mas isso eu fiz durante uns cinco ou seis anos seguidamente, depois parei, nunca mais fiz.
D
 O que que se fazia normalmente nessas, nessas festinhas?
L
 Ah, a A. fazia um jantar ou um almoço se fosse o caso, mas normalmente era janta. E fazíamos aquele al... aquele jantar, só de confraternização, só aqueles parentes, pai, irmãos, né, e amigos, funcionários destacados, mais nada.
D
 (inint.) e o senhor se reúne (inint.) jogar (inint.)
L
 Como é que é?
D
 Por outras razões que não de aniversário (sup.)
L
 (sup.) Sim (sup.)
D
 (sup.) De se reunir só pra conversar.
L
 Não, isso aqui em casa, minha casa é até bem freqüentada, muito freqüentada mesmo, né? A turma acha que a A. recebe bem, ela gosta de receber, recebe realmente sempre bem. Está sempre muito bem disposta pra fazer um salgadinho e bater um papo, né? De formas que inclusive esse pessoal do clube aí que nós participamos da diretoria, essa turma até hoje freqüenta muito a minha casa. De forma que é comum sábado e domingo principalmente à noite eu sempre tenho gente de fora aqui. Mas tudo informal, sem programação, sem nada, né?
D
 E o senhor, eh, gosta assim de música?
L
 Eu gosto bastante de música, mas raramente eu ouço música.
D
 Nem sai para ouvir música?
L
 Não, sair para ouvir, nunca, nunca fu... saí não. Nunca, nunca, mas gosto bastante de música. E mesmo depois de casado mesmo, já morando em Vila Isabel, era comum aos domingos de manhã eu saía para escolher os discos para chegar em casa e ouvir, né? Mas isso há muitos anos que eu não faço mais.
D
 Só mesmo pra ouvir discos assim, de instrumentos assim, tocar, ouvir tocar, o senhor gostava, ninguém de sua família gosta assim de tocar um instrumento?
L
 Eu em garoto aprendi sozinho a tocar essa gaita harmônica de boca, né? Mas também larguei. Depois comprei um acordeão pras garotas, está até aí em casa sem uso. Também pegava nele uma vez ou outra assim, mas era dois, três minutos, mas ...
D
 Elas aprenderam mesmo ou ...
L
 Não, quase nada. A S. andou aprendendo um pouquinho. Depois trouxe também pra minha casa um piano lá da casa do meu pai que estava sem uso e eu trouxe aqui pra casa. As duas também andaram estudando. A S. sempre conseguiu melhor resultado, mas também não era uma coisa assim, era mais, ela ia ao piano mais por obrigação, né, do que propriamente assim por prazer. Então eu acabei, não fiz pressão não. E devolvi o piano que já estava ocupando lugar, né? (risos)
D
 (inint.) é complicado manter dentro de casa (inint.)
L
 (sup.) É (sup.)
D
 (sup.) Isso era uma coisa muito comum, né, antigamente (inint./sup.)
L
 (sup.) É, antigamente quase toda casa tinha que ter um piano, né?
D
 (inint.)
L
 Eu quando trouxe para elas aprenderem, se elas realmente qui... se dedicassem mesmo, mostrassem assim um gosto acima do normal, pelo menos, né, acima do comum. Mas não foi isso que ocorreu, eu acabei devolvendo o piano.
D
 Tinha na casa do seu pai, alguém tocava piano?
L
 Não, ele também comprou, mas minhas irmãs nunca tiveram assim inclinação mesmo pra se dedicar ao piano não.
D
 E o senhor já assim em viagem, etc. já viu alguma coisa diferente do normal aqui assim de diversão, de festa, alguma festa assim típica, né?
L
 Bom, na Bahia mesmo eu vi aquelas festas lá na Amaralina, né? Aqueles rituais de umbanda, de candomblé, não sei. Eu assisti festas típicas baianas lá na beira da praia. E fora de Amaralina, da Bahia, não, nunca.
D
 Minas.
L
 Não, Minas nunca tive oportunidade de assistir a nada assim. (longo silêncio)
D
 E futebol, o senhor disse que gosta assim mas não gosta de assistir não, um jogo de futebol?
L
 Eu gostar de assistir gosto, mas é a tal história, pra mim ir num domingo a um campo de futebol, vou ter que almoçar, sair cedo para ir pro Maracanã. E eu estou habituado, é quase certo eu voltar com dor de cabeça, né? E perco a tarde toda. E eu já tenho por hábito, faça o programa que fizer no sábado ou no domingo, eu tenho por hábito dormir depois do almoço, né? E eu indo a um futebol não durmo depois do almoço e ainda venho com dor de cabeça, né? (risos) De formas que eu gosto muito de futebol, vejo na televisão, às vezes ouço pelo rádio, torço pelo Flamengo, mas raramente vou a um campo de futebol.
D
 O senhor sabe jogar assim esses jogos normalmente em casa?
L
 Canastra e buraco, né, sueca. Mas também rarissimamente jogo.
D
 E assim esses que a gente joga com tabuleiro, mexe as pecinhas.
L
 Xadrez? Xadrez inclusive eu gosto bastante, mas também muitos anos que eu não jogo.
D
 O senhor jogava?
L
 Quando garoto jogava bastante, né? Eu gosto bastante do xadrez. Dama, não, acho simples demais, não ... E fora desses, nenhum outro não.
D
 O senhor jogava xadrez assim em praça, tinha alguém que soubesse jogar também?
L
 Jogava com meus irmãos e meu pai.
D
 Como é que se joga xadrez?
L
 Como se joga?
D
 Tem regras, o senhor ainda se lembra?
L
 Tem. É, cada pedra tem a sua maneira de movimento na, no tabuleiro, né? Mas é mais raciocínio propriamente, né?
D
 É.
L
 Armar as jogadas e mais ou menos antever as jogadas do adversário, né? Antever e ir procurando neutralizar, né?
D
 E buraco, canastra, o senhor joga normalmente em casa ou é uma coisa assim (sup.)
L
 (sup.) Não, não, raramente eu jogo. Agora nessas férias que tiramos lá em Muriqui é que se jogava um pouquinho mais, porque não havia praticamente nada que fazer, a não ser a praia de manhã, né? Então se jogava um pouquinho mais de buraco ou canastra. Mas muito pouco também.
D
 Só pra passar o tempo.
L
 É, só pra passar o tempo.
D
 Muriqui é lugar de praia, né?
L
 Praia. Um pouco antes de Itacuruçá. Aliás logo acima de Itacuruçá, antes de Mangaratiba.
D
 (inint.) o senhor gosta de praia?
L
 Não, eu gosto é de mar pra pescar, né? Praia eu não ligo muito não.
D
 (inint.) no mar pra nadar?
L
 Não, não, também não. Nado muito pouco e ... (risos)
D
 O senhor gosta de mar estando dentro do barco. (risos)
L
 Exatamente.
D
 (risos) E aí é que é bom mesmo, né? Quando o senhor vai pescar assim o senhor usa uma roupa especial que acha que seja mais confortável, em que se sinta melhor?
L
 Não, quando o tempo está fresco, ou mesmo quente, eu só vou de bermuda, levo o calção de banho por baixo da bermuda e uma camisa esporte. Mas na hora eu fico só de calção de banho mesmo, né? Descalço, sem camisa.
D
 Isso deve ser bom, né, não ter muita roupa pra atrapalhar, né?
L
 Ah, é. No frio não, a gente é obrigado a se agasalhar um pouco mais, mas assim mesmo porque vamos muito cedo. Mas também tão logo o tempo esquenta um pouquinho, a gente se, se livra das roupas, né?
D
 O barco é fechado?
L
 Tem uma cabine pequena, o do pescador. O meu não, o meu tem uma cabine confortável, né?
D
 E se estiver chovendo?
L
 A gente apanha chuva. Não pára de pescar não. (risos)
D
 O problema da pesca. E depois o que o senhor faz com o peixe que o senhor pesca?
L
 Bom, se vem muita quantidade, a gente divide com a vizinhança, com os amigos, né? Se vem pouca quantidade fica só em família, né? (risos)
D
 E comem?
L
 Comemos, sim, toda semana.
D
 O senhor gosta de comer peixe?
L
 Gosto.
D
 Não é só a pescaria em si, mas depois pra comer mesmo.
L
 Bom, o prazer é redobrado, né? E só saber que é fresquinho também (sup.)
D
 (sup.) É, isso é (sup.)
L
 (sup.) Já ajuda bastante, né?
D
 Qual é o peixe que você acha melhor comer?
L
 Bom, desses que eu tenho pescado o melhor é o badejo, né? De todos é o badejo e a corvina também, muito boa. Os outros não, já são peixes de qualidade inferior, mas que também não deixam de ser gostosos para comer, né?
D
 Não tem alguns que a gente não pode comer?
L
 Tem o bagre que eu pelo menos não como, mas tem amigos meus que comem. E eu quando pego trago pra eles, né? Mas eu não como não (sup.)
D
 (sup.) É pequeno?
L
 É pequeno. Tem uns que dão dois quilos, dois quilos e meio, são maiores, né? A nossa própria empregada aqui, quantos eu trouxer, quantos ela leva.
D
 É?
L
 Leva pra comer. O nortista come muito bagre, né?
D
 Não sei.
L
 É, usam muito comer o bagre, sim.
D
 Eu não me lembro assim de já ter comido alguma vez, (risos) do jeito que tem. É só esse que não se come?
L
 Dos que eu apanho é só esse que não se co... que nós aqui em casa não comemos (sup.)
D
 (sup.) E esse que o senhor chamou de cocoroca?
L
 Bom, esse é quase como a sardinha. E maior, né? É um peixe mais pesado, maior. Mas é comum demais. Qualquer lugar que se vai é o que sai mais é cocoroca. Então é um peixe comum demais. Mas é bom, é gostoso, é bom pra comer.
D
 Tem peixes que dão mais trabalho pra ser pescado?
L
 Quanto maior o peso, mais ele reage, né, à saída da água, né?
D
 Já houve assim algum que oferecesse assim um trabalho maior pro senhor?
L
 Bom, dos que eu tenho pego, às vezes oferecem um pouco mais de resistência, mas eu acabo perdendo, porque corta a linha e ele vai embora, né? Acaba cortando a linha, que normalmente esses são peixes de pedra e quando ele se sente preso, ele entra numa pedra qualquer, no meio de pedra, e a linha fica roçando na pedra, acaba cortando e ele vai embora.
D
 O lugar é fundo onde pesca?
L
 Ah, deve ter uns vinte e cinco metros mais ou menos de profundidade onde nós pescamos.
D
 E dá pra ver o peixe na água?
L
 Não, não, não. A água é muito poluída, muito suja, né? Muito turva. Não dá pra ver não.
D
 Quer dizer que a sensação ainda é maior, né? O senhor não sabe o que está vindo ali (sup.).
L
 (sup.) Ah, é, só sente a pressão na, no caniço, mas só se vê mesmo quando ele chega quase à flor da água, né? A uns trinta, quarenta centímetros é que dá pra ver. Antes disso não vê nada não. Só sente a pressão.
D
 O senhor distingue logo assim, logo que vê o peixe sabe qual é?
L
 Bom, tem alguns que já mesmo no fundo a gente sente, pela maneira que ele pega na isca, né, a gente mais ou menos deduz o, o tamanho dele e o tipo, né? Mas outros não, só quando chega em cima dágua.
D
 Por quê? Porque pega mais firme?
L
 Ah, um badejo, uma corvina dá uma pegada bem mais forte, né? E o peixe menor não, ele fica mordiscando assim devagar porque não, não tem assim capacidade de engolir a isca de uma vez só, né? Então ele fica mordiscando. E já um peixe maior não, ele pega de uma vez só.
D
 (inint.) qual é a isca que eles preferem dessas que o senhor usa?
L
 Camarão vivo. É o que eles aceitam melhor, né?
D
 Não tem aí um negócio de isca artificial?
L
 Eu nunca usei. Eu ouço falar em camarão japonês, de, de borracha ou plástico, mas nunca usei não, nem nunca vi.
D
 O senhor só usa mesmo é o camarão.
L
 Camarão, vivo, morto, ou então sardinha, né?
D
 Sardinha é pequena, ou usa os pedacinhos assim.
L
 É, corta-se os pedacinhos, né? (tosse, pigarro)
D

  Tá bom.