AMOSTRA COMPLEMENTAR:
Inquérito 23 (masculino / 33 anos)
Tema: Vida Social e Diversões
Local/Data: Rio de Janeiro, 2 de julho de 1996
Tipo de Inquérito: Diálogo entre informante e Documentador
Documentador: C L
DOC. - É sobre futebol... descrever...
como é que é uma partida de futebol... quais são os elementos... os componentes...
estrutura...
LOC. - Bom... descrever como é
que é uma partida de futebol ((risos)) eu prefiro joGAR futebol... é melhor
do que descrever como é que é uma partida...
DOC. - Você joga futebol há muito
tempo?
LOC. - Olha... eu jogo futebol desde que
eu me entendo por gente... [
LOC. - [sempre foi uma grande paixão
na minha vida
DOC. - [ como é que você começou? 
     
DOC. - Como é que você começou
a jogar futebol? Como é que você... começou a jogar futebol?
LOC. - Olha... eu nasci e fui criado
em Ramos... subúrbio da Leopaldina... e acho que praticamente todo filho homem
que nasce em Ramos ou em um outro subúrbio da Leopoldina ganha logo de presente
do pai uma bola de futebol... a camisa do time do coração do pai... que acaba
sendo a extensão do time do coração do filho... e... desde que eu me lembro...
desde garoto... eu me lembro que... freqüentemente... nos aniversários eu ganhava
bola de presente... eu jogava com meu pai... jogava com o meu avô... ele fazia...
visitas semanais... a minha casa... e praticamente com o meu avô que eu aprendi
a... comecar a chutar a bola... e a ter interesse pelo esporte
DOC. - E até hoje você gosta de
jogar futebol?
LOC. - Até hoje eu adoro jogar futebol...
DOC. - Mas é como hobbie...
LOC. - É... na impossibilidade
de praticar... o futebol... profissionalmente... a única alternativa que me
resta é praticá-lo como hobbie...
DOC. - E outros esportes que você conhece...
que mesmo que você não pratique...
LOC. - Eu acho que tem isso.. quer dizer...
em geral todos os esportes me atraem... me agrada... mas de forma diferenciada...
quer dizer... alguns esportes eu gosto... por exemplo... de assistir... pela
televisão... ou até... ir ao local específico pra assistir... mas não tenho...[
interesse pessoal
DOC. - [qual
o nome do local
LOC. - Bom... há esportes que são praticados
em estádios... né... outros em... em clubes... em... em centros menores... mas
o... enfim... alguns eu gosto... de assistir... tenho um gosto geral por assistir
qualquer esporte... mais... especificamente até pela televisão... e há outros
que me atraem a ponto de eu... querer... de gostar de praticá-los... e aí...
essa referência já é mais restrita... porque a rigor o único que eu gosto de
praticar de fato... é o futebol...
DOC. - E você entende de futebol? Qual
a posição que você joga?
LOC. - Bem... o que se diz geralmente
é que todo brasileiro entende de futebol... não é? Algo que está meio... no
sangue... eu acho que sim... ou pelo menos tenho sempre uma opnião a dar quando
eu estou vendo o jogo... tenho a minha avaliação dele... mais até do que quando
eu estou jogando... eu acho a situa/ nessa situação é mais difícil de se ter
com relação à posição... eu jogo de meio-campista...
DOC. - Quais são as outras posições
que existem?
LOC. - Olha... eu não vou designar uma
por uma... mas... em setores... dentro do campo... ou da ocupacão do campo... você tem o goleiro... que é fundamental pra defender lá o objetivo do esporte... que é o gol... e aí nesse caso específico sobretudo não permitir que o adversário faça gol... você tem uma linha em geral formada por quatro zagueiros... que protege o zagueiro e dificulta ainda mais... essa tentativa do adversário de fazer o gol... você tem o meio campo que é o responsável por fazer a ligação entre essa defesa... e o ataque...e esse ataque é responsável... basicamente por tentar fazer o gol no time adversário...
DOC. - E você assiste só futebol pela
televisão ou você... vai aos... aos jogos?
LOC. - É ... hoje em dia praticamente
eu só assisto pela televisão... já não
[ estou com tanta freqüência ao estádio
DOC. - [Porque?
LOC. - Bom... em primeiro lugar porque...
o meu time do coração... não é um time que... freqüentemente esteja em boa situação
nos campeonatos... e me levando sempre a querer presenciar sempre as partidas
do time... em segundo lugar... por questão de... de violência nos estádios...
e terceiro... a... em geral... os partidos... do campeonato estadual sobretudo...
que é aquele que poderia acompanhar mais de perto... já não estão... lá muito
agradáveis... os times não estão muito bons... o nível do... do campeonato é
relativamente baixo... que somado ao preço do ingresso acho que não atrai muito
a torcida... e particularmente não me atrai...
DOC. - Agora... como é que se organiza
o campeonato brasileiro... como é que... você sabe? Essas coisas assim... campeonato
estadual... como é que essa estrutura...
LOC. - Bom... em princípio você
tem campeonatos de dois níveis né... os ditos campeonatos regionais... que hoje
se resumem... aos estaduais...que são organizados pels respectivas federações
estaduais de futebol... isso no decorrer de um ano... não é... e além desse...
você tem o campeonato nacional que esse sim... é organizado pela CBF... você
vê que na verdadesão dois campeonatos nacionais hoje... quer dizer... um mais
restrito... de clubes de elite... clubes de... de grande torcida que... é...
mais recente... a existência dele... e um outro... mais tradicional... a copa...
chamada copa do Brasil... que envolve... uma quantidade enorme de times até
que... paulatinamente em geral o que ocorre é que os melhores times os de melhor
expressão... a nível nacional... é que acabam sendo mantidos até o final do
campeonato... mas a rigor são dois campeonatos nacionais hoje... sendo que...
com esse campeonato... aliás eu não sei exatamente o nome que dão hoje... eu
sei que a copa do Brasil... é esse que envolve... praticamente todos os campeões
e vice-campeões de todos os estádios da federação... é hoje menos... valoriZAdo
do que... uma outra copa que só envolve os clubes de ponta
DOC. - E você vê algum problema assim
no futebol do Brasil... nesses últimos anos... já que você gosta tanto... com
relação a esses campeonatos... com relação a...
LOC. - Eu acho que o problema do...
futebol no Brasil é como tantos outros problemas ou... ou está como outros problemas...
vinculado... à situação financeira... econômica do país... por exemplo... essa
tal copa do Brasil que envolve os principais times é uam copa por outro lado
em geral deficitárias pra os clubes... porque... envolve times de menor expressão...
a contrapartida da renda nos jogos não é lá muito positiva... só na fase final
do campeonato como eu disse... com a tendência dos melhores... times principais
do Brasil... permanecerem na competição é que as rendas em geral são maiorees...
porque envolvem as torcidas de maior poder aquisitivo... eu acho que o grande
problema do futebol hoje... é o fato de que a situação financeira do país é
deficitária e com isso... os clubes têm dificuldade pra se manter... hoje em
dia o jogador que desponta como... craque de bola... já no junior... ainda nos
dezoito dezenove anos ( ) ser vendido direto pro exterior... quer dizer... ele
pouquíssimo tempo no Brasil... isso... essa dificuldade ... quer dizer... agora...
eu acho que a QUAlidade do futebol brasileiro é indiscutivelmente a... melhor
no mundo... e se a gente tivesse um mínimo de... de organização... como tem
por exemplo... o basquete norte-americano... eu acho que nossa situação seria
próxima à do time de... de basquete norte-americano nas olimpíadas... quer dizer
era... em qualquer competição internacional... seria possível entregar logo
de cara a taça ao Brasil... e nós seríamos infinitamente superiores...
DOC. - e tem mais algum esporte
que você... goste... que você tem eh... gosta de assistir... basquete...
LOC. - Não... como eu disse... o futebol...
aliás o esporte em geral me atrai... na perspectiva de ... de um espectador...
né... por exemplo... então se eu tenho um tempo livre... e se eu estou em casa...
porque em geral esses esportes eu assisto pela televisão... quer dizer... o
que está passando... a princípio me atrai... a liga de basquete profissional
norte-americano... até torneio de... de tênis... coisas desse nível... eu acho
que se o esporte é bem praticado... seja ele qual for... a princípio ele me
atrai... eu assisto... mas assisto sobretudo em casa... eu talvez tenha ido
uma única vez a um estádio pra assistir um esporte que não fosse futebol...
DOC. - E... quais os outros assim... tipos
de divertimentos... coisas que você gosta de fazer... ligada a... à diversão...
LOC. - É porque futebol é uma...
uma diversão mas também é uma profunda necessidade que eu tenho... quer dizer...
é uma atividade que pra mim é fundamental... agora... já... diversão... a idéia
já é bem mais ampla... quer dizer... a princípio... estar em casa num dado momento...
lendo uma certa obra... é divertido também... né... como sair à noite... ir
pra um bar... beber com um amigo... dançar... eu me divirto até... agarrando
e dando uns beijos na minha filha...
DOC. - Eh... deixa eu ver... e
assim... quais são as opções de divertimento que você conhece... assim na cidade
que você vive... mesmo que você não freqüente...
LOC. - Olha... hoje em dia eu já não conheço
tantas opções de divertimento assim... porque já nem tenho tanto tempo livre
pra... pra dedicar a isso... e por outro lado... minha mulher mantém também
ali... em rédeas curtas... então eu já nem dá pra sair assim com tanta freqüência
né... mas como eu disse... em geral... como eu me divirto... quer dizer... quando
eu saio de casa pra me divertir... ou com essa intenção... eu saio pra jogar
futebol... ou eu saio pra... pra encontrar com os amigos... num bar... por exemplo
e beber... tomar um chope... ou ir ao cinema... ou ir á praia... que é o que
eu gosto muito de fazer... viajar nas férias... enfim... em geral é assim que
eu me divirto... mas... como eu disse... hoje eu já não tenho tanto tempo livre
pra dedicar... à diversão...
DOC. - E antigamente... como é que era...
a... as opções de... de divertimento que você tinha... que você fazia...
LOC. - [ antigamente...
DOC. - [ as que você possa contar... da
sua juventude um relato... alguma coisa... interessante...
LOC. - Ah... sim... bom... porque
antigamente a princípio é tempo mítico né... a gente não sabe exatamente como
é... bom... com relação a minha... infância... na minha juventude... na minha...
na minha infância eu me divertia sobretudo brincando... né... a diversão era
essa... e aí era jogando futebol... soltando pipa... coisas que eu acho que
gostava no mesmo nível... jogar futebol e de soltar pipa... relembro a minha
origem suburbana... essas duas referências são importantes... além da... das
outras brincadeiras... quer dizer... quando eu era garoto... as opções de brincadeira
em geral não eram... muitas né... e eram meio que generalizadas... pelo menos
no subúrbio... cada brincadeira tinha a sua época... à execção da bola... que
a gente brincava de bola o ano inteiro... a gente periodi/ tinha um período
específico... de soltar pipa... que em geral eram as férias de meio de ano...
de final de ano... além disso... tinha o pião... que era logo depois ou no iniciozinho...
na retomada das aulas... a bola de gude... enfim essas brincadeiras... além
do carrinho de rolimã... que a gente gostava também...
DOC. - O que você percebe assim...
de mudanças... pelo menos alguma observa/
LOC. - Agora... não... faltou falar
da juventude né... hoje o quadro na verdade mudou muito... mais uma vez como
suburbano... adolescente... eu continuava a jogar bloa na rua... pião já não
rodava tanto... a bola de gude também... muito menos... mas aí veio um quadro
novo dos bailes né... de sair... com os amigos... à noite... pra ir pra os bailes...
clubes... e na época da discoteca... que graças a Deus... ( ) contemporâneo
da discoteca... então... eu freqüentava também... todos finais de semana os
clubes...
DOC. - O que que você acha assim... em
relação a... a hoje... mesmo que você não participe tanto... no que você observe
em relação a sua infância... e... ( ) no subúrbio...
LOC. - Ah... eu acho que::: enfim eu tenho
dificuldade de... de... fazer... de certa forma uma comparação... porque...
a... o senso crítico que eu tinha... quando era... criança... e até adolescente
era comparável ( ) né... então eu não sei... por exemplo... a princípio me parece...
que pelo próprio desenvolvimento tecnológico... então em comparação... hoje
a opção por brinquedo eletrônico... talvez seja muito maior do que era na minha
época... quer dizer na minha época eu me lembro do... do... autorama... que
era uma coisa que eu queria muito ter... e nunca consegui... ganhar... acho
que provavelmente por razões financeiras... né... então eu acho que comparzativamente
hoje... é a opção... o recurso... tecnológico é muito maior... até pra... conforme
o divertimento... agora acho que... além disso tem também uma diferenciação
financeira... a possibilidade... hoje... diferenciada também das pessoas terem
mais acesso ao... eu percebo... por exemplo... pela minha filha... tem opções
hoje de... de... de lazer que eu não tinha na minha época... computador... um
jogo eletrônico... agora... isso também não quer dizer tenha sido generalizado...
acho que certamente... se for aí... vamos dizer uma favela... sobretudo... até
no subúrbio... as crianças continuam se divertindo... basicamente jogando bola...
soltando pipa... essas referências não se perederam... eu acho que hoje... pra
quem tem condição financeira... o leque de opções... é até muito maior... o
que era entre alguns setores... ESSES brinquedos... tradicionais... ou talvez
sejam hoje os brinquedos mais vinculados... às classes mais pobres... né...
acho que hoje as crianças... de classes médias se divertem muito mais com...
com vídeo-games... coisas desse tipo... do que... jogando futebol na rua...
agora a... situação da rua hoje... também está completamente diferente da situação
da rua quando eu era criança... em Ramos eu ainda morava quando... acho que
até a minha adolescência vi... nas proximidades da minha casa... um jeito...
campos... peladas diferentes né... e hoje não existe mais nenhum desse jeito...
e hoje a rua é muito mais movimentada do que era na minha época... então...
talvez já seja um risco muito maior jogar bola na rua... não sei... mas... quer
dizer... acho que hoje o dado é... a tecnologia...à disposição da divresão...
mas também não é generalizado a ponto de ter... extirpado... e feito desaparecer
as outras formas de... de diversão...
DOC. - Agora... você acha que... essa
coisa de... dos tipos de diversão... tem a ver também com... a localização...
do bairro... você acha que é como você estava falando... se mantém alguns tipos...
LOC. - É... eu acho que... talvez... haja
uma diferença de... de intensidade... vamos dizer assim... né... porque... eu
fico imaginando o seguinte... há... há situações... há locais... e... e até...
classes específicas onde não há outra opção além daquela opção de brinquedo...
né... então uma pipa vai... prevalecer... a bola... nessas formas de... diversão
com a criança muito mais barato... né... agora... por outro lado... se você
for ao condomínio da Barra... de alto poder aquisitivo... você também VÊ...
criança jogando bola e... soltando pipa... eu acho que é uma questão... é de
aí de intensidade... eu passei a minha infância toda... onde brincar era...
jogar bola... soltar pipa... entendeu... não havia outra opção... não... não
há... é questão mesmo de opção inclusive... talvez né... porque... àquela altura...
eu talvez pudesse me interessar por um brinquedo de outro tipo... mas não havia
essa possibilidade... então eu acho que é mais questão de intensidade... hoje
as opções são muito maiores pra quem tem... uma situação financeira... razoável...
e que permite ter acesso... a outro tipo de... de opção... pra que não TEM...
as opções... continuam a ser as opções tradicionais...
DOC. - O senhor ainda não vê assim...
por exemplo... principalmente com a situação da Barra... dos condomínios...
as... crianças brincando muito mais... fechadas... no condomínio... esse...tinha
na sua época... o que você achou disso?
LOC. - Não... quer dizer... a dimensão
do condomínio de hoje é a dimensão do bairro... quando eu era criança... né...
quer dizer... esses condomínios viraram talvez... até mais do que bairros...
cidades... e se bastam... ou... pelo menos... se não se bastam completamente...
é possível... a pessoa viver e com um nível de qualidade bastante alto... sem
sair do circuito ali... da própria Barra da Tijuca... do shopping...
da escola... e por ali mesmo... e o próprio condomínio... mas... so condomínios
têm um pouco esse caráter de ( ) na minha época... quer dizer... é possível
dentro do condomínio brincar... na rua... brincar nos parquinhos... no play/
no playgraund... quer dizer... o isolamento é em relação ao condomínio e ao
exterior... mas não ao interior dele... quer dizer... a ( ) está toda... na
possibilidade de que... as crianças nasçam e... e sejam formadas tendo... pura
e simplesmente aquele referencial... que é um referencial de vida... mas ali
dentro ainda há uma... esfera de liberdade... que eu talvez... tivesse... também
na minha infância... vamos dizer... a situação não era tão violenta...
DOC. - E você acha que... se diz que as
crianças criadas em condomínios só se divertem em shoppings...
eh... sei lá... podem... viver num mundo... numa redoma de vidro... não ter...
não saber... o que se passa na realidade... o que você acha disso?
LOC. - Eu acho que essa... essa realidade
ela é... naturalmente multiforme... quer dizer... eu acho que... na perspectiva
humanista... de... o que serão essas pessoas... quando crescerem... que postura
terão... que visão de mundo... acho que... a princípio... tudo leva a crer...
que não sejas lá muito positivo... a visão de mundo deles deve ser certamente
muito restrita... muito vinculada àquela realidade mais... direta e... quase
( )... que eles conhecem... né... agora... a perspectiva geral... eh... a relação
das pessoas... com a... a realidade... a realidade é bem diferenciada mesmo...
quer dizer... eu acho que... se pode também... estar alheio a uma série de problemas...
a uma série de... de conflitos... e de misérias sem... estar isolado dentro
de um bairro daqueles... não acho que... isso necessariamente... pode ser sim
uma experiência traumática... quando lá na adolescência se começa a ter a noção
que o mundo não se reduz àquilo né...