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PROJETO NURC-RJ

Tema: "Profissões e Ofícios"

Inquérito 0127

Locutor 145
Sexo masculino, 41 anos de idade, pais cariocas
Profissão: advogado
Zona residencial: Sul e Suburbana

Data do registro: 10 de novembro de 1972

Duração: 40 minutos

Clique aqui e ouça a narração do texto


L
 Vamos falar da, da construção civil e, e aonde, eh, o operário que faz a casa onde a gente mora ou o local onde a gente trabalha, que dá condições à gente de habitabilidade, de fazer o recurso que o homem da caverna usava com a natureza. Ele chegava, ele tinha uma casa pronta, era a natureza. Nós que somos mais desenvolvidos que o homem da caverna, precisamos de criar uma caverna pra cada um de nós. E o, a construção civil, bom, na, na, no Rio de Janeiro e em São Paulo é quase que toda ela constituída daquele batalhão de nordestinos sem qualificação que, fugidos da seca, vêm buscar no sul melhores condições de vida; pra eles melhores condições de vida, pra nós eles continuam a ter aquela condição de vida marginalizada e que nenhum de nós estaria com inveja de desfrutar, dormindo em redes no meio da obra, com todo desconforto, sem direito de ter coisa nenhuma. Porque se a gente começa a pensar como essa gente vive, o, o pau-de-arara trabalha numa obra, é inacreditável porque um homem desse não tem direito nunca de ficar doente. Porque se ele trabalha dentro da obra, ele, sete horas da manhã a obra começa a funcionar, ele tem que sair da rede, porque ele dorme na rede, e então não tem realmente condições de ficar doente nem de procurar o INPS ou coisa assim. Bem, então esse batalhão de nordestinos é que forma a, a o caudal de homens que vai lá começar a construir os edifícios. São os serventes, são os homens sem nenhum preparo, na maioria das vezes analfabetos, e esses homens desenvolvem os trabalhos mais humildes, mais duros, mais rudimentares, vivem carregando balde de lá pra cá, carregando pedra na cabeça e ferro e etc. E nas obras mais desenvolvidas, na indústria já mais adiantada, na indústria já mais evoluída, esses homens vão sendo, gradativamente, substituídos pelas máquinas. Então são os guindastes que hoje a gente já vê nessas construções desses grandes edifícios daqui do Rio de Janeiro, o guindaste que, em vez do homem ter que subir escadas com balde, etc. é o guindaste que leva aquele material. Eh, esse batalhão de, de serventes, que existem nas obras, vai, à proporção que adquire conhecimentos e que vai se especializando, por iniciativa própria, por (pigarro) conhecimento próprio, por desenvolvimento próprio, porque não há, por incrível que pareça, não existe uma escola pra formar o pedreiro, como não existe uma escola pra formar o, o homem que dentro da construção civil teria um aprendizado, até mesmo pra ser servente, porque eu acho que até pra levar um balde de areia deve ter uma técnica pra que você se canse menos, assim pra que você desenvolva uma produtividade maior. Mas por incrível que pareça, não existe, eu não conheço nenhuma aqui no Rio de Janeiro nem nunca ouvi falar em São Paulo de ter alguma escola de formação do, do pessoal da construção civil. É verdade que o SENAI, que é o órgão da aprendizagem industrial, mantém cursos de marceneiro, de carpinteiro, de pedr... de mecânico, pedreiro não, mas de mecânico; mas é numa escala muitíssimo reduzida que não atende realmente às necessidades e a construção civil é uma das atividades ou das indústrias que mais absorvem o contingente de mão-de-obra. É muito grande a participação, eh, do trabalho humano na indústria da construção civil. Em outros ramos industriais, essa participação da mão-de-obra no custo do, do, do produto final elaborado é um percentual menor. Na construção civil eu acredito que ela deva dar mais até de cinqüenta por cento do valor do custo. É, é uma, uma coisa muito grande mesmo, bastante alto este valor. Então, e... este homem, à proporção que vai evoluindo, mercê de, de sua inteligência inata e me... mercê de, da sua vontade de, de crescer, porque, é verdade que o homem sofrido, como é o homem nordestino, ele fica predisposto a, a buscar, a lutar por alguma coisa, por um estágio que lhe tire daquela miséria ou, ou daquele sofrimento experimentado na, na sua região lá, na sua cidade, na sua terra. E daí, com esta evolução, nós começamos a, a chegar até o auxiliar de pedreiro, ou ajudante de pedreiro ou o assistente do pedreiro. É o homem que já ajuda o outro a nivelar a parede, enfim a ... E depois do pedreiro ele, nesse processo evolutivo ele chega até o estucador, que é aquele trabalhador mais fino, que faz a parede ficar lisinha assim, se chama estucador. E voltemos pra outras atividades dentro da construção civil, já com um aprendizado um pouco mais difícil. Você me falava na, nas ferramentas que eles usam. Bom, o pedreiro usa o nível, né, a colher de pedreiro, que nós chamamos aqui no Rio de colher de pedreiro, mas que em outros lugares chamam de pá. Eh, eles usam também ...
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 Nível?
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 Nível, é. Nível. Nível é, é um prumo. É um instrumento até, vamos dizer, rudimentar porque é um peso, não é, amarrado por um fio, com uma linha de nylon ou um cordão qualquer, em que ele verifica se a parede está a prumo; até usa-se essa expressão, né? Ah, está a prumo, quer dizer, está aprumado, né? Aprumado até no sentido de arrumado. Ah, fulano está arrumado hoje, quer dizer, está arrumado direitinho, está em pé, né, eh, com equilíbrio. Então é o instrumento que ele usa pra determinar se a parede foi levantada torta ou não. Não é no golpe de vista e nem sempre nos olhos. Quer dizer, então ele bota o tal do prumo, e tem o nível também, que é o nível horizontal. Ele põe a régua e põe aquele aparelhinho que tem uma bolha dágua, né? Não sei se vocês conhecem isso, uma reguinha assim, quadradinha. Eu nunca fui pedreiro não, (risos) mas, mas eu tive curiosidade de ler e de ver essa história e, e isso até profissionalmente. Na nossa atividade a gente ... Acho que o advogado 'e o mais eclético de todos os profissionais, porque muitos dizem que no fim a gente acaba não entendendo de nada e eu até concordo, a gente não entende de nada mesmo. Mas a gente sempre dá palpite e, eh, sempre tem necessidade de se intrometer quase que na atividade dos outros. Então o advogado muitas vezes, se estiver trabalhando num processo em que haja uma discussão sobre construção de parede ou lá o que seja, ele vai ter que ler, ele vai ter que se informar de como é que faz aquele negócio. Vai ter que ler um laudo pericial. É muito comum no processo em que a gente trabalha encontrar um laudo pericial, às vezes é um laudo médico, né? Você vai fazer um processo de interdição de uma pessoa que está doente ou incapacitada para o exercício das suas faculdades e o exercício dos direitos que a lei civil assegura a qualquer um, então há necessidade de um laudo médico pra dizer que aquele fulano está lelé da cuca, como vocês falam, né? Então o advogado tem necessidade de se informar até de, dentro do terreno da psiquiatria, dentro do terreno da medicina, pra poder avaliar ou fazer um, um comentário, ou poder explorar aquelas informações que o laudo técnico do médico evidentemente traz para o advogado. Não é que a gente vai entender de psiquiatria nem de medicina, mas a gente faz essas incursões que então, depois, nos permitem usar termos como eu falei a você, de nível, de prumo, e você ficou achando: esse cara deve ser pedreiro, não é advogado, ele deve ser pedreiro. Mas então, prosseguindo aí. Nós já passamos do estucador, depois do estucador, podemos apreciar o trabalho do carpinteiro, que é aquele homem, que você até tinha perguntado a diferença entre o trabalho do carpinteiro e do marceneiro. Vou tentar dar uma explicação de leigo: o marceneiro seria o trabalho mais evoluído. O homem que faz o móvel, eh, o trabalhador de madeira que executa o móvel é um marceneiro. O carpinteiro não consegue fazer um móvel. Mas essas formas de madeira que são usadas nos edifícios, essas, eh, esses caixilhos de madeira que servem pras portas, isso é trabalho do carpinteiro. O carpinteiro é que coloca a porta, o carpinteiro é que coloca aquela armação toda de madeira que sustenta as formas pra receber o concreto. É o homem que prepara (inint.) aquelas caixas onde vem por dentro aquele aramado todo pra receber, depois, o concreto. E o marceneiro é esse mais evoluído, o trabalho mais adiantado, é o homem que faz o móvel. Pode fazer, eh, um trabalho mais fino de madeira, colocação de lambri, etc. requer já o trabalho do marceneiro e esse é um camarada que trabalha com ferramentas muito mais especializadas, uma variedade muito grande de ferramentas, que eu inclusive não conheço nem o nome das ferramentas todas dele. Mas tanto o carpinteiro como o marceneiro, a, a ferramenta principal ou a ferramenta mais comum, que salta logo aos olhos da gente quando alguém diz que trabalha com madeira, é o martelo e o serrote, não é? Ninguém concebe, que possa se mexer em madeira, se não tiver um martelo e um serrote. O martelo pra bater o prego e bater o dedo da gente, (riso) e o serrote pra cortar lá a madeira. E saindo aí do campo da madeira, do marceneiro e do carpinteiro, eh, dentro da profissão civil, que é evidente, em outros campos, numa indústria de móveis, você teria o marceneiro, o tupieiro. Eu não sei dizer o que é, mas tupieiro é o homem que trabalha na tupia. É quase que aquela história que o inventor é o homem que inventa. Tupia eu sei dizer a você, eu sei que é uma máquina grande que mexe com a madeira. Agora e... ela faz um trabalho na madeira, ela ... Não sei se pode se chamar isso de tornear a madeira ou, ou se abrir um sulco na madeira. É uma máquina que faz alguma coisa na madeira, certo? E o sujeito que trabalha na tupia se chama tupieiro. E eu estou falando isso porque já fiz um, uma ação, uma determinada ocasião, de uma indústria de móveis e que lá, na relação das máquinas, tinha a máquina de tupia. Tem uma outra que se chama de fresa, que eu também não sei o que que é a máquina de fresa, mas é uma máquina importante, porque custa caro pra burro essa máquina, a tal de, de fresa. E isso dentro da, da indústria do, do mobiliário. Então você chega a uma escala do marceneiro mais evoluído e é evidente que o marceneiro que trabalha num móvel popular não tem a mesma qualificação daquele marceneiro que trabalha num móvel bacana, sofisticado, um móvel vendido numa, numa loja de melhor gabarito, de melhor categoria. Ainda dentro da construção civil, vamos voltar pra dentro do edifício, eh, você tirando do marceneiro, você tem aquele homem que trabalha com um ferro, que é um trabalho bruto mas parece que é difícil demais. É aquele sujeito que faz aquela teia de ferro, não é, aqueles quadradinhos, aquele negócio. Não sei se vocês já viram trabalhar naquilo, mas eu já tive a oportunidade de olhar assim numa obra, o sujeito emenda aqueles ferros mais grossos com ferros mais finos, e tem um aramezinho que dá um nó naquele negócio. Depois bota o concreto, e cai, como no elevado Paulo de Frontim, né? Então, eh, esse homem do ferro também trabalha no início da construção, porque depois que faz a estrutura não tem mais o homem do ferro. O, o, o marceneiro trabalha até quase o fim da obra. O carpinteiro. Na obra eu acho que não tem marceneiro, eu acho que só tem carpinteiro. É o homem que coloca a forma de madeira, que coloca depois as portas, que coloca a janela, que eles chamam as esquadrias, né? E daí nós podemos passar pra quem? O encanador, o tal encanador, né? Há pouco tempo deu um vazamento aqui no escritório, chamei lá o, o bombeiro, e o sujeito pra arrebentar ali a parede, fazer uma soldazinha, que trabalhou o quê? Acho que meia hora. Ele apresentou a conta, cem cruzeiros. Então eu fiz os cálculos. Puxa, se em meia hora esse cara ganha cem cruzeiros, num dia você imagina quanto é que ele não deve ganhar, não é? Duzentos cruzeiros por hora, mil e seiscentos por dia. Vai ser um bom negócio a gente ser bombeiro hidráulico, não é? É, é, é uma barbaridade esses caras, viu? Então outro, outro sujeito que cobra uma monstruosidade quando a gente precisa de chamá-lo e vive em palpo de aranha é o homem que mexe com a eletricidade. Pra fazer uma instalaçãozinha ... O mais, mais negócio é a gente aprender a mexer com isso e fazer.
D
 Que que ele é?
L
 É o eletricista, esse cara que chega, liga pra você aí a tomada. É isso que nós fizemos agora, de arranjar um fio. Isso é trabalho de eletricista. No fim ele fatura aí pra descobrir um fio para ligar um fio, né? É uma nota, um dinheiro grande, um dinheiro alto. Mas então no edifício, nós tínhamos saído do, do carpinteiro, tínhamos visto o homem do ferro, chegamos no encanador ou no bombeiro hidráulico. Encanador, a gente fala encanador é lá pro Sul. Parece que de São Paulo pra baixo a turma fala encanador e eles acham muito engraçado quando diz: ah, eu vou chamar o bombeiro. Bom, mas cadê o incêndio pra chamar o bombeiro, né? Mas aqui no Rio, vocês conhecem como bombeiro hidráulico, né? A gente nem diz bombeiro hidráulico, a gente diz: ah, vou chamar o bombeiro, né? Chamar o bombeiro pro carioca é chamar o homem que vai mexer no, no cano, né, num, num encanamento qualquer, seja de gás, seja de água, enfim, é o bombeiro. O bombeiro acho que tem trabalho desde quase o começo da obra até o fim, porque não só os canos que ficam embutidos na, na estrutura, mas depois a ligação dos aparelhos sanitários, das pias, das, enfim, das torneiras, dos registros, desse negócio todo, e depois do bombeiro quem mais que vem? Ah, vem o eletricista, o homem que mete o fio por aqueles tubos, não é, e que faz a ligação final da história toda. Finalmente vem o homem do mármore pra ligar, pra colocar as placas de mármore ou as pare... revestir as paredes de mármore, vem o quê, vem o pintor pra dar acabamento final, de pintura, de, enfim o acabamento último no, do edifício. E, como eu tinha dito antes, é esse batalhão todo de gente é conduzido ou comandado ou fiscalizado ou orientado pelo mestre-de-obras, que é uma figura importante. Geralmente é um sujeito que tem um conhecimento muito grande, eh, prático da coisa. Ele sabe mexer com aquela história toda, apesar de nunca ter estudado, nunca ter feito uma formação, algumas vezes é analfabeto de pai e mãe até na quarta geração, mas entende daquele negócio quase tanto quanto um engenheiro. Discute até com o engenheiro como é que faz. E geralmente essa gente que na, que tem prática, conhece mais que o profissional, dá aulas porque ... Com a gente acontece, com o advogado é a mesma coisa. A gente recebe um cliente, às vezes ele é analfabeto mas ele entende mais de direito que o advogado. Ele chega, até ensina como é que vai fazer. Acho que com o médico, ele faz a mesma história. Enfim, são essas formações, ou essas deficiências que, infelizmente, o dia que o Brasil se tornar realmente um país de gente culta, não vai ter mais esses problemas, essas dificuldades. Bom, nós estamos saindo da história do edifício. Chegamos ne... nesse escalão do mestre-de-obra. O mestre-de-obra, a gente tem ainda o engenheiro, que é, quer dizer, o profissional responsável pela execução daquela história toda, o arquiteto, que foi o sujeito que projetou. Na maioria das vezes esquece de botar uma tomada, como o cara que fez isso aqui, que esqueceu. É um arquiteto, até um profissional bastante competente e realizado, tem uma porção de obras aí, placas com o nome dele, meu cliente antigo, mas esqueceu e quando eu disse: olha, fulano, eu não tenho uma tomada aqui nessa sala, como é que é esse negócio? Disse: ah, você precisava de uma tomada aí? Ora bolas! Precisava ... Agora vocês viram, precisa do gravador, não tem tomada, né? Às vezes eu quero fazer al... alguma coisa aqui na sala com a máquina de somar ou uma máquina de calcular, então não tenho, porque não dá pra estar arranjando o fio do vizinho ou pra ligar no banheiro. Então fica sem, sem fio, sem possibilidade de utilização melhor da sala. Agora, nós vimos ainda depois do, desse nível superior, que é o advogado, que é o arquiteto. Tem ainda aquele pessoal burocrático da obra, é o apontador, é o homem que controla a entrada do material, a requisição do material, o almoxarife, que nas obras que se prezam que têm, têm a pretensão de serem organizadas, existe um almoxarifado, onde o material todo é estocado e depois ele é requisitado, parceladamente, pra cada uma das seções, pra cada um dos setores. Então é o homem que controla aquele negócio pra dar, no fim da obra, um total do custo. A gente diz assim: ah, aquela obra gastou não sei quantos mil sacos de cimento. Bom, será que o cara contou os sacos de cimento todos? É, realmente contou, desde que entrou o primeiro saco de cimento, um órgão organizado tem esse controle que lhe dá o custo total, uma apuração, até mesmo o conhecimento de como foi gasto o dinheiro dos proprietários da obra. E, desses homens burocráticos, tem o que eles chamam o apontador de pessoal, que é o homem que vai controlar o ponto da turma, quer dizer, quantos operários trabalharam hoje, quantos operários trabalharam ontem, enfim, e quantos operários foram necessários pra fazer este andar ou aquele outro andar, ou pra concluir essa escada ou aquele vão, ou aquele telhado, etc. E aí a gente vai saindo da história do, do engenheiro até que chega, necessariamente, na figura do advogado, porque não há obra sem advogado. Aí vocês vão dizer assim: como não há obra sem advogado? Não, não há. Porque o advogado funciona no começo quando o sujeito compra o terreno, precisa alguém dizer se ele pode comprar aquele terreno ou não, se o terreno realmente pertence ao sujeito que está querendo vender ou se não pertence a outro, porque não vai depois ele comprar o campo de Santana, pensando que ele está comprando um terreno; ou comprar aí o Passeio Público, pensando que ele está comprando um jardim particular. Então o advogado que funcionou no começo, quando o camarada pensou em construir o edifício, pra saber se naquele local podia construir um edifício, se tinha alguma lei proibindo ou não, se o gabarito era permissivo ou não era, pra evitar essas, essa bagunças que depois ocorrem: ah, o governo abriu uma comissão de inquérito pra negar a construção do prédio da rua da Quitanda porque tem uma garagem não sei lá das quantas. Enfim, eh, o advogado que já tinha funcionado antes, funciona no fim também, porque aí os compradores acham que o edifício foi construído em desacordo com a planta, então tem uma diferença, tem uma divergência; ou então pra formalizar o registro, a inclusão do, do imóvel, a escritura de convenção do condomínio, que é aquele babado, aquela confusão, aquela baderna, então o advogado está nessa também. Bom, não há, não há possibilidade da vida, como nós hoje entendemos, dessa vida civilizada, em grupo, em conjunto, sem realmente a figura do advogado. E se muitas, eh, se muitos prejuízos são causados, não só ao indivíduo em si, como unidade, mas também ao grupo, à coletividade, à sociedade, até mesmo a uma cidade inteira, por falta de orientação, por falta de, eh, observância de certos requisitos, que só o profissional especializado poderia orientar ou informar ou lhe dar o caminho mais ou menos razoável pra que a gente seguisse com um número de riscos reduzidos, é, é a história que nós sabemos, que até há um ditado aí, que de médico e de louco cada um tem um pouco, não é? Isso é muito próprio nosso, do brasileiro. A gente sempre se dá a pretensão, a veleidade de aconselhar: ah, você está com dor de cabeça, toma um comprimido de Melhoral que é muito bom, ou toma o comprimido não sei das quantas. Ah, porque eu tive ontem uma dor de cabeça, tomei isso e aquilo. Então nós todos receitamos. Assim é a mesma coisa com a profissão de advogado. Se você chegar, eh, e contar uma história, já vai ter uma colega sua que contou, que teve uma tia, que o sobrinho, que não sei quem teve um caso igual, e que o advogado fez isso, fez aquilo, como se todos os casos fossem rigorosamente iguais e merecessem o mesmo tratamento e fossem submetidos às vezes até à mesma solução, à mesma opinião ou mesmo conhecimento.
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 Mas ...
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 Sim.
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 Voltando ao edifício, depois que ele fica pronto quem é que trabalha nele?
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 Bom, aí, aí nós vamos ver. Depois ... O edifício ficou pronto. Depois que o edifício ficou pronto, vamos ver qual era a destinação do edifício. Eu não sei se o nosso edifício era de residência ou era de trabalho. Já que você perguntou trabalho, vamos fazer de conta que o nosso edifício era um edifício de escritório, era, ou era um edifício industrial. Se ele fosse um edifício industrial, ele teria destinação para instalação e montagem de uma fábrica, de uma indústria. Então viria um batalhão de máquinas ... Vamos, vamos dizer que o nosso edifício é um edifício de uma indústria sofisticada. Então tem um batalhão de máquinas modernas, com painéis, com uma porção de luzinha que acende e que apaga e, instalados aqueles equipamentos todos, vêm os operários. Então, se era uma indústria sofisticada, com um, uma série de equipamentos, um batalhão de equipamentos, como eu disse, o número de operários já será um pouco menor e será totalmente, eh, será totalmente, eh ... Agora vocês me dão licença aqui, pra dar uma de, de advogado. Só de assinar isso aqui um instante. (interrupção) Dizíamos que o nosso edifício tinha o equipamento sofisticado instalado, o número de operários, operários todos especializados pra poderem mexer com aqueles, com aqueles equipamentos. Operários como nós queremos ver operários no Brasil, como nós queremos ver o Brasil desenvolvido. Operário que fez um curso de formação profissional. É um operário consciente da atividade importante que ele exerce pro desenvolvimento nacional. Então não é mais aquele operário que nós tínhamos visto, o servente, pobre coitado. Pode ainda ser o mesmo pau-de-arara, o mesmo nordestino, falando com aquela voz gozada que a gente conhece, anasalada, eh, tudo aberto, aquele tom de voz característico do nordestino. Mas então já é um homem alfabetizado que tem um, pelo menos, no mínimo ele tem o primeiro ciclo completo. É um homem que freqüentou uma escola profissional, que sabe mexer naquele equipamento altamente especializado, sofisticado, adiantado, caro, desenvolvido, tão desenvolvido quanto o existente nas maiores nações industriais do mundo. E a nossa indústria vai funcionar, dentro deste corpo de operários ... Vamos dizer que a nossa indústria seja uma indústria de equipamentos eletrônicos. Que bacana falar (inint.) a gente começa logo a ver aquelas luzinhas apagando e acendendo. Então, o, o homem que, por exemplo, que trabalha ali, tem um chefe de turma, um chefe de setor, que deve ser, no tipo de indústria desenvolvida que nós estamos vendo, é um engenheiro eletrônico. E esse engenheiro eletrônico comanda aquele conjunto de operários e de máquinas para obter um produto final altamente desenvolvido, capaz de se rivalizar com os produtos eletrônicos da indústria japonesa, assim como esse gravador, que faz o milagre de transformar, transportar a voz da gente, arquivar nessa fita e, daqui a anos, vocês viram a fita e sai tudo que nós estamos falando, reproduzido fielmente, com todas as características do, do meu falar, do meu dizer, até com o barulhinho aborrecido do ar refrigerado que vai fazendo aí e que não dá pra diminuir porque já veio um operário uma vez pra mexer nesse negócio, mas esse não era sofisticado nem qualificado e ficou o aparelho assim mesmo. Então ... Sim, diz (sup.)
D
 (sup.) Eu queria fazer uma pergunta ao senhor. O senhor, um dia de trabalho do senhor, um dia seu, não precisa ser especificamente de trabalho, o senhor acorda, sai de casa, com que tipos de profissionais o senhor vai lidando, o dia inteiro? Dentro da sua casa, sai de casa (sup./inint.)
L
 (sup.) É, aí você tem que fazer uma distinção, porque no dia que eu saio pra trabalhar ... Evidentemente o sujeito que vai pra um hospital, que é médico e vai pra um hospital, ele dá de cara com uma porção de médicos. O outro que é milico e que vai pra um quartel, ele dá de cara com uma porção de milicos iguais a ele, não é? Vocês que são professoras e vão pra, pra escola, vão encontrar uma porção de professoras. Então eu, num dia de trabalho, eu, eu encontro profissionais e encontro advogados, vamos dizer (sup.)
D
 (sup.) Mas em sua casa?
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 Heim?
D
 Em sua casa?
L
 Não. Em casa eu não encontro advogado nenhum, porque não tem nenhum advogado.
D
 Não tem nenhum profissional?
L
 Não, não tem, eh, não tem. Profissional tem a empregada doméstica e os três garotos que são profissionais de quê? Não sei. Não é? Eles estudam apenas ou dizem que estudam. Não, né? O mais velho é que, é que é meio malandro, mas os outros dois estudam realmente, estudam. A menina pelo menos é, a menina é bastante interessada no estudo. Não que ela seja gênio ou excelente aluna não. Parece até que ela não é nem excelente aluna. Mas reputo, na idade que ela tem, na idade de dezesseis anos, reputo uma menina de muita cultura, porque ela gosta demais de ler. Gosta de ler leitura boa. Então ela tem um, um, já um bom, eh, conhecimento, não só de cultura humanística, mas até mesmo ela tem se deixado levar por ... Ela gosta muito de sociologia, tem lido muito sociologia. Há pouco tempo mesmo esteve numa livraria comigo, buscando minha ajuda pra escolhar uma obra sobre sociologia pra ela ler. Então, eh, eh, pra vocês não causa muita surpresa, mas pra mim, que sou de outra geração ... Na nossa idade um cara com dezesseis anos não pensava nisso de jeito nenhum. Hoje o, o, a gente fica adulto muito mais depressa, não é? Hoje um garoto com treze anos ele tem ... Se você levar em consideração uns trinta anos pra trás, ele tem nível de cultura igual ou de conhecimento igual a um menino de dezoito anos, de trinta anos atrás, porque vocês hoje recebem uns estímulos muito maiores, muito mais intensos do que na minha geração. Os milagres da televisão estão aí mesmo, né? A televisão entra em casa e um guri com treze anos, esse meu garoto com dez, onze anos, ele já sabia que o homem chegou na lua, como é que ele desembarcou, que botou o pé esquerdo primeiro, que andou nisso, naquilo, né?
D
 Que profissionais tem na televisão?
L
 Na televisão? Olha, eh, eh, você me perguntou uma coisa difícil de responder porque televisão pra mim é um soporífero. Eu olho pra televisão, durmo. Só consigo ver na televisão jogo de futebol. Corrida de automóvel não gosto muito, mas dá pra ver. Mas o resto (sup.)
D
 (inint.) de futebol?
L
 Ah, bom, jogo de futebol, você falou num negócio que interessa muito a gente hoje (inint.) em termos de jogo de futebol eu sou Flamengo, como todo brasileiro é Flamengo. Os que não são, são degenerados. Eu não sei se vocês não são aí Flamengo mas ... São Flamengo? É? Você também? Não? Está vendo? Eh, nós temos que trazê-la pro bom caminho, né? Mas tem aquela música do Jorge Ben, que em cada cinco brasileiros, seis Flamengo são, né? Então, em termos de futebol, televisão pra mim interessa apenas o futebol. Eu não gosto mesmo de televisão. Acho a televisão horrível, eh, acho a televisão pessimamente explorada e tenho a impressão que o governo brasileiro devia de ... Eu não morro de amores pelo governo brasileiro mas reconheço que este atual governo promoveu um desenvolvimento nacional que não foi antes conhecido. Implantou realmente ordem nesta terra, como, como não podia deixar de ser porque é um governo que, de gente, de homens ... Então ele tem suas deficiências, seus defeitos, está sujeito à crítica e eu tenho lá as minhas críticas mas reconheço esse, esse mérito, é realmente um governo interessado. Despertou no brasileiro o que o brasileiro não tinha, que era o sentimento de nacionalidade, de brasilidade. Era muito fácil pro brasileiro, especialmente da minha geração, achar sempre que o negócio do exterior era melhor. Não, porque isso é estrangeiro, porque aquilo é importado, né? Hoje o brasileiro já defende o que ele faz, o que ele tem. A geração de vocês especialmente sabe que realmente o Brasil não deve nada a essa gente. Nessas viagens que a gente faz por aqui, que olha esses outros países, chega à conclusão que os desenvolvidos somos nós, que os bons somos nós, que os certos somos nós, que os ricos somos nós. Eles outros já, já eram, como vocês dizem, esses já eram. E inclusive um americano do norte tem que aprender com um brasileiro, o próprio europeu ... Já não há mais, eh, ao brasileiro, e isso a revolução tem este grande mérito. O brasileiro passou a acreditar no Brasil, passou a ter um espírito de brasilidade, de saber que isso aqui é a maior terra do mundo, que isso aqui está a melhor gente do mundo, a gente que conversa com branco, com preto, com rico, com pobre, com gente de toda a categoria, de toda a espécie. A gente vai pra praia, você senta do lado de uma menina que você não vai perguntar quem é o pai dela ou o que que a mãe dela faz. Você conversa com ela, ouve e dá atenção a ela pelo que ela é em si e não pelo que ela poderia trazer por trás dela. Então você tinha me perguntado antes o que que eu via, qual profissional. Eu, num dia de trabalho, evidentemente eu vejo advogado. Vou pro foro só encontro advogado, só encontro juiz, só encontro escrevente.
D
 E no seu escritório ...
L
 Eh, no meu escritório eu tenho a secretária, tenho o meu assistente, tenho o 'boy' do escritório, tenho uns outros funcionários administrativos do escritório. Mas profissional igual a mim, tem eu e tem o assistente que é advogado e a secretária que é estudante de direito. Ela está cursando, se não me engano ela está no quarto ano da faculdade de Direito. E, dentro do escritório, profissional... enfim, ela participa de uma equipe que trabalha com advocacia, não obstante ela ainda não ser advogada, mas faz parte dessa equipe como o próprio 'boy' faz parte. O menino que vai lá entregar um papel no cliente ou buscar um papel no cliente, ele está trabalhando, não de advogado, mas está trabalhando num conjunto cujo produto final é a advocacia, não é? Se nós olhássemos em termos de indústria, eh, o meu produto final é a advocacia. Então o 'boy' é tão importante quanto o meu trabalho, não é? Se nós tentarmos olhar assim com uma amplitude no sentido mais largo, no sentido maior, é realmente tão importante o trabalho do 'boy' como é o meu trabalho. Porque sem ele o meu trabalho não se completa, porque ficou faltando um papel ou uma cópia, um, enfim uma providência que ele toma. Até mesmo o cafezinho que ele traz pra gente tomar faz parte, não é isso? E então, num dia de trabalho, são esses os profissionais que eu vejo, em grande parte os advogados. Outros profissionais, eventualmente, eu poderei ver: o cliente que eu atendo, algumas vezes ele é médico, outras vezes ele é um engenheiro, outras vezes ele poderá ser um arquiteto. Mas profissional mesmo o contacto é, é com o advogado ou com o homem que lida nas lides forenses. Agora num dia de tr... de descanso ou num dia de não trabalho, dentro de casa eu não vejo profissional nenhum. Salvo quando a gente tem lá um problema, que chamou o bombeiro ou que chamou o, o, enfim o operário no caso especializado, pra mexer numa ou outra coisa, o técnico da televisão enfim.
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 O senhor mora em casa?
L
 Não, em apartamento. Eu moro em apartamento.
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 Lá embaixo não tem nenhum profissional assim assalariado (sup.)
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 (sup.) Não, no edifício não, no edifício tem vários profissionais, não é, de várias atividades, inclusive tem engenheiros, pilotos, aviadores, enfim. Agora, isso dentro da, da, da, de um dia de trabalho. Num dia de lazer, a gente encontra, sai de casa e encontra o homem ... O primeiro que a gente encontra é o trabalhador do edifício. Eu não sei se a gente poderia qualificá-lo como um profissional, porque é um contingente, com exceção do porteiro, que já requer um, um qua... Não é uma especialização, mas uma série de conhecimentos que são requisitos para o exercício da atividade de porteiro. No resto, o servente é, vamos dizer, aquele pau-de-arara primeiro, que nós falávamos que veio lá do Norte, fugido, tal, analfabeto, e que conseguiu adquirir, eh, vamos dizer, um desenvolvimento um pouco melhor, ou conseguiu atingir o primeiro degrau pra sair daquele estágio primeiro em que ele se achava e, quando terminou a obra, ele foi requisitado, ele foi aproveitado como servente do edifício, passou a, a varrer as calçadas, a limpar as escadas. Aquele trabalho humilde que existe. Vocês não moram em apartamento? Então o trabalho que o servente faz, que a gente sabe qual é, varrer, aquele negócio todo, limpar o automóvel lá do doutor, porque no, no Rio quem tem auto... no Rio de Janeiro não, no Brasil, quem tem automóvel é doutor, não é? Basta você sentar num volante de um automóvel e passa a ser doutor. Então recebe um título que originariamente era ...
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 A não ser que o automóvel não seja seu (sup./inint.)
L
 (sup.) Não, até mesmo. Ah, bom. A não ser que ele tenha placa de taxi. Aí não, aí não. Porque aí não é doutor mas se tiver (sup.)
D
 (sup.) É o quê?
L
 Ah, aí não sei o que que é. Eu acho o motorista de taxi um, um louco. (risos) Eu não sei o que que eles chamam não. Mas eu acho. Pra mim acho um louco. Porque eu, se, se tivesse que exercer uma atividade dirigindo um ... [fala à parte (Doutor E., essas duas jovens são da ...)] (interrupção) Nós vamos continuar. Nós estávamos falando então do, do sujeito lá do servente do edifício, né? Eu acho que podemos sair do trabalhador do edifício. Sim (sup.)
D
 (sup.) Mas você quase não falou em profissionais que prestam serviços públicos.
L
 Sim. Quais são os profissionais que prestam serviços públicos? Vamos ver se eu entendo. Eu acho que o meu trabalho é um serviço público.
D
 Serviço público em geral. Serviço público, quer dizer, ah, eh, representado pelo Estado.
L
 Ah, o funcionário público? Ah, bom. Funcionário público no (sup.)
D
 (sup.) Tem vários tipos ...
L
 Funcionário público no Brasil já foi a aspiração suprema de qualquer pai de família, não é? A preocupação maior ... Isso já foi um pouco anterior à minha geração, deve ter sido uma geração um pouco mais pra trás, pouco mais pra trás. Porque eu, felizmente, eu, eu sou ateu, graças a Deus, então ... Por exemplo, vocês, felizmente, graças a Deus ... Eu, eu, felizmente, quando eu tinha uns dezoito anos, eu fui induzido e, e, fui sugestionado pra que fizesse um concurso para uma repartição pública ou pro Banco do Brasil e, felizmente, eu nunca cometi a loucura de fazer esse concurso porque senão hoje eu seria um funcionário letra O, ganhando um salário de fome, recalcado, enfim como esse batalhão de gente que a gente encontra por aí e que hoje o governo está fazendo um esforço enorme pra ver se recupera, pra ver se dá uma outra imagem ao funcionário público, porque anteriormente, com raras exceções, eu não sei se vocês têm algum funcionário público na família, mas o funcionário público tem uma imagem totalmente negativa, né? E inclusive pra vocês jovens, realmente, nenhum de vocês jovens tem hoje, tem pretensão de ser funcionário público, não é? Eu vejo pelos meus filhos, quando falam eles acham horroroso ser funcionário. Quer dizer, é quase que como um demérito ser funcionário público porque permitiram, eles próprios permitiram que se enxovalhasse a profissão, que hoje quando você disse profissão pública, que você disse serviço público nem me veio à tona que você pudesse estar se referindo a um funcionário público, porque é quase que digno de pena a situação do funcionário público. E sei que existem funcionários públicos altamente capazes, especializados e cultos (sup.)
D
 Que tipo de serviços eles prestam? Porque há várias, várias (sup./inint.)
L
 (sup.) É, bom, o funcionário público, é evidente, o governo é a única entidade que exerce todas as atividades. Como o governo, inclusive as empresas que se dedicam a, ao comércio com fornecimento para repartições públicas, elas dizem: o governo é aquele que compra tudo e de todos. Realmente. O governo compra tudo de todos e o governo exerce todas as atividades. Você pode enumerar, olha: o governo exerce a advocacia através do serviço de assistência judiciária, através do, das procuradorias, enfim, exerce a advocacia, precisa do profissional da advocacia. O governo exerce a medicina através da assistência pública, através dos serviços médicos, através daquela medicina preventiva ou de fiscalização, não é, aquela assistencial. O governo exerce a engenharia porque o governo tem um corpo de engenheiros que constrói estrada, que constrói, eh, pontes, viadutos e portos etc. e tal. Mas fiscaliza, inclusive, a execução daqueles contratos. O governo tem sanitaristas, o governo ... Vocês querem interromper de novo? (interrupção) Os trabalhos que o Estado presta, o engenheiro que constrói a ponte etc, ou um funcionário público que é altamente importante, que me merece uma admiração enorme, vocês vão achar até graça, é esse homem que faz a coleta do lixo. Vocês já viram que trabalho difícil é aquele?
D
 (sup.) Mas ele é funcionário público? (sup.)
L
 (sup.) E é funcionário público, funcionário estadual. É funcionário estadual, eh, sujeito às leis e às disposições, às vantagens, às regalias e às obrigações e aos estatutos dos funcionários públicos.
D
 Qual é a profissão dele?
L
 Ele é trabalhador da limpeza urbana. Porque (sup.)
D
 (sup.) Como é que são chamados?
L
 Gari. Gari. Bom, gari, vocês sabem de onde vem o nome gari? Bom, porque gari é uma, é um nome francês de um sujeito que instalou aqui no Rio de Janeiro o primeiro serviço de coleta de lixo. Então ele se chama Gari não sei das quantas, hum, Gari era o nome dele. Então os homens que trabalhavam na coleta do lixo eram empregados do Gari e o carioca apelidou todos aqueles sujeitos que trabalhavam para o seu Gari, para o 'monsieur' Gari, apelidou os homens de, de, gari. Então ficou esse negócio e hoje a gente fala gari e você nem sabia porque chama o homem de gari, não é, gari porque primitivamente o sujeito que primeiro explorou o serviço de coleta de lixo urbano era o 'monsieur' Gari que vinha lá da França pra explorar esse, es... Mas aquele homem merece admiração da gente. Um trabalho duro, um trabalho sacrificado, um trabalho que ... Nenhum trabalho humilha ninguém, a verdade é essa. Tanto não humilha que tem um homem que coleta o lixo com toda a dignidade e merece da gente o maior respeito. Eu tenho realmente um respeito enorme, porque vejo que aquele é um trabalho difícil. Aquele é um homem que tem o peso, tem, eh, tudo contra ele, exposto a toda a série de doença, de contaminações, não é, de situações adversas dentro do trabalho dele. Ainda outro serviço público, não é então o funcionário público, mas é um serviço público importante, é o das comunicações. Anteriormente eram os servidores dos Correios e Telégrafos funcionários públicos. Hoje eles não mais são funcionários públicos, de vez que o Correio e Telégrafos é uma empresa pública mas, eh, criada em moldes de entidade privada. Então é a empresa, se não me engano chama Empresa Brasileira de Telégrafo, uma coisa assim, não é? ECT, não é isso? Empresa de Correios e Telégrafos, parece que é o nome. Então, subordinada à Embratel. Está vendo como eu estou informado? E essa gente hoje não é mais funcionário público, mas era evidentemente um serviço público assim como é um serviço público sem que eles sejam funcionários públicos ou funcionários pagos pelo Estado. Esses homens da companhia telefônica são funcionários que prestam serviço público. O homem da companhia de energia elétrica também presta um serviço público de alta importância e de alta relevância. O homem da companhia de gás, enfim, eh, o sujeito que permite a gente de ouvir o rádio, o outro que permite a gente, via Embratel, ver o jogo da televisão, não é, assitir à Copa do Mundo lá no México, a gente vibrar, e os Jogos Olímpicos, todos nós podemos, eh, conhecer e ver no momento em que estava se realizando o acontecimento, aqui, longe. A gente, hoje, vê um jogo, o time tal vai jogar não sei aonde, a gente está no Rio de Janeiro assistindo. Bom, pro funcionário público não tem mais nada que falar, não é? Porque não existe a função de funcionário público. Então vamos falar do Flamengo. O Flamengo é a alegria do carioca e que a gente no domingo ... Então se me perguntarem o que que a gente faz num dia de trabalho? Num dia de trabalho eu já disse. Num dia de não trabalho, então num dia de domingo, onde tem jogo no Maracanã, a gente vai pro Maracanã. Ou no último Fla-Flu, o jogo começava às cinco horas, quando foi à uma hora da tarde eu já estava sentado lá no Maracanã, no meio da torcida do Flamengo. Aqui sem nenhum, sem nenhum demérito, nem, nem, não haveria nem propósito pra isso, mas estava no meio da rubro-negrada, que é como, como o, o resto das torcidas chamam a torcida do Flamengo, e a gente com muito orgulho diz isso, né? Então, lá no meio da rubro-negrada, no meio do povo, realmente que é ali, você vê o brasileiro. Inclusive essa pesquisa de vocês podia ser desenvolvida num dia de jogo Vasco e Flamengo no Maracanã, aí vocês iam ver como é que (sup.)
D
 (sup.) Mas não tem nível universitário.
L
 Não tem nível universitário? Não, mas tem outro nível, não é?
D
 Mas tem que ter pra nossa pesquisa.
L
 Tem que ter o nível universitário? Vocês encontrariam ali gente de toda a espécie. Eu vejo sempre no Maracanã, quando eu vou assistir o jogo do Flamengo, tem um juiz de direito, eu não vou declinar o nome dele, mas é um juiz de direito que assiste o jogo e, e, por coincidência, ele gosta mais ou menos do lugar que eu também gosto. Nós ficamos mais ou menos próximos, não obstante eu não ter nenhuma relação de amizade com ele, nem sequer o cumprimento no Maracanã e ... Mas vejo, o tenho observado, ele vai ver o jogo sozinho, está lá sentado, é um homem de cultura, que desempenha inclusive um papel importante dentro da magistratura, é juiz de direito, não é? Mas é um torcedor do Flamengo igual a mim, como é o presidente da república, aquele camarada de radinho de pilha, não é, talvez com muita pena de não poder dar os pulos que a gente dá na arquibancada e de xingar o que a gente xinga na arquibancada, né, cantar aquelas músicas todas na arquibancada, não é, pra f... pra fazer homenagem à progenitora do juiz, à progenitora do adversário, esse negócio todo, enfim, eh, elenco desfruta da mesma alegria e da mesma satisfação e realmente aquilo é um banho, é um banho que a gente toma no meio dessa, dessa tortura que é a vida do dia-a-dia, dessas dificuldades que a gente enfrenta desde que sai de casa. É o tráfego, é o problema, eh, da civilização do mundo atual, de uma cidade grande, como o Rio, que tritura o indivíduo realmente. Você chega num fim de semana, numa sexta-feira, por exemplo, como hoje, a gente já está com a cota de reserva quase que totalmente gasta, quase que já entrando, eh, naquilo que vai ainda recuperar pra frente, porque as nossas resistências já estão no limiar, já estão quase que no fim, precisando serem novamente reabastecidos. E o fato da gente poder ir a um Maracanã num dia de domingo, gritar, pular e vibrar, ainda mais quando acontece do Fio Maravilha fazer assim dois gols e ... Vocês conhecem a música do Fio Maravilha?
D

  Hum, hum.